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Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico Phi
Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico Phi
19350
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Recebida: 15-07-2012/Aprovada: 11-11-2012/Publicada on-line: 27-02-2013.
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Publicada em: Mind, Vol. 32, No. 128 (Out., 1923), pp. 465-478.
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Marcos Silva é pós-doutor financiado pela FUNCAP/CAPES na UFC, Fortaleza, Ceará, Brasil.
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Nota do Tradutor: Todas as passagens do Tractatus e da introdução de Russell aqui foram retira-
das da tradução de Luiz Henrique dos Santos, publicada pela Edusp, em 1992. Seguindo-a, tradu-
zo “state of affairs” por “estado de coisas”, “form of representation” por “forma de afiguração” e
“nonsense” como “contra-senso”.
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Nota do Tradutor: Apesar da tradução da palavra alemã Bild para “figuração” parecer a mais
adequada, esta implica um sentido de sofisticação e especificidade que Bild não tem no original.
Pode-se usar Bilder para imagens, figuras, ilustrações, desenhos, pinturas, fotos, mapas, modelos,
dentre outras. Esta diferença fica clara em 4.0311 quando se tem que traduzir a expressão alemã
lebendes Bilder por “quadro vivo” ou “tableau vivant” e não como “figuração viva”. Nota-se, então,
que o escopo semântico da palavra alemã usada por Wittgenstein é muito mais vasto e corriqueiro
que a portuguesa “figuração”. Em Português, chamar uma imagem de “figuração” pode ser artifi-
cial e em algumas circunstâncias pode ser afetado e pomposo. Além disso, o uso de “figuração” –
assim como o da palavra representation em inglês – é ambíguo, porque pode estar vinculada tanto a
uma ação como ao resultado de uma ação, enquanto a alemã significa sempre um resultado. Um
bom argumento para o uso de “figuração” é que ela permite as mesmas Umformungen da alemã
Bild. Ou seja, segue a “multiplicidade lógica” das construções de seu par alemão, o que não acon-
tece com a tradução para inglês, como no caso de picture e form of representation.
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Nota do Tradutor: Por serem largamente utilizados na literatura secundária sobre Peirce em por-
tuguês, farei uso nesta tradução destes termos também em inglês.
p q
V V
F V
V F
F F
P q
T T V
F T V
T F
F F V
PHILÓSOPHOS, GOIÂNIA, V.17, N. 2, P. 263-288, JUL./DEZ. 2012 273
F. P. Ramsey, Marcos Silva tradução
místicas.
Sentenças deste tipo, que nós chamamos de “pseudo-
proposições”, surgem de várias maneiras, dependendo de
nossa linguagem. Uma origem é a necessidade gramatical
para tais substantivos como “objeto” e “coisa”, os quais di-
ferentemente de substantivos comuns ordinários corres-
pondem a funções proposicionais. Assim de “isto é um
objeto vermelho” parece se seguir uma pseudo-proposição
“isto é um objeto”, que no simbolismo dos Principia Ma-
thematica não pode ser escrito de todo. Contudo a mais
comum e importante fonte é a substituição de nomes e
nomes relativos por descrições. (Eu uso “nomes relativos”
para incluir “p”, a expressão para um sentido p; em contras-
te com uma descrição deste sentido, tal como “o que eu dis-
se”.) Geralmente isto é legítimo; porque, se nós tivermos
um esquema proposicional contendo lacunas, a significati-
vidade do esquema, quando as lacunas são preenchidas por
descrições, pressupõe, em geral, sua significatividade, quan-
do elas são preenchidas por nomes de coisas respondendo
por descrições. Assim a análise de “O ϕ é vermelho” é
“Existe uma e apenas uma coisa que é ϕ e é vermelha” e a
ocorrência de “é vermelho” mostra que a significatividade
da proposição pressupõe a significatividade de “a é verme-
lho”, onde a é do tipo de ϕ. Contudo algumas vezes isto
não é o caso, porque a proposição contendo a descrição de-
ve ser analisada de um modo um pouco diferente. Assim
“O ϕ existe” não é “Existe uma e somente uma coisa que é
ϕ, e existe”, mas simplesmente “Existe uma e apenas uma
coisa do tipo de ϕ”; de maneira que sua significatividade
não pressupõe que “a exista”, o que é contra-senso, porque
sua verdade poderia ser encontrada pela mera inspeção,
sem comparação com a realidade, o que nunca é o caso
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TRADUÇÃO RESENHA AO TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS
DE WITTGENSTEIN
ϕc : ∼(Ǝx,y) . ϕx . ϕy;
nós vemos que “—— = ——” só é significativo quando uma la-
cuna pelo menos for preenchida com uma descrição. Inci-
dentalmente, esta rejeição da identidade pode ter sérias
consequências na teoria de agregados e de números cardi-
nais; é, por exemplo, dificilmente plausível afirmar que du-
as classes são de igual número apenas quando existir uma
relação um para um, cujo domínio é uma das classes e o
contradomínio é a outra, a menos que tais relações possam
ser construídas por meio da identidade.
A seguir, devo mostrar como esta explicação se aplica a
propriedades internas do sentido das proposições, ou, se
elas forem proposições verdadeiras, aos fatos corresponden-
tes. “p é sobre a” é um exemplo; sua significatividade pode
ser pensada como se seguindo de “Ele disse algo sobre a”,
mas, se nós refletirmos sobre a análise da última proposi-
ção, nós veremos que isto não é o caso, porque ela não se
reduz a “existe p, que ele assere e que é sobre a”, mas se re-
duz a “existe uma função φ tal que ele asseriu φ a”, que não
envolve a pseudo-proposição “p é sobre a”. Similarmente,
“p é contraditória a q” poderia ser pensada como envolvida
em “ele me contradisse”; mas é vista como sendo uma
pseudo-proposição quando nós analisamos a última como
“Existe um p tal que eu assiro p, ele ∼p”. É claro que isto
não é uma análise completa, mas é o primeiro passo, sufici-
ente para o presente propósito, e mostra como “—— é con-
traditório a ——” é significativo somente quando ao menos
uma lacuna é preenchida por uma descrição.
Outras pseudo-proposições são aquelas da matemática,
que, de acordo com o Sr. Wittgenstein, são equações obti-
das escrevendo “=” entre duas expressões que podem ser
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TRADUÇÃO RESENHA AO TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS
DE WITTGENSTEIN
nas linhas sugeridas acima com “Eu não tenho mais do que
dois dedos”.
Deixe-nos agora passar para a explicação do Sr.
Wittgenstein da filosofia. “O fim da filosofia”, ele afirma,
“é o esclarecimento lógico dos pensamentos. A filosofia não
é uma teoria, mas uma atividade. Uma obra filosófica
consiste essencialmente em elucidações. O resultado da
filosofia não são ‘proposições filosóficas’, mas é tornar
proposições claras. Cumpre à filosofia tornar claros e
delimitar precisamente os pensamentos, antes como que
turvos e indistintos” (4.112). Parece-me que nós não
podemos ficar satisfeitos com esta tese sem alguma
explicação sobre “clareza”, e eu tentarei dar uma explicação
em harmonia com o sistema do Sr. Wittgenstein. Acredito
que uma sentença seja “clara” na medida em que tenha
propriedades visíveis correlatas às, ou “mostrando”, as
propriedades internas do seu sentido. De acordo com o Sr.
Wittgenstein as últimas sempre se mostram nas
propriedades internas da proposição; mas por conta da
ambiguidade type-token de “proposição”, não é
imediatamente claro o que isto significa. Propriedades de
uma proposição devem, acredito, significar propriedades de
todos os tokens; mas, as propriedades internas da proposição
são aquelas propriedades dos tokens que são, por assim
dizer, internas, não aos tokens, mas ao type; isto é, aquelas
que um dos tokens deve ter se deve ser um token daquele
tipo, não aquelas que são impensáveis que ele não devesse
ter de alguma forma. Nós devemos lembrar que não existe
necessidade de uma sentença ter o sentido que ela de fato
tem; de maneira que, se a sentença diz fa, não é uma
propriedade interna da sentença que exista algo nela que de
alguma forma seja conectado com a; mas esta é uma
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isto em certos casos, tais como quando “p” é “ele pensa que
q” ou “ele vê a”, poderia ser propriamente chamado de
proposição filosófica. Isto não seria incompatível com a as-
serção mais moderada do Sr. Wittgenstein de que “a maio-
ria das proposições e questões que se formularam sobre
temas filosóficos não são falsas, mas contra-sensos. Por isso,
não podemos de modo algum responder a questões dessa
espécie, mas apenas estabelecer seu caráter de contra-senso.
A maioria das questões e proposições dos filósofos provém
de não entendermos a lógica de nossa linguagem.” (4.003).
Por último, gostaria de abordar a visão geral de mundo
do Sr. Wittgenstein. “O mundo”, ele afirma, “é a totalidade
de fatos não de coisas” (1.1) e “é obvio que um mundo
imaginário, por mais que difira do mundo real, deve ter al-
go – uma forma em comum com ele. Essa forma fixa con-
siste precisamente nos objetos.” (2.022, 2.023). É uma visão
incomum que qualquer mundo imaginável deva conter to-
dos os objetos do mundo real; mas isto parece se seguir de
seus princípios, porque se “a existe” é um contra-senso, nós
não podemos imaginar que ele não exista, mas somente que
ele tenha ou não tenha algumas propriedades.
O Sr. Russell em sua introdução encontra uma grande
dificuldade no fato de que (x). ϕx envolve a totalidade dos
valores de ϕx e assim, aparentemente, a totalidade dos valo-
res de x, sobre os quais, de acordo com o Sr. Wittgenstein,
não se pode falar; porque é uma de suas teses fundamentais
“que é impossível dizer algo sobre o mundo como um todo,
e que o que possa ser dito tem que ser sobre porções limi-
tadas do mundo”. Parece duvidoso, entretanto, que isto seja
uma expressão justa da visão do Sr. Wittgenstein; por conta
de uma coisa, ela sugere que seja impossível dizer (x). ϕx,
mas somente talvez “Todo S é P”, tomado como não asse-
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