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Jennie Godfrey - A Lista de Coisas Suspeitas
Jennie Godfrey - A Lista de Coisas Suspeitas
Capa
Folha de rosto
Sumário
Nota da autora
O desejo
1. Miv
2. Austin
3. Miv
AS COISAS SUSPEITAS
1. Miv
2. Miv
3. omar
4. Miv
5. Miv
6. Sr. Ware
7. Miv
8. Helen
9. Miv
10. Sr. Ware
11. Miv
12. Austin
13. Miv
14. Omar
15. Miv
16. Helen
17. Miv
18. Miv
19. Helen
20. Miv
21. Miv
22. Omar
23. Miv
24. Omar
25. Miv
26. Miv
27. Miv
28. Helen
29. Miv
30. Miv
31. Sr. Ware
32. Miv
33. Omar
34. Miv
35. Miv
36. Helen
37. Miv
38. Miv
39. Miv
40. Omar
41. Miv
42. Miv
43. Helen
44. Miv
45. Miv
46. Miv
47. Miv
48. Omar
49. Miv
50. Helen
AS CONSEQUÊNCIAS
1. Miv
2. Austin
3. Miv
Agradecimentos
As vítimas fatais do Estripador de Yorkshire
Sobre a autora
Créditos
À memória de Rocco God ey, com amor
Nota da autora
* “Aqui está Margaret Thatcher/ Jogue-a para o alto e a pegue de volta/ Amassa
Esmaga Amassa Esmaga/ Aí está Margaret Thatcher”. (N. T.)
1
3. As tecelagens
• Escuras e sinistras
• Ótimo lugar para esconder corpos
• Será que são assombradas?
6
Helen era capaz de jurar que tinha contado para Gary que
pretendia visitar o pai naquele m de tarde. Não ia vê-lo fazia
tempos, um fato que a incomodava havia semanas, e, depois
que Omar do mercadinho da esquina contou aquela história
esquisita sobre o ferro-velho dos Howden, ela sabia que isso
era necessário. Disse a si mesma que não tinha ido ainda
porque estava ocupada demais com o novo emprego, mas sabia
que não era só isso.
Ela estava na cozinha de sua quitinete, colocando papel-
alumínio sobre o jantar de Gary, quando ele chegou do
trabalho.
“O que você está fazendo?”, ele perguntou, apontando com o
queixo para o prato na mesa. “Ah”, Gary disse quando ela o
lembrou da visita ao pai, com uma voz e expressão chorosas,
como uma criancinha.
Helen sabia o que viria a seguir, que ele não ia querer que ela
fosse; e já tinha pensado nisso de antemão. “Você pode pôr
direto no forno para esquentar, não precisa fazer mais nada”,
ela disse, tentando não soar condescendente, uma coisa que ele
já havia reclamado sobre ela antes.
“Não é isso”, Gary falou, e ela percebeu que ele estava
apelando para sua expressão charmosa, que todo mundo
adorava e para a qual ninguém conseguia dizer não,
principalmente Helen. “É que eu queria ir com você no pub. O
pessoal do trabalho vai sair para beber uma cerveja, e eu queria
mostrar minha mulher linda.” Ele estava mais perto agora, e
empurrou o ombro dela com o seu de leve, lisonjeiro.
Mesmo sem querer, Helen cou extasiada com o elogio. Era
como um re exo impossível de conter. Olhou para a expressão
de tristeza dele e deu risada. “Tudo bem, então”, ela falou, sem
pensar duas vezes. Ela poderia visitar o pai no dia seguinte.
“Eu falei para o Jim Jameson que nós vimos o caminhão dele”,
meu pai comentou mais tarde naquela semana durante o
jantar, apontando com o queixo para mim. “Falei que era
melhor estacionar em um lugar menos movimentado, se é
para passar o tempo todo lá dentro.”
Apesar de não saber ao certo o que tinha mudado desde que
saí para fazer aquelas compras com ele, era nítido que alguma
coisa havia acontecido. Meu pai começou a me tratar mais
como se eu fosse uma adulta.
“Como assim, ele está morando no caminhão?”, perguntei,
incapaz de esconder o interesse.
Ao ouvir isso, a tia Jean quase engasgou. “Por que ele faria
uma coisa dessas? Quer dizer, eu admiro quem pega no
batente, e Deus é testemunha de que não existem bons
trabalhadores hoje em dia, mas é isso mesmo?”
“Pois é, pois é”, meu pai respondeu, balançando a cabeça,
perplexo. “Pelo que eu sei, ele foi chutado para fora de casa
pela mulher. Ele disse que é temporário, então falei que era
melhor estacionar na viela perto da Wilberforce Street, em vez
daquela rua lá.”
Isso só fez o meu interesse crescer ainda mais. A Wilberforce
Street era onde Arthur morava.
“Eu não vou até Chapeltown”, Sharon falou quando sugeri pela
primeira vez. “A minha mãe ia me matar.”
Fui obrigada a admitir que havia um fundo de verdade
naquela a rmação. Parecia que, à medida que íamos cando
mais velhas, mais estreitos os nossos horizontes se tornavam;
os adultos passaram a perguntar o tempo todo aonde
estávamos indo e o que estávamos fazendo. E não só para nós
— para todas as garotas. Até a tia Jean deixou de voltar a pé
sozinha do trabalho. Ela pegava o micro-ônibus especial para a
mulheres que passou a circular pela cidade.
Mas eu tinha muito medo de ir a Chapeltown sozinha.
Alguns dias depois, estávamos no quarto de Sharon nos
arrumando para ir até o centro da cidade comprar o novo disco
dos Boomtown Rats, que depois eu gravaria numa ta.
Enquanto Sharon estava na penteadeira, dei o mais recente
comunicado da polícia para ela ler. Estava impresso em um
papel com as fotos de todas as onze vítimas. Com isso, esperava
lembrá-la do motivo por que começamos a lista.
, o texto declarava
em letras garrafais.
.
A reação dela não foi exatamente a que eu esperava. “Como é
que eles fazem uma coisa dessas?”, ela falou, com as mãos
trêmulas de raiva.
“Ah, eu… como assim?”, perguntei, confusa. “Eles quem?”
“Estão fazendo parecer que a vida de algumas valia mais que
a de outras”, ela explicou, apontando para as palavras em caixa-
alta que iam até o m da página. Olhei para o papel, para ela, e
depois para o papel de novo.
“Eles estão se achando muito superiores. Como se elas não
prestassem. Eles nem conheciam essas mulheres.” Ela bufou,
expirando tão forte que o papel voou da penteadeira.
Prendi a respiração, na expectativa de que isso signi casse
que ela toparia ir para Leeds. Sharon cou em silêncio, ainda
fervilhando de raiva, até que por m disse: “Tudo bem. Vamos
até Chapeltown, então”.
“Vamos, acorde.”
Quando voltei a mim, ainda sonolenta, percebi que Sharon
não estava mais ao meu lado. Eu sentei bem retinha e vi que o
detetive Lister estava de pé ao lado da porta aberta do carro.
“Já deixei sua amiga em casa”, ele contou, “com a promessa
de que nunca vai fazer uma besteira dessas de novo. Você pode
me prometer a mesma coisa?”
“Sim”, respondi.
“Apesar de não dever fazer isso, não vou contar para os seus
pais. Desta vez.”
Ele sorriu para mim pela primeira vez, e a sensação de que o
conhecia de algum lugar se tornou mais nítida. “Pode ir, então.
Entra em casa.” Eu saltei do carro e ele foi embora, me
deixando na calçada com um alívio tão intenso que quei até
zonza. Peguei a chave amarrada no cordão no meu pescoço e
abri a porta da ente.
Pelo menos daquela vez, o silêncio da casa foi bem-vindo,
me dando a chance de acalmar os tremores que abalavam meu
corpo. Quando entrei, me perguntei se o que estava fazendo
ainda era a coisa certa. O que aconteceu em Chapeltown
signi cava que tínhamos ido longe demais? Por minha causa?
Liguei a televisão e vi a mãe de Barbara Leach dar uma
entrevista no noticiário. Foi difícil olhar para sua expressão
angustiada e marcada pelo luto. O que aconteceria se aqueles
homens em Chapeltown não tivessem sido interrompidos?
Seria a minha mãe na televisão atormentada pela minha perda?
Era isso o que eu queria?
Como se tivesse motivada por aquele pensamento, e algum
tipo de mecanismo interno, fui até a cozinha e z um chá bem
forte, com um cubo de açúcar. Levei com cuidado lá para cima
e coloquei diante da porta do quarto dos meus pais.
“Mãe”, falei, sentindo a estranheza daquela palavra na boca.
Geralmente eu só deixava o chá do lado de fora, batia na porta
e ia embora. “Tem uma caneca de chá aqui para você.”
Então fui para o meu quarto e fechei a porta.
28
a imigração
as comunidades europeias
a pena de morte
a Grã-Bretanha grande de novo
Assim que cheguei em casa, fui ligar para Sharon. Não estava
nem aí se meu pai ia me dar bronca por usar o telefone. “Vocês
estavam juntas até cinco minutos atrás, e amanhã cedo vão se
ver de novo”, ele sempre dizia.
Ruby atendeu ao telefone dizendo o número para o qual eu
tinha ligado, parecendo bem irritada.
“Posso falar com a Sharon?”, perguntei.
“Ela está ocupada”, foi a resposta.
“Ah, hã, você pode avisar que eu liguei?”, perguntei, um
tanto perplexa. Ruby nunca era grossa assim comigo.
“Sim, eu aviso.”
“Então tá. Tchau”, eu falei, minha voz falhando, mas Ruby já
havia desligado o telefone.
Fiquei atordoada, ouvindo o sinal de chamada com o
telefone ainda colado à orelha. Ninguém estava se
comportando como deveria. Primeiro meu pai, depois o sr.
Andrews, e agora Ruby. O mundo ao meu redor parecia estar
virado do avesso. A tia Jean, ainda bem, agiu exatamente como
eu esperava quando chegou em casa mais tarde, cheia de coisas
para contar.
“Helen Andrews está no hospital… ela caiu da escada e
quebrou o braço, ao que parece. Vai passar um tempo com
Arthur e Jim quando receber alta, para eles cuidarem dela
enquanto Gary estiver no trabalho.”
Olhei para o relógio. Fazia só algumas horas que eu tinha
chamado a ambulância. Eu sempre cava impressionada com a
capacidade dela de car sabendo de todas as fofocas, mas
aquela chegou em tempo recorde. Às vezes eu me arrependia
de não ter contado para ela sobre a lista. Tia Jean jamais
aprovaria uma tolice tão perigosa, mas conseguiria desmascarar
o Estripador em dois tempos.
Percebi que havia alguma coisa errada assim que abri a porta
de casa. Os ns de tarde de domingo tinham um ritmo
próprio: o meu pai lia jornal no sofá, ou ouvia o rádio; a tia
Jean cava por perto cantarolando, com a tábua de passar
aberta e pilhas de roupas recém-lavadas cujo cheiro competia
com o aroma das sobras do assado que havia preparado no
almoço; e a minha mãe na poltrona ou lá em cima, no quarto.
Em vez da cena de costume, me deparei com o silêncio e
uma sensação de vazio, como se a casa estivesse abandonada,
parecendo a Tecelagem Healy.
“Olá?”, chamei.
A porta do quarto da tia Jean estava aberta, o que não era
nada comum. Ela fazia questão de manter todas as portas da
casa fechadas, repreendendo meu pai e eu entre resmungos ao
ver que alguma estava aberta, com um “Por acaso você nasceu
em um celeiro?” e então a fechava com gestos teatrais. Quando
espiei lá dentro, senti um io na barriga. O quarto dela estava
sempre impecável, com praticamente tudo guardado das vistas,
assim como ela própria. Parecia que ninguém morava ali; era
como se ela ainda se considerasse uma hóspede, embora já
morasse com a gente fazia pelo menos dois anos. Naquele dia,
porém, estava tudo vazio, e sem nenhum sinal dela — a escova
de cabelo, os óculos de leitura e até a foto do meu avô, que ela
deixava em uma porta-retratos de metal ornamentado ao lado
da cama. Eu nunca o conheci — meu pai falou que ele “partiu
antes da hora”, o que quer que isso signi casse, mas já tinha
visto o retrato muitas vezes. Ele tinha uma postura impecável,
como a tia Jean, e era bonitão como meu pai. A ausência da
fotogra a indicava que ela havia ido embora de vez.
Circulei pelo restante da casa na ponta dos pés, como se não
quisesse perturbar o silêncio. Não havia cheiro de comida no
ar, nem ninguém no andar de baixo, então subi em silêncio
para meu quarto, e notei que a porta do quarto da minha mãe
estava fechada, o que indicava que pelo menos ela estava lá.
Quando meu pai nalmente chegou em casa, algumas horas
mais tarde, encostou a porta em silêncio, e vi por cima da
balaustrada quando fechou os olhos e balançou a cabeça antes
de gritar um oi. Eu apareci no patamar da escada.
“Cadê a tia Jean?”, perguntei, antes que ele tivesse a chance
de falar. Foi impossível esconder o tom acusatório na minha
voz. Os ombros dele despencaram visivelmente.
“Voltou a morar no apartamento dela por enquanto”, ele
respondeu. “Por causa do nosso plano de mudar daqui e tudo
mais.”
Minha vontade era dizer que eu não tinha plano nenhum de
me mudar, que isso era coisa dele, mas alguma coisa na
expressão de tristeza que vi no seu rosto segurou a minha
língua. Apesar da determinação de não deixar as minhas
emoções interferirem, senti as lágrimas brotando nos meus
olhos.
“Ok”, eu falei e voltei para o quarto, ouvindo quando ele pôs
um disco para tocar e o som de sua música favorita, “Leaving
on a Jet Plane”, tomou conta da casa.
“Don’t know when I’ll be back again”, meu pai cantou junto com
John Denver.
A primeira vez que ele viu Ruby sozinho depois do funeral foi
a pedido de Marian, o que tornou tudo ainda mais doloroso.
Ele vinha resistindo à ideia de ir até lá, mas ela tinha insistido,
dizendo: “Vá e conserte a porta quebrada da geladeira. Ruby já
está com muita coisa na cabeça para ter que resolver isso
também.”
“Mas e Malcolm?”, ele perguntou, ao que sua esposa deu de
ombros e revirou os olhos. “Tudo bem, então”, ele respondeu,
imitando o gesto dela e abrindo um sorriso, surpreso pela
facilidade com que haviam recuperado a intimidade de um
casal que estava junto há tempos, quase como se os anos
anteriores não tivessem acontecido. Mas não exatamente.
Ele decidiu ir a pé, percorrendo o caminho de sempre com
uma sensação avassaladora de nostalgia, apesar de a última vez
ter sido apenas meses antes. Sua boca foi cando seca, e seu
coração batia tão forte que ele se perguntava se as pessoas na
rua conseguiam ouvir. Quase parecia como da primeira vez,
mas por motivos bem diferentes. Tudo parecia ter acontecido
muito tempo antes, ou até mesmo em outra vida.
Ruby abriu a porta quando Austin apareceu — Marian devia
ter ligado para avisar que ele estava a caminho —, o que lhe
permitiu ver seus olhos fundos e seu corpo emagrecido antes
que ela virasse e entrasse na casa, deixando a porta aberta para
que ele a seguisse. Austin a encontrou sentada à mesa da
cozinha, com as mãos em torno de uma caneca de chá quase
terminada, olhando para o conteúdo, e então se acomodou ao
seu lado.
“Imagino que Malcolm não esteja em casa.” Ele sabia que
estava a rmando o óbvio, mas como iniciar uma conversa
naquelas circunstâncias?
“Não.” A voz dela soava seca, sem emoção. “Ele voltou ao
trabalho. Acha que devemos seguir com a vida normalmente.”
Ela riu sem nem um pingo de humor.
“Como você está?”, ele perguntou, sua voz embargada, dando
uma boa olhada nela pela primeira vez. Parecia que os meses
anteriores a haviam pisoteado, e Austin teve vontade de abraçá-
la, sabendo que ele, mais que qualquer um, não poderia lhe
oferecer qualquer consolo.
Ela suspirou.
“Eu não consigo nem pensar em como responder a essa
pergunta.” Os olhos dela se cravaram nos dele quando se
ergueram do chá io. “Antes, eu via Marian e a julgava, sabe,
achava que deveria pôr a vida nos eixos logo de uma vez.
Achava que isso justi cava o que nós estávamos fazendo.”
Houve uma longa pausa, e ele prendeu a respiração.
“Agora eu percebo que ela não tinha escolha. Que às vezes
acontecem coisas que você não tem como superar ou deixar
para trás assim tão depressa. Agora só sinto admiração por ela
ter seguido vivendo até se sentir pronta para recomeçar.”
Austin se sentiu aquejar por causa do soco no estômago
que foram aquelas palavras, e pelo reconhecimento de que
Ruby estava certa.
“Eu sinto muito”, ele disse, sem saber exatamente pelo quê
estava se desculpando. Talvez por tudo.
“Pelo quê, Austin? O que está feito, está feito. E, entre nós
dois, foi você que fez a coisa certa no nal.”
Ele fez menção de balançar a cabeça, mas ela pôs uma mão
rme em seu braço.
“Está tudo bem, Austin. De verdade.”
Ela preparou um chá enquanto ele consertava a porta da
geladeira e, depois de servi-lo, desapareceu no andar de cima.
Austin ouvia seus movimentos suaves no quarto de Sharon.
Tinha acabado de fazer o reparo quando ela reapareceu,
segurando uma bonequinha de pano surrada nas mãos.
“É para Miv”, ela falou, estendendo-a para ele. “Eu ainda não
consegui…” Ela se interrompeu por um momento, como se
estivesse juntando forças para dizer o restante das palavras.
“Ainda não consegui separar todas as coisas dela, mas pensei
que Miv ia gostar disso.” Ele assentiu, incapaz de falar, e
estendeu a mão para pegar a boneca, mas Ruby recolheu o
braço. “Talvez seja melhor car com ela mais um pouco.”
Austin estendeu os braços, abraçando Ruby e a boneca por um
breve momento. Em seguida, foi embora.