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Full Download Escrito Com Letras de Sangue Martires Do Seculo XX Anderson Wagner Araujo Online Full Chapter PDF
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Anderson Wagner Araújo
SANGUE
Histórias e Atas dos Mártires do Século XX
ESCRITO COM LETRAS DE SANGUE:
HISTÓRIAS E ATAS DOS MÁRTIRES DO SÉCULO XX
ISBN: 978-65-80264-12-4
2019
A
história da Igreja, especialmente nos seus três primeiros séculos, é
caracterizada por longos e intensos períodos de perseguição, em-
preendida sobretudo da parte do Império Romano, pois os cris-
tãos, com a encantadora novidade de sua vida e de seu testemunho, eram causa
de grande incômodo. Contudo, esta realidade não se extinguiu, ainda que, em
certo momento, os cristãos tenham gozado de paz e liberdade. Ao longo dos
séculos seguintes, seja na Idade Média, seja na Idade Moderna ou Contemporâ-
nea, esta aversão à fé cristã se manifestou de variadas formas, sob diversos ma-
tizes, mas com a forte consciência da Igreja de que “sanguinis martyrum semen
christianorum” (Tertuliano).
E isto não deve ser visto por nós como algo alheio à nossa fé, como uma
série de fatos acidentais. É preciso olharmos para Jesus Cristo, Senhor nosso,
que por primeiro foi perseguido, tornando-se causa de nossa salvação e reden-
ção. E Ele próprio já nos advertiu: “Se o mundo vos odeia, sabei que me odiou a
mim antes que a vós. O servo não é maior do que o seu senhor. Se me persegui-
ram, também vos hão de perseguir” (Jo 15, 18.20).
O século XX, apenas findado, traz consigo uma gama de testemunhos elo-
quentes e corajosos de fé e incondicional abandono em Deus, Senhor da Vida
e da história, verdadeiramente escritos com letras de sangue. Estes mártires
contemporâneos têm muito a nos dizer, sobretudo quando consideramos que
ainda existem, nos dias atuais, tantas forças más que se opõem violentamente
a Cristo, ao Seu Evangelho e à Sua Igreja, martirizando muitos de nossos irmãos
e irmãs, sobretudo no Oriente Médio. O número de mártires nos dias de hoje é
assustadoramente crescente.
Portanto, merece reconhecimento todo o trabalho do jovem advogado e
professor Anderson Wagner em pesquisar, reunir e publicar, neste livro, a histó-
ria de alguns destes mártires de nossos tempos, vítimas de sistemas políticos,
filosóficos e até mesmo ditos religiosos. A leitura de “Escritos com letras de
sangue” deve ser feita numa profunda perspectiva de fé, pois, ao longo de suas
páginas, vemos o relato de almas que, não temendo aqueles que podem matar
o corpo (Mt 10, 28), amaram a Jesus de modo radical, ofertando-se a si mesmas,
confiando no Justo Juiz, que lhes concedeu a coroa da glória (2Tm 4, 8).
Deixemo-nos tocar, na mente e no coração, pelo testemunho destes már-
tires, e peçamos que intercedam por nós, para que sejamos capazes de renun-
ciar a nós mesmos e amar ao Senhor com radicalidade.
Introdução ....................................................................................................... 11
Miguel Agustín Pro ........................................................................................... 19
José Sánchez del Río ......................................................................................... 39
Bartolomé Blanco ............................................................................................. 55
Florentino Asensio ............................................................................................ 81
Apolônia Ochoa .............................................................................................. 107
Martín Martínez Pascual ................................................................................ 119
Maximiliano Kolbe .......................................................................................... 129
Edith Stein ...................................................................................................... 153
Jakob Gaap ..................................................................................................... 171
Maria Tuci ....................................................................................................... 197
János Brenner ................................................................................................. 211
Charles de Focauld ......................................................................................... 227
Conclusão ....................................................................................................... 239
Referências ..................................................................................................... 247
Dicas de filmes ................................................................................................ 250
I nt r odu ç ã o
O
Catecismo da Igreja Católica no § 2474 expressa: Com o maior cui-
dado, a Igreja recolheu as lembranças daqueles que foram até o fim
para testemunhar a fé. São as “Atas dos Mártires” (Acta Martyrum).
Constituem os arquivos da Verdade escritos em letras de sangue:
De nada me servirão os encantos do mundo e dos remos deste século.
Melhor para mim é morrer (para me unir) a Cristo Jesus do que rei-
nar até as extremidades da terra. É a Ele, que morreu por nós, que eu
procuro; é a Ele, que ressuscitou por nós, que eu quero. Aproxima-se o
momento em que serei gerado... Eu vos bendigo por me terdes julgado
digno desse dia e dessa hora, digno de ser contado no número dos vos-
sos mártires... (Santo Inácio de Antioquia)
Guardastes vossa promessa, Deus da fidelidade e da verdade. Por essa
graça e por todas as coisas, eu vos louvo, vos bendigo e vos glorifico
pelo eterno e celeste sumo sacerdote, Jesus Cristo vosso Filho bem-
-amado. Por Ele, que está convosco e com o Espírito, vos seja dada
glória, agora e por todos os séculos. Amém. (São Policarpo)
Com estas percepções destes santos mártires, se inicia esse livro que
tem por objetivo abordar a temática do martírio no século XX, que é
chamado por muitos historiadores de “o século dos már ires”. A Igreja foi
edificada com san-gue, o de Nosso Senhor Jesus Cristo e de uma incontável
multidão de mártires, homens e mulheres, de todas as idades, que entregaram
as suas vidas, foram brutalmente assassinados por amor a Ele, o único “delito”
que cometeram era o simples fato de terem fé.
Nos primórdios do Cristianismo, aqueles cristãos que foram as testemunhas
da ressurreição sem temor preferiram a morte do que calar sobre o grande fato
que viram, e depois deles, muitos outros fizeram o mesmo, sempre anunciando a
cruz, “escândalo para o mundo” e proclamando que Jesus Ressuscitou, de ver-
dade, como havia dito. Deixou o sepulcro vazio, ao terceiro dia. A certeza da res-
11
surreição e o Espírito Santo vindo sobre a Igreja em Pentecostes, retirou qualquer
sombra de medo que pudesse existir na Igreja Primitiva.
Os primeiros cristãos sofreram duríssimas perseguições das autoridades
judaicas de então, mas, no entanto, o Cristianismo cada vez mais foi difundido
chegando a Roma. O Império Romano, do ano 64 d.C. a 313 d.C, martirizou muitos
milhares de cristãos, desde crianças até idosos, homens e mulheres.
A crueldade dos martírios da Igreja Primitiva, era absurda. Sobretudo nas
perseguições dos terríveis imperadores Nero Cláudio César Augusto Germânico (do
ano 54 d.C a 68 d.C) e Caio Aurélio Valério Diocleciano (do ano 284 d.C a 305 d.C).
Em 19 de julho de 64 d.C, Roma foi incendiada, o próprio Nero, motivado
por sua ambição, que queria construir um novo palácio, ordenou que ateassem
fogo sobre a cidade, afirmam estudiosos da História Romana. Ele, porém, para
livrar-se do peso da culpa, incriminou os cristãos, que eram vistos como uma
perigosa seita que não adorava os deuses (falsos) de Roma. O ódio contra a fé
cristã e os seus fiéis gerou uma verdadeira sangria, durante anos. Os seguidores
de Jesus Cristo eram mortos de maneiras quanto mais sórdidas e cruéis pos-
síveis, muitos foram lançados às feras famintas, outros torturados, mutilados,
crucificados, apedrejados ou queimados vivos. “Em meados do século II, não
era difícil encontrar grupos tentando apedrejar os cristãos, incentivados, muitas
vezes, por seitas rivais”. Eusébio de Cesáreia, História Eclesiástica 5.1.7).
Não raras vezes, cristãos, viveram a sua vocação de iluminar o mundo,
não no sentido metafórico, mas com o seu próprio corpo. Eram utilizados para
iluminar os jardins do palácio, como tochas humanas. No Coliseu, incontáveis
fieis, para o divertimento da plateia, tinham que gladiar totalmente desarma-
dos com grandes leões, que eram mantidos sem alimentação, durante dias. A
fidelidade dos cristãos era tamanha, que o modo como morriam, louvando ao
Senhor e felizes, foi aniquilando o ódio ao Cristianismo e ao contrário, do que
pretendiam os governadores romanos, foi despertando a fé na população.
“... uma grande multidão foi condenada não apenas pelo crime de incên-
dio, mas por ódio contra a raça humana. E, em suas mortes, eles foram feitos
objetos de esporte, pois foram amarrados nos esconderijos de bestas selvagens
e feitos em pedaços por cães, ou cravados em cruzes, ou incendiados, e, ao fim
do dia, eram queimados para servirem de luz noturna. ” (Tácito, Annales, XV.44)
Neste contexto, percebendo o aumento no número de cristãos por todo
o Império Romano, Tertuliano afirmou: “Nós multiplicamo-nos todas as vezes
que somos ceifados por vós: o sangue dos mártires é semente de novos cris-
tãos”. (Apologeticum)
A sórdida perseguição aos cristãos continuou até a legalização do Cris-
12
tianismo, com o Édito de Milão, emitido em 313, pelo imperador Constantino.
Erroneamente, muitos acreditam que os martírios encerraram com a descri-
minalização da fé cristã, na Roma Antiga, o que se constitui um ledo engano.
Durante os vinte séculos da Era Cristã, houveram pessoas que testemunharam
Jesus Cristo com o próprio sangue.
Um dado que causa perplexidade, e que é imensamente desconhecido,
muitas vezes, até por religiosos e historiadores foi apresentado pelo pesquisa-
dor britânico, David B. Barett, diretor da Christian World Encyclopedy, que em
2001, estimou poder apresentar o número de aproximadamente 45 milhões de
mártires cristãos somente no século XX.
Em 2011, esta estimativa foi reafirmada no relatório do Centro de Estudos
das Novas Religiões, o mesmo foi apresentado em um seminário organizado
pela Universidade Pontifícia Lateranense de Roma. Segundo o diretor do estu-
do, o sociólogo italiano chamado Massimo Introvigne, o número de martírios
cristãos, no mundo, desde os primórdios do Cristianismo, chega a 70 milhões,
sendo que no século XX, ocorreram mais da metade, 45 milhões.
O século XX teve mais mártires do que os dezenove séculos anteriores
juntos, contudo, o que impressiona é o fato de que isso não é dito, passando
despercebido das salas de aulas de história, nos debates universitários e infe-
lizmente na memória de muitos católicos de hoje. Royal (2001) comenta sobre
o que aconteceu aos católicos no século passado: “Foi um verdadeiro geno-
cídio pouco documentado pela História geral e pouco divulgado pela grande
mídia. Portanto, um genocídio silencioso. Apesar de não se saber ao certo o
número de vítimas”.
Já no início do século, a Revolta dos Boxers, na China, vitimou 30 mil
cristãos, incluindo cinco bispos e dezenas de padres. Entre 1915 e
1917, número semelhante de leigos foi morto pelos turcos otomanos
na Armênia, juntamente com sete bispos, 126 padres e 47 freiras. Ou-
tra onda de perseguição que merece destaque aconteceu no México
após a revolução de 1917, sobretudo no governo de Plutarco Elias Calles
(1924-1928) onde foram mortos e expulsos centenas de padres e as-
sassinados cerca de 5.300 leigos (ROPS, 2006, p. 437).
Apesar das perseguições terem ocorrido em todas as partes do planeta
durante todo o século XX, esta tentativa de aniquilar a Igreja mostrou-se
mais violenta na Europa, especialmente durante a primeira metade
do século XX. As raízes que levaram os diversos regimes a combate-
rem os católicos encontram-se nos dois séculos antecedentes. Desde
o Iluminismo no século XVIII, passando pelas ideologias materialistas e
ateias do século XIX, que culminaram no liberalismo, no nazismo e no
13
marxismo, concepções filosóficas e políticas inspiraram o extermínio
da Igreja. Por mais antagônicas que estas ideologias possam ser ou pa-
reçam ser, todas têm em comum o fato de considerar a Igreja Católica
como reacionária, opositora do progresso social e apologista de várias
formas de exploração, acusada de inimiga da humanidade, e que, por-
tanto, deveria ser eliminada para ceder lugar a uma sociedade melhor.
(ROYAL 2001, p. 26).
Várias correntes de pensamento pregavam o fim da religião como um
todo e da Igreja Católica em particular. Destas, as que influenciariam
todo o Ocidente no próximo século seriam o positivismo e o marxismo.
O francês Auguste Comte desenvolve o positivismo, onde afirma que
a religião – ou estado teológico – está ultrapassada e agora tudo deve
ser explicado pela observação do real, pela experimentação e pela téc-
nica. Comte institui a religião da humanidade cujo deus é o homem. Na
doutrina filosófica de Karl Marx, a religião aparece como uma superes-
trutura do capitalismo que deve ser eliminada, pois é a principal causa
da alienação do homem, é “o ópio do povo”. No desenvolvimento da
sociedade comunista, a religião desapareceria porque não haveria ra-
zão de existir (ROPS, 2003, pp. 505-506).
No final do século XX, próximo ao Jubileu do Ano 2000, o Santo Padre
João Paulo II, salientou que é dever da igreja recordar a memória e celebrar a
heroicidade destas grandes testemunhas da fé, que pagaram com as suas vidas,
pelo seguimento a Jesus Cristo.
Estes dois mil anos depois do nascimento de Cristo estão marcados
pelo persistente testemunho dos mártires. Também este século, que
caminha para o seu ocaso, conheceu numerosíssimos mártires, sobre-
tudo por causa do nazismo, do comunismo e das lutas raciais ou tribais.
Sofreram pela sua fé pessoas das diversas condições sociais, pagando
com o sangue a sua adesão a Cristo e à Igreja ou enfrentando cora-
josamente infindáveis anos de prisão e de privações de todo gênero,
para não cederem a uma ideologia que se transformou num regime
de cruel ditadura. Do ponto de vista psicológico, o martírio é a prova
mais eloquente da verdade da fé, que consegue dar um rosto humano
inclusive à morte mais violenta e manifestar a sua beleza mesmo nas
perseguições mais atrozes.
Inundados pela graça no próximo ano jubilar, poderemos mais vigo-
rosamente erguer ao Pai o nosso hino de gratidão, cantando: Te mar-
tyrum candidatus laudat exercitus (o exército resplandecente dos már-
tires canta os vossos louvores). Sim, é o exército daqueles que “lava-
14
ram as suas vestes e as branquearam no sangue do Cordeiro” (Ap 7,
14). Por isso, a Igreja espalhada por toda a terra deverá permanecer
ancorada ao seu testemunho e defender zelosamente a sua memória.
Possa o povo de Deus, revigorado na fé pelos exemplos destes autênti-
cos campeões de diversa idade, língua e nação, cruzar confiadamente
o limiar do terceiro milênio. À admiração pelo seu martírio associe-se,
no coração dos fiéis, o desejo de poderem, com a graça de Deus, seguir
o seu exemplo, caso o exijam as circunstâncias” (Bula Incarnationis
Mysterium nº 13).
No desejo de contribuir para que se conheça sobre o martírio no século
XX e ainda de perpetuar a memória de alguns deles surgiu esse livro. O mesmo
apresenta o testemunho de alguns dos incontáveis cristãos que corajosamente
entregaram as suas vidas por amor ao Senhor no século passado, que se tornaram
verdadeiras “Imitações de Cristo”, por isso muitas vezes se verá citações dessa tão
importante obra de autoria atribuída a Tomás de Kempis, no século XV.
Este livro vislumbra, render a homenagem ao sangue de incontáveis ho-
mens, mulheres, idosos, jovens e crianças, de diferentes culturas, etnias e luga-
res, que ofereceram suas vidas como oblação, oferta e sacrifício de louvor ao
Senhor, não o renegando, optando pela morte do que virar as costas a fé. Pes-
soas que uniram para sempre o seu sangue ao Sangue do Cordeiro, que corajo-
samente, deixaram-se purificar por este elemento constitutivo sempre presente
na história da Igreja.
O Sangue de Cristo redimiu a humanidade, pagou o preço pelas iniquida-
des, misérias e pecados de todos os homens, que jamais poderiam arcar com
tamanha dívida. O mesmo sangue edificou os sacramentos confiados à Igreja e
sob a ótica do Pão e do Vinho, se perpetua nos altares, como o mais augusto
Mistério da Fé. O Sangue Redentor de Cristo, Nosso Senhor, há dois milênios
não cessa de percorrer o coração do Seu Corpo Místico, a Igreja. Ele perene-
mente e em abundância jorra por todos os séculos através de seus mártires!
O Sacratíssimo Sangue, é única substância vermelha capaz de alvejar todas as
coisas por seu poderosíssimo contato.
É uma verdade, neste livro existem histórias fortes, imagens que por mui-
tos podem ser consideradas pesadas, mas que não poderiam deixar de ser apre-
sentadas, pois expressam a verdade dos nossos corajosos irmãos na fé. Algu-
mas histórias, por tanta atrocidade, podem gerar a indagação: Como os mártires
conseguiram se manter fieis, nessas tão duras condições? A resposta é o Sangue
Preciosíssimo de Cristo e o seu Corpo Sagrado sempre “salvam e dão coragem”.
Os mártires entregaram as suas vidas não por uma ideologia, não por par-
tidarismo político, causa social, filosofia, entre outras coisas, eles se ofertam
15
por amor a uma pessoa, que tem um rosto e que habitou em meio a nós, esta
que foi morta e ressuscitou, que vive e reina soberanamente em todo universo:
Jesus Cristo. Os mártires foram pessoas fascinadas por Jesus, sabiam que sem
Ele, não teriam para onde ir, olhariam para si mesmos, no mais profundo de seu
ser e questionariam como São Pedro: “Senhor, para quem iremos? Só tu tens as
palavras de vida eterna”. (João 6, 68). Se tivessem negado Jesus Cristo, a suas
vidas não teriam mais sentido, não saberiam para onde caminhar, ficariam to-
talmente desnorteados. O fascínio, a fidelidade e amor dos mártires por Jesus
Cristo, era tão grande ponto de sentirem que a morte dos seus corpos era mil
vezes mais favorável do que a morte da fé em suas almas.
O significado do Martírio
O Catecismo da Igreja dispõe:
§2473- O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé;
designa um testemunho que vai até a morte. O mártir dá testemunho de Cristo,
morto e ressuscitado, ao qual está unido pela caridade. Dá testemunho da ver-
dade da fé e da doutrina cristã. Enfrenta a morte num ato de fortaleza. “Deixai-
-me ser comida das feras. E por elas que me será concedido chegar até Deus.”
(Santo Inácio de Antioquia)
Os mártires de Cristo permanecem fiéis até o fim, auxiliados pela força do
Espírito Santo, ainda diz o Catecismo:
§852- “O Espírito Santo é o protagonista de toda a missão eclesial.” É ele
quem conduz a Igreja pelos caminhos da missão. “Esta missão, no decurso da
história, continua e desdobra a missão do próprio Cristo, enviado a evangelizar
os pobres. Eis por que a Igreja, impelida pelo Espírito de Cristo, deve trilhar a
mesma senda de Cristo, isto é, os caminhos da pobreza, da obediência, do ser-
viço e da imolação de si até a, morte, da qual Ele saiu vencedor por sua Ressur-
reição.” É assim que “o sangue dos mártires é uma semente de cristãos”.
Ao se configurarem ao Cristo em sua Cruz, unem-se indelevelmente a
todo o mistério pascal, abraçando toda a Paixão e gozando da grande alegria
da Ressurreição. “Visto que Jesus, Filho de Deus, manifestou Sua caridade en-
tregando Sua vida por nós, ninguém possui maior amor que aquele que entrega
sua vida por Ele e seus irmãos (cf. 1Jo3, 16; Jo 15, 13). Por isso, desde o início
alguns cristãos foram chamados e alguns sempre serão chamados para dar o
supremo testemunho de seu amor diante de todos os homens, mas de modo
especial perante os perseguidores. O martírio, por conseguinte, pelo qual o dis-
cípulo se assemelha ao Mestre, que aceita livremente a morte pela salvação do
mundo, e se conforma a Ele na efusão do sangue é estimado pela Igreja com
16
exímio dom e suprema prova de caridade. Se a poucos é dado, todos, porém,
devem estar prontos a confessar Cristo perante os homens, segui-lo no caminho
da cruz entre perseguições, que nunca faltam à Igreja” (Lumen Gentium nº 42).
Por terem vivido tão radicalmente o Evangelho, tornaram-se dignos de
estar ante ao Trono do Cordeiro, rendendo-lhe a glória e o louvor:
“Então um dos Anciãos falou comigo e perguntou-me: Esses, que estão
revestidos de vestes brancas, quem são e de onde vêm? Respondi-lhe: Meu Se-
nhor, tu o sabes. E ele me disse: Esses são os sobreviventes da grande tribulação;
lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro. Por isso, estão
diante do trono de Deus e o servem, dia e noite, no seu templo. Aquele que está
sentado no trono os abrigará em sua tenda. Já não terão fome, nem sede, nem
o sol ou calor algum os abrasará, porque o Cordeiro, que está no meio do trono,
será o seu pastor e os levará às fontes das águas vivas; e Deus enxugará toda
lágrima de seus olhos”. (Ap 7,13-16)
É belo contemplar a vida de pessoas que existiram para fazer ressoar na
humanidade, o mais profundo louvor ao Cordeiro Vencedor, que jamais se apar-
taram do Corpo de Cristo, nas suas vidas e nem com as suas mortes. Nada pode
separá-los do Amor de Deus (Rm 8)
Supliquemos ao Senhor que nestes tempos de forte secularismo e rela-
tivismo, a fé seja fortalecida em nós, para que não neguemos o Senhor. Atual-
mente, muitas vezes renegamos a fé, por meio de nossas posturas, ações, faltas
e omissões. Quantas vezes nós praticamos, às vezes, até sem perceber, atitudes
incompatíveis com o Santo Evangelho e com a nossa vocação de cristãos de tes-
temunharmos o Cristo, anunciando-o até os confins do Terra.
Rogo ao Cristo Rei do Universo, que os exemplos dos mártires relatados
a seguir, nos comprometa com a verdade da fé, nos fazendo assumir uma vida
coerente na busca da santidade, que nos auxiliem em nosso processo de con-
versão e que nos inspirem, a nas mais diversificadas e difíceis situações, a ter
coragem de gritar ao mundo: Jesus Cristo é o Senhor, Ele é o Grande Rei do
Universo!
Que não sejamos cristãos covardes! Tenhamos coragem! Para G. K. Ches-
terton: “A coragem significa um forte desejo de viver, sob a forma de disposição
para morrer”. E se for para morrer por Cristo, a morte ganha especial valor e
sentido, como testemunha a carta ao Filipenses:
Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos em Cristo Je-
sus que estão em Filipos, com os bispos e diáconos: Graça a vós, e paz
da parte de Deus nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. Dou graças ao meu
Deus todas as vezes que me lembro de vós, fazendo sempre, em todas
17
as minhas orações, súplicas por todos vós com alegria pela vossa coo-
peração a favor do evangelho desde o primeiro dia até agora... Quero,
irmãos, que saibais que as coisas que me aconteceram tem antes con-
tribuído para o progresso do evangelho; de modo que se tem tornado
manifesto a toda a guarda pretoriana e a todos os demais, que é por
Cristo que estou em prisões; também a maior parte dos irmãos no Se-
nhor, animados pelas minhas prisões, são muito mais corajosos para fa-
lar sem temor a palavra de Deus. Verdade é que alguns pregam a Cristo
até por inveja e contenda, mas outros o fazem de boa mente; estes por
amor, sabendo que fui posto para defesa do evangelho; mas aqueles por
contenda anunciam a Cristo, não sinceramente, julgando suscitar aflição
às minhas prisões. Mas que importa? Contanto que, de toda maneira,
ou por pretexto ou de verdade, Cristo seja anunciado, nisto me regozijo,
sim, e me regozijarei; porque sei que isto me resultará em salvação, pela
vossa súplica e pelo socorro do Espírito de Jesus Cristo, segundo a minha
ardente expectativa e esperança, de que em nada serei confundido; an-
tes, com toda a ousadia, Cristo será, tanto agora como sempre, engran-
decido no meu corpo, seja pela vida, seja pela morte. Porque para mim
o viver é Cristo, e o morrer é lucro. (Fl. 1, 1-5, 13-21)
Bendito seja o Nome do Senhor e de todos aqueles que por Ele foram co-
roados, por terem guardado a fé a retidão de seus corações como as primícias
de suas vidas:
Porque guardaste a minha palavra com firmeza, também Eu te guar-
darei na hora da provação que está para sobrevir ao mundo inteiro,
para provar os habitantes da terra. Eu venho em breve: conserva com
firmeza o que tens, para que ninguém arrebate a tua coroa. Farei do
vencedor uma coluna no templo do meu Deus e jamais sairá dele; es-
creverei sobre ele o nome do meu Deus e o nome da cidade do meu
Deus, a nova Jerusalém, que desce do Céu, de junto do meu Deus, e
também o meu nome novo. (Ap 3, 10-12)
18
Ícone de Santo Inácio de Antioquia (67– 110 d.C) São Policarpo Bispo de Esmirna, mártir do II
"Vivo, vos escrevo, desejando morrer. Meu amor está Século, ouviu do procônsul romano que queria
crucificado. Não há em mim um fogo que busque dissuadi-lo de seguir Cristo: "Eu tenho feras, e
alimentar-se da matéria, apenas uma água viva e te entregarei a elas, se não mudares de ideia."
murmurante dentro de mim, dizendo-me em segredo: Ele disse: "Pode chamá-las. Para nós, é
‘Vem para o Pai!' [...] Se for martirizado, vós me impossível mudar de ideia, a fim de passar do
quisestes bem. Se for rejeitado, vós me odiastes." (Da melhor para o pior; mas é bom
Carta aos Romanos, de Santo Inácio de Antioquia, mudar, para passar do mal à justiça." O
bispo e mártir). procônsul insistiu: "Já que desprezas as feras,
eu te farei queimar no fogo, se não mudares de
ideia." Policarpo respondeu-lhe: "Tu me
ameaças com um fogo que queima por um
momento, e pouco depois se apaga, porque
ignoras o fogo do julgamento futuro e do
suplício eterno, reservado para os ímpios. Mas
por que tardar? Vai e faze o queres."
Tertuliano de Cartago.
19
No ano de 1964, Paulo VI retomou a tradição do rito da
Via-sacra no Coliseu, iniciada por São Leonardo de Porto
Maurício em 1750.
20
Martírio de Santo Inácio de Antioquia, de Johann Kreuzfelder (1570-1636).
"Tenho escrito a todas as Igrejas e a todas elas faço saber que com alegria
morro por Deus, contanto que vós não o impeçais. Suplico-vos: não
demonstreis por mim uma benevolência intempestiva. Deixai-me ser alimento
das feras, porque, através delas, pode-se alcançar a Deus. Sou trigo de
Deus: que seja eu triturado pelos dentes das feras para tornar-me puro pão
de Cristo! Instigai, ao contrário, os animais para que neles encontre o meu
sepulcro e nada reste de meu corpo para não ser pesado a ninguém, depois
de adormecer. Então serei verdadeiro discípulo de Cristo, quando o mundo
não mais vir sequer o meu corpo. Suplicai a Deus por mim, que por este
meio me torne uma hóstia para Deus. [...]
Que nada, tanto das coisas visíveis quanto das invisíveis, segure o meu
espírito, a fim de que eu possa alcançar a Jesus Cristo. Que o fogo, a cruz,
um bando de feras, os dilaceramentos, os cortes, a deslocação dos ossos, o
esquartejamento, as feridas pelo corpo todo, os duros tormentos do diabo
venham sobre mim para que eu ganhe unicamente a Jesus Cristo! [...]
Procuro aquele que morreu por nós: quero aquele que por nós ressuscitou.
Meu nascimento está iminente. Perdoai- me, irmãos! Não me impeçais de
viver, não desejeis que eu morra, pois desejo ser de Deus. [...] (Da Carta aos
Romanos, de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir)
21
A experiência dos mártires e das Testemunhas da Fé não é uma
característica exclusivamente da Igreja dos primórdios, mas
delineia todas as épocas da sua história. De resto, no século XX,
talvez ainda mais do que no primeiro período do cristianismo,
muitíssimos foram os que testemunharam a fé com sofrimentos
não raro heroicos. Durante o século XX, quantos cristãos em
todos os continentes pagaram o seu amor a Cristo, também
derramando o próprio sangue! Eles padeceram formas de
perseguição antigas e recentes, experimentando o ódio e a
exclusão, a violência e a morte. Muitos países de antiga tradição
cristã voltaram a ser terras em que a fidelidade ao Evangelho
teve um preço muito elevado. No nosso século o "testemunho,
dado por Cristo até ao derramamento do sangue, tornou-se
patrimônio comum de católicos, ortodoxos, anglicanos e
protestantes" (Tertio millennio adveniente, 37). Homilia do Papa
João Paulo II-Roma, Coliseu, Domingo 7 de Maio de 2000
(Celebração Ecumênica para recordar as Testemunhas da fé do
século XX). A geração a que pertenço conheceu o terror da
guerra, os campos de concentração e a perseguição. Durante a
segunda guerra mundial, na minha Pátria sacerdotes e cristãos
foram deportados para os campos de extermínio. Somente em
Dachau foram internados cerca de três mil sacerdotes. O seu
sacrifício uniu-se ao de muitos cristãos provenientes de outros
países europeus e, nalguns casos, pertencentes a outras Igrejas
e Comunidades eclesiais. O meu sacerdócio inscreveu-se no
sacrifício de muitos homens e mulheres da minha geração. Nos
meus anos de juventude, eu mesmo fui testemunha de muitos
sofrimentos e de inúmeras provações. Desde a sua origem, o
meu sacerdócio "inscreveu-se no sacrifício de muitos homens e
mulheres da minha geração" (Dom e Mistério, pág. 47).
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Miguel A gu s tín P ro
O alegre e destemido mártir de Cristo Rei
(1891-1927)
“Serei, ainda que imperfeito, um débil reflexo do
Coração de Cristo que tanto ama os homens...”
D
“ eixe-me viver ao Seu lado, minha Mãe, para fazer companhia
a sua solidão e a sua profunda dor! Deixe-me sentir em minha
alma o pranto doloroso de teus olhos e o abandono de seu co-
ração! Eu não quero no caminho da minha vida desfrutar da alegria de Belém,
adorando o Menino Jesus, em seus braços virginais. Eu não quero desfrutar
em sua humilde casa de Nazaré a presença querida de Jesus Cristo. Nem quero
unir-me ao coro dos anjos na sua gloriosa Assunção! Eu quero na minha vida
o desprezo e a zombaria do Calvário; Eu quero a morte lenta de seu Filho, o
desprezo, a ignomínia, a infâmia da Cruz. Quero, ó Virgem Dolorosa, estar per-
to de Ti, em pé, para fortalecer o meu espírito com suas lágrimas, consumar
o meu sacrifício com o seu martírio, apoiar o meu coração com a sua solidão,
amar o meu e o vosso Deus com o sacrifício de todo o meu ser.”
O Senhor se dignou em ouvir e atender esta oração feita pelo Beato Padre
Miguel Pro dirigida a Santíssima Virgem Maria. A vida deste fantástico padre foi
configurada ao Cristo em todas as coisas, sobretudo no Calvário. Por amor ao
Senhor e a Santa Igreja fez da sua existência um sacrifício de louvor, oferta viva
no altar de Deus. Como a Mãe de Jesus, o Pe. Pro abandonou-se inteiramente
aos desígnios de Deus.
O Pe. Miguel Pro é um dos incontáveis mártires, brutalmente assassina-
dos no México, durante o Governo de Calles, o “Nero do México”. Era um pa-
dre fantástico, alegre, inteligente, piedoso, simpático, dedicado ao seu rebanho,
amante à Santa Igreja, devoto da Virgem Maria e fiel à administração dos sacra-
mentos, centro da vida sacerdotal. Mesmo com a perseguição e proibição de
exercer seu ministério, padre Miguel o fazia com assiduidade e amor, na clan-
destinidade, arriscando-se a ser capturado e preso.
Em 13 de janeiro de 1891, às 14h15, nasceu José Ramón Miguel Agustín
Pro Juárez, no povoado mineiro de Guadalupe, no estado de Zacatecas. No dia
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16, recebeu o sacramento do batismo. Foi o terceiro de onze irmãos, seus pais
Miguel e Josefa, eram católicos fervorosos. No final de 1891, a família passou
a residir em Ciudad de México. Em 1896, a numerosa família mudou-se para
Monterrey e em 1898, mudou-se novamente, desta vez para o município de
Concepción del Oro, no estado Zacatecas.
Em 19 de março de 1898, aos 7 anos de idade, Miguel, recebeu pela pri-
meira vez a comunhão eucarística, pelas mãos do Pe. Mateo Correa, que no
futuro também seria martirizado, em 6 de fevereiro de 1927. O dia 19 de março
era um dia de festa para toda a família, celebravam o dia de São José, mas tam-
bém o aniversário de Dona Josefa e neste ano em especial a Primeira Eucaristia
de Miguel. Com muitos preparativos celebraram um dia de muita alegria. Mi-
guel, com grande fervor diz a sua mãe o seu maior desejo de então: “Mamãe,
eu quero ir a uma procissão que não se acabe nunca!”
Na juventude, como muitos outros rapazes e moças, viveu uma crise para
descobrir qual era a sua vocação. Admirava a decisão de suas irmãs mais velhas,
que sem hesitar ingressaram no convento, no mais profundo do seu ser também
ouvia a voz do Senhor que lhe chamava pelo nome. Viveu alguns momentos de
tibieza, falta de fervor espiritual, mas perseverou na sua identidade religiosa e
por meio de seus exercícios espirituais manteve o olhar fixo em Cristo. A Ma-
dre Julia Navarrete e o Padre Alberto Mir, colaboraram imensamente para que
Miguel Pro tomasse a decisão de ingressar na Companhia de Jesus. Ao decidir,
Miguel reconheceu o chamado de Deus para a sua vida, muito emocionado ex-
pressou: “Minha vocação é certa!! Serei religioso apesar de todos os obstácu-
los! Falarei com meu confessor e pedirei admissão a Companhia de Jesus”. Aos
20 anos de idade, ingressou no noviciado dos jesuítas em El Llano, no estado de
Michoacán, em 10 de agosto de 1911.
Com todas as cerimônias devidas, formalmente, em 15 de agosto de 1913,
fez os votos de religioso para o próximo biênio. No dia seguinte iniciou o Junio-
rato. Nos arquivos da Companhia de Jesus foi encontrada a fórmula de seus vo-
tos, na qual ele livremente promete viver a castidade, a pobreza e a obediência.
Miguel era um homem profundamente feliz, realizado vocacionalmente. Viver
a vocação que o Senhor selou no seu coração, ainda que surgissem dificuldades
e obstáculos, trazia a verdadeira alegria para a sua alma. Ele se caracteriza pelo
amor que transbordava para com todos, viveu, como Santa Teresinha, a vocação
do amor e o que ensinou São João Paulo II: “O amor é a fundamental e originá-
ria vocação do ser humano”.
Miguel Pro, vivia uma vida à altura do Evangelho, esvaziou-se, deixou-se
conduzir por Deus, lutou incansavelmente contra o pecado e nunca estava com
uma cara fechada, ou triste pelos cantos, era imensamente alegre. As suas pos-
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turas se traduzem na famosa frase de Santo Agostinho: “Os teus pecados são a
tua tristeza, deixa que a santidade seja a tua alegria”. Ressalte-se que contraria-
mente ao que se difunde, que os santos eram pessoas infelizes, que fique claro
que a santidade é a verdadeira alegria e que os pecados e iniquidades são a raiz
da tristeza que assola o coração do homem. Pe. Pro era alegre e irradiava alegria
a quem estava ao seu redor, no entanto isso não o afastava da sua profunda vida
interior e introspecção.
Um dos seus companheiros do noviciado expressou sobre Miguel: “Neste
noviço se descobria com facilidade duas personalidades: o brincalhão, que ale-
grava os intervalos e o homem de uma profundíssima vida interior”.
Miguel Pro permaneceu no Juniortato um ano exato, pois a comunidade
foi dissolvida. Em 15 de agosto de 1914, relatou o irmão Pro: “O padre superior
subiu ao altar; imensamente abatido, e nos disse que era preciso fugir e nos deu
conselhos para a vida de aventuras que estava se iniciando”. Nesta data em que
se celebra a Assunção da Virgem Maria, o quadro da Mãe Rainha dos Noviços,
foi retirado. Na manhã do dia seguinte, por volta das 07h, o grupo formado pe-
los irmãos Campos, Cavero, Rios e Miguel Pro, parte para a cidade de Zamora.
A dissolução do noviciado em El Llano, Michoacán se deu por conta dos graves
ataques dos revolucionários carrancistas e suas ameaças de extermínio.
A Igreja no México estava passando por perseguições, (mas ainda se tor-
nariam imensamente piores anos depois) os noviços não puderam permanecer
em Zamora por muito tempo, logo partiram para a cidade de Guadalajara, onde
o irmão Pro teve a oportunidade de ver a sua mãe, que lavava roupas para co-
laborar com a manutenção das despesas da numerosa família. Em primeiro de
outubro de 1914, o irmão Pro e seus companheiros de noviciado, receberam a
ordem de emigrar. Passaram a residir nos Estados Unidos, em San Antônio, em
seguida partiriam a Los Gatos na Califórnia. Dona Josefa, mãe do irmão Pro, foi
a estação ferroviária para despedir-se do filho, não imaginava que seria a última
vez que lhe veria, emocionada disse ao seu filho, que em poucos instantes par-
tiria: “Olha meu filho, eu te imploro que siga tua vocação. Não sabemos se o seu
pai sobreviverá, mas temos Deus, nosso Pai”.
Miguel Pro, para seguir firmemente na sua vocação, partiu, obviamente
que precisou mortificar a sua vontade e não olhar para trás. Sabia das dificulda-
des de sua família, via os enormes esforços de sua mãe, bem como a situação de
seu pai que estava entre a vida e morte. O irmão Pro viveu a eleição que Deus
lhe fez, tudo lhe entregou por gratidão e generosidade. Abraçou a Cruz sem he-
sitar. Amou o Senhor acima de tudo e de todos. Ressoava em seu ser as palavras
de Nosso Senhor: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais que a mim, não é digno
de mim. Quem ama seu filho mais que a mim, não é digno de mim. Quem não
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toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim. Aquele que tentar salvar
a sua vida, perdê-la-á. Aquele que a perder, por minha causa, reencontrá-la-á”.
(Mt. 10. 37-39)
Na Califórnia se deparou com um fortíssimo inverno, que lhe acarretava
grandes dores no estômago e ainda foi machucado fortemente na orelha, quase
lhe perdeu. Também não ficaria muito tempo neste lugar, transladou-se via El
Paso, para Nova Orleans. De lá foi para Key West, fez escalas em Havana e Nova
York e enfim embarcou para seu destino final a cidade espanhola de Granada.
No final de julho de 1915 chega a esta localidade, onde estudaria filosofia e re-
tórica, permanecendo por cinco anos.
Como já foi dito Miguel Pro, era brincalhão, igualmente era comprometi-
do com a sua vida de oração e estudos, mas inúmeras vezes foi incompreendido,
não por poucos, em relação ao seu caráter extrovertido. A maioria dos irmãos,
sobretudo os mais velhos, eram ranzinzas e se incomodavam ao vê-lo sorrir.
Dedicou todas as suas energias nos estudos, no momento era aquilo que
Deus lhe pedia. Tinha a convicção de que não seria um doutor, cientista ou pro-
fessor. Fixava o olhar em outro propósito: como sacerdote, queria ser pai para
os mais necessitados: pobres, órfãos e trabalhadores. Nas adversidades, o ir-
mão Pro permanecia com o otimismo que lhe era peculiar, afirmou: “Eu gostaria
de viver diversos tipos de dificuldades para ver como me sairia nelas. O México
precisa de homens que descubram saídas.” Pro nutria uma forte admiração por
Santo Inácio, fundador dos jesuítas, exortava os irmãos dizendo: “Imitemos o
nosso pai Santo Inácio, que foi um verdadeiro revolucionário, um inovador e de
muitos cárceres padeceu...”.
Após concluir os seus estudos de filosofia na Espanha, no final de 1920,
passou a residir em Nicarágua, numa cidade com o mesmo nome da que mora-
va na Espanha. Granada. Esta agora, é localizada às margens do Lago Cocibolca,
na costa oeste do país. Viveu os dois anos de magistério, que chamou de os mais
difíceis. Prestava serviços no Colégio Centro América Sagrado Coração, que ain-
da estava na metade das obras de construção. Não tinha alvenaria, as salas de
aula, oficinas e escritórios tinham piso de terra. O calor era intenso e desfavo-
rável. A vegetação invadia o espaço do colégio. Era comum o apaprecimento de
muitos insetos, baratas, escorpiões e cobras. Por toda parte haviam mosquitos.
Ele assumia a responsabilidade junto aos mais pequenos e ficava encarre-
gado da vigilância dos externos e semi-internos. Mesmo com todas as circustân-
cias disfavoráveis, o irmão Pro não cessava de doar-se. Em uma tarde extrama-
mente quente, em pleno sol, ele foi visto brincando a pular com as crianças para
distraí-las, por perceber que estavam tristes. Verdadeiramente, ele servia ao
Senhor com alegria, mesmo nas dores. Continuava a sentir as agudas dores no
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estomâgo, com muita discrição se retirava para o seu quarto e em algum tempo
voltava como a mesma animação de sempre.
O irmão Pulido, sobre as suas posturas afirmou: “Além dos muitos sofri-
mentos do Irmão Pro, ele suportou ingratidões, falsas acusações, dores mortais,
incontáveis contrariedades e aborrecimentos, em com tranquilidade conservou
a alegria ...”
Em setembro de 1922, decorridos os trabalhos na Nicarágua, ele foi en-
viado para o Colégio de Santo Inácio, em Sarriá, na Espanha. Iniciou os estudos
teológicos e se destaca nas questões práticas de moral, logo ele se tornou um
dos mais consultados entre seus colegas. A enfermidade que o irmão Miguel
Pro trazia em seu estômago acentuou-se gravemente. Chegou a passar dias sem
conseguir levantar-se da cama, mas logo que teve significativa melhora, pediu
para ser assistente do padre responsável por dar assistência aos necessitados e
ainda manter os estudantes de Teologia que ali residiam, na época 92 estudan-
tes, uma missão árdua.
Durante a Semana Santa de 1924, os jesuítas realizaram os seus exercí-
cios espirituais em Manresa. O Pe. Crivelli que visitou Sarriá, trouxe informações
dos ultimos acontecimentos no México, principalmente de Orizaba, local onde
os comunistas chegaram ao poder e umas das primeiras ações foi assasinar o
padre. Com grande estardalhaço sinalizaram, utilizaram fogos de artificio, a pre-
sença do sacerdote que em seguida foi exterminado.
O Pe. Crivelli, o então Privincial do México, disse ainda que não iria fechar
a casa religiosa mexicana e que a Companhia de Jesus necessitava de um jovem
padre que não temesse o martírio para estar na nesta missão. O Irmão Miguel
Pro prontamente se propos a partir, dizendo: “Eis-me aqui!”
Para assumir com perspicácia a missão a qual se propos, o Ir. Pro seria en-
viado para a França ou para a Bélgica. Antes de ser trasferido dirgiu-se a Manresa
onde realizou um retiro espiritual. Neste local contemplou com profundidade a
vida de Santo Inácio Loyola. Pro esteve presente inclsive na gruta onde o santo
escreveu os exercícios espirituais e lá recordou de sua mãe, escrevendo-lhe algu-
mas palavras em um postal. Ao voltar do retiro, foi designidado a ir para a Bélgi-
ca, onde se prepararia para o apostolado nos tempos dificeis que o México vivia.
A perseguição a Igreja no México acentuou-se fortemente. O presidente
Plutarco Elías Calles fez claras declarações contra a Igreja e os sacerdotes. Du-
rante toda a sua campanha política, Calles esbraveja: “Eu sou um inimigo da cas-
ta sacerdotal que vê em sua posição um privilégio e não uma missão apostólica.
Sou um inimigo dos padres políticos, intrigantes, exploradores e opressores...
Eu declaro que respeito todas as religiões, desde que seus ministros não se en-
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volvam em disputas políticas e descumpram as nossas leis”. Calles, pelos seus
ideais comunistas, não respeitava a liberdade religiosa e queria calar e destruir
a Igreja.
Em setembro de 1924 o Ir. Miguel Pro e o Ir. José Amozurrutia partiram
da Espanha e se dirigiram a Enghien na Bélgica. Nesta localidade a comunida-
de religiosa era grandiosa, congregava 130 jesuítas, provenientes da França e
outros quinze países. O único meio de comunicação neste lugar era o idioma
latino. Chegaram em um período muito frio, mas no inverno a temperatura era
ainda mais baixa. O Ir. Pro sofreu muítisimo, estava com a saúde debilitada, re-
sistia com serenidade e por sua alegria e otimismo não deixava transparecer o
que sentia. Tudo suportava por amor e mesmo nessa situação não hesitou em
regressar a sua pátria, impulsionado pelo ardor missionário em seu coração,
não temendo as ameças, os horrores, torturas e a morte que eram destinada a
muitos católicos no México.
No final do inverno, após passar dias desolado, sentindo fortes dores, tris-
te e com muitos medos, o Ir. Pro se dirige aos seus superiores e lhes pergunta
se ele foi considerado digno de ser ordenado. Na ocasião fez memória a cada
um dos seus anos de vida religiosa, expressou sobretudo as grandes dificulda-
des vividas na Nicarágua. Ao fim estava convencido de que sua ordenação seria
autorizada e assim se cumpriu. O Ir. Pro manifestou alegria ao receber a notícia,
mas no seu íntimo uma imensa angústia o consumia.
Ao ser comunicado pelo Pe. Crivelli sobre a sua admissão as Ordens Sa-
cras, copiosas lágrimas se derramaram em seu rosto e correndo ao sacrário
permaneceu em oração por um longo tempo. Mais uma vez abandonou-se em
Cristo, o seu grande amor.
Em seguida, escreveu ao seu antigo diretor espiritual na Nicarágua, o Pe.
Portas, na missiva enviada em março de 1925 apresentava: “Alegre-se comigo
e ajude-me com seus santos sacrifícios e orações a dar graças a Deus por este
novo favor e alcançar d’Ele que me prepare melhor para receber tão grande
Sacramento...”
Dois meses depois de assumir a presidência, Calles já decido pela destruição
da Igreja, nela instalou um movimento cismático, liderado por pelo bispo Joaquín
López Budar, conhecido como “Patriarca Pérez” e apoiado por Luis N. Morones,
maior autoridade da Confederação Regional dos Trabalhadores. Fundaram a Igre-
ja Católica Apostólica Mexicana em 21 de fevereiro de 1925, totalmente desligada
de Roma, que com furor pretendia desmoralizar e amedrontar o Papa.
López Budar muitas vezes foi desobediente aos seus superiores, era um
homem soberbo e que gostava de divisões. Encontrou no apoio de Luis N. Mo-
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rones e do presidente a Calles a oportunidade de torna-se o “Papa da Igreja Me-
xicana”, ao passo que Calles lhe daria legitimidade como líder da igreja estatal,
Luis Morones lhe daria a segurança e proteção contra atentados.
O Mons. José Mora y del Río, o fiel e piedoso Arcebispo do México, com
coragem denunciou: “Para deter a marcha triunfal da Santa Igreja Católica, se
requerem homens de talento, de maior estatura, e qualidades, as quais não exis-
tem em José Joaquín Pérez Budar”
Estando feliz por aproximar-se a data de sua ordenação, no mês de 1925
o Ir. Pro obteve de seus superiores a permissão de ir à cidade belga de Charleroi,
para que pudesse conhecer a miséria em que viviam os trabalhadores, para que
aprendesse a lhe dar com tantas necessidades e sofrimentos. O Ir. José Amozur-
rutia o acompanhou nesta viagem.
Sem vacilar, os jesuítas subiram em um trem no qual os trabalhadores
viajavam em vagões destinados para eles. Os mineiros ficaram surpresos e lhes
olhavam em silêncio. Um dos trabalhadores fez questão de expor que todos eles
eram socialistas. Depois sobre os trabalhadores de Charleroi, o Ir. Pro afirmou:
“Se restringem a dois ou três. Eles são socialistas que desprezam os sacerdotes
e riem de suas batinas”.
Ordenação Presbiteral
Em 30 de agosto 1925 o Irmão Pro foi ordenado sacerdote pelo bispo
Mons. Lecomte. Neste dia tão importante, não pode contar com a presença de
sua família, e nem do seu amigo o Ir. José Amozurrutia, estava sozinho. Na orde-
nação sacerdotal o valente Miguel Pro, novamente chorou bastante. Se emocio-
nou por reconhecer a grandeza da eleição de Deus para a sua vida, expressou:
“Contra todos os meus propósitos, ao contrário do que eu esperava da minha
natureza dura e fria, no dia da minha ordenação ao ouvir o bispo proferir as
palavras da consagração, não pude conter as lágrimas. No meu peito o meu
coração pulsou como nunca antes... O que dizer sobre a suave unção do Espírito
Santo que sinto e está sobre minhas mãos, inundando a minha pobre alma de
doçuras do céu? Escreveu uma carta a sua família na qual contou que a eles deu
a sua primeira benção: “...Me dirigi ao meu quarto, coloquei sobre minha mesa
as fotografias da minha família e os abençoei com toda a minha alma... “
No dia seguinte, o neossacerdote celebrou a sua primeira Missa, em En-
ghien, Bélgica, na Capela de São José. “Às 7h iniciei a Santa Missa na Capela
de São José. Nos primeiros instantes estava em pouco nervoso, mas segui com
muita paz e a alegria do céu. Durou 32 minutos e os participantes disseram que
parecia a uma missa presidida por um padre antigo. Visto que ensaiado muito”.
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Em setembro do mesmo ano o jovem sacerdote foi enviado a França, para
orientar e dirigir a Ação Popular, um movimento social católico que atuava em
diferentes questões sociais, lutando na defesa da vida, da liberdade e da digni-
dade da pessoa humana.
Diariamente celebrava a Santa Missa pela manhã. Durante o resto o tem-
po dedicava-se imensamente a trabalhar na biblioteca, estudar diversos assuntos
filosóficos, teológicos e sociológicos. Consultou uma grande quantidade de pa-
dres para amadurecer enquanto sacerdote, sobretudo no modo de agir pastoral-
mente. Pe. Pro reconhecia a necessidade de pregar o Evangelho incansavelmen-
te, desejava pescar homens em grande número, não se contentava com poucos,
queria salvar o maior número de almas para Deus. Escreveu: “Devemos formar
a opinião, buscar horizontes, olhar para o futuro... o sacerdote que se contenta
com poucas almas, pode ser bem-intencionado, mas tem espírito de sacristão”.
Ele sonhava em ver cristãos convictos e formados intelectualmente: “No México
o nível intelectual é muito baixo, é necessário levantá-lo. Portanto é preciso for-
mar o clero, os leigos, os trabalhadores, preparar grupos, estudar, orar...”
Em 3 de novembro de 1925, foi levado a clínica de Sain-Remy, para reali-
zar exames e fazer radiografias. Foi diagnosticada uma úlcera no estômago com
estreitamento no piloro, ou estenose pilórica. Precisou ficar internado, levou
consigo alguns livros, um tratado de teologia dogmática, outro do sacerdote no
altar e ainda um dicionário de francês. Passou vários dias, que pareciam eter-
nos, internado, o que lhe custou bastante e se concretizou como uma providen-
te forma de exercitar a paciência.
No dia 17, o Pe. Pro foi operado pela primeira vez. Como sempre o seu
bom humor não deixava transparecer a dores e sofrimentos que estava sentin-
do. Com total confiança sabia que tinha depositado a sua vida em Deus e não
temia nada. Isso era tão perceptível que era chamado pelos religiosos de “o
menino mimado por Deus Pai. ” A ferida da cirurgia não cicatrizou e sangrava
abundantemente, assim foi necessária ainda a realização de outra cirurgia em 5
de janeiro de 1926.
Outro marco extremamente doloroso na vida de Miguel Pro foi o faleci-
mento de sua mãe, Dona Josefa, em 08 de fevereiro do mesmo ano. Soube do
triste acontecimento por meio de uma carta que recebeu dois depois. Ele sabia
que a mãe estava com câncer no estômago e que já tinha dado metástase. Dona
Josefa era realizada pela fidelidade a vocação do seu filho. O Sr. Miguel, seu pai,
que outrora estava enfermo se recuperou e abatido sepultou a sua esposa.
Pe. Pro foi submetido ainda a uma terceira cirurgia, que ensejou o seu in-
ternamento até o dia 06 de março e em seguida foi enviado a Hyéres para casa
de repouso e cuidados hospitalares gerenciada por Religiosas Franciscanas. O
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médico que lhe atendia em Hyéres, confidenciou ao irmão jesuíta que acompa-
nhava Pe. Pro que a situação dele era gravíssima e não havia o que ser feito pela
Medicina, deveria comunicar ao superiores a gravidade do caso.
Em 5 de junho de 1926, o Pe. Picard comunica ao Pe. Pro que ele deve
retornar ao México, isso lhe seria um consolo, pois poderia despedir-se dos seus
familiares e amigos. O Pe. Picard com muita verdade lhe disse: “Regresse ao
México para morrer em sua pátria”.
Pe. Pro não se desmotivou, continuou com o seu otimismo inabalável e
sabia que a sua vida estava nas mãos de Deus e Ele faria o que quisesse. Era seu
Pai Amoroso e que marchava a sua frente. Em 17 de junho de 1926 peregrinou a
Lourdes, na França, chegou às 8h45 e às 9h já estava celebrando a Santa Eucaris-
tia na gruta das aparições da Santíssima Virgem. Às 16h50 já embarcou no trem
de volta. Em Lourdes encontrou esperança e forças para seguir adiante em seu
tratamento médico, para continuar os seus estudos e trabalhos, sobretudo para
dar assistência aos necessitados e atender confissões por horas, muitas vezes
sem parar nem para alimentar-se.
“O que senti em Lourdes não dá para escrever, foi um dos dias mais feli-
zes... Às 09h presidi a Missa... Passei uma hora na gruta, chorei como um meni-
no. É demais para descrever o que sentiu a minha pobre alma. Agora vou regres-
sar com a alma cheia de consolo.... Para mim, ir a Lourdes era encontrar a minha
Mãe no céu, falar-lhe, pedir-lhe e eu a encontrei, falei e pedi...”
O retorno ao México
Dias depois, embarcou no navio rumo ao México. Consciente da situação
política no México, tinha receio de não poder entrar no país, por ser sacerdote e
religioso, no entanto rezava e absolutamente confiava. O Pe. Pro, em 7 de julho,
desembarcou em Veracruz, não teve dificuldades para adentar na sua pátria.
Antes de sua chegada, cerca de 160 padres já haviam sido fuzilados e vários
outros presos.
A noite pegou um trem dirigindo-se a capital. Em 8 de julho se apresen-
tou ao Pe. Provincial Luis Vega. Uma hora depois foi a casa de Enrico Martínez,
onde exerceria seus ministérios e em seguida foi a cada de sua família na rua
de Orizaba. Logo que chegou percebeu a falta de seu irmão Humberto, que ti-
nha 24 anos e descobriu que estava preso por atuar na Liga Nacional Defensora
da liberdade religiosa. Observando a situação fática, refletiu com tristeza: “... A
Igreja do México está hoje entregue a seus inimigos, desprezada, humilhada,
cuspida e esbofeteada”.
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Logo que chegou passou a dedicar-se ao zelo pastoral, de 8 a 31 de julho,
das 5h às 11h e das 15h às 20h, Pe. Pro atendia confissões. Nos intervalos sem-
pre estava ocupado em ministrar outros sacramentos, inclusive o matrimônio.
Eram tempos dificílimos e os sacerdotes eram escassos, em razão da persegui-
ção. Chegou a desmaiar duas vezes no confessionário pela fragilidade de sua
saúde somada ao cansaço.
Sobre como encontrou forças para suportar tão elevada jornada Pe. Pro
afirmou: “Como resisti? Como resisto? Eu o frágil hóspede de tantas clínicas eu-
ropeias? Isso é uma prova evidentíssima que o elemento divino, me utiliza como
instrumento...”
Em 31 de julho de 1926, Calles conseguiu proceder com a regulamenta-
ção do Código Penal que tornava a Igreja Católica, oficialmente proibida e crimi-
nalizava o sacerdócio, determinando que só os padres nomeados pelo governo
poderiam exercer o ministério no país. A lei entrou em vigor no mesmo dia. “...
toda ordem religiosa foi dissolvida. Todas as escolas católicas, secularizadas, o
que significa que, na realidade, tornaram-se ateístas; nelas, nenhuma menção a
Deus era tolerada. Crucifixos foram arrancados das paredes e as estátuas, des-
truídas. Em seguida, para eliminar toda “propaganda Católica”, todas as edito-
ras religiosas foram tomadas. Padre Pro não poderia ter escolhido melhor hora
para retornar. (Dominico)
Os templos católicos foram fechados ao público por ordem dos bispos
e com a aprovação do Santo Padre, o Papa Pio XI, para evitar o massacre dos
fiéis, mas Calles não se conformou, por sua vez, declarou que todas as igrejas,
conventos e seminários deveriam ser abandonados pelos padres, freiras e semi-
naristas, e seriam ocupados para outras finalidades, as mais diversas possíveis,
muitas foram imensamente profanadas e se tornaram lugares de orgias.
Em 1° de agosto de 1926, o México amanheceu em total orfandade. As
igrejas estavam fechadas. As celebrações estavam proibidas. Os sacrários abertos
e as velas não eram acesas. A angústia tomou conta da população que imediata-
mente protestou contra a Lei de Calles, realizando um boicote econômico, o mes-
mo não surtiu o efeito esperado e enfureceu ainda mais o nefasto presidente.
O modo de governar de Calles contava com o apoio da Rússia e com o si-
lêncio dos Estados Unidos e a venda das armas à crédito: “O embaixador Russo
Stanislas Pesthovsky garantiu a Calles que suas políticas anticlericais estavam
em perfeito acordo com os métodos comunistas, e desejou a ele todo o sucesso.
Ademais, para manter os métodos comunistas de vigilância, o ditador pró-co-
munista empregou dez mil agentes do governo, quase todos estrangeiros, para
investigar o povo, e assegurar que as novas leis fossem obedecidas. Onde tal na-
ção empobrecida conseguiu dinheiro para pagar esta violenta gestapo continua
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um mistério... Mais incriminador para nosso país é o fato de que Washington
esteve vendendo armas à crédito ao General Obregon, sem as quais nem ele
nem Calles teriam conseguido sustentar suas sangrentas campanhas. Igualmen-
te estranho é o fato da imprensa dos Estados Unidos jamais ter publicado uma
única notícia ao povo Americano sobre o que estava realmente ocorrendo na
República vizinha...”. (Dominico)
O Pe. Pro, para não privar os fiéis da Santa Missa, idealizou as chamadas
“Estações Eucarísticas” que na verdade eram casas, onde clandestinamente ce-
lebrava a Eucaristia e ministrava sacramentos aos fiéis. No início eram trezentas,
depois outras mil foram criadas. Vários sacerdotes, religiosos e leigos se revesa-
vam e se reuniam para celebrar a fé, tinham ciência de que se fossem descober-
tos seriam encarcerados ou mortos.
Em 4 de dezembro de 1926, a Liga Nacional Defensora da Liberdade Reli-
giosa, realizou um protesto contra Calles. Em resposta, o governo federal iniciou
expedir inúmeros mandados de busca nas casas e prisões dos membros da Liga.
O Padre Pro foi aprendido por Bandala, um dos chefes da polícia secreta.
Fato interessantíssimo acerca do Pe. Pro é que estava em um grande
edifício, presidindo uma reunião com os jovens da Ação Católica, quando su-
bitamente a polícia surgiu rodeando o edifício. O Padre teve de esconder-se
num armário. Momentos depois, entrou no salão o Coronel portanto duas
pistolas: “Onde está o Padre Pro?“. Os moços disseram que não sabiam. “Tem
um minuto para dizer-me onde está este padre, ou matarei a todos!” Nesse
instante, sentiu o coronel um cano frio de arma tocar-lhe a nuca. Era o Pe. Pro
que havia saído do armário. “Solte essas pistolas ou morre!”. O coronel deixou
cair as armas no chão, e estas foram recolhidas pelos jovens. “Agora fujam vo-
cês!”, ordenou Pro aos membros as Ação Católica, que apressadamente corre-
ram buscando esconderijo. Em seguida, o padre disse: “Agora vire-se, Senhor
Coronel, vire-se para ver com que coisa o desarmei”. O coronel, humilhado,
percebeu que o padre lhe apontava a ponta de uma garrafa vazia. Pro com
uma mera garrafa, conseguiu desamarrar o coronel com duas pistolas total-
mente carregadas. Depois desse fato, o padre passou a ser ainda mais odiado
pela polícia, ressalte-se que encontrou meios de fugir da condenação após
esse fato. De acordo com Robert Royal, em sua obra “The Catholic Martyrs of
the Twentieth Century”.
As famílias que não renegavam o catolicismo eram perseguidas e muitas
vezes tinham os seus bens confiscados, passando a viver na miséria. Pe. Pro agia
como um verdadeiro pastor junto a essas famílias, tratava os seus filhos espiritu-
ais com grande carinho e não hesitou jamais em arriscar a sua vida para cuidar
das suas ovelhas. Não queria que lhes faltasse nunca o alimento espiritual, bem
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como o material. Foram criadas comissões de auxílio para os católicos que per-
deram tudo ou não tinham o que comer.
“Enquanto horríveis martírios ocorriam, Padre Pro estava ocupado
organizando a ‘contrarrevolução’ bem no coração da capital. Primei-
ro, ele estabeleceu ‘estações eucarísticas’ por toda a cidade. Estas
estações eram casas de católicos de confiança, às quais ele ia em de-
terminados dias distribuir a Santa Comunhão, e, possivelmente, dizer
a Missa. Por conta própria, distribuía uma média de trezentas comu-
nhões por dia. Também organizou uma companhia de trezentos ho-
mens para percorrer toda a cidade e seus subúrbios como instrutores
religiosos [...] graças a estas instruções, jovens e velhos conservaram
sua Fé viva. Estas aulas também se provaram um substituto para as
escolas que normalmente teriam provido educação religiosa para as
crianças”. (Dominico)