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1 4992422443877400651
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Vincent Cheung
editora monergismo
Brasília, DF
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
Editora Monergismo
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Brasília, DF, Brasil - CEP 70.842-970
Telefone: (61) 8116-7481
www.editoramonergismo.com.br
1a edição, 2009
1000 exemplares
Cheung, Vincent
208p.; 21cm.
CDD 230
SUMÁRIO
2. Cativo à razão 10
3. Ocasionalismo e empirismo 13
9. A incoerência do empirismo 38
–A–
O que você acha de alguém (um materialista) dizendo que o mesmo
conceito pode estar em duas localizações espaço temporais? Isso
acontece porque o cérebro é como um computador que copia o programa
de outro computador. Assim, quando eu falo as ondas de som entram em
seus ouvidos e seu cérebro copia o conceito que eu tinha na minha
cabeça.
–B–
Por que você negaria a possibilidade de comunicação entre elas? É
porque quando você se comunica, está comunicando proposições, e
proposições não são materiais, de modo que a mesma proposição não
pode estar em mais de uma localização espaço temporal?
–C–
(1) Ora, elas mui provavelmente diriam que sua resposta é
autorrefutável, pois você teve de usar sua boca física para fazer a
pergunta, e assumiu que ela seria transmitida pelos meus ouvidos. Nessa
altura você negaria isso em favor do seu ocasionalismo, certo?
(2) Por outro lado eu poderia dizer que na minha cosmovisão Deus fez
nossas bocas para comunicar e nossos ouvidos para receber informação,
mas a partir do empirismo e da cosmovisão dessa pessoa, como ela
poderia saber que está de fato ouvindo o que é dito? Nesse ponto ela
provavelmente reafirmaria sua conclusão de que ela sabe disso porque
respondeu minha pergunta.
(1)
(2)
Como você segue Van Til, suponho que queira formular uma resposta
consistente com sua filosofia. Não posso ajudá-lo nisso, pois não sigo Van
Til e não creio que possa resultar uma boa resposta de sua filosofia. Isso
porque na melhor das hipóteses ele avança um passo lógico quando adota o
empirismo, afirmando que as pressuposições bíblicas podem justificar a
confiabilidade das sensações. Mas já mostrei em outro lugar que as sensações
são inerentemente inconfiáveis, e assim nada as pode justificar ou explicar.
Além do mais, porque a filosofia de Van Til assume em primeiro lugar que as
sensações são necessárias para acessar essas pressuposições bíblicas, fica
evidente que ele adota o empirismo desde o início. Portanto, sua filosofia está
não menos fadada ao fracasso completo e imediato do que a filosofia do
materialista ou empirista.
Seu argumento faz uma inferência falsa da Bíblia. A Bíblia de fato
ensina que Deus fez nossos corpos e órgãos; mas só porque Deus fez o
ouvido isso não significa que suas capacidades e propósitos condizem com o
que você pensa. A própria Escritura mostra que os olhos e ouvidos estão
frequentemente enganados, e pessoas que supostamente veem e ouvem as
mesmas coisas amiúde chegam a conclusões diferentes ou discordam do que
estão vendo e ouvindo (2 Reis 3.20-22; João 12.27-29).
Todos os problemas com o empirismo permanecem com você. Mesmo
que comece com pressuposições bíblicas, não há como você mostrar em
qualquer caso se sua sensação está correta. Mesmo que comece com
pressuposições bíblicas, você não pode salvar o que é inerentemente
irracional e logicamente impossível.
Com o ocasionalismo não há problema. Os ouvidos fornecem quando
muito a ocasião na qual Deus faz uma comunicação direta com a minha
mente ― na ocasião da sensação, mas independentemente dela. Além disso, é
Deus quem controla todas as coisas sobre a ocasião e a comunicação.
É improvável que um materialista reflita sobre isso e aborde a questão.
Por ser empirista, é improvável que ele desafie você no empirismo. Assim a
questão central não é vencer debates, mas envolve verdade e honestidade.
–D–
(1) Como você sabe que não está sonhando?
(2) Seria falacioso meu oponente argumentar que visto que as sensações
são às vezes enganosas, elas são sempre enganosas. Ou seria falacioso
dizer que se às vezes você não pode saber se suas sensações estão
operando corretamente, nunca pode saber se elas estão operando
corretamente.
(1)
(2)
A menos que você possa mostrar como sabe que numa dada instância
uma sensação particular é confiável ou não, não pode justificar um critério
que lhe permita confiar numa dada instância de sensação.
Mesmo que algumas instâncias de sensação sejam confiáveis, a menos
que você possa mostrar quais delas são confiáveis e quais delas não são
confiáveis, não faz diferença ― você não tem garantia para confiar em
nenhuma delas, pois não pode saber quando suas sensações estão corretas e
quando estão incorretas.
Seu oponente não precisa mostrar que você nunca sente o que pensa
que sente. Enquanto suas sensações não forem infalíveis e enquanto você não
tiver um padrão não empírico infalível pelo qual possa julgar cada instância
de sensação, resulta que nenhuma instância de sensação é confiável.
Da mesma forma, seu oponente não precisa mostrar que suas sensações
nunca estão funcionando corretamente. Enquanto você não puder mostrar
infalivelmente se as sensações estão funcionando corretamente em cada
instância, é inútil a confissão genérica de que elas poderiam muitas vezes
funcionar corretamente, pois você ainda não sabe se elas estão funcionando
corretamente numa dada instância. Além disso, o que significa as sensações
funcionarem “corretamente”? Se o funcionamento correto diz respeito à
confiabilidade das sensações em obter conhecimento, isso é uma petição de
princípio.
–E–
Mas elas poderiam perguntar tendo em vista os sonhos serem às vezes
falsos (i.e., um monstro gigante perseguindo você), como você sabe que
está transmitindo uma verdade? Provavelmente você diria que negar sua
cosmovisão até mesmo num sonho levaria à irracionalidade, e que as
leis da lógica, as inferências necessárias etc., também valem nos sonhos.
Eu afirmo as coisas em que creio não por causa do que “vi”, seja no
mundo físico ou mental (ou sonho), mas por causa da revelação divina e da
necessidade lógica.
Seria conveniente um empirista propor essa pergunta sobre sonhos. A
pergunta seria de fato um desafio para ele, e não para mim. A menos que ele
possa responder sua própria pergunta, sucede que não deveríamos confiar no
que sentimos, estejamos ou não num sonho. Essa é também outra ilustração
da impossibilidade de obtermos qualquer conhecimento pela sensação.
Em todo o caso, o contraste real não é entre o estado de sonho e o
estado de não sonho, mas entre um mundo puramente mental e um mundo
físico. Faço referência ao sonho apenas para facilitar a visualização de um
mundo puramente mental.
Além disso, precisamos conversar sobre o que se quer dizer com “real”.
Se um monstro me persegue num mundo puramente mental ou num sonho,
isso que é “real” no mundo puramente mental ou no sonho. Ou seja, é
realmente verdade que um monstro me persegue no sonho.
Por outro lado, a pergunta parece implicar que se algo não acontece no
mundo físico, não é “real”, mas isso é uma petição de princípio.
–F–
Eu diria que (1) Deus nos fez assim, e (2) é desse modo que
normalmente agimos. (3) Seria necessário um ambiente apropriado, isto
é, se eu estivesse drogado, sob luz fraca, sem poder dormir etc., não teria
dificuldades para reconhecer que estava enganado em alguma
observação trivial, mas as sensações são geralmente confiáveis.
(1)
(2)
–G–
(1) A faca corta dos dois lados, e você precisa mostrar pela Escritura
todas as coisas que afirma e põe contra mim.
(2) Além disso, creio que você teria de negar certas noções de senso
comum, e assim não poderia saber que “Vincent é um homem”. Talvez
você queira engolir esse sapo, não sei.
(1)
Sim, eu já fiz isso em meus livros, mostrando em detalhes que minha
posição concorda com a Escritura. Por favor, leia-os.
Mas ao dizer que “a faca corta dos dois lados” você está reconhecendo
que ela corta do seu lado. Assim, por sua declaração você se põe na
obrigação de mostrar pela Escritura que seu ponto de vista está correto.
(2)
–A–
Uma coisa que me torna incapaz de entender como alguém poderia
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defender a crença de Cheung é que os nervos no cérebro são sensoriais.
Ao tomar a decisão de pensar coisas específicas e mudar processos de
pensamento em suas mentes, essas pessoas não estariam assim
confiando em seus sentidos até mesmo para pensar, e logo, confiando
em seus sentidos para deduzir com lógica e obter conhecimento?
–C–
Não entendo como ele possa dizer que não podemos conhecer nada pela
percepção sensorial. De fato, pela percepção sensorial podemos
conhecer inclusive certas coisas sobre Deus (Romanos 1).
–D–
Eu teria o interesse de ver se funcionaria contra isso um argumento do
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terceiro homem, um dos argumentos mais devastadores contra a teoria
de conhecimento (reminiscência) de Platão, que, com algumas
modificações, parece similar à de Cheung.
–E–
Em momento algum ele nos diz como pode vir conhecimento a partir
da sensação, mas continua dizendo que deve ser assim. Nada do que ele diz
necessariamente implica que qualquer conhecimento possa vir da sensação.
Ele me acusa de seguir Platão (o que eu nego) ― mas está agora
seguindo Quine (o que ele admite)?
E quem disse que alguém pode saber quantas formigas há em seu
quintal? Ele sabe? Se não sabe quantas formigas há em seu quintal, como
pode fazer disso um argumento contra minha posição?
Sobre conhecer “previamente”, trata-se mais uma vez do mal-entendido
de que no meu entendimento todo conhecimento seria inato, coisa que nunca
ensinei.
–F–
Mas visto que em alguns casos nossos sentidos são exigidos para se
obter conhecimento (e.g., quantas formigas há em meu quintal), eu diria
que nesses casos os sentidos são um recurso necessário para ganhar
conhecimento.
É uma petição de princípio. O argumento equivale a “Mas visto que
nossos sentidos são exigidos em alguns casos, os sentidos são necessários
nesses casos”. Isso é um argumento ou uma aula de sinônimos? Posso com a
mesma facilidade dizer “Mas visto que os sentidos nunca são exigidos, nunca
são necessários”.
De fato, se os sentidos são exigidos, então são necessários. Mas isso
não prova que os sentidos são necessários. Os sentidos são necessários? E
necessários para quê? O que eles fazem? Como fazem?
–G–
Se Deus comunica todas as coisas, comunica a uma pessoa a crença de
que um herege está correto, e também a outra pessoa a crença de que ele
não está correto! Deus não é autor de confusão. Penso que isso é
devastador.
–H–
Além do mais, as observações não dependem das moléculas! As
moléculas são as mesmas, independentemente. É o modo como o
cérebro do homem interpreta a coleção de moléculas que resulta em
alucinação.
–I–
Se Deus está no controle de todas as coisas e transmite todas as coisas
às pessoas, o que dizer disso: João “vê” uma abelha sobre uma rosa, mas
Tim não. João crê que sua observação é verdadeira. Tim crê o contrário.
Logo, Deus transmitiu A e não A?
É claro. E daí?
Há um problema somente se dissermos que Deus afirma A e não A.
Considere o que esse crítico está pensando. Sua objeção implica que
Deus não controla de fato todas as coisas. Realmente, seu desafio é feito
contra a posição de que Deus está “no controle” de todas as coisas. Em outras
palavras, ele não crê que Deus esteja “no controle” de todas as coisas.
Está claro que o conflito não é primeiro sobre empirismo e
confiabilidade das sensações, embora tais coisas estejam certamente
envolvidas. Antes, o problema é que o crítico nem mesmo afirma o Deus
cristão, ou Deus conforme revelado na Escritura. O Deus cristão está
certamente “no controle” de todas as coisas, mas o crítico nega isso.
Ele fala como se as crenças falsas ocorressem pela autonomia do
homem, ou como se o homem possuísse independência de Deus mesmo no
nível metafísico. Se ele não pode crer que Deus controla as crenças falsas,
como pode crer que Deus esteja agora diretamente sustentando o próprio
Satanás? Ou como afirma Lutero, que Deus mesmo agora controla (não
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somente sustenta) Satanás?
Também, sua objeção fornece um exemplo contra a confiabilidade das
sensações. João vê uma coisa, Tim não vê, ou vê algo diferente. Como esse
crítico resolveria a divergência? Ele não nos diz.
–J–
Ora, é claro que Deus pode lhe dizer quantas formigas há em seu
quintal, mas é essa a operação normal no funcionamento das coisas? De
fato, tenho grande interesse em explorar esse conceito e a noção de que
não há nova revelação.
–K–
A faculdade integral do homem, que Deus criou com olhos e ouvidos
para aprender e conhecer coisas sobre seu ambiente, usa seus sentidos
para adquirir conhecimento. Mas isso não pode ser separado da sua
capacidade racional ― ver uma árvore e chegar a uma conclusão
envolve uma cadeia de raciocínio.
–L–
Eis meu ponto sobre João e Tim. Eu disse que Deus comunicou a um
deles uma verdade e a outro uma mentira. Deus mente?
–M–
Ainda preciso de uma refutação para o versículo onde o Senhor nos
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disse “quando virdes a figueira sabeis que está próximo o verão”.
Esse crítico atacou sua posição sobre sensação, mas penso que algumas
das coisas que ele disse já foram respondidas por você em seus artigos.
Não estou certo se ele as leu.
Existe uma manobra fatal no debate, que se você puder mostrar que a
posição do oponente se contradiz ou torna a si mesma impossível,
efetivamente destruiu sua posição e tudo o mais que segue dela. É um
movimento poderoso. Põe seu oponente em xeque-mate. Contudo, se usada
de forma ilegítima pode sair pela culatra e infligir um golpe fatal na posição
de quem a usa.
Meu sistema de filosofia e método de apologética é corretamente
chamado de “bíblico” ou “pressuposicional”. Eu começo com a revelação e
deduzo dela o restante do sistema. A partir desse princípio básico pode-se
adaptar o sistema para responder a qualquer objeção, bem como destruir
qualquer sistema oponente. O sistema é desenvolvido sobre a revelação e usa
a dedução para derivar informação inerente a ela. O sistema exclui desde o
início epistemologias irracionais e impossíveis, como as que depositam
alguma confiança na intuição e sensação.
Uma escola proeminente de apologética “pressuposicional” protesta
dizendo que isso vai longe demais. Essa escola reconhece que ao menos em
si mesma, a indução é falaciosa, mas é de alguma forma redimida quando
operamos debaixo de pressuposições bíblicas. A escola admite que ao menos
por si só, a sensação não pode fornecer conhecimento, mas funciona como
um modo confiável de obter conhecimento quando se assume princípios
bíblicos. Ou defende, por outro lado, que o incrédulo pode usar a indução e a
sensação com bons resultados, só não pode “contar” com elas. Eu já critiquei
essa escola de apologética incoerente e antibíblica em vários lugares, e não é
meu objetivo principal fazê-lo novamente aqui. Mas precisamos ter em mente
até o fim da presente discussão que os aderentes dessa escola jamais
mostraram o que ou como as pressuposições bíblicas podem tornar racional e
lógico aquilo que é inerentemente irracional e ilógico. Trata-se simplesmente
de uma afirmação injustificada da parte deles.
Todavia meu ponto se refere a outra coisa, isto é, como essa escola de
apologética tenta refutar minha escola, e como o tiro sai pela culatra. Uma
objeção frequente é que se precisamos começar da Bíblia, devemos primeiro
usar nossos sentidos para mesmo ler a Bíblia. Já respondi a isso inúmeras
vezes em diversos lugares, e não houve qualquer tentativa bem sucedida de
refutação. Entre outras coisas, essa objeção cai numa petição de princípio e
de fato ignora minha posição, antes de tudo. Isso porque se eu estiver correto,
de fato não precisamos usar nossos sentidos (no sentido pretendido pelos
meus oponentes) para ler a Bíblia. Eu poderia responder a objeção do mesmo
modo que respondo a qualquer ateu empirista ― poderia levar o debate a um
mundo puramente mental (como num sonho), apenas por sugestão. Posso a
partir de lá restabelecer o mundo físico pelo meu princípio primeiro, mas o
que terá acontecido com o empirista, cristão ou não?
A objeção não pode me causar dano, pois já a respondi. Entretanto,
agora que meus oponentes lançaram a objeção ― e numa forma consistente
com sua própria posição ―, eles é que precisam respondê-la por si mesmos.
Eles afirmaram que uma pessoa precisa usar seus sentidos para saber aquilo
que a Bíblia diz, e por isso devem agora mostrar que nossos sentidos são
infalíveis, ou que, sendo falíveis, existe um modo infalível de descobrir em
quais casos os sentidos estão corretos e em quais casos não estão corretos. Se
não podem fazer isso, eles não podem ler a Bíblia, e todo o seu sistema ―
toda a sua fé cristã ― desmorona, e com a mesma facilidade que isso ocorre
no ateísmo empirista, ou qualquer religião ou filosofia não cristã.
Alguns deles tentam justificar a sensação como meio confiável de se
obter conhecimento. É impossível argumentar a favor do empirismo à parte
da Escritura, e eles reconhecem isso. Assim, numa aparente coerência com
sua posição, eles argumentam pela confiabilidade básica da sensação partindo
da Escritura. Mas o que seria assumido para eles firmarem sua posição a
partir da Escritura? Eles reconhecem que nossos sentidos são falíveis, e desse
modo não buscam defender o empirismo argumentando que os sentidos são
infalíveis. Contudo, se os sentidos são falíveis eles precisam estabelecer com
base na Escritura um método infalível de discernir as instâncias em que os
sentidos estão corretos ou incorretos. Mas se eles possuem de fato tal método,
e ele é falível, ainda precisamos infalivelmente saber o quanto e quando esse
método é falível; caso contrário, tudo sucumbe em ceticismo mais uma vez.
Eles não chegaram nem mesmo perto de estabelecer algo assim. Quando
muito mostraram que a sensação de um dado personagem bíblico estava
correta num caso particular, pois a Bíblia revela que a sensação estava correta
naquele caso. Até onde podemos saber, essa pessoa jamais teve outra
sensação correta. Assim, eles precisam muito mais do que isso. Eles precisam
(mas não conseguem fornecer) de uma teoria de epistemologia concernente às
sensações que se aplique às pessoas e experiências que não estejam já
descritas na Bíblia.
Porque insistem no empirismo, mas não conseguem justificá-lo, eles
mesmos se afastam completamente da Bíblia ao aplicar a objeção contra mim.
Ao tentarem realizar uma manobra fatal contra a minha posição, aniquilam a
sua própria. De fato, a menos que possam responder sua própria objeção, eles
nem mesmo podem sustentar uma objeção contra mim, pois de acordo com
sua própria posição, eles precisariam da confiabilidade dos sentidos para
inclusive ler ou ouvir minha posição em primeiro lugar. Assim, se eu levasse
a sério sua posição, haveria de dizer-lhes que todo o seu sistema se
desintegra, que eles não podem conhecer nada do que está na Bíblia, que eles
nunca ouviram o evangelho, e assim sendo, que não podem nem mesmo ser
cristãos. Mas porque eu não os levo a sério, e porque consigo explicar suas
vidas com minha posição, posso ser mais bondoso com eles do que sua
própria posição lhes permite.
Tal como se apresenta, qualquer não cristão pode confrontar os
proponentes dessa escola de apologética e claramente demolir o sistema
cristão usando apenas este ponto. É verdade que a maioria dos não cristãos
não faria isso, pois assume o empirismo como parte integrante do seu sistema
de crença, e numa situação normal não buscariam atacar aquilo em que eles
mesmos creem. Entretanto, se um não cristão se sente encurralado, pode
sempre levantar este ponto para garantir a mútua destruição. Assim, declaro
que esta escola de apologética pressuposicional é um completo fracasso. Em
seus vários aspectos, até onde estiver em consonância com a Escritura, a
escola será certamente superior aos sistemas não cristãos, mas isso é
irrelevante na construção de uma filosofia, pois ela fracassa em seu próprio
início, e assim não pode nem mesmo chegar àqueles aspectos que são
escriturísticos; se algum não cristão se der conta desse detalhe, a escola se
provará aos crentes um total desastre no debate e no evangelismo.
Se alguém discorda do que foi exposto acima, que prove ― não apenas
afirme ― como consegue ler uma só palavra da Bíblia pela sensação. Que
demonstre logicamente como isso acontece ― estabeleça cada premissa e
mostre que cada passo segue por inferência necessária ― e abrirei mão de
todo o debate sobre essa questão. Qualquer outra coisa que você disser é
irrelevante ― você afirmou a necessidade da sensação inclusive para ler a
Bíblia, e deve agora provar o ponto.
Se você é incapaz de fazer isso, mas mantém firme sua posição,
permita-me oferecer um pequeno conselho. Talvez você nunca venha a
encontrar um não cristão que desafie a confiabilidade da sensação, mas caso
isso aconteça, saiba que a resposta é rejeitar a sensação e permanecer
somente na revelação. Muitas pessoas têm interesse em defender um teólogo
ídolo, mas estou interessado na causa de Cristo. Se você deve permanecer em
sua posição falsa e desonesta por lealdade a uma personalidade ou escola de
pensamento em particular, não posso impedi-lo. Mas lembre-se do que estou
dizendo. Um dia você pode precisar disso. Nem todo não cristão consentirá
que num debate você passe por cima desse ponto, ainda que se permita fazer
isso.
Há também outra objeção que diz respeito a minha visão sobre a
soberania divina e como esta se relaciona com a metafísica e a epistemologia.
Afirmo que Deus deve ser ativo em facilitar e controlar todos os pensamentos
humanos, verdadeiros ou falsos, bíblicos ou heréticos. Os aderentes da escola
de apologética pressuposicional que discutimos aqui tentam mais uma vez
realizar uma manobra fatal contra mim. Eles sugerem que de acordo com a
minha visão, eu poderia estar enganado ao afirmar minha visão. Primeiro,
isso não passa de um completo absurdo, pois a Bíblia ensina que Deus pode
enviar espíritos maus para convencer pessoas a acreditarem no erro. Assim,
não importando como acontece, é Deus quem decreta que uma pessoa será
enganada. Segundo, eles realmente mostram não ter ideia de como realizar
essa manobra fatal, pois seu tiro sai novamente pela culatra. Se eu estiver
enganado tal como sugere a objeção (isto é, na minha explicação de como
alguém crê numa falsidade), isso de fato prova minha posição. Se eu estiver
enganado tal como afirmo que alguém é enganado, não estou de fato
enganado. Para exemplificar, se Deus envia um demônio para “enganar” uma
pessoa fazendo-a pensar que Deus não envia demônios para enganar, Deus
envia demônios para enganar. Do mesmo modo, se Deus me faz crer na
“falsidade” que é Deus quem faz alguém crer na falsidade, Deus faz uma
pessoa crer na falsidade, e de fato não estou enganado. Em outras palavras,
essa objeção não pode demonstrar que minha posição é autorrefutável.
A manobra fatal de mostrar a autocontradição na posição do oponente
pode ser um movimento poderoso e eficaz no debate. Apenas se assegure de
que a posição do oponente é de fato autorrefutável e que a objeção que você
oferece não é um tiro pela culatra. Atente que essa manobra fatal não seja
fatal justamente a você. É claro, se o tiro pode sair pela culatra mostrando
incoerência em sua própria posição, sua posição está errada e não merece ser
defendida em primeiro lugar, conforme mostrado acima.
E se você ainda discorda, aqui vai outro exercício. Mostre este artigo a
qualquer não cristão com educação acima da sexta-série e peça-lhe que
aplique o que está lendo. Agora veja se você ainda pode defender sua fé
contra esse não cristão usando sua apologética “pressuposicional”.
11. Falácias e falácias sobre
1
falácias
Donde posso dizer que esse crítico não compreende de fato sua posição.
Ele assume que segundo a posição, somente as proposições encontradas
na Bíblia são verdadeiras e somente elas podem representar
conhecimento ― ele exclui o conhecimento por dedução porque diz que
“conhecimento por dedução” não pode ser achado na Bíblia.
Você sempre defende que seus escritos são invencíveis. Não estou
necessariamente dizendo que discordo, mas às vezes você parece
agressivo, talvez um pouco agressivo demais. Seus escritos não
poderiam conter erros?
Sua objeção era simplesmente: por que o Deus cristão é que tem de ser o
único Deus verdadeiro, e não o Deus de alguma outra religião? Eu
percebi que poderia avançar apontando as insuficiências dos deuses das
principais religiões, mas existe uma forma de também demonstrar
positivamente a reivindicação da verdade exclusiva do cristianismo?
Deparei-me hoje com uma carta escrita por Greg Bahnsen acerca de
alguns problemas que ele tinha com John Robbins.
Num dado momento, Bahnsen diz sobre Clark: “Quem pode esquecer
sua versão exegeticamente atroz de João 1.1 (‘No princípio era a
Lógica’)?” Por que Bahnsen diz isso? Ele considera “No princípio era a
Lógica” uma tradução equivocada? Se sim, por quê?
Fica a impressão, a partir dos comentários que recebo das pessoas, que
elas são muito resistentes a certos ensinos, embora nem sempre
expliquem por que. Às vezes, sua objeção se baseia no fato de
pregadores expressarem diferentes opiniões e elas ficarem inseguras no
que devem crer.
Você sugere corretamente que não é neutra, e de fato não pode ser
neutra, uma pessoa que afirma ser incapaz de assumir uma posição porque
existem argumentos de ambos os lados. No caso, esta mulher não poderia
dizer que desiste de investigar e prefere “continuar simplesmente pregando o
evangelho”, pois especialmente no caso do calvinismo e arminianismo, o
debate tem a ver com a própria natureza do evangelho.
É tolice recusar-se a tomar uma posição simplesmente por existir
múltiplas perspectivas. Pessoas oferecem argumentos a favor ou contra todas
as religiões (mas nem todo argumento é bom). Se a mulher não pode se
posicionar entre calvinismo e arminianismo porque existem argumentos de
ambos os lados, ela também não deveria ser capaz de se posicionar a favor ou
contra o cristianismo. Assim, de que modo ela se decidiu pelo cristianismo, e
como sua decisão se manteve?
Ela diz que existem argumentos de ambos os lados, mas ambos os lados
possuem bons argumentos? Por exemplo, arminianos frequentemente
argumentam que o calvinismo (especialmente na sua doutrina da eleição)
ensina algo desleal, que contradiz a justiça. Isso pode soar convincente a
pessoas irracionais e desatentas, mas não significa que seja um bom
argumento. Existem respostas simples e conclusivas para essa objeção. Por
conta de sua desonestidade intelectual, essas pessoas simplesmente não
conhecem ou, em alguns casos, se recusam a aceitar essas respostas.
Posso desenvolver dez argumentos afirmando que sou o presidente dos
Estados Unidos da América, mas não seriam bons argumentos. Por exemplo,
posso dizer “quero ser o presidente dos Estados Unidos da América, portanto,
sou o presidente dos Estados Unidos da América”. Esse é um argumento real,
mas não um argumento bom. Outro: “Minha mãe diz que sou um bom garoto,
portanto sou o presidente dos Estados Unidos da América”. Esse também é
um argumento real, com uma premissa explícita e outra presumida que levam
à conclusão. Mas este argumento é também falacioso e pode ser facilmente
destruído. Não é muito difícil destruir cada um dos argumentos do
arminianismo. Em todo o caso, seria absurdamente estúpido dizer que, por
haver agora argumentos de ambos os lados, essa mulher está indecisa se sou
realmente o presidente dos Estados Unidos da América!
Você poderia se sentar com ela e de fato examinar esses argumentos.
Sua tarefa seria então mostrar que o arminianismo não possui realmente um
só argumento bom a seu favor. A verdade é específica e exclusiva, e não
existem argumentos bons para o que é falso. Assim, não é bom o bastante o
calvinismo ganhar dez pontos e o arminianismo dois ― se você lidar
corretamente com as questões, o calvinismo ganhará todos os pontos e o
arminianismo nenhum.
Isso também se aplica a argumentos baseados em passagens bíblicas.
Se o calvinismo é verdadeiro e o arminianismo é falso, não deve haver um só
versículo da Escritura apoiando o arminianismo. Não afirmamos o
calvinismo porque existem mais passagens bíblicas a seu favor, mas porque
todas as passagens bíblicas relevantes ensinam de forma explícita, ou são
pelo menos consistentes, com o calvinismo, ao passo que não existe nenhuma
passagem bíblica ensinando o arminianismo.
Num livro em que existem cinquenta argumentos apoiando o
calvinismo e cinquenta apoiando o arminianismo, é provável que exista em
meio aos cinquenta pontos a favor do calvinismo um pequeno número de
argumentos ruins, alguns destes baseados num calvinismo inconsistente.
Todos os argumentos ruins para o calvinismo deveriam ser descartados. Mas
se você então examinasse os cinquenta argumentos apoiando o arminianismo,
deveria ser capaz de destruir todos eles.
Não faz sentido uma pessoa ficar confusa sobre um assunto apenas por
existir múltiplas perspectivas. Para toda verdade existe logicamente um
número infinito de falsidades ou desvios possíveis. Por exemplo, se é verdade
que 1 + 1 = 2, podemos desviar dizendo que 1 + 1 = 3, ou 4, ou 5, ou 6, até o
infinito. Isso vale para qualquer verdade. Ficar perturbado apenas porque as
pessoas discordam e oferecem argumentos para diferentes pontos de vista é
evidência de uma mente irracional e instável. Por outro lado, mesmo que
alguém concorde com algo, isso não significa que essa posição esteja correta.
Se algo é popular ou controverso, isso é logicamente irrelevante.
23. Apologética para estudantes
1
cristãos
1
Abordei o relativismo (e subjetivismo etc.) em vários pontos dos meus
livros, e assim seria bom você rever o que já escrevi a respeito. Você deveria
ler também meu livro Apologética no Diálogo para aprender a lidar com
pessoas em debates.
Uma resposta básica ao relativismo é que ele é autorrefutável. Se esta
pessoa diz que “a verdade é uma questão de percepção”, então até mesmo
esta declaração é apenas uma questão de percepção, e não pode ser
universalmente verdade que a verdade é uma questão de percepção. Em
outras palavras, que a verdade é uma questão de percepção não é nada mais
que a percepção da pessoa. Mas não significa que seja realmente este o caso,
e não significa que você tenha de aceitar isso.
Então, o exemplo consiste de declarações que são muito ambíguas para
provar o ponto desta pessoa, pois deixam de fora informações vitais como o
ponto de referência e os objetos em consideração; mas assim que você insere
a informação que falta, as declarações se tornam claramente absolutas. Isto é,
considerando a capacidade total do copo, metade dele contém água e metade
contém não água (digamos apenas ar). Refiro-me somente à água quando
declaro “o copo está metade cheio”, e refiro-me somente ao ar (parte não
água) quando declaro “o copo está metade vazio”, mas se tratam ambas de
declarações absolutas.
A afirmação é também sofística. Você assume algo definido e distinto
para “verdade” (X) e para “percepção” (Y), e tudo o que ele então faz é
mudar o significado de “verdade” para que se relacione a Y ao invés de X.
Em outras palavras, a pessoa está dizendo: “A palavra que você usa para
designar X deveria ser usada para designar Y”. Mas e sobre X? Existe ou não
um X? E X é ou não coerente? Ele se esquiva dessa questão sobre a verdade
sem mesmo tê-la refutado. De fato, ao invés de refutar a concepção de X que
você assume, o exemplo desta pessoa simplesmente mostra o que ela quer
dizer com Y.
É possível mudar a palavra “carro” para se referir agora a uma
bicicleta, e dizer que “carro é apenas uma bicicleta”, e você pode então
descrever uma bicicleta para ilustrar seu significado, mas isso não tem nada a
ver com a questão de existir ou não aparelhos de transporte motorizados de
quatro rodas. Subtrair de você a palavra “carro” não faz o carro sumir.
Além do mais, agora que ele afirmou sua premissa, que “a verdade é
uma questão de percepção”, de agora em diante tudo o que ele disser deve ser
tomado apenas como “uma questão de percepção”. Essa é a consequência
lógica de sua filosofia. Você não deveria apenas informá-lo disto, mas
também agir conforme esse padrão em todas as conversas e interações com
ele.
Isto é, argumente conforme as implicações lógicas de sua filosofia, e
então lide com ele de acordo com as implicações práticas da mesma. Insista
nisso mesmo havendo consequências sérias ou até perigosas para ele, por
exemplo, em questões que envolvam dinheiro, legalidade ou segurança, e
lembre-o sempre de que você está apenas seguindo seu padrão. Ele deve
ceder ou então sofrer as consequências de sua própria filosofia.
Embora eu seja o primeiro a dizer que somente consequências lógicas
importam em debates intelectuais, e que consequências práticas jamais
equivalem a uma refutação lógica, o oponente deveria realmente sofrer essas
consequências caso mantenha sua filosofia do relativismo. Se ele não valoriza
os argumentos racionais, talvez esse modo não racional (prático) de
persuasão o faça reconsiderar os méritos racionais da posição que você
2
defende. Por outro lado, como ele não provou sua premissa (e não pode, pois
qualquer prova seria apenas uma questão de percepção) e como você não a
afirmou, as coisas que você diz não precisam ser tomadas apenas como uma
questão de percepção.
Dependendo da atitude e da resposta do oponente (ele pode não se
render tão facilmente), talvez seja necessário chocá-lo e ofendê-lo. Assim,
munido de um gravador, peça-lhe que reafirme sua premissa, que “a verdade
é apenas uma questão de percepção”. “Então”, você pode dizer, “segue-se
que é apenas uma questão de percepção que sua mãe não é uma vagabunda e
prostituta, e que num certo sentido é de fato ‘verdade’ que sua mãe é uma
vagabunda e prostituta”. Force-o a reconhecer isso sem evasivas e ressalvas.
Chame então seus pais e reproduza a gravação.
Repita o procedimento para outras situações e relacionamentos em sua
vida. Faça-o reconhecer que é apenas uma questão de percepção que ele não
está roubando um patrimônio da empresa em que trabalha, e que num certo
sentido é de fato “verdade” que ele está roubando um patrimônio desta
empresa. Chame então seu patrão e toque a fita.
Então, faça-o admitir que é um adúltero e que sua esposa é uma porca
feia (como questão de percepção, é claro), e toque a fita para a sua esposa.
Faço-o reconhecer que é um assassino e estuprador, e que ele deseja matar e
estuprar seus próprios filhos (novamente, como questão de percepção), e
toque a fita para seus filhos ou também para alguém que o conheça.
Evidentemente você deveria deixar claro que está gravando as palavras
dele e o que faria com a fita, dando-lhe chance para abjurar de sua filosofia.
Você não pretende enganar ou fazê-lo admitir algo contrário a sua filosofia
explícita. Não é você quem de fato está dizendo essas coisas (porquanto nega
que a verdade seja apenas uma questão de percepção); você apenas quer saber
se essas seriam coisas que ele diria, e deveria dizer, a partir de sua filosofia.
Essa pessoa deveria de bom grado aceitar sobre si as consequências de sua
própria filosofia. Quanto às pessoas que ela ofendeu, talvez fosse o caso de se
defender delas ensinando-lhes o relativismo.
Qualquer coisa ruim que suceda a essa pessoa decorre de seus próprios
atos a partir de sua própria filosofia. Se lhe sobrevêm problemas por causa
disso, é apenas “uma questão de percepção” que todas essas consequências
sejam indesejáveis. Ela não precisa ser relativista, e pode se render a qualquer
momento tão logo você a confronte com o exposto acima. Assim, se ela é
teimosa, é sua culpa.
Em todo o caso, esse procedimento é um método pragmático, tornando
a vida da pessoa impraticável debaixo de sua filosofia, e nada disso equivale
3
a uma refutação lógica do relativismo. Assim, mesmo que ela se renda sob
tais circunstâncias, isso não significa que você tenha refutado logicamente o
relativismo por meio do pragmatismo, pois o pragmatismo não pode refutar
nada. Mas ao empregar esse método não racional, você poderia com sucesso
forçar essa pessoa irracional a se envolver novamente com o debate e
reconsiderar os méritos racionais da visão bíblica.
25. O prático e o existencial no
evangelismo
INTRODUÇÃO
PERGUNTA
1 Pedro 3.15
Colossenses 4.5-6
Idiotas e fezes
CONCLUSÃO
ESCRITURA DISTORCIDA
Delicadeza anormal, respeito infundado
Em nosso contexto, apologética se refere à defesa intelectual da fé
cristã. Afirmo que ela é intelectual a fim de distingui-la da conquista e
retaliação militar, da manipulação e legislação política, ou de métodos
semelhantes de assegurar concordância ou rendição das pessoas que se nos
opõem. Nosso método é intelectual no sentido de que nossa defesa consiste
de afirmações, explicações e argumentos verbais. Usamos palavras para falar
da fé cristã e mostrar que ela é verdadeira.
Quanto a dizermos que ela é uma “defesa”, discutiremos
posteriormente os possíveis problemas dessa caracterização. Precisamos antes
confrontar um erro sutil, mas impeditivo, que permeia quase todos os ensinos
no âmbito da apologética. O erro é sutil não porque seja difícil detectá-lo; ele
consegue se ocultar com naturalidade porque se tornou tão popular que é
agora aceito como se fosse verdadeiro, mantido até mesmo como um padrão
ético inegociável para os crentes.
Refiro-me à ideia de que ao defendermos a fé, devemos fazê-lo com
“mansidão e respeito” junto aos não cristãos. Como se tratam de palavras
tomadas do apóstolo Pedro, sem dúvida concordo com o seu ensino, mas
apenas quando Pedro é corretamente entendido. O problema é que a maior
parte dos instrutores de apologética deixa de perceber ou reconhecer o
significado pretendido por ele, falhando assim em transmitir seu ensino aos
crentes. E quanto mais eles deixam de ensiná-lo, mais afastam o povo de
Deus da abordagem bíblica para a defesa da fé.
A frase aparece na primeira carta de Pedro, escrita com o propósito de
encorajar e instruir crentes que estão sofrendo perseguição severa por causa
de sua fé. Assim, a frase não se mantém num vácuo. Ela serve ao propósito
da carta, de modo que seu significado é determinado pelo contexto em que
aparece. Observando o propósito mais geral da carta, bem como as passagens
circundantes, podemos inferir o significado pretendido por Pedro.
Quando retornamos à carta com isso em mente, vemos que a “mansidão
e respeito” de fato se encaixam num ensino mais geral de Pedro aos seus
leitores. Seu principal interesse é instruir crentes naquilo que devem pensar e
como devem se portar quando enfrentam perseguição por pessoas revestidas
de autoridade. Ele alude a reis e governadores, e então a mestres, e após isso
a maridos. Em nenhum lugar Pedro alude à defesa da fé em discussões entre
pessoas e seus pares, em debates acadêmicos ou publicações da fé cristã,
como livros e sermões.
Assim, 1 Pedro 3.15 se refere a um interrogatório acerca da fé de
cristãos por parte de pessoas com posições formalmente superiores na
sociedade. Os cristãos devem estar “sempre preparados para dar uma
resposta” (NIV) quando questionados por oficiais do governo, mestres ou
empregadores, maridos e pais, e assim por diante. Isso não significa que o
versículo seja irrelevante para a defesa da fé perante os demais tipos de
pessoas. Mas significa que se subtrairmos o versículo do seu contexto
original para fazer uma aplicação mais ampla, não podemos fazer isso com
uma das partes do versículo e não com a outra.
Em outras palavras, uma vez que aplicamos “sempre preparados” a
outras situações, precisamos também considerar se ainda devemos nos portar
com “mansidão e respeito” ― ou, colocando de uma forma melhor, se
devemos ou não nos portar com mansidão e respeito no mesmo sentido.
Trata-se de uma consideração legítima. Para ilustrar, Jesus não falou com os
fariseus e discípulos da mesma maneira. E ao falar com Agripa, Paulo não
defendeu a fé da mesma maneira que fez ao escrever aos gálatas. Assim
também, seria estranho e antibíblico uma pessoa defender a fé do mesmo
modo ao falar com um juiz e ao falar com seu colega ou filho pequeno. O
conteúdo da fé permanece o mesmo, mas a forma mais apropriada de dirigir-
se a cada pessoa varia.
Pedro mostra que tinha em mente diferentes relacionamentos e também
diferentes categorias de pessoas quando escreveu: “Tratem a todos com o
devido respeito: amem os irmãos, temam a Deus e honrem o rei” (1 Pedro
2.17). Isso não significa que as formas de nos portarmos nesses
relacionamentos sejam mutuamente exclusivas. O ponto é que nesta carta,
Pedro faz essas distinções e fornece instruções específicas para situações
específicas. O amor voltado a Deus é legítimo, e temor voltado ao rei também
é legítimo, embora mesmo aqui as duas palavras já sejam usadas em
diferentes sentidos, e reconhecer mesmo isso já é estabelecer novamente o
ponto.
Quando interrogado por um oficial do governo, o cristão deve exibir
uma mansidão e respeito em honra ao ofício daquele que o questiona. Há
exceções para isso, como quando Elias disse a Acabe “tu és o problema!” ou
quando Jesus referiu-se publicamente a Herodes como “aquela raposa”. Paulo
mais tarde amaldiçoou o sumo sacerdote diante de sua face, embora ao fazer
isso não soubesse que falava ao sumo sacerdote. Quando soube, ressaltou que
não sabia, deixando implícito que poderia talvez não ter declarado a mesma
coisa se soubesse. Mas notadamente, não há registro de que ele tivesse se
retratado da sua maldição. Que existem exceções até mesmo para essa regra
ao nos dirigirmos a figuras de autoridade, reforça a minha afirmação de que é
errada a aplicação universal da admoestação de “mansidão e respeito”. E ela
é amiúde ensinada de um modo que nos levaria a suavizar nosso tom e nossas
palavras em todas as circunstâncias e com todas as pessoas, reduzindo a
apologética a um tipo de demonstração afeminada e repulsiva.
Todavia, Pedro ensina aos crentes o exercício da sabedoria e da
discrição quando eles são confrontados em sua fé por figuras de autoridade.
Aplicar esse princípio em termos mais amplos possíveis sem primeiro atentar
ao contexto específico é exegese defeituosa e um insulto à inspiração divina.
Isso não significa que o cristão deve ser um respeitador de pessoas, temendo
os inquiridores ricos e poderosos, mas zombando daqueles mais simples. A
razão para essa atitude junto a figuras de autoridade é que segundo o ensino
de Paulo, todas as autoridades procedem de Deus. Ninguém que exerça
autoridade alcança sua posição à parte da providência divina. Deus é a fonte
das próprias noções de autoridade e submissão.
Quando o cristão obedece a autoridade com mansidão e respeito, o faz
ciente de que Deus é a fonte de toda autoridade. Você respeita a posição
concedida à pessoa pela providência, embora despreze a ignorância e a
impiedade da pessoa por ela ser não cristã. Este é o ensino do apóstolo. Mas
até mesmo esse ensino transmite intrepidez ao cristão perante as autoridades.
Quando Pilatos disse a Jesus “Não sabe que eu tenho autoridade para libertá-
lo e para crucificá-lo?”, Jesus respondeu que Pilatos não teria nenhum poder
a não ser aquele que lhe fosse dado do alto. Assim, a atitude usualmente
ensinada tem origem numa má interpretação de 1 Pedro 3.15 e dos versículos
relacionados, assim como num entendimento raso do que a Escritura ensina
sobre fé, humildade e respeito. Como a interpretação popular é falsa e
superficial, ela é inútil e até mesmo prejudicial. Deveríamos lançá-la fora.
Se considerarmos o versículo por um contexto mais amplo, qual seja,
da perspectiva do Novo Testamento ou mesmo de toda a Bíblia, o erro da
interpretação popular se torna ainda mais evidente. Partimos da suposição
que se o versículo é entendido de uma forma que condenaria os profetas e
apóstolos, e mesmo o Senhor Jesus, essa não poderia ser a interpretação
correta. Qualquer pessoa que leia a Bíblia percebe que os profetas, os
apóstolos e o Senhor Jesus amiúde falaram e se portaram de maneiras que
contradizem o entendimento popular de 1 Pedro 3.15. O Senhor Jesus
chamou pessoas de víboras, cães, hipócritas, filhos do inferno e filhos do
diabo, e até mesmo agiu com violência física, virando mesas e usando um
chicote para expulsar mercadores do templo.
Aquelas pessoas que afirmam a versão popular da ética cristã não
dariam espaço ao comportamento do Senhor, e estariam prontas para
condená-lo. E ao condenar o Senhor, condenariam a si mesmas. Como
cristão, aprovo plenamente a ação do Senhor. Não desejo discordar dele, nem
ouso fazê-lo. Mas todos aqueles que afirmam a interpretação popular de 1
Pedro 3.15 não têm, ao mesmo tempo, qualquer direito de aprovar o Senhor.
Essas pessoas devem considerá-lo hipócrita, por onde blasfemam o Senhor e
rejeitam o testemunho que a Escritura dá a seu respeito, e assim renunciam ao
cristianismo e se revelam incrédulas e réprobas.
Ou, se essas pessoas não fazem isso, devem considerá-lo uma exceção
em 1 Pedro 3.15. Elas devem dizer que o versículo não deriva do exemplo de
Jesus, mas se aplica somente aos cristãos. Até isso é insuficiente, porquanto
os profetas e apóstolos também contradizem o entendimento popular de 1
Pedro 3.15, de forma que eles também devem ser considerados exceções.
Algumas pessoas de fato ensinam isso. Greg Bahnsen isenta os profetas, os
apóstolos e o Senhor Jesus de 1 Pedro 3.15 precisamente dessa maneira em
uma de suas palestras, dizendo que eles eram exceções. Ao menos ele
percebeu que o auditório não aderiu à sua interpretação do versículo.
Contudo, essa tentativa de tornar a interpretação falsa de 1 Pedro 3.15
consistente com o restante da Bíblia demonstra que essas pessoas não
entenderam ou nem mesmo consideraram as passagens adjacentes. Repetidas
vezes, Pedro alude em toda a carta ao exemplo do Senhor, e é sobre este
fundamento que ele nos instrui a dar com mansidão e respeito uma razão para
a nossa fé. Logo, o Senhor não poderia ser uma exceção, pois 1 Pedro 3.15
assume o seu exemplo em primeiro lugar. E neste caso os profetas e
apóstolos não poderiam ser exceções, já que todo o povo de Deus deve seguir
o exemplo supremo de Cristo, posto que são todos chamados a se conformar
à imagem do Filho de Deus. A interpretação popular de 1 Pedro 3.15 é
inconsistente com o contexto imediato do versículo e contradiz o restante da
Escritura. Portanto, deve ser falsa.
Como os profetas, os apóstolos e o Senhor Jesus não poderiam ser
exceções, essa interpretação favorece cristãos e não cristãos a condená-los
como hipócritas, pois não há como alguém distorcer os fatos para fazê-los se
encaixar na interpretação popular de 1 Pedro 3.15. Os profetas, os apóstolos e
o Senhor Jesus violaram a falsa interpretação com regularidade e sem
remorso. De fato, pareceram estar completamente alheios a qualquer diretriz
moral que exigisse deles a demonstração de mansidão e respeito no sentido
pretendido pela interpretação popular. Assim, quem são os verdadeiros
tutores da fé? Os profetas, os apóstolos e o Senhor Jesus, ou aquelas pessoas
que pedem para você mostrar brandura e polidez ao conversar com
incrédulos, e ignorar os inúmeros exemplos dos pregadores inspirados que
demonstraram o exato oposto?
Por outro lado, se entendemos que o propósito do versículo é dizer que
devemos mostrar respeito quando somos inquiridos por figuras de autoridade,
o problema desaparece. E dado o contexto do versículo, trata-se do único
significado possível e evidente. Conforme dissemos, existem mesmo assim
exceções aparentes inclusive para esse princípio: ao que parece, certas vezes
os profetas, os apóstolos e o Senhor Jesus não demonstraram qualquer
respeito pelas figuras de autoridade. Ao contrário da interpretação falsa de 1
Pedro 3.15, a legitimidade dessas exceções não é inventada para dar uma
aparência de consistência, mas é reconhecida abertamente na Escritura ― por
exemplo, quando sob interrogatório, Pedro disse que deveria obedecer antes a
Deus que aos homens. Assim, essas exceções não são arbitrárias, mas
claramente definidas e explicadas. Além do mais, essas exceções não ajudam
o ponto de vista oponente, qual seja, a interpretação popular, pois a
ponderação dessas exceções ocorre após se ter estabelecido que 1 Pedro 3.15
alude à demonstração de respeito por quem tem autoridade. As exceções
legítimas aparecem dentro de um contexto limitado com princípios
claramente definidos que explicam quando elas devem ser consideradas.
A verdade é óbvia. Aqueles que, com base em 1 Pedro 3.15, insistem
que devemos sempre fazer apologética com “mansidão e respeito” ― isto é,
com o que eles entendem por mansidão e respeito, que nem sempre condiz
com o significado bíblico ― afirmam simplesmente sua própria opinião
sobre a maneira adequada de se conduzir diálogos religiosos. Essas pessoas
não se importam realmente com o que Pedro diz e tem em vista. Desejam
apenas encontrar palavras na Bíblia que possam fundamentar sua própria
atitude nessa questão, o que equivale a: 1. Você deveria fazer apologética, 2.
Você deveria ser legal quando faz apologética. Essa deturpação barata do
ensino de Pedro subverte seu propósito de encorajar e instruir crentes que
vivem debaixo de perseguição severa. Quem promove esse engano deveria
ser responsabilizado.
CRISTO TRAÍDO
Honestidade infiel, humildade dissimulada
Estivemos tratando até aqui do tipo de falsa humildade concernente à
nossa postura de defesa da fé. É produto de interpretações equivocadas de 1
Pedro 3.15 e outros versículos, de tradições religiosas antibíblicas, da adoção
de padrões não cristãos na comunicação social, e da rendição às exigências
não cristãs de como não cristãos deveriam ser tratados.
Ainda que essa falsa humildade já tenha infligido um extenso prejuízo,
existe outro tipo de falsa humildade que introduz um perigo ainda maior.
Trata-se da falsa humildade que desencoraja a plena convicção da verdade do
evangelho, do conteúdo real de nossa fé. Há pessoas que promovem essa
visão de fé mesmo quando alegam defendê-la. E algumas delas poderiam
inclusive sugerir que é desonesto e arrogante afirmar e apresentar o
evangelho como se tivéssemos total certeza de sua veracidade. Afirmam que
a honestidade e a humildade exigem de nós o reconhecimento de que nossa fé
no Senhor Jesus poderia estar completamente equivocada, isto é, que a
própria fé cristã poderia estar errada.
Com respeito a essa falsa humildade, que tem influência sobre a
convicção da pessoa quando ela afirma e apresenta o conteúdo da fé cristã,
ela pode estar baseada na crença sobre a atitude mais apropriada a se tomar
ou pode ser resultado do julgamento filosófico da pessoa. Como eu pretendo
focar no problema de se tomar a admissão de incerteza como sinônimo de
honestidade e humildade, ao invés do motivo subjacente a esta admissão, o
motivo para a admissão de incerteza é aqui irrelevante. Entretanto, como ela é
importante para a defesa da fé em geral, farei uma breve consideração.
Se a pessoa faz uma admissão de incerteza porque supõe que uma
atitude de humildade necessariamente produz essa forma de agir, já refutei
isso. Mas se a pessoa faz essa admissão porque tal coisa decorre do seu
julgamento filosófico pessoal, isso se torna matéria de argumentação
racional, e a resposta é que ninguém pode produzir um só argumento que
lance dúvida sobre qualquer aspecto da fé cristã. Podemos refutar essa
tentativa sem qualquer dificuldade ou hesitação. Ademais, a defesa bíblica da
fé que apresentei em diversos lugares impede tal tentativa.
Na última página do seu livro Humble Apologetics, John G.
Stackhouse, Jr. escreve: “Nós, cristãos, cremos que Deus nos concedeu o
privilégio de ouvir e receber as boas novas, receber a adoção dentro de sua
família e ingressar na Igreja. Cremos que temos conhecimento de certas
coisas que outras pessoas não sabem, e é bom que elas ouçam essas coisas.
Acima de tudo, cremos que encontramos Jesus Cristo”. Isso está correto, mas
então ele segue: “Quanto a tudo o que nós sabemos, poderíamos estar errados
em alguma coisa ou mesmo em tudo. E admitimos honestamente essa
possibilidade. Assim, o que quer que façamos ou dissermos, seja feito com
1
humildade”.
Ele apresenta algumas das afirmações centrais da fé cristã e alega
afirmá-las como verdadeiras. Assim, quando escreve que “poderíamos estar
errados em alguma coisa ou mesmo em tudo”, ele necessariamente
subentende que a própria Escritura poderia estar errada em alguma coisa ou
mesmo em tudo, que toda a fé cristã poderia estar errada. Entretanto, como a
própria Bíblia não admite que ela “poderia estar errada em alguma coisa ou
mesmo em tudo”, Stackhouse não está mais defendendo a Bíblia quando
escreve que ele “poderia estar errado em alguma coisa ou mesmo em tudo”.
Ele poderia enfatizar sua própria falibilidade, que ele mesmo poderia
estar errado na crença de que a Bíblia é a revelação de Deus, mas isso faz
pouca diferença, pois voltamos ao ponto que se é isso o que pretende dizer,
ele não está mais defendendo a Bíblia. Stackhouse afirma que poderia estar
errado ao dizer que a Bíblia está correta, o que é o mesmo que dizer que a
Bíblia poderia estar errada. Porque ele afirma que poderia estar errado ao
dizer que a Bíblia é verdadeira, tal que no fim das contas a Bíblia poderia ser
falsa, ele não está mais fazendo apologética bíblica.
A Bíblia diz que quando afirmamos as coisas por ela ensinadas,
podemos saber com certeza que as coisas nas quais cremos são verdadeiras
(Lucas 1.3-4; João 17.6-8; Hebreus 11.1, 6). A apologética cristã é
importante para defendermos o ensino da fé cristã; como a fé cristã não
declara que poderia estar errada, ao Stackhouse dizer que ela poderia estar
errada, ele não está mais defendendo a fé cristã; mais do que isso, a está
atacando.
Se a própria Bíblia reivindica ser a revelação de Deus, e assim
completamente verdadeira, por qual padrão de humildade Stackhouse chama
sua abordagem de “humilde”? Visto que a Bíblia é o padrão último de ética,
ela também define humildade; assim, quando Stackhouse infere que a própria
Bíblia poderia estar errada, ele não está sendo humilde, mas arrogante ―
arrogante a ponto de dizer que poderia estar errado ao afirmar o que é
revelado por Deus. De acordo com o padrão bíblico, não é humilde a pessoa
dizer que poderia estar errada ao afirmar o que a Bíblia afirma; ao contrário, é
arrogância dizer que a Bíblia poderia estar errada.
Para Stackhouse, a pessoa se declarar cristã e então dizer que sua
própria religião poderia estar errada equivale a dizer que o cristianismo
poderia estar errado; assim, ao invés de fazer apologética ― humilde ou não
― Stackhouse está de fato atacando o cristianismo. Se a Bíblia é a palavra de
Deus, dizer que poderíamos estar errados sobre ela ser a palavra de Deus não
é humildade, mas blasfêmia. Se Stackhouse admite que ele próprio não tem
certeza, podemos talvez ainda aceitá-lo como um irmão mais fraco; mas
quando ele diz que não deveríamos nem mesmo alegar certeza, chegando até
mesmo a dizer que a pessoa que alega tal coisa é desonesta e arrogante, ele
faz de si mesmo um inimigo de Cristo.
Ao invés de dizer que devemos “admitir… essa possibilidade” de que
poderíamos estar errados, devemos insistir na impossibilidade de estarmos
errados ao afirmar o que a Bíblia ensina. É impossível estarmos errados
quando afirmamos o que a Bíblia afirma. Se Stackhouse é tão “humilde”,
deve também confessar que poderia estar errado ao dizer que poderia estar
errado sobre o cristianismo, pois como ele pode estar tão certo de que existe
“essa possibilidade” dos cristãos estarem errados quando afirmam a Bíblia?
Ele é falível ao afirmar a Bíblia, mas infalível quanto a “essa possibilidade”?
A arrogância de um homem é demonstrada por sua teologia modesta. A
confiança arrogante que o homem deposita em sua fé é diretamente
proporcional à confiança em si mesmo, na avaliação de sua própria
inteligência e competência. Porque essa autoconfiança, ainda que
irrealistamente grande, não é absoluta e infinita, a “fé” dessa pessoa será
igualmente limitada. Seu apelo à humildade é de fato um apelo para
subtrairmos a revelação infalível de Deus como base da fé e substituí-la pela
arrogância do homem como o único fundamento da confiança em sua
religião. A base para a sua apologética é a autolatria. A abordagem de
Stackhouse para a apologética não coloca em primeiro plano o poder e a
sabedoria de Deus, mas seu intelecto inferior e sua crise pessoal de fé.
Sua posição é antibíblica, irracional e blasfema; portanto, devemos
rejeitar essa falsa humildade e erudição em favor de uma abordagem para a
apologética que seja bíblica, pela qual se fale: “Estamos corretos, e estamos
certos de que estamos corretos. Vocês estão errados, e estamos certos de que
vocês estão errados”. Se essa posição bíblica incorrer na reprovação do
mundo, que seja ― que os incrédulos tentem nos derrotar na argumentação.
Ele diz: “Quanto a tudo o que nós sabemos, poderíamos estar errados
em alguma coisa ou mesmo em tudo”. Quanto a tudo o que nós sabemos?
Quem lhe deu o direito de falar por nós? Ele deveria falar por si mesmo. A
menos que ele possa me derrotar na argumentação, provando ser possível que
a fé cristã esteja errada, ele não pode falar por mim. Quanto a tudo o que sei,
é impossível que eu pudesse estar errado em alguma coisa ou mesmo em
tudo. E Stackhouse deveria admitir honestamente a possibilidade de eu estar
certo, e que é impossível que a fé cristã esteja errada.
Então, note que ele faz da possibilidade de erro a base da humildade:
“poderíamos estar errados… Assim, o que quer que façamos ou dissermos,
seja feito com humildade”. Isso nos leva a perguntar por que Jesus foi tão
humilde. Em todo o caso, essa não é a base bíblica da humildade. A Bíblia
não diz que devemos ser humildes porque a própria Bíblia poderia estar
errada. De fato, se a própria Bíblia pudesse estar errada, ela não poderia ser
uma autoridade infalível pela qual a humildade é ordenada, pois o próprio
mandamento poderia estar errado, e talvez a arrogância, ao invés da
humildade, é que fosse a virtude a ser buscada.
Como Stackhouse assume a falibilidade humana e não o mandamento
divino como a base da humildade, essa humildade é independente de sua
suposta crença na fé cristã. Em outras palavras, ele pode ser humilde no
sentido pretendido, sendo ou não cristão. Portanto, ele se refere a uma
humildade não cristã. Mas se essa humildade não se fundamenta no
mandamento divino, que diferença faz se sou humilde ou arrogante, mesmo
debaixo desta definição não cristã? Cristo me julgaria por eu não mostrar
humildade não cristã? Cristo me repreenderia, dizendo “Não seja tão
convencido ao enaltecer meu nome perante os pagãos”? O quê? Você é
louco? E se Cristo é falso, ninguém poderia me censurar por não mostrar
algum tipo ou grau de humildade. De qualquer forma, a versão de humildade
de Stackhouse é uma completa tolice.
Deus não nos envia para proclamar uma mera possibilidade, a qual as
pessoas devem então considerar ou investigar; ele ordena que todos os
homens de todos os lugares se arrependam. Esse chamado ao arrependimento
tem autoridade e importância porque a fé cristã é verdadeira no seu todo.
Deus não nos envia para dizer às pessoas que poderíamos estar errados, mas
ao contrário, que estamos corretos, que estamos certos de estarmos corretos, e
que estamos certos de que somos os únicos que estão corretos. Se você deseja
pregar sua própria opinião antibíblica, sinta-se livre para ser “humilde” nisso
e sinta-se livre para dizer que você poderia estar errado. Mas quando você
proclama e defende a mensagem de Cristo, não é sua opção ser modesto nesta
questão.
Um embaixador que representa seu rei quando discursa em outra nação,
age com autoridade plena e nos limites prescritos pelo rei. Isto é, ele fala pelo
rei dentro de certos contextos e situações. Não é sua opção duvidar do rei, ou
criticar ou incitar oposição a ele. Agir assim seria equivalente à traição, e
dependendo da política do seu país natal, o embaixador poderia ser destituído
da função, preso ou até mesmo executado. O monarca estaria nas suas
prerrogativas ao levar esse traidor às ruas para ser amaldiçoado e cuspido
pelo seu povo, e então decapitado em praça pública.
O reino de Deus não é menos reino que qualquer reino terreno, e Jesus
Cristo não é menos rei que qualquer rei terreno. É traição ao reino, ao rei e a
todo o seu povo Stackhouse defender uma política de apologética que
introduz incerteza e falibilidade na fé cristã. E Stackhouse promover essa
política sendo professor cristão e figura pública deixa as coisas ainda piores.
Por essa razão, ele deveria ser removido de todas as funções em qualquer
seminário, igreja ou organização cristã, e sujeito à disciplina eclesiástica
oficial, que lhe faria uma repreensão; caso ele não se arrependesse, nem
fizesse uma retratação pública, deveria ser excomungado.
A fim de não parecer que Stackhouse seja aqui usado como alvo
especial, quero dizer que qualquer cristão que advoga esse tipo de abordagem
para a apologética deveria ser tratado da mesma forma. De fato, essa culpa se
estende a qualquer crente e organização que não afirme e implemente essa
política dura contra traidores espirituais. Essas pessoas se importam mais
com o conforto e a amizade dos homens do que com a honra de Cristo. Se
você é uma dessas pessoas, arrependa-se! Busque refúgio em Cristo, a sua
misericórdia, pois ele disse que seria melhor você amarrar uma grande pedra
no pescoço e pular no mar a fazer um dos seus pequeninos tropeçarem. Seria
melhor você se matar ao invés de minar a confiança de um crente na fé cristã.
Jesus disse isso, e me alegro em repeti-lo. Eu condeno, em nome do Senhor
Jesus, a “apologética humilde” de Stackhouse, bem como todas as suas
variações, não importa quem as defenda, até onde elas propuserem que
devemos admitir a possibilidade de estarmos errados ao confessar a verdade
da fé cristã. Exijo que você faça o mesmo.
Se você confessa ter dúvidas sobre a fé cristã, isso é um problema seu.
É um problema de ignorância, irracionalidade, deficiência em sua retidão e
inteligência. Você precisa de oração, estudo, aconselhamento e graça divina
para a sua alma. Transformar essa fé defeituosa numa abordagem para a
apologética e então consagrar e chamar isso de humildade requer um tipo
especial de hipocrisia. Você introduz dúvida no povo de Deus e insinua
rebelião nos corações dessas pessoas. Você é um lobo em pele de cordeiro,
solapando a confiança do fiel, ao mesmo tempo desculpando os filhos do
inferno. Envergonhe-se. Possa sua humildade queimar no inferno, pois ela
procede da limitação e arrogância do homem, não da revelação de Deus.
Pessoas que se dizem cristãs têm lançado críticas sobre mim por eu
afirmar que sou invencível na defesa da fé. E isso apesar de eu sempre
esclarecer que isso resulta do fato de derivar meus argumentos da revelação
divina ― e a revelação é invencível, assim como Deus é invencível.
Repetidas vezes insisto que qualquer cristão que da mesma forma
permanecesse sobre a revelação também seria invencível na argumentação,
porque até mesmo a loucura de Deus é maior que a sabedoria dos homens.
Essa explicação é ignorada pelos meus críticos, pois eles sempre permanecem
sobre seus próprios méritos, e sua confiança é tão ampla quanto a estima das
suas próprias capacidades. Para eles, o ‘eu’ constitui a referência última do
que é ou não verdadeiro, possível e grande.
Ao afirmar que sou invencível, estou dizendo algo sobre Deus, não
sobre mim. Embora devesse ser essa a postura de todo crente, para algumas
pessoas é inconcebível que alguém pense dessa maneira porque
provavelmente essas mesmas pessoas são, em seus pensamentos, totalmente
centradas em si mesmas e na sua justiça pessoal. Esse é o fundamento de sua
confiança, e como elas são limitadas, pensam que o reconhecimento dessa
limitação constitui a essência da humildade. Todas as coisas são medidas
com base nos próprios méritos e capacidades dessas pessoas. Assim, quando
alguém afirma ser invencível, embora claramente atribuindo isso a Cristo,
elas não podem evitar a conclusão de que essa pessoa afirma ser invencível
em si e por si mesma. Porque elas não pensam da forma que os cristãos
deveriam pensar, negam que qualquer outra pessoa assim o faça. A Bíblia
ensina que aquele que se gloria deve se gloriar no Senhor, mas segundo essas
pessoas, se um homem se gloria deve se gloriar em si mesmo, ou não se
gloriar de forma alguma.
A verdadeira humildade reconhece que sem Cristo nós não somos
apenas limitados; somos nada e não podemos fazer nada, e que por isso não
deveríamos depositar qualquer confiança em nós mesmos. Antes, voltamo-
nos a Cristo a fim dele nos conceder sabedoria e poder, tal que a nossa
medida de fé nas capacidades de Cristo e na apreciação de sua grandeza
tornam-se a medida da nossa confiança. Essa é a base da minha declaração,
qual seja, não posso ser derrotado por não cristãos e sou invencível na
vindicação da fé cristã. Precisamos aceitar a realidade que, ao afirmar a fé
cristã, afirmamos algo que é verdadeiro, certo, belo e glorioso, e invencível
na argumentação.
A RESPOSTA PRONTA
Defenda, ataque e reafirme
A palavra “apologética” deriva do grego apologia, palavra amiúde
traduzida como “resposta” ou “defesa”. Refere-se a uma resposta ou defesa
intelectual, e por isso, a pessoa oferece uma resposta ou defesa usando
palavras, submetendo evidências e fornecendo argumentos. O exemplo
clássico para isso é o tribunal, onde o acusado, ou réu, deve apresentar uma
“resposta” como réplica às acusações que lhe são feitas. A Bíblia nos ordena
a responder ao mundo, e isso sugere uma dimensão intelectual na fé cristã.
Cristianismo envolve aprendizado, pensamento, crença, conhecimento,
discurso e escrita. Há fatos, afirmações e proposições que devemos
compreender e aplicar. Essa é uma característica determinante da apologética
bíblica.
Até aqui, tudo isso é correto; contudo, a noção de apologética como
resposta ou defesa pode ser mal entendida. Mais exatamente, as pessoas que
são descuidadas acerca do que seria uma resposta ou defesa poderiam
entender incorretamente aquilo que os cristãos são pela Bíblia ordenados a
fazer. Esse mal entendido converteu a prática da apologética numa disciplina
passiva e defensiva impulsionada por reações aos ataques dos incrédulos.
Alguns cristãos parecem pensar que devemos nos colocar à disposição
dos incrédulos, sempre prontos a reagir quando eles expressam sua
curiosidade ou animosidade, e fazê-lo com uma sujeição à maneira peculiar
conforme cada indagação se apresenta. O resultado é que os incrédulos
exercem um controle desmedido sobre as agendas e atividades, até mesmo
sobre a forma e o conteúdo da apologética, dos cristãos que pensam dessa
maneira.
Essa falsa visão considera a apologética uma disciplina principalmente
defensiva, que sempre reage à agressão intelectual não cristã. Neste caso, dar
uma “resposta” aos incrédulos significaria neutralizar objeções e corrigir mal
entendidos, mas ela não incluiria um assalto impiedoso e implacável às
crenças não cristãs. Isto é, essa visão de apologética assume a “resposta”
como algo primariamente defensivo, não ofensivo, e primariamente como
uma réplica, não algo que iniciamos. Sua interpretação falsa da instrução de
Pedro, de respondermos com mansidão e respeito, reforça para eles essa
postura.
É claro, existem aqueles que mantêm essa ideia de apologética por
razões diferentes da interpretação falsa de 1 Pedro 3.15; mas a interpretação
equivocada do versículo tem sido realmente um fator contribuinte para a falsa
humildade que tem trazido tão grande debilidade ao empreendimento
apologético da igreja. Ademais, mesmo àqueles que chegaram ao ponto de
sustentar essa visão passiva e defensiva da apologética por razões outras, um
entendimento correto de 1 Pedro 3.15 e do que significa dar uma “resposta”
aos incrédulos deve ser suficiente como corretivo bíblico.
Não há nada na ideia de uma “resposta” que exige sermos apenas
defensivos, ou mesmo primariamente defensivos. A natureza da resposta
depende do conteúdo daquilo que estamos respondendo e do que acreditamos
ser a razão para a resposta. Quando um não cristão exige saber a razão para
eu estar justificado em afirmar a fé cristã e por que é racional eu ser crente,
parte da minha resposta é que há algo de errado com ele, isto é, com o
incrédulo que faz a pergunta. Parte da minha resposta é que qualquer pessoa
que seja não cristã é imoral e irracional. Porque não desejo ser como essa
pessoa, e porque entendo que todos os tesouros da sabedoria e do
conhecimento estão em Cristo, estou justificado em afirmar a fé cristã. Parte
da minha resposta é que Deus lançará o incrédulo num lago de fogo. Porque
não desejo sofrer um destino parecido com o do incrédulo, e porque entendo
que Cristo foi feito pecado embora não tivesse pecado, de modo que nele
posso ser justo perante Deus, busco nele a salvação ― para o livramento da
ira divina e para a esperança de uma vida e glória eternas.
Esse é um aspecto integral e necessário da minha resposta, minha
defesa. É nisso que creio, e logo, é isso o que eu lhe respondo. Como está
escrito, “eu cri, por isso falei”. Também cremos, e por isso falamos. Assim,
até mesmo uma defesa não precisa ser apenas defensiva. O fato de Pedro nos
conclamar a fornecer uma resposta ou defesa é a base bíblica para
agregarmos um elemento ofensivo e agressivo à nossa apologética. Devemos
atacar as pessoas às quais respondemos. Poderíamos também chamar a
prática da apologética de vindicação da fé cristã. A palavra dá espaço tanto
ao aspecto defensivo como ofensivo da nossa batalha com os não cristãos.
Todavia, as palavras “resposta” e “defesa” são precisas, se entendidas todas
as suas implicações.
Considere novamente o exemplo do tribunal. É comum a defesa atacar
a acusação ao argumentar pela inocência do acusado. Isso não é feito
necessariamente por diversão, porquanto a força do processo de acusação é
de fato relevante para o ônus trazido sobre a defesa e o sucesso da defesa.
Assim, a defesa tentaria desmantelar o processo de acusação desacreditando
as testemunhas, oferecendo explicações alternativas para as evidências,
refutando o raciocínio e as inferências da acusação, revelando a
inconsistência dos seus argumentos e testemunhos, e até mesmo fazendo as
atenções se voltarem a questões mais amplas, como a confiabilidade da
memória e da sensação.
Todas essas táticas agressivas pertencem de forma legítima ao arsenal
da defesa legal ou de qualquer defesa racional de uma posição. De fato, a
defesa seria tola e mesmo antiética se deixasse de atacar as vulnerabilidades
no processo de acusação. E se o processo de acusação se fundasse
principalmente em conjecturas, inferências falsas, testemunhos inconsistentes
e acusações arbitrárias, é concebível que grande parte dos argumentos de
defesa fosse de teor agressivo.
O exemplo mostra que estar na defesa não necessariamente significa
estar sempre na defensiva. Mas pretendo mostrar adiante que a posição de
acusado não espelha plenamente a condição do cristão, e que existe uma
justificativa até maior, mesmo uma obrigação, para assumirmos uma postura
agressiva na apologética. Lembre-se que 1 Pedro 3.15 se refere
primariamente à postura do cristão debaixo de interrogatório oficial, e que
não é o único versículo da Bíblia que se refere à apologética.
Os exemplos bíblicos que reforçam o ponto são abundantes. Tendo eu
apontado alguns deles, você deveria ser capaz de notar muitos outros.
O primeiro exemplo vem de Lucas 11, do ministério de Jesus. Ele era
um tsunami ambulante de poder divino, uma avalanche de sinais e
maravilhas. Os evangelhos registram apenas uma pequena percentagem dos
milagres que Jesus realizou. João escreveu que se todas as suas obras
(incluindo os milagres) fossem registradas, talvez o mundo não fosse
suficiente para conter todos os livros produzidos. Mesmo se considerarmos
isso uma hipérbole, e mesmo se levarmos em conta os rolos e pergaminhos
bem maiores e inconvenientes que eram usados naquele tempo, não seria
imaginação exagerada supor que Jesus realizou milhares de milagres, até
mesmo dezenas de milhares, se não mais. Isso é mais do que plausível. Em
alguns casos ele haveria de curar multidões inteiras com uma palavra de
comando, e algumas vezes passaria toda a noite impondo as mãos sobre os
enfermos. Assim, apenas seus milagres de cura já contariam na casa dos
milhares. Seria impossível o número ser menor.
Seus adversários tinham inveja, pois ele estava atraindo muitos
seguidores e libertando essas pessoas das falsas tradições e autoridades. Mas
a própria quantidade e magnitude dos seus milagres tornavam seu poder
inegável. Portanto, como faziam muitas vezes os religiosos réprobos, eles
lançaram mão da calúnia, dizendo que Jesus expulsava demônios pelo poder
de Satanás, o diabo. Ninguém poderia acusá-lo de erro em sua doutrina ou
comportamento, e por isso a acusação de Jesus exercer poder demoníaco era
infundada. Todavia, essa é a natureza da calúnia; ela é irracional e
injustificada.
Demonologia não é o assunto principal aqui. Estamos interessados na
resposta de Jesus, a sua defesa a essa acusação.
Primeiro, ele expôs a falácia presente na acusação, mostrando que era
irracional. Ele disse que o reino de Satanás não pode ser dividido contra si
mesmo e ainda permanecer de pé (v. 17-18). Em si mesmo, tratou-se de um
ataque indireto aos críticos, já que objeções não surgem do nada ― elas são
formuladas por pessoas. Pessoas irracionais fazem declarações irracionais.
Pessoas não inteligentes fazem críticas não inteligentes. Assim, a forma com
que Jesus neutralizou a acusação fez seus críticos parecerem ignorantes e
tolos. Neste caso, ou eles eram ignorantes da operação do reino de Satanás ou
falharam em fazer inferências válidas a partir do que sabiam. Se ele tivesse
pressionado sobre este ponto, a manobra que neutralizou a objeção teria sido
também um ataque direto.
De fato, Jesus fez a seguir um ataque direto aos seus críticos. Se ele
expulsava demônios pelo poder do diabo, “por quem os expulsam os filhos de
vocês? Por isso, eles mesmos estarão como juízes sobre vocês” (v. 19).
Embora a teologia seja importante, ela não é o nosso foco principal agora, e
por isso devemos concentrar-nos na tática retórica e racional usada por Jesus.
Após ter neutralizado sua acusação com uma aplicação apropriada da
demonologia bíblica, Jesus devolveu o ônus do argumento aos críticos e
desafiou suas práticas. Inclusive colocou fogo no campo deles, expondo o
conflito que surgiria entre eles se lhes fosse permitido manter a acusação. Ele
partiu para a ofensiva.
Por último, ofereceu uma resposta positiva e disse: “Mas se é pelo dedo
de Deus que eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus”
(v. 20). Ele afirmou que poderia expulsar demônios, mas não pelo poder do
diabo. Ao contrário, era pelo dedo de Deus, ou Espírito de Deus. E então
usou este último ponto para levar adiante sua mensagem, que “chegou a
vocês o Reino de Deus”. Jesus usou a oportunidade para reafirmar sua missão
e pregar o evangelho. “Ora, se eu expulso demônios pelo poder de Deus”,
disse ele de fato, “então o reino de Deus está aqui. O governo de Deus
chegou. O tempo de Deus chegou. O Filho de Deus chegou! O que você fará
a respeito disso? Continuará inventando críticas irracionais e acusações
infundadas, ou se arrependerá dos seus pecados, regozijando-se pela vinda do
reino até você, entrando nele com fé e ação de graças?”
A resposta de Jesus consistiu, portanto, de uma análise da acusação e
sua neutralização no processo; de um ataque destrutivo dos seus oponentes,
fazendo o ônus da prova se voltar contra eles; e de uma declaração
construtiva sobre a verdade acerca da sua pessoa e mensagem, pela qual ele
reafirma sua missão e promove sua própria agenda. A vindicação da fé seria
muito mais fiel e efetiva se seguíssemos essa abordagem. Devemos fazer
mais do que uma declaração construtiva. Devemos fazer mais do que
neutralizar a objeção. Devemos também perseguir os hereges e atacar os
incrédulos.
Em Atos 2 os discípulos foram preenchidos do Espírito Santo, e tão
logo o Espírito os capacitava, eles falavam em línguas que jamais tinham
aprendido, declarando as maravilhas de Deus. Os judeus ficaram confusos, e
alguns disseram que esses cristãos se embebedaram com vinho. Nesse ponto,
Pedro se levantou para falar.
Ele primeiro enfraqueceu a acusação dizendo que se tratava de algo
improvável (v. 15). Então ofereceu uma declaração construtiva (v. 16-36).
Ela incluía uma explicação alternativa para a ocorrência, isto é, que se tratava
do cumprimento de uma profecia (v. 16-21). Isso se transformou, por sua vez,
numa proclamação do evangelho, da pessoa e da obra de Cristo, que foi
sustentada por argumentos de profecia, história e testemunho.
Estava integrado nessa declaração construtiva um ataque contra os
críticos, os judeus. Pedro disse que eles assassinaram Jesus com a ajuda dos
romanos. Assim, os judeus chamaram os discípulos de bêbados, mas ele os
chamou de assassinos. Eles não perguntaram isso a Pedro, ele é que trouxe
isso à luz. Mas ao contrário da acusação dos críticos junto aos cristãos, a
acusação de Pedro contra eles baseava-se na verdade, não na calúnia, no mal
entendido ou na deturpação. E os judeus que se arrependeram, reconheceram
isso e foram compungidos no coração.
Assim, aqueles mesmos três elementos presentes na defesa de Jesus
também estavam presentes na resposta de Pedro.
Então em Atos 7, Estêvão foi trazido perante o Sinédrio na acusação de
ter falado contra o templo e a lei. O sumo sacerdote inquiriu-lhe da
veracidade dessas acusações, e Estêvão apresentou então sua resposta, sua
defesa. Leia. Você notará os mesmos três elementos em sua réplica.
Poderíamos chamar sua resposta de análise redentivo-histórica. Ele
começou com o chamado de Deus junto a Abraão, e então Isaque, Jacó, e
após então, José. Mas deu mais atenção a Moisés. E é nesta seção sobre
Moisés que ele neutralizou a acusação trazida contra ele. E mencionou
também Josué, Davi e Salomão.
A conclusão inclui uma declaração construtiva sobre “o Justo”
vaticinado pelos profetas. Essa seção final também inclui um ataque contra
seus acusadores. Embora seu registro completo tenha ilustrado a rebelião e
dureza de coração do povo judeu, ele deixou o tema explícito no final:
“Vocês sempre resistem ao Espírito Santo!”. Eles alegavam honrar os
profetas, mas eram aqueles que os perseguiram. Eles alegavam honrar a lei,
mas a desobedeceram. E Estêvão disse que eles tinham agora inclusive
assassinado Jesus Cristo, seu próprio Messias. Estêvão era o acusado, mas
terminou fazendo contra seus acusadores um ataque que era mais forte do que
o ataque que lhe fizeram. Eles o acusaram de sacrilégio, mas ele os acusou
com gerações de sacrilégios e assassinatos.
O discurso de Paulo diante do Areópago em Atos 17 é amiúde
representado de forma inapropriada. Alguns comentaristas dizem que Paulo
adulou os gregos e apelou a crenças comuns para lhes introduzir a fé cristã. Já
escrevi uma exposição extensa mostrando que Paulo fez exatamente o
2
contrário, e por isso não investigaremos os detalhes aqui, mas focaremos os
três elementos de uma resposta cristã.
Como um todo, o discurso foi naturalmente uma declaração
construtiva. Em estrutura e conteúdo, essa declaração é similar a um curso de
teologia sistemática, em que começamos com a Escritura para falar de Deus,
da criação, da providência, do homem e do pecado, e então de Cristo, da
redenção e do julgamento. A afirmação popular que Paulo não era teólogo
sistemático é negada por relatos bíblicos explícitos. Paulo não apenas era
teólogo sistemático, como também o conteúdo que debateu e a forma como
discutiu com eles eram quase idênticos a muitos dos nossos livros-textos de
teologia sistemática.
Embora a maior parte dos teólogos sistemáticos não derive seus
esquemas de Paulo, eles terminam por seguir aproximadamente a mesma
ordem, discutindo os mesmos assuntos. Isso porque a teologia sistemática
segue a ordem lógica e observa as relações lógicas entre as doutrinas
consideradas, e assim, aqueles que podem pensar logicamente devem chegar
aproximadamente ao mesmo resultado. Tal como se dá conosco, Paulo
apresentou eventualmente sua teologia num arranjo diferente, mas os
assuntos discutidos permaneceram os mesmos, apenas que seu propósito
3
tornara necessário arranjar seu material de formas distintas.
Embora o discurso fosse um tipo de resposta sobre a fé cristã, a
situação era diferente, já que Paulo não foi confrontado pelo mesmo tipo de
acusações hostis que encontramos em nossos outros exemplos, e porque os
gregos estavam curiosos sobre o que ele tinha a dizer. Entretanto, ainda
podemos achar o elemento de neutralizar uma objeção. Isto é, os gregos
suspeitaram que Paulo fosse introduzir-lhes uma “filosofia ruim”, e a resposta
de Paulo mostrou que sua filosofia era uma cosmovisão ampla, coerente e
superior, neutralizando assim a acusação inicial dos gregos.
E Paulo atacou os gregos já no início do seu discurso. Tomou o altar
“ao deus desconhecido” como um sinal de reconhecimento da ignorância dos
gregos. Assim, Paulo os questionou desde o começo e reivindicou falar de
uma posição superior. Mais tarde no discurso, Paulo atacou sua idolatria
apontando que o ser divino não poderia ser representado por ouro, prata ou
pedra. Eram os gregos que praticavam má filosofia. Ele os chamou de
ignorantes e disse que Deus ordena agora que todas as pessoas de todos os
lugares se arrependam.
Assim, a resposta do cristão aos incrédulos inclui três elementos.
Primeiro, devemos neutralizar as objeções. Segundo, devemos fazer uma
declaração construtiva que explique nossas crenças e forneça suporte racional
para elas. Trata-se de reiterar e reafirmar a fé cristã, e promover nossa própria
agenda, de modo que as objeções não possam afastar nosso foco na missão.
Terceiro, devemos atacar impetuosamente os não cristãos ― suas crenças,
sua inteligência e seu caráter. Devemos trazer à luz tudo o que há de errado
sobre eles.
Os profetas, os apóstolos e o Senhor Jesus usaram todos esses métodos.
Um método de apologética que não ataca os incrédulos não é apenas
incompleto, mas por ser incompleto, é também irresponsável, e por ser
irresponsável, é também pecaminoso. É pecado não atacar os incrédulos com
todos os nossos poderes e recursos. Certos cristãos atacariam crentes que
seguem esse método antes de atacar não cristãos. Isso é traição contra o reino
dos céus.
A ESPADA DO ESPÍRITO
Razão, retórica e poder
A Bíblia diz que temos a espada do Espírito, que é a palavra de Deus.
Essa metáfora é relevante porque se aplica ao conflito espiritual, conflito que
ocorre quando uma batalha de ideias é travada entre cristãos e não cristãos.
Se nossa abordagem à apologética invoca a palavra de Deus, ao sermos
desafiados pelos incrédulos nossa resposta envolve então cravar essa arma
diretamente em seus corações. Trata-se de uma guerra, e o dever que você
tem é claro. Ao enfrentar um oponente não cristão, você deve feri-lo. Você
deve atacar seu orgulho. Deve danificar sua confiança. Deve destruir a base
de sua crença e confiança. Você deve então declarar sua derrota e mostrar ao
mundo que o colocou debaixo dos seus pés em nome de Cristo.
Se adotarmos essa abordagem bíblica na apologética ao confrontar os
incrédulos ou sermos por eles confrontados, eles nunca mais serão os
mesmos. O evangelho decreta sua derrota, morte e eterna condenação. Se eles
recusarem o arrependimento, suas trevas serão ainda maiores, seus corações
tornar-se-ão ainda mais endurecidos. Serão ainda mais privados de sua
sanidade e humanidade. Tornar-se-ão ainda mais estúpidos, ainda mais
perversos. Morrem em suas mortes. Quanto às pessoas a quem Deus escolheu
e capacitou crer, estas serão levantadas dentre os mortos e despertadas para a
justiça. Qualquer que seja o caso, uma vez que a palavra de Deus tenha
penetrado, elas nunca mais serão as mesmas.
Espada implica sangue, violência, ofensa e conquista. Incorremos em
nossa própria condenação se confessarmos que a palavra de Deus é a espada
do Espírito, mas ao mesmo tempo falharmos em dar o lugar devido à
natureza ofensiva da nossa obra. Dizemos crer na Grande Comissão, mas
enquanto a pregação do evangelho propagar ideias que contradizem aquilo
em que creem os não cristãos, o aspecto ofensivo da nossa obra terá primazia
sobre qualquer postura defensiva. Se nos mantivermos silentes sobre aquilo
em que cremos, ou mantivermos nossa espada na bainha, muito embora a
natureza ativa da espada proteste qualquer supressão, não haverá nada para os
incrédulos desafiarem. O fato de nos exigirem uma resposta ou defesa
pressupõe que nós, ou soldados mais fiéis que nós, já assumimos a ofensiva.
A espada do Espírito é embainhada na verdade, que a Bíblia compara a
um cinto que mantém os outros itens no lugar. Essa arma de ataque é extraída
da verdade, fora da verdade. Em termos mais concretos, é derivada ou
deduzida da Bíblia. Prevalecendo essa relação, se a espada remete a
aplicações específicas e ágeis, o cinto poderia se referir ao sistema bíblico
integral de doutrina. A busca e o crescimento contínuo nas disciplinas da
teologia sistemática, da teologia bíblica, do conhecimento bíblico geral e de
passagens bíblicas específicas, reforçam o nosso cinto e afiam a nossa
espada.
Quão grato sou ao Senhor ao analisar meus oponentes, divertindo-me
também um pouco. São desgrenhados, despidos e inermes. Alguns tremem, o
que deveriam mesmo fazer. Mas alguns são confiantes ― estes é que são os
iludidos, pois lhes falta qualquer senso para perceber que alguém maior está
diante deles no nome de Cristo. Ele não me deixou despreparado, mas se
assegurou de me deixar bem treinado e equipado. Ele me deu a garantia de
vencer todas às vezes, se apenas lutar, destruindo seus inimigos com golpes
decisivos da espada.
É consenso entre os cristãos que a verdade é o nosso fundamento, nosso
núcleo e fonte do nosso pensamento. É duvidoso que aquele que não
concorda com isso seja de fato cristão. Assim, extraímos nossas
pressuposições, doutrinas e argumentos da verdade, isto é, da Escritura.
Entretanto, não há consenso sobre como essa verdade deve ser aplicada e
defendida. A abordagem de apologética que aqui denuncio resulta de um
falso entendimento do que significa dar uma resposta ou defesa aos
inquiridores, e de qual o contexto e significado de se fazer isso com
“mansidão e respeito”.
Esse falso entendimento resulta, por sua vez, de uma indiferença por
aquilo que Pedro tem realmente a dizer, e também da busca por uma agenda
pessoal, isto é, de afirmar uma abordagem para o discurso e interação social
que agrade às sentimentalidades e padrões culturais dos não cristãos.
Evidentemente, a distorção das palavras de Pedro não é o único fator
contribuinte para essa abordagem pagã, mas trata-se de um bom e notável
exemplo entre aqueles versículos mal usados. Isso tem levado a uma
limitação antibíblica em duas áreas principais da apologética.
Primeiro, a abordagem antibíblica para a apologética coloca um
impeditivo sobre a razão. Cristãos demonstram certas vezes uma aversão à
“razão”, em parte porque são confusos e desobedientes, mas em parte porque
a palavra está muitas vezes carregada de suposições que os crentes não
deveriam aceitar. Quando cristãos detectam consciente ou instintivamente
essas suposições, tornam-se hostis à própria razão ao invés de desafiar as
suposições. E então os incrédulos dizem que os cristãos são contrários à
razão, irracionais. Contudo, não é da razão que devemos nos acautelar, mas
dessas suposições.
Por exemplo, o racionalismo é a forma de pensamento que alega usar a
razão para descobrir e deduzir um sistema de verdade abrangente, com uma
rejeição consciente da revelação desde o início. Cristãos não podem, é claro,
aceitar tal coisa, e nenhuma pessoa refletida deveria fazê-lo. Ou, o empirismo
é muitas vezes identificado com a razão. Como o método científico envolve
uma aplicação deliberada de métodos e suposições científicas, a ciência é
também frequentemente identificada com a razão. Mas novamente, não há
necessidade de identificar empirismo e ciência com razão.
Antes, a razão pode se referir simplesmente às leis da lógica, aos
princípios que descrevem as regras necessárias de pensamento. Por exemplo,
duas proposições não devem se contradizer mutuamente. Ou, quando um
item é igual a outro, e o segundo é igual ao terceiro, o primeiro também é
igual ao terceiro. Princípios básicos como esse também constituem a base
para a delineação das formas que os argumentos válidos devem assumir. São
regras do pensamento necessárias que uma pessoa deve seguir, quer
adentremos ou não em seus pormenores. E os homens usam-nas instintiva e
necessariamente quando falam e debatem uns com os outros.
Na perspectiva cristã, razão é uma descrição do modo de Deus pensar.
É o modo como Deus estrutura a criação e estrutura sua revelação. Assim,
uma rocha não pode ser e não ser uma rocha ao mesmo tempo e no mesmo
sentido. E a Bíblia assume a necessidade da lógica em seus ensinos e
argumentos. Por exemplo, ao discutir com Satanás, Jesus assume que a Bíblia
não pode se contradizer, e não há qualquer registro de que o próprio diabo
tivesse discorrido sobre este ponto com Jesus. Em outra ocasião, Jesus usou o
mesmo princípio para desconcertar os fariseus, como quando apontou que o
Messias haveria de ser tanto o filho como o senhor de Davi. Os escritos dos
profetas e dos apóstolos também são repletos de argumentos que assumem as
leis da lógica.
Não há nada de errado com a razão em si, se removermos as suposições
desnecessárias. E quando fazemos isso, percebemos que a razão é uma arma
fatal nas mãos do cristão. Por exemplo, descobrimos que, quando testada pela
razão, toda a ciência se desintegra em questão de segundos. É claro, se
identificamos ciência com razão, não poderíamos dizer isso, porquanto a
ciência seria sinônimo de razão. Mas se por razão nos referimos à lógica sem
a bagagem de suposições desnecessárias, a alegação de que a ciência é
racional é aniquilada. Isso ocorre por conta de sua dependência na indução,
na sensação e na falácia formal da afirmação do consequente em seus
métodos e forma de pensar. Qualquer um desses três aspectos destruiria a
alegação de que a ciência é ao menos um pouco racional. A ciência é apenas
uma versão sofisticada e sistematizada de irracionalismo.
Se insistirmos nesse ponto na apologética, todas as objeções científicas
à fé cristã serão destruídas mesmo antes de serem examinadas. O método da
ciência se autodestrói e impede a ciência de descobrir qualquer coisa sobre a
realidade. A abordagem costumeira na apologética é exaltar a ciência e dizer
que ela pode realmente descobrir a verdade se devidamente conduzida. Neste
caso a defesa do evangelho se transforma num debate sobre ciência, e com
isso o incrédulo neutraliza o propósito cristão, a despeito do resultado desse
debate. O reino dos céus não faz progresso.
Até mesmo a versão popular de apologética pressuposicional endossa a
ciência, apesar de ensinar que não podemos explicá-la à parte de
pressuposições bíblicas. Mas isso é ainda mais ridículo. A ciência é irracional
em si mesma, e assim nenhum conjunto de pressuposições pode justificar ou
explicar a ciência, a não ser revelar sua falsidade. Portanto, essa forma de
apologética pressuposicional torna a Bíblia cúmplice de uma mentira. Ao
invés de defender a fé, a abordagem incorre na blasfêmia. A razão pertence
aos cristãos. Não devemos permitir que os não cristãos sequestrem a razão,
depositando nela suas suposições pessoais. Eles reclamam a razão para si
mesmos. Eu a tomo de volta.
Alguns cristãos têm usado as falácias informais para mostrar que a
Escritura diverge da razão. Mas as falácias informais são por si só aplicações
da razão, e não pertencem à própria razão. Essas aplicações poderiam ser
corretas ou erradas. Por exemplo, a falácia informal da difamação aponta a
um problema lógico genuíno somente quando reduzida a uma falácia de
irrelevância. Isto é, se uma pessoa insulta outra com um nome ou rótulo
irrelevante ao debate, e se profere o insulto como se ele fosse relevante, trata-
se de uma falácia lógica. Mas não há qualquer problema lógico no ato em si
de difamar.
De fato, se a difamação parte da cosmovisão de uma pessoa, ela é uma
parte necessária do que precisa ser discutido. Por exemplo, a Escritura usa as
palavras “pecadores”, “tolos”, “cães”, “víboras” e similares para descrever os
incrédulos. Se o cristão evita seu uso, não está mais falando pela fé cristã.
Assim, em tais casos os insultos não são falácias informais, mas uma parte da
cosmovisão cristã. É nisso que cremos ― cremos que os não cristãos são
pecadores, tolos, cães, e assim por diante. E se o não cristão discorda dessas
caracterizações, isso é parte de sua cosmovisão. O conflito se torna agora
mais claro, e como resultado, o debate pode se tornar mais relevante e
produtivo.
Segundo, a abordagem antibíblica para a apologética coloca um
impeditivo sobre a retórica. Trata-se de outra palavra carregada. É
frequentemente associada com sofisma, ou uso habilidoso da linguagem com
o propósito de engano ou manipulação. Não é a isso que eu me refiro.
Quando esvaziada dessas suposições, a palavra pode simplesmente se referir
a um uso eficaz da linguagem, ou habilidade na fala ou escrita. O propósito é
trazer clareza à nossa comunicação e salientar a força que é inerente às nossas
crenças.
Palavras são símbolos que transmitem ideias. Os símbolos não são
vinculados às ideias por necessidade, já que um símbolo pode representar
tanto uma ideia como outra. Assim, não importa quais símbolos usemos para
representar nossas ideias. Mas uma vez que os símbolos estejam associados
às ideias, assume importância quais símbolos estamos usando ao comunicar
nossas ideias, pois diferentes símbolos representam agora diferentes ideias.
Por sua vez, o tom, o estilo e a estrutura da nossa comunicação também
afetam as nuances exatas das ideias comunicadas. Assim, a retórica não
remete ao simples efeito das palavras.
Na apologética, o cristão deve usar todos os artifícios, formas,
expressões e estilos retóricos exibidos na Escritura. Muitos deles não são
rejeitados por crentes e professores em apologética, mas outros são
condenados como ásperos e isentos de amor, apesar de constarem da
Escritura. Conforme notamos, a retórica não pode ser totalmente divorciada
do conteúdo, e por isso, opor-se à retórica da Escritura é opor-se ao seu
conteúdo. A Escritura denuncia o pecado, mas o faz em certos tons, usando
determinadas palavras e com determinadas atitudes. Se retivermos conosco o
que pensamos representar as ideias expressas, mas usarmos somente os tons e
as palavras que os incrédulos não consideram ofensivos, ainda não estaremos
declarando ao mundo o que a Escritura realmente diz, ou o que a cosmovisão
cristã realmente é. Ademais, a linguagem da Escritura também evoca uma
determinada resposta. Se você desafia a linguagem, muda a resposta.
Portanto, apresentar ou defender o evangelho dessa maneira é antibíblico e
inadequado.
A rejeição da retórica bíblica é uma desvantagem no debate e um
pecado perante Deus, pois implica vergonha ou desprezo pela sua palavra.
Possa Deus libertar seu povo das tradições humanas que o impedem de seguir
a Bíblia no seu conteúdo e na sua linguagem, na sua razão e na sua retórica.
Não importa quantos de vocês estão do outro lado da controvérsia. Vocês
estão errados. E não podem lutar contra Deus e vencer. Meu Pai é maior que
todos. E quanto àqueles que têm ouvidos para ouvir, vocês são livres para
falar e escrever tal como faziam os profetas, tal como faziam os apóstolos e
tal como fazia o Senhor Jesus. Não permitam que as tradições religiosas ou
os padrões culturais os impeçam de seguir a palavra de Deus. A menos que se
livrem dessas coisas, vocês não encontrarão liberdade para manejar a espada
do Espírito.
Devemos lançar fora todos os impeditivos que limitam nosso uso da
razão e da retórica para atacar não cristãos, criticar seu estilo de vida e
destruir tudo aquilo em que eles acreditam.
A espada do Espírito é uma arma espiritual. É manejada pelo cristão na
pregação e na argumentação. Mas essa arma é a espada do Espírito também
em outro sentido. O Espírito Santo é que determina o efeito que a palavra de
Deus terá sobre as pessoas. O cristão a maneja na fala e na escrita, mas o
Espírito a faz penetrar nos corações dos homens. Jesus disse que o Espírito
Santo convenceria o mundo do pecado, da justiça e do juízo. O Espírito Santo
é a arma secreta do cristão. Ele não deveria ser um segredo para nós, muito
embora represente um mistério para os incrédulos. Ele é o fantasma, por
assim dizer, que os assombra. Ele é o Fator-X que eles jamais podem
conceber, evitar, enganar ou subjugar.
O Espírito Santo é uma fortaleza para os cristãos. Sua influência não se
limita ao momento do conflito; ele é o espírito de amor, de poder e do juízo
perfeito. Ele é o espírito de intrepidez, de modo que os primeiros discípulos
foram preenchidos do Espírito Santo ao orar para Deus lhes conceder a
intrepidez ao pregarem sua palavra. Ele é o espírito de conhecimento e
entendimento, de discernimento e revelação, de certeza e exuberância na
defesa da fé. Assim, ele não apenas ensina apologética a mim, com respeito
às palavras a dizer e técnicas a usar, mas torna-me um apologista, um
defensor competente da fé. Como está escrito, ele “treina as minhas mãos
para a guerra e os meus dedos para a batalha” (Salmos 144.1). “Porque
contigo passei por meio de uma tropa; e com o meu Deus saltei sobre uma
muralha” (Salmos 18.29, KJV).
Mas o Espírito Santo é um terror para os não cristãos. Eles são
impotentes e indefesos perante o seu poder. Eles não podem matá-lo, não
podem argumentar contra ele e não podem escapar dele. Suas mentes estão
debaixo do seu controle soberano. O Espírito pode confundi-los no debate e
convencê-los dos seus pecados. E mesmo quando deixam a cena, ele os
acompanha, introduzindo dúvidas em suas mentes com respeito às suas
crenças, e convicção em suas consciências com respeito aos seus pecados.
Ele pode convertê-los à fé cristã a qualquer momento que desejar. Se for da
vontade do Espírito, posso abrir caminho na mente mais endurecida
simplesmente recitando o evangelho. Os incrédulos não possuem qualquer
defesa contra mim. Eles não podem impedir a conversão de qualquer pessoa
que o Espírito tenha escolhido converter. Os escolhidos estão facilmente
disponíveis para nós. Nenhuma força de vontade, argumento, educação ou
experiência pode resistir à ação direta do Espírito Santo na mente. Se Deus
escolheu você para salvação, nenhum poder pode me impedir de reivindicar
sua própria alma para o Senhor Jesus.
Muitos cristãos poderiam achar esse aspecto da apologética difícil de
compreender. Provavelmente porque o Espírito Santo não está sujeito ao
nosso controle. Ele faz o que lhe apraz, e estamos sob seu comando. Todavia,
existem princípios sobre as atividades do Espírito Santo, princípios de uma
natureza tal que podemos aprender a interagir com ele de forma deliberada e
inteligente. Por exemplo, ele é o espírito de verdade que poderia capacitar
crentes a entender as coisas de Deus. E Jesus ensinou que o Pai concederia o
Espírito àqueles que lhe pedissem. Assim, podemos rogar a Deus para que o
Espírito Santo nos preencha, nos faça fortes e sábios, e confunda os inimigos
do reino dos céus.
A GRANDE INVASÃO
Da humildade pagã à autoridade cristã
Jesus ofereceu a outra face, mas também virou mesas. Não fez apenas
uma das coisas, mas ambas, dependendo do que convinha à situação. Assim
também, devemos fazer ambas, dependendo da situação. O cristão que
oferece a outra face mesmo quando deveria virar mesas, provavelmente
oferece a outra face não por ser humilde, mas por ser covarde. E aquele que
vira mesas e jamais oferece a outra face, não vira mesas por ter zelo ou
intrepidez espiritual, mas talvez por apresentar uma personalidade agressiva e
impaciente. Ou talvez ambos estejam mal informados sobre como o crente
deveria proceder. Devemos fazer as duas coisas, e um entendimento dos
princípios bíblicos deve nos orientar sobre o que fazer em cada situação. Há
momentos na apologética que precisamos virar algumas mesas.
Algumas vezes não cristãos usam 1 Pedro 3.15 para manipular crentes.
Aproveitam-se da interpretação falsa que o cristão faz do versículo e fazem-
no dar uma satisfação para a sua fé agindo com mansidão e respeito. Essa
resposta é usualmente entendida no sentido defensivo, de modo que o cristão
deve interminavelmente fornecer respostas defensivas a perguntas e objeções.
Por conta da interpretação falsa do versículo, jamais sucede do
questionamento encontrar um desfecho, quando então o não cristão deve
justificar suas próprias crenças ou do contrário render-se ao evangelho.
Mansidão e respeito são entendidos de uma forma que levam a postura
dos cristãos se assemelhar à passividade do budismo e confucionismo, ao
invés do fruto do Espírito. Isso é uma abominação, e permite que os
incrédulos pressionem os cristãos a oferecer apenas respostas defensivas para
a sua fé que não representem qualquer ameaça intelectual direta aos
incrédulos e qualquer pressão emocional sobre seus sentimentos. E então eles
dizem: “Responda-me, cristão! Defenda sua fé! Explique-a! Prove-a para
mim! Dance! Dance! Dance! E não se atreva a levantar a voz ou insultar e
zombar de mim. Seja legal, conforme diz a Bíblia! E quando terminar, faça
tudo novamente!”
As implicações da apologética antibíblica encorajam os incrédulos a
fazer com que o ônus intelectual e emocional do conflito se mantenha o
tempo todo sobre os cristãos. Os incrédulos podem se dar bem com isso até
onde os cristãos se deixarem levar por uma interpretação falsa da Escritura, e
desnecessariamente permitirem que os incrédulos os façam sofrer, enquanto
pensam estar sofrendo derrota e humilhação pela causa de Cristo. A verdade
é que esses cristãos sofrem devido a um erro hermenêutico tolo e simplório.
Uma vez corrigida a interpretação, os cristãos se tornam livres.
De fato, quanto às pessoas que afirmam essa interpretação equivocada
ou sustentam um mal entendido mais amplo acerca do que a Escritura requer
na resposta que damos e o modo como fazemos isso, elas serão levadas ao
sofrimento sem maiores esforços por parte dos incrédulos. Elas oferecem
respostas defensivas e se privam de atacar os incrédulos. E se portam assim o
tempo todo, com humildade budista exemplar e gentileza confucionista. Eu
condeno essa capitulação pagã da ética bíblica.
Mas como a verdade nos liberta! Primeiro, Pedro alude ao modo como
os cristãos deveriam se portar quando estivessem debaixo de interrogatório
oficial, tal que a mansidão e o respeito seriam mostrados às autoridades por
causa de Deus, que estabeleceu todas as autoridades. Segundo, uma
“resposta” se refere a qualquer coisa que poderia explicar por que afirmamos
o evangelho ou por que estamos justificados em afirmar o evangelho. Isso
deve incluir nossa crença de que os incrédulos são tolos e perversos, que eles
são mentalmente deficientes e moralmente depravados, e que todas as suas
crenças são falsas e irracionais. Uma vez que tivermos esse entendimento,
lançaremos fora essa apologética “humilde” repulsiva, efeminada e
antibíblica. Levantaremos a espada do Espírito, e faremos um massacre de
todos os não cristãos, subjugando e humilhando-os por completo na
argumentação. Essa é que deveria ser a nossa resposta.
Tão logo a nossa resposta assuma essa natureza, os incrédulos
perceberão que não estão mais seguros. Eles não podem mais nos manipular
usando nossa Escritura ou 1 Pedro 3.15 como um escudo para sua
incredulidade e rebelião. Se eles atacarem a fé cristã, não sairão ilesos do
conflito. Suas próprias ideias serão criteriosamente examinadas, desafiadas,
refutadas e destruídas ― a todo o momento. Cada pergunta que nos fizerem
terá um preço. Cada objeção que lançarem contra nós será um tiro pela
culatra. E quando se cansarem do debate, não poderão mais dar desculpas
para a sua situação, como se não tivessem qualquer obrigação de nos
responder, responder aos nossos desafios voltados ao teor das suas crenças e
ao seu comportamento. Eles saberão que não apenas revidaremos quando
atacarem, mas que partiremos para cima. Nós é que somos os caçadores, e
eles a presa.
Você diz: “Essa apologética me assusta”. Você é um tolo. Não percebe
que essa é a Grande Comissão? Não percebe que a Comissão é um manifesto
para a invasão espiritual do mundo? Jesus Cristo é Senhor sobre todas as
coisas, e ele nos envia a todo lugar da Terra, até mesmo a cada pessoa, para
declarar seu senhorio e ensinar as pessoas a obedecerem tudo o que ele nos
ordenou. Portanto, temos o dever e o direito de invadir todos os lugares da
Terra, intrometer-nos em todas as vidas, e então desafiar e ordenar as pessoas
a se arrependerem, e dizer-lhes aquilo em que devem crer e como devem se
portar. Essa é a comissão e a autoridade do cristão.
Você deve aceitar e seguir o mandamento do seu Senhor, e o poder do
Espírito estará com você. Quando eu respondo aos incrédulos, não o faço por
minha própria autoridade ― não estou defendendo a mim mesmo ou pedindo
que as pessoas me adorem. Eu respondo em nome do Senhor Jesus, e por isso
respondo de acordo com os seus ensinos e de acordo com o que ele operou na
minha vida. Em seu nome, ordeno aos incrédulos que se arrependam e creiam
no evangelho, obedeçam a tudo o que Cristo ordena. Sou um mensageiro da
vida e da glória àqueles que são escolhidos para a salvação, e mensageiro da
morte e condenação àqueles que se recusam a crer. Somos chamados para
conquistar o mundo, confrontar os incrédulos, atacar seu estilo de vida e
convertê-los à nossa maneira de pensar e viver. Nada menos que isso pode
contar como ministério cristão. Se pensarmos dessa maneira, avançaremos,
conquistaremos, e nada será capaz de permanecer diante de nós. E estaremos
sempre preparados, preparados para vencer.
30. O pregador fala filosofia