John Rawls E A Liberdade De Expressao Religiosa Dilson Cavalcanti Batista Neto full chapter pdf docx

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John Rawls e a liberdade de expressão

religiosa Dilson Cavalcanti Batista Neto


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Para minha mãe, Jânia (in memoriam), e esposa,
Wanessa, com amor e eterna gratidão.
AGRADECIMENTOS

Este livro é fruto da Tese escrita para conclusão do Doutorado na


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Não se trata de tarefa fácil,
por isso não posso deixar de agradecer a todos que contribuíram para que a
pesquisa pudesse ter bom termo e, consequentemente, esta obra pudesse
existir.
À minha orientadora, Prof.ª Maria Celeste, pela paciência e
generosidade com que me guiou nos anos na PUC/SP. Principalmente por
sempre me encorajar nas mudanças e adequações durante a pesquisa.
Ao Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), Campus
Engenheiro Coelho, pela bolsa de estudos e pelo irrestrito apoio para que eu
conseguisse finalizar o curso e a pesquisa. Em especial, ao Pr. Paulo Martini
pela sensibilidade de prover as condições para que a Tese fosse finalizada.
Ao Prof. Willis Guerra Filho pelo brilhantismo e pelo aprendizado
durante as disciplinas cursadas, onde também fui agraciado com a
generosidade e amizade do Prof. Henrique Carnio que me forneceu
bibliografias e excelentes críticas. Agradeço ainda ao Prof. Willis pelas
inestimáveis contribuições para o presente Trabalho durante a Banca de
Qualificação. Nesta ocasião, contei também com a rica colaboração do Prof.
Oswaldo Duek Marques, dono de uma humildade e sapiência invejáveis.
Agradeço aos Professores Celeste Leite dos Santos, Josias Bittencourt,
Cláudio José Langroiva Pereira, Rennan Thamay e Thiago Matsushita por
gentilmente aceitarem o convite para composição da Banca de Defesa e nos
honrar com a presença e preciosa avaliação.
Aos Professores de outras instituições com que tive o privilégio de
dialogar. Prof. Álvaro de Vita, do Departamento de Ciências Políticas da
USP, por gentilmente me receber como aluno especial na disciplina “Teorias
Contemporâneas da Justiça”, oportunidade essencial para a definição do
marco teórico da Tese. Prof. Jónatas Machado (Universidade de Coimbra) e
Ronaldo Porto Macedo Júnior (USP e FGV), expoentes da liberdade de
expressão, que me deram a grande honra de contar com suas sugestões
bibliográficas.
Aos queridos colegas Professores e especialistas em liberdade religiosa
que lecionam em instituições adventistas no Brasil e no mundo. A Nicholas
Miller (Andrews University – EUA), Juan Martin Vives (in memoriam)
(Universidad Adventista del Plata – Angentina) e Tiziano Rimoldi (Italian
Adventist University) sou grato pelo acolhimento, incentivo e por me
mostrarem a importância da laicidade e liberdade religiosa para o
cristianismo. Aqui no Brasil, gostaria de agradecer ao Prof. Josias
Bittencourt por, primeiramente, ter me apresentado o UNASP e me
convidado para integrar seu corpo docente; e pelos diálogos essenciais sobre
o delicado conceito de laicidade.
Aos grandes amigos e colegas de trabalho no UNASP que sempre se
doaram para que este Trabalho fosse finalizado: Igor Marques, Filipe Piazzi,
Carlos Ferri, André Okano, Lélio Lellis, Rennan Thamay, Fernanda Covolan
e Bruno Salviano. Agradeço também aos demais colegas de labuta, em
especial aos egressos da PUC/SP, João Emílio e Alessandro Jacomini, pelas
orientações sobre os caminhos do doutorado.
Aos colegas de doutorado, Núria, Samuel, Patrícia, André e Marilene,
pela parceria e disposição em sempre ajudar.
Aos amigos Richard Valença e Lucas Iglesias pelas indicações de
bibliografias na área teológica, principalmente por me apresentarem a obra
de Abraham Heschel. Ao amigo Rafael Passos que desde a graduação é um
grande debatedor e parceiro de pesquisas acadêmicas.
À amiga Ester Klein por, pacientemente, dar um suporte na revisão de
boa parte do texto.
À minha amada família, pais, sogros, irmãos, cunhados, sobrinhos.
Sem o suporte de vocês não conseguiria concluir este Curso. Além de já ter
dedicado este Trabalho a elas, quero agradecer à minha mãe, Jânia (in
memoriam), e à minha esposa, Wanessa, por terem se dedicado no auxílio
com a revisão do texto. Gostaria também de reconhecer a ajuda da família
Reis Correia que abriu as portas da sua casa para que eu pudesse realizar
meu mestrado na UFBA, sem o qual eu não teria ingressar no doutorado e,
consequentemente, realizar esta pesquisa.
Ao Eterno, meu Rei e meu Deus, que não se cansa de me procurar e
surpreender com Seu cuidado e amor inefável.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e


LGBTQIAP+ Transgêneros, Queer, Intersexo, Assexuais, Pansexuais e
demais orientações.

LP O Liberalismo Político.

RWG Religion Without God.

TJ Uma Teoria da Justiça.


APRESENTAÇÃO

É com grande honra que apresento a obra “John Rawls e a Liberdade de


Expressão Religiosa” do meu querido amigo, Prof. Dilson Cavalcanti Batista
Neto, oriunda de uma revisão e atualização da Tese defendida no Doutorado
em Direito na prestigiosa PUC-SP.
Em uma sociedade democrática e plural, a liberdade de expressão é um
direito fundamental que deve ser garantido a todos os cidadãos,
independentemente de suas crenças religiosas. No entanto, essa liberdade
pode entrar em conflito com o ideal de neutralidade estatal em relação às
organizações religiosas, que é um princípio fundamental de um Estado
democrático.
Neste livro, Dilson aborda essa questão de forma original e
aprofundada. Na obra “O Conteúdo Ético da Laicidade Estatal” (Editora
Dialética), Dilson investiga o conceito de laicidade de forma histórica e atual
e delineia o que ela exige eticamente dos cidadãos numa democracia. Já
nesta obra ele aprofunda ainda mais o tema. Por exemplo, o conceito de
tradução da linguagem religiosa na esfera pública, proposto no primeiro
livro, neste ganha maior sofisticação e ancoragem metodológica a partir das
lições do grande filósofo da Universidade de Havard, John Rawls.
Dilson, utilizando o percurso deixado por Rawls, propõe dois
fundamentos éticos e políticos para a tutela da liberdade de expressão
religiosa no ambiente político.
O primeiro fundamento é o da isegoria, que defende a igualdade de
status entre os cidadãos, quer sejam religiosos ou não. O segundo
fundamento é o da parresía, que permite aos cidadãos religiosos
expressarem suas crenças religiosas no espaço público, desde que o façam de
forma respeitosa e tolerante. Cada um desses fundamentos é proposto a
partir de uma meticulosa análise de conceitos rawlsianos de “consenso
sobreposto” e “razão pública” elaborados, especialmente, na obra “O
Liberalismo Político”.
A partir desses fundamentos, Dilson propõe limites ao discurso
religioso por agentes públicos buscando fornecer uma abordagem que seja
uma luz ao desafio que todo cidadão religioso, que ocupa uma função
pública, possui não precisar viver de forma dividida: hora através de uma
postura interna da sua doutrina, hora no campo político desvinculando-se
do seu linguajar religioso.
O livro é uma importante contribuição para o debate sobre a liberdade
de expressão religiosa em uma sociedade democrática. Ele oferece uma
perspectiva inovadora para a compreensão desse tema, que é cada vez mais
relevante em um mundo globalizado e plural.
O livro “John Rawls e a Liberdade de Expressão Religiosa” é uma
leitura obrigatória para juristas, filósofos, sociólogos e todos os interessados
no debate sobre a liberdade de expressão religiosa.

Prof. Dr. Filipe Piazzi Mariano da Silva


Professor do UNASP e da Pós-Graduação da Mackenzie
(UPM)
Sócio do Escritório Coimbra, Chaves & Batista Advogados
Associados
SUMÁRIO

Capa
Folha de Rosto

Créditos
INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1 - JOHN RAWLS COMO FILÓSOFO DO DIREITO E O


VALOR DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA
1.1 AMEAÇA À LIBERDADE DE EXPRESSÃO DIANTE
EXPANSÃO DO DIREITO SOBRE A MORAL
1.2 JOHN RAWLS: FILÓSOFO DO DIREITO?

1.3 EXPRESSÃO RELIGIOSA NO AMBIENTE POLÍTICO: POR


UMA DELIMITAÇÃO DO OBJETO
CAPÍTULO 2 – A IDEIA DE CONSENSO SOBREPOSTO COMO
FUNDAMENTO FILOSÓFICO POLÍTICO DO ÂMBITO DA
ISEGORIA
2.1 CRÍTICA À ESTABILIDADE DA JUSTIÇA COMO
EQUIDADE EM UMA TEORIA DA JUSTIÇA: A QUESTÃO
DOS CIDADÃOS DE FÉ
2.2 CONSENSO SOBREPOSTO: A IMPORTÂNCIA DE O
LIBERALISMO POLÍTICO PARA O FORTALECIMENTO DA
TOLERÂNCIA E DO IDEAL DA ISEGORIA
2.3 A NEUTRALIDADE ESTATAL COMO
ANTIDENOMINACIONALISMO
CAPÍTULO 3 – A RAZÃO PÚBLICA COMO FUNDAMENTO
FILOSÓFICO POLÍTICO DO ÂMBITO DA PARRESIA
3.1 A IDEIA DE RAZÃO PÚBLICA
3.2 DISCURSO RELIGIOSO E A CONCEPÇÃO INCLUSIVISTA
DA RAZÃO PÚBLICA
3.3 DISCURSO RELIGIOSO E RAZÃO PÚBLICA NO
CONTEXTO DO PÓS-SECULARISMO
CAPÍTULO 4 – A LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA E
SEUS LIMITES NA ESFERA POLÍTICA
4.1 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A SUA PRIORIDADE

4.2 A PRIORIDADE DA LIBERDADE RELIGIOSA: UMA


RESSALVA À IDEIA DE RELIGION WITHOUT GOD DE
RONALD DWORKIN
4.2.1 O PERIGO OCULTO EM RELIGION WITHOUT
GOD
4.2.2 RAWLS E A PRIORIDADE DA LIBERDADE
RELIGIOSA
4.3 OS LIMITES À LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA
NO AMBIENTE POLÍTICO: O CASO BRASILEIRO

4.3.1 A FLUIDEZ ARGUMENTATIVA DA


JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA SOBRE A LIBERDADE
DE EXPRESSÃO E SOBRE A RELAÇÃO ENTRE ESTADO
E IGREJA

4.3.2 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA DOS


SERVIDORES PÚBLICOS
4.3.3 A COERÇÃO ESTATAL E OS GRUPOS
RELIGIOSOS: O CASO DA HOMOFOBIA
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO

Um regime constitucional e democrático pressupõe a existência de


direitos básicos a serem exercidos pelos cidadãos, como a liberdade de
consciência, de expressão, de associação, entre outros. Na lide para garantir
tais direito, quer seja na esfera dos poderes estatais constituídos ou mesmo
na atividade intelectual da academia, não deve apenas existir a preocupação
com o conceito e limites de tais direitos, mas também com a formulação de
meios para que eles sejam cada vez mais valorizados. Isso se faz necessário
porque a democracia pressupõe justamente uma igualdade entre cidadãos e
grupos que, no decorrer de embates e lutas por seus próprios interesses,
podem descaracterizar o livre exercício da expressão política. É necessário,
portanto, que se formulem limites para que não se utilizem as estruturas
coercitivas do Estado com a finalidade de aprofundar desigualdades e
discriminações.
O presente Trabalho tem como problemática o desafio de lidar com as
disputas entre religiosos e não religiosos que acabam buscando no direito
um meio para diminuir a influência do grupo rival no espaço público. Quais
seriam os limites ao discurso de cunho religioso no ambiente político diante
de uma sociedade plural e do ideal democrático de neutralidade estatal em
relação às organizações religiosas?
A resposta a tal questionamento está na hipótese de que não deve se
tratar da limitação à liberdade de expressão numa perspectiva puramente
dogmática, através da verificação de jurisprudências e doutrina
constitucional sobre a liberdade de expressão, mas deve buscar elementos
filosóficos que embasem a formulação de políticas públicas, decisões
judiciais e até mesmo da produção legislativa.
O objetivo principal da obra é propor dois fundamentos (da isegoria e
da parresía) que antecedem a aplicação do direito à liberdade de expressão
por meio das contribuições de John Rawls para quem “the constitution must
take steps to enhance the value of the equal rights of participation for all
members of society”1. Ou seja, antes de se preocupar até onde o discurso
religioso pode ser utilizado na esfera da política, importa vislumbrar quais
as bases políticas e éticas para que se garanta a igualdade entre cidadãos
religiosos e seculares. Em resumo, antes de definir e limitar a liberdade de
expressão no campo político, é preciso propor meios para garantir que tal
direito tenha um valor equânime para religiosos e não religiosos.
A relação entre direito e religião é complexa, ainda mais no contexto de
separação e neutralidade estatal diante das denominações religiosas. O
discurso jurídico não é o único foro de pacificação social. As instituições
privadas, como as associações religiosas, exercem importante papel na
solução de conflitos. O direito moderno fragmentou os meios de
pacificação, primeiramente trazendo para sua esfera de decisão, por meio do
princípio da legalidade, os assuntos que socialmente se entendem mais
sensíveis, por outro lado, garantiu a existência e autonomia de uma série de
instituições privadas. Entretanto, a relação entre estes foros não é simples,
nem pacífica em si. Nesse sentido, a expansão exagerada do direito estatal
sobre a moralidade dos entes privados pode gerar o aumento das restrições à
liberdade de expressão, inclusive à religiosa. Quando se fala em moralidade,
quer se abranger a outros foros de solução de conflitos que não o estatal.
A ideia de pacificação social numa democracia, por outro lado, não
pode significar a promoção de um consenso amplo e geral sobre qualquer
assunto. O traço mais essencial de uma democracia é o que John Rawls
sintetiza como o fato do pluralismo: a sociedade contemporânea não é
marcada somente por um pluralismo de doutrinas – filosóficas ou religiosas
– mas pelo fato de que tais doutrinas são eternamente incompatíveis.2 O fato
do pluralismo é um “natural outcome of the activities of human reason under
enduring free institutions”3. Nessa perspectiva, o constitucionalismo
moderno tem como intuito maior a organização de uma sociedade plural na
qual haja algum nível mínimo de harmonia e estabilidade. É nesse sentido
que Rawls propõe que haja outro nível de consenso que se limite apenas a
questões políticas essenciais para a convivência.
O consenso sobreposto é um ideal para o qual é possível elencar valores
políticos que sejam sustentados por todas as doutrinas abrangentes
(religiosas e filosóficas) através dos seus valores morais internos. Tal
consenso resultaria de um processo de aprofundamento das relações entre
os grupos que compõem a sociedade na atividade democrática através do
tempo. O que importa ressaltar dentro deste contexto de introdução, é
apontar que o consenso sobreposto é a antítese do totalitarismo, no qual a
esfera política e moral possui os mesmos valores e são determinadas por
uma mesma concepção religiosa ou filosófica.
Na dinâmica democrática, a sociedade política como um todo
estabelece seus fins e os protege através de sanções jurídicas. Nesta prática
de construção do direito e suas sanções, ou de estipulação de políticas
públicas, é que se insere a ideia de razão pública. Esclarece Rawls4 que nem
todas as razões são públicas, mesmo sendo “publicadas” para grande
quantidade de pessoas. Por exemplo, discussões acadêmicas sobre regimes
totalitários, por mais que sejam de amplo acesso pelo público em geral, não
são razões públicas. A esfera da razão pública está nos argumentos que
permeiam a criação de leis e/ou políticas públicas que venham a alterar o
sistema jurídico, restringindo a liberdade dos cidadãos e sendo garantidas
pelo poder coativo do Estado. Neste âmbito, os que propõem limitações a
direitos precisam apresentar razões que sejam compreensíveis e adequadas
para todos os cidadãos. No caso dos religiosos, resta investigar até que
ponto, p. ex., um parlamentar pode usar termos de sua doutrina para apoiar
a criação de leis ou políticas públicas.
Apesar da obra O Liberalismo Político de Rawls não ser uma fonte
última para o assunto, ela é, como se demonstra no decorrer deste trabalho,
satisfatória como ponto de partida para a proposição dos fundamentos que
se quer propor. Isso se dá porque o objetivo de recomendar as bases políticas
e morais da aplicação da liberdade de expressão se confunde com o objetivo
central de LP: “the aim of political liberalism is to uncover the conditions of
the possibility of a reasonable public basis justification on fundamental
political questions.”5
Parte-se de dois postulados da antiga democracia grega em relação à
liberdade de expressão. Trata-se das ideias de parresía e isegoria.
Quando se fazia referência ao termo parresía (ou parrhesia), estava-se
querendo enfatizar o desprendimento do emissor quanto ao conteúdo da
comunicação, já que significa falar com toda liberdade, de maneira franca,
com confiança6. Também pode ter relação com desvegonha. Já a ideia de
isegoria está relacionada com a igualdade entre os cidadãos no que concerne
à expressão. Na democracia grega, ἰσηγορία significava, “liberdade de falar
igual para todos, igualdade de direitos num estado democrático”7.
Portanto, para mediar e difícil relação entre Estado e as denominações
religiosas, é que se apresenta como hipótese a ideia de que os dois âmbitos
básicos da liberdade de expressão podem ser enriquecidos com as
construções teóricas iniciadas por Rawls. A ideia de igualdade de fala
(isegoria) pode ser pensada através da discussão do conceito de consenso
sobreposto; bem como a categoria da liberdade de fala (parresía) tem na ideia
de razão pública um mecanismo teórico capaz de garantir um ambiente mais
plural e democrático.
Através do método dedutivo8, o Trabalho é organizado em quatro
Capítulos, partindo da apresentação de preceitos mais gerais, como o
consenso sobreposto e a razão pública, para que se possam propor limites
éticos ao discurso religios em casos mais específicos.
O Capítulo 1 visa apresentar os elementos essenciais da pesquisa, tendo
um cunho mais metodológico. Isto é, apresenta a problemática envolvendo a
relação entre o direito estatal e a autonomia das religiões, traz as razões que
levaram à escolha de Rawls como marco teórico e, por fim, busca delimitar o
objeto da pesquisa à liberdade de expressão na esfera do político.
O Capítulo 2 aponta, primeiramente, como a ideia de consenso
sobreposto resultou de reformulações na teoria rawlsiana, em especial após
críticas de que ela não era amigável com os cidadãos de fé. Após, propõe que
o consenso sobreposto, apesar de não ser um conceito irreparável, é um
pressuposto adequado para a igual consideração de todos os cidadãos em
relação ao direito de liberdade de expressão (isegoria).
O Capítulo 3 indica que a igualdade entre cidadãos não será plena se
uma parcela tiver um dever de traduzir seus argumentos na deliberação
pública, enquanto outros não necessitam. Para tanto, é preciso que o
conteúdo das expressões possam atender ao ideal da razão pública inclusiva,
que não impeça o religioso de utilizar termos inerentes à sua formação e
concepção de verdade (parresía).
O Capítulo 4 realiza uma análise crítica de casos centrais envolendo a
limitação da liberdade de expressão religiosa no ambiente político à luz dos
fundamentos propostos nos Capítulos anteriores, buscando aplicar a teoria
construída à realidade brasileira.
1 RAWLS, John. A Theory of Justice. Ed. Rev. Cambridge, Massachusetts: The Belknap Press of
Havard University Press, 1999, p 197. De agora em diante chamada de TJ. Tradução: “a constituição
deve tomar providências para reforçar o valor dos direitos iguais de participação para todos os
membros da sociedade”. (RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça Jussara Simões (Trad.). São Paulo:
Martins Fontes, 2008, p. 277).
2 RAWLS, John. Political Liberalism. Edição Expandida. Nova Iorque: Columbia University Press,
2005, p. XVI. De agora em diante chamado de LP.
3 Ibidem, p. XXIV. Tradução: “produto natural das atividades da razão humana sob duradouras
instituições livres” (RAWLS, John. O Liberalismo Político. Álvaro de Vita (trad). São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2011, p. XXVII.)
4 RAWLS, Political Liberalim, pp. 212-213.
5 Ibidem, p XIX. Tradução: “o objetivo do liberalismo político consiste em revelar as condições de
possibilidade de uma base pública razoável de justificação no que diz respeito a questões políticas
fundamentais” (RAWLS, O Liberalismo Político, p. XX.)
6 DICCIONARIO MANUAL GREGO-LATINO-ESPAÑOL DE LOS PADRES ESCOLAPIOS,
Buenos Aires: Editorial Albatros, 1943, p. 591.
7 PEREIRA, Isidoro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. 5ª Ed. Porto: Livraria
Apostolado da Imprensa, 1976, p. 281.
8 Para Popper, “a lógica dedutiva é a teoria da validade das deduções lógicas ou da relação de
conseqüência lógica. Uma condição necessária e decisiva para a validade de uma consequência
lógica é a seguinte: se as premissas de uma dedução válida são verdadeiras, então a conclusão deve
também ser verdadeira”. (POPPER, Karl. Lógica das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2004, p. 26).
CAPÍTULO 1 - JOHN RAWLS COMO
FILÓSOFO DO DIREITO E O VALOR DA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
RELIGIOSA

O presente Capítulo tem como principal objetivo trazer uma


justificativa para a escolha do marco teórico para lidar com a problemática
de como viabilizar, numa democracia plural e laica, a liberdade de expressão
dos cidadãos de fé. No primeiro tópico, há uma exposição mais específica
sobre a problemática geral do livro; no segundo, apresenta-se a teoria de
Rawls como ponto de partida viável para o lançamento de uma teoria da
liberdade de expressão; no último tópico, busca-se realizar uma delimitação
dos casos centrais para a análise da liberdade de expressão religiosa na esfera
do campo político, sendo que este não se confunde somente com as
discussões eleitorais ou legislativas, mas com discursos que tratem, p. ex.,
sobre a criação de políticas públicas ou sobre a limitação de direitos em
diversas situações, sejam para quem se expressa enquanto ocupante de
cargo/função pública, bem como enquanto simples cidadão.

À Ã
1.1 AMEAÇA À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DIANTE EXPANSÃO DO DIREITO SOBRE A MORAL
Na sociedade contemporânea, a titularidade última do uso da força e
da abrangência da liberdade dos indivíduos está na figura do Estado.
Segundo Paolo Prodi9, não se pode olvidar que o que se tem hoje é um
reflexo de desdobramentos sobre a disputa entre os foros externo
(regramentos sociais, aonde a figura do Príncipe predominava) e o interno
(que se submetia à autoridade da Igreja) que se construiu na Idade Média.
Após o longo processo de secularização do Ocidente, um dos dois juízes, o
foro externo, ganhou um papel de protagonismo sendo que esse novo direito
penetra toda a vida social utilizando-se, inclusive, dos desenvolvimentos das
ciências. O direito passa a ser encarado como um ramo da ciência, tendo
que se coadunar com seus paradigmas.
O direito positivo, estatal, apesar de prever a garantia de autonomia das
pessoas e de diversas instituições privadas, traz para si a determinação das
penas e da força, do castigo, da restrição aos bens. Na esteira de Paolo Prodi,
não há necessariamente um problema na existência de um direito oficial,
mas propõe-se aqui que o enfraquecimento da moral – englobando aqui
todos os foros que não o oficial, como a etiqueta, a religião e a própria moral
num sentido mais estrito – e sua invasão desmedida pelo direito positivo
podendo gerar efeitos danosos que ameaçam a própria ideia de Estado
democrático. Numa democracia, deve-se ter como elemento central certa
autonomia dos cidadãos diante de diversos assuntos como a ideia de bem,
de religiosidade, de vida que vale a pena ser vivida 10.
Nesse sentido, Prodi expressa sua preocupação em relação a esta
monopolização do foro externo tende a resultar na impossibilidade da
“sobrevivência da civilização jurídica ocidental sem a presença de normas
morais ou, em todo caso, metajurídicas, de um foro ou tribunal das ações
humanas que não coincida com aquele da justiça oficial” 11.
Esse é um desafio eminentemente da Modernidade jurídica. Na pré-
modernidade, por outro lado, a religião – e antes mesmo a magia - foi o
centro emanador de valor, sendo que não se podia diferenciar direito, moral
e a própria religião ou a magia, que resumia, para o grupo, o grande mistério
da vida humana e incorporava o projeto de vida coletivo. Após o aumento da
complexidade da vida social, através da divisão do trabalho, do aumento das
relações comerciais, o direito foi lentamente iniciando o processo de sua
diferenciação do campo da religiosidade12.
Na era pré-moderna, a esfera do dever estava coesa numa só concepção
que os gregos chamavam de ethos. Pertencer a um povo significava adorar
certo(s) deus(es) (ou fazer parte de ritos mágicos), ter certos valores, e esse
conjunto axiológico legitimava toda a normatização das condutas na
sociedade. Mas “na medida em que as cosmovisões religiosas cedem o lugar
a forças religiosas privatizadas e as tradições do direito consuetudinário são
absorvidas pelo direito erudito, pelo caminho do usus modernus, a estrutura
tridimensional do sistema jurídico se rompe”13. O direito fica, então,
reduzido a uma única dimensão, ocupando apenas o lugar reservado ao
direito burocrático dos soberanos. De igual forma, a legitimidade do
detentor do poder político emancipa-se da ligação com o direito sagrado.
Após inúmeras guerras de cunho religioso durante a Idade Média,
diversos campos do saber, notadamente a filosofia, o direito (que à época
iniciava como campo de estudo científico), e as demais ciências passam a
ampliar, paulatinamente, modelos de organização social que visavam retirar
da área da metafísica e da religiosidade o centro emanador de sentido da
existência. Este caminho da Modernidade é sintetizado por Castanheira
Neves através de três pontos básicos: “1) a verdade e o valor são acessíveis à
razão; 2) só à razão são acessíveis a verdade e o valor; 3) a razão é a razão do
“sujeito” moderno (cartesiano)”14.
Este processo de secularização se deu através de diversas formas e
configurações de acordo com a formação constitucional dos países
ocidentais. Mesmo naqueles aonde oficialmente ainda existe uma ligação
entre a Igreja e o Estado, pode-se dizer que houve uma grande secularização
do próprio direito como requisito de se albergar, sob um mesmo
ordenamento jurídico, pessoas com crenças diversas e irreconciliáveis. Desta
forma, a Modernidade - incluindo seus efeitos no direito - está relacionada
com a ideia weberiana de desencantamento do mundo15.
De forma geral, o movimento da secularização marca um predomínio
da técnica sobre a ética. Nelson Saldanha, inspirado em filósofos como
Heidegger, traz a seguinte descrição:
O tempo da secularização foi (ou vem sendo) o tempo de crescimento da crítica e das
liberdades, mas também o da dúvida e do pessimismo. Os tempos mais recentes têm sido
um misto de esvaziamentos e saturações: tempos saturados de vínculos institucionais e
organizacionais, de manifestações ideológicas e de explicitações normativas. Tempos
carregados de tecnicismo e submetidos à técnica, nos quais se alteram também as
proporções da vida: nas relações com o mundo, no tamanho das edificações, no sentido
do tempo16.

Essa saturação, devido ao domínio da técnica sobre a ética, no campo


do Direito pode ser vislumbrada através do monopólio da atividade
legislativa e jurisdicional do Estado Moderno. Para Otfried Höffe17, além da
monopolização da esfera do dever ser pelo direito estatal positivado, a
própria teoria do direito passa a ser cultivada por um impulso que, se mal
interpretado, pode levar ao menosprezo da moral.
Até o Século XIX, a teoria do direito era praticada por filósofos que não
a dissociava de uma discussão mais ampla sobre a moral e a ética. Desde
Platão, Aristóteles, passando pelos medievais como Tomás de Aquino e
Ockham, até mesmo após o Iluminismo europeu, a percepção de direito não
se desvincula da ética filosófica sobre o Estado. Após o Século XIX, Höffe
indica que os filófosos passaram a se especializar em áreas da hermenêutica,
fenomenologia, entre outras, deixando de dar atenção à teoria do direito,
que passa a se tornar, apesar da forte influência filosófica, uma área mais
autônoma, especializada e técnica.
Mais interessado em teoria social, hermenêutica, fenomenologia e teoria da ciência,
deixam aos juristas o estudo da teoria do direito e do Estado. Estes não perdem
certamente o contato com a filosofia; assim, por exemplo, a escola histórica do direito (F.
K. von Savigny, Jacob Grimm, R. von Jhring, O. von Gierke) se inspirará em Herder e
Hegel; Hans Kelsen é inspirado pelo neokantismo e H. L. A. Hart se situa na tradição
britânica de Hobbes, no utilitarismo (J. Bentham) e na filosofia analítica do direito. Mas
os estímulos filosóficos praticamente não incluem impulsos éticos18.

Essa postura de tentativa de análise do fenômeno jurídico como


dissociado, ainda que teoricamente, da moral é característica do positivismo
jurídico. É muito importante, antes de prosseguir, que esteja bem claro que
não se quer cair no lugar comum de acusar os teóricos positivistas através
do argumento reductio ad “Hitlerum”. Ou seja, Noberto Bobbio19 e, no
Brasil, Dimitri Dimoulis20, apontam que este argumento é um lugar comum
entre os críticos do positivismo jurídico e significa, em resumo, que foram
os teóricos desta escola do direito que legitimaram as catástrofes do
Nazismo, já que não admitiam elementos morais como fonte de validade do
direito. Não é preciso muito esforço para notar que tal argumento é falho.
Na esteira de Bobbio, tal objeção pode ser destinada ao positivismo
enquanto ideologia, mas não se encontram nos textos da teoria do
positivismo nenhuma forma de apoio aos acontecimentos. O que se deve ter
em mente neste caso é o objetivo descritivo científico dos principais ramos
do positivismo. A intenção de autores consagrados como Hans Kelsen e
Herbert Hart, em suas obras seminais como, respectivamente, Teoria Pura
do Direito e O Conceito de Direito, está mais ligada a apresentar o ser direito
e não necessariamente como ele deve ser.
Mesmo afastando a moral da determinação do conceito de direito, os
autores mais representativos do positivismo jurídico não afirmam que a
moral não tem importância na coesão e pacificação social. Portanto, o
fenômeno da invasão do direito positivo estatal sobre o foro da moral não é
uma exigência do positivismo teórico, mas resulta muito mais de um efeito
colateral da crescente pluralidade de concepções morais existentes e
conflitantes na sociedade, do relativismo e ceticismo, ou seja, trata-se mais
de um problema interno da própria esfera da moralidade. Em resumo, a
questão não pode ser resolvida apenas fazendo uma crítica à teoria
positivista em seu intento de descrever o direito.
Para Kelsen21 em Teoria Pura do Direito, por exemplo, a moral é
reconhecida como um foro de pacificação social que funciona, assim como
o direito, através de sanções. A primeira grande diferença está em que o
sistema jurídico não tem sua base de validade em qualquer sistema moral22.
E o que distingue o direito é a sua natureza coativa, monopolizada pelo
Estado23. Pode-se indicar que a conduta jurídica se diferencia da conduta
moral, porque aquela é uma conduta de interferência intersubjetiva, em
contraposição à moral, que é uma conduta com referência subjetiva24. Não
há nos escritos de Kelsen nenhum momento em que se proponha um
totalitarismo jurídico, ou seja, um ideal de sociedade sem a presença da
moral nas mais variadas formas.
A trajetória intelectual de Kelsen teve como objetivo, entre outros, o de
propor um tratamento científico ao direito. Considerava que direito, justiça
e moral tivessem naturezas distintas. Portanto, não cabe à ciência do direito
positivo determinar se uma dada ordem jurídica é justa ou injusta. Kelsen é
claro ao afirmar que “como é possível determinar o que é um ácido e o que é
uma base, a justiça e o Direito deveriam ser considerados dois conceitos
diferentes” 25. Apesar de não determinar o conceito de direito, a justiça e a
moral têm a função de avaliar qual seria um bom e mau direito26, mas, de
forma alguma, poderia descaracterizar sua forma normativa jurídica.
Outro destacado autor do positivismo jurídico, H. L. A. Hart, propõe
uma relação mais rica entre direito e moral27. Ambos os foros acabam tendo
um objetivo comum, qual seja, o de proporcionar um mínimo para a
sobrevivência a qual está insculpida na natureza dos seres humanos ao
buscar associarem-se uns com os outros 28. A diferença do ordenamento
jurídico está na figura da autoridade ligada ao poder coercitivo de um
governo. As normas jurídicas são distintas das normas morais por serem
reconhecidas por uma norma secundária de reconhecimento da qual retira
seu fundamento de validade. Nesse sentido, sendo um positivista, Hart
assevera que o reconhecimento de uma norma juridicamente vinculante não
precisa defluir de uma norma moralmente obrigatória29.
Para Hart, um sistema social é mais estável quando o direito e moral
estão mais alinhavados, apesar de não ser necessária essa ligação30. Evidente
que, através de lições históricas, o ideal seria que ambos os foros estivessem
a serviço de um Estado democrático, não de uma ditadura totalitária. Mas
por estar comprometido com uma descrição do direito, Hart aponta que é
preferível partir de uma concepção mais ampla de direito, na qual não se
determine seu status pelo seu conteúdo (para ele, esta se trata de uma visão
mais restrita do direito). Nesse sentido, argumenta Hart:
Um conceito de direito que permita diferenciar a invalidade do direito de sua
imoralidade nos faculta ver a complexidade e a variedade desses problemas distintos,
enquanto um conceito restrito de direito, que nega validade jurídica às normas iníquas,
pode nos tornar cegos para eles31.

Em suma, para uma perspectiva teórica e descritiva do positivismo


jurídico, o foro da moral não determina o conceito de direito. Porém, e isso
é o que mais importa aqui, não se está negando a importância da
moralidade para estabilidade social. Até porque, há, sem dúvida, uma
necessidade de complementação recíproca, já que a moral não dispõe dos
instrumentos coercitivos tão fortes quanto o discurso jurídico. E o direito,
por sua vez, não é concebido para evitar as condutas errôneas através do
convencimento interno dos seus agentes.
Os contornos da problemática que se quer propor começam a ser
desenhados quando se fala do positivismo enquanto ideologia, tal como se
mostrou a Escola da Exegese Francesa32. Há, nesta perspectiva, um direito
positivo unilateral33, que menospreza e subestima o papel da moral que
invade assuntos da vida cotidiana que antes eram regulados por outras
espécies de normas – costumeiras, éticas, que, para fins da presente análise,
denominam-se como o “foro moral” – como, por exemplo, a vida
sentimental, religiosa, a área de desporto, entre outras.
O direito positivo unilateral também é autorreferente quando entende
que o valor para o qual aponta o texto normativo é o único correto,
devendo-se desconsiderar a riqueza de perspectivas da realidade. E isso
ainda se agrava quando se entende que tais textos normativos já constituem,
em si, a norma jurídica a ser aplicada.34
Essa postura é altamente perniciosa para a ideia de liberdade em uma
democracia, já que essa expansão desmensurada pode uniformizar valores
em esferas que historicamente são marcadas pela autonomia do indivíduo
ou das instituições privadas. A perspectiva de um direito positivo unilateral
acaba mascarando a ideia de impor uma moral – através do direito – a todos
os grupos que compõem a sociedade.
Retomando a dialética entre os foros, na avaliação de Paolo Prodi35, a
sociedade liberal necessita justamente da manutenção desta dialética, não de
uma tirania do direito sobre a moral, já que tal tirania mascararia a
supremacia de determinadas visões morais. Este descompasso é um indício
do declínio do Estado moderno que não é um fenômeno recente nem
nacional. Martin van Creveld faz o seguinte balanço:
Para impor essas e outras metas louváveis, e quase sempre estimuladas por demandas
ecológicas, ou por exigências de grupos minoritários, chovem novas leis e novos
regulamentos como granizo em janela de vidro. Por exemplo, em fins da década de 1980,
o número de páginas do Federal Register norte-americano, o jornal oficial que publica as
leis e os regulamentos federais, chegava à marca de 100 mil. Essas leis controlavam até o
formato das banheiras de hotéis e a altura do batente de suas portas; e os órgãos
envolvidos não pareciam inclinados a reduzir sua produção depois que o presidente Bush
mandou adiar as novas regulamentações em 199236.

Na área da liberdade de expressão, finalmente, pode-se constatar que a


problemática do direito positivo unilateral, que se expande sobre a moral,
pode ser percebida pelas mudanças no que Timothy Ash37 38 denomina de
binômio básico da liberdade de expressão: os ideais gregos de parresía e
isegoria.
A isegoria está relacionada com a igualdade entre os cidadãos no que
concerne à expressão. Na democracia grega, ἰσηγορία significava “igual
liberdade de falar”39, ou seja, “liberdade de falar igual para todos, igualdade
de direitos num estado democrático”40. Em relação à liberdade de expressão
religiosa, o âmbito da isegoria se discute, por exemplo, quando há uma
questionamento se religiosos podem expor suas opiniões no espaço público,
independentemente do conteúdo da sua expressão.
Já parresía (ou parrhesia) está ligada ao desprendimento do emissor
quanto ao conteúdo da comunicação. O termo grego παρρησία está também
relacionado à esfera da retórica na democracia grega, e significa falar com
toda liberdade, de maneira franca, com confiança41. Também pode ter
relação com desvegonha42. Esta é a esfera mais sensível, já que trata de
delicada questão sobre assuntos e formas que se devem (ou não) falar no
ambiente público. A discussão na categoria da parresía significa, para fins do
presente Trabalho, investigar qual é o limite entre opinião protegida e
expressão de discurso de ódio (hate speech).
O objetivo central do presente Trabalho é propor como adequado para
a ideia de igualdade de fala (isegoria) o conceito rawlsiano de consenso
sobreposto (Capítulo 2); e, por sua vez, para a categoria da liberdade de fala
(parresía), as propostas sobre o conteúdo da razão pública (Capítulo 3).
Uma questão que pode ser colocada é se John Rawls seria um bom
ponto de partida já que não é propriamente um filósofo do direito, mas um
filósofo político. Qual seria sua contribuição para a tutela da liberdade de
expressão? A justificativa para tal escolha será alvo de reflexão no próximo
tópico. Nada obstante, é importante que se ressalte que o presente Trabalho
não se destina a figurar como um guia de direito constitucional, mas trata-se
de uma busca pelos melhores fundamentos e pressupostos éticos e políticos
de democracia liberal a fim de garantir a manutenção de uma esfera de
discussão pública política mais frutífera e inclusiva, âmbito ideal para a
tutela da liberdade de expressão.
Como adverte Henrique Vaz, analisar a relação entre o direito e
princípios de justiça tem uma importância que vai além do plano teórico,
acadêmico. Promover um olhar ético sobre o direito importa na escolha de
que tipo de sociedade se quer viver. Apresenta, então, duas alternativas:
As sociedades políticas contemporâneas encontram no âmago da sua crise a questão mais
decisiva que lhes é lançada, qual seja a da significação ética do ato político ou a da relação
entre Ética e Direito. Na verdade, trata-se de uma questão decisiva entre todas, pois da
resposta que para ela for encontrada irá depender o destino dessas sociedades como
sociedades políticas no sentido original do termo, vem a ser, sociedades justas. A outra
alternativa que se esboça no horizonte é a dessas sociedades como imensos sistemas
mecânicos dos quais a liberdade terá sido eliminada e que se regularão apenas por
modelos sempre mais eficazes e racionais de controle do arbítrio dos indivíduos, já então
despojados da sua razão de ser como homens ou como portadores do ethos43(grifos no
original).

Os princípios de justiça (como os propostos por Rawls) como forma de


crítica ao direito visam garantir justamente uma nova racionalidade
moderna, que não se baseie no direito oficial como único meio de
pacificação social, o que, num grau exacerbado, pode gerar o cerceamento
de liberdades e, com isso, desconfigurar o próprio conceito de humanidade.

1.2 JOHN RAWLS: FILÓSOFO DO DIREITO?


A pergunta base do presente tópico é se John Rawls propõe uma teoria
para o direito e, mais especificamente, se pode ser considerado um bom
ponto de partida para análise sobre o direito à liberdade de expressão.
Este trabalho, ao escolher Rawls como ponto de partida, acaba
investindo seu intento na possibilidade de delinear um arranjo social no
qual se possa se construir um contexto de florescimento da liberdade de
expressão que vá além do modus vivendi para um consenso sopreposto44.
Para que não se viva numa sociedade como modus vivendi, é preciso
que se construam as bases sociais a partir de uma perspectiva política que,
na esteira de Rawls45, atenda a três condições: 1) que conceitue e acentue o
valor de direitos básicos, como as liberdades essenciais (p. ex., a liberdade de
expressão na esfera pública); 2) que proponha que esses direitos possuam
prioridade em sua proteção; e 3) que todos os cidadãos, não importando sua
posição social, possam ter os meios adequados para fazer o uso propício de
suas liberdades e oportunidades. Essa formulação geral é viável se há a
perspectiva de se propor uma análise normativa, ou seja, de como a
sociedade dever ser, não apenas descrever suas incongruências46.
Para cumprir tal fim, toma-se por base a proposta de Ronald Dworkin
de fazer a ligação entre Rawls e o direito na obra A Justiça de Toga, em um
capítulo inteiro denominado Rawls e o Direito47. São levantados cinco
pontos de contato que, para fins de objetividade, não serão esgotados aqui.
Não há na obra de Rawls uma clara intenção de definir o direito, muito
menos de elaborar uma teoria sobre a decisão judicial. Ele não se
autodenomina um cientista ou filósofo do direito48. Por outro lado, seus
conceitos estão presentes em vários discursos jurídicos, desde o científico,
acadêmico ou doutrinário, até o jurisprudencial, influenciando decisões em
casos concretos.
Dworkin, além de reconhecer a forte influência que Rawls exerce sobre
sua própria teoria, faz um exercício de apontar como a obra de Rawls pode
ser importante para a elucidação de questões da própria filosofia do direito.
São cinco os pontos de contato: 1) na natureza da filosofia do direito, ou
seja, qual seria a melhor teoria para responder o que é o direito; 2) no
conceito do direito; 3) nos limites do raciocínio da decisão judicial; 4) na
contribuição de Rawls para a ideia de constitucionalismo; e 5) na crítica ao
ceticismo moral no direito.
Em relação ao primeiro ponto, Dworkin enuncia uma série de
questionamentos sobre qual seria, numa perspectiva metodológica, a teoria
que melhor define o que é direito49. Questiona, basicamente, se uma teoria
geral do direito deveria ser descritiva do fenômeno jurídico, ou normativa,
que busca influenciar e prescrever uma melhor concepção possível do seu
objeto.
Como exemplo de visão descritiva do direito traz a teoria das fontes de
Hart. Esta, basicamente, entende que as proposições de direito são
verdadeiras somente quando são provenientes de decisões explícitas
tomadas por instituições legalmente reconhecidas, como é o caso das
Assembleias Legislativas. Entende que, de certa forma, a veracidade do
direito dependeria de fatos brutos, e sua verificação levaria a uma
perspectiva sociológica50.
Nesse primeiro ponto, parece inequívoca que a intenção de Rawls, ao
tratar de temas do direito, não é uma preocupação com a fenomenologia do
direito, mas uma axiologia. Como se verá mais adiante, para Rawls tanto a
Constituição, quanto as leis, devem ser decorrências de princípios de justiça.
O caráter normativo de sua teoria fica evidente quando afirma que
It is essential to keep in mind that the four-stage sequence is a device
for applying the principles of justice. This scheme is part of the theory of justice as fairness
and not an account of how constitutional conventions and legislatures actually proceed51.
(grifo nosso).

Mas Dworkin vai além de simplesmente afirmar que Rawls pretende


contribuir para uma melhor definição de direito, mas aponta que Rawls
concordaria com sua ideia de que o direito é uma prática interpretativa e
não um fato bruto. Para tanto, compara a ideia de equilíbrio reflexivo em
Rawls com sua visão de decisão judicial.
O equilíbrio reflexivo é um pressuposto que Rawls utiliza para
demonstrar como as partes, na posição original, chegariam aos dois
princípios da justiça (que integram a justiça como equidade). Estes seriam
escolhidos para conformar a estrutura básica da sociedade em detrimento
dos princípios utilitaristas ou perfeccionistas e decorreriam após esse estado
de equilíbrio reflexivo que significa, basicamente, o “this state is one reached
after a person has weighed various proposed conceptions and he has either
revised his judgments to accord with one of them or held fast to his initial
convictions (and the corresponding conception)”5253.
É no segundo ponto (sobre o que é o direito) que Dworkin realmente
busca aproximar Rawls da sua própria visão do direito. Ele já inicia
afirmando, com toda razão, que Rawls nunca emitiu a adesão entre o
positivismo ou um antipositivismo54. Mas para ligar Rawls ao seu
interpretacionalismo, propõe um exercício baseado na ideia de posição
original. Dworkin coloca que, além do princípio geral de justiça, os agentes
deveriam escolher uma concepção de legalidade55.
Como forma de simplificar as opções, Dworkin coloca na mesa duas
visões: um positivismo simplificado e um interpretacionalismo simplificado.
A descrição positivista simples é aquela aonde os juízes devem aplicar regras
criadas pelo Poder Legislativo visando a não contradição sistêmica, através
da consulta à história legislativa ou mesmo à intenção legislativa. Quando
não há uma regra para o caso concreto, o juiz positivista entende que deve
legislar por conta própria de forma limitada por uma ideia de como o poder
legislativo completaria esta lacuna56.
Já para a visão interpretacionista (do próprio Dworkin), os juízes
devem aplicar também as regras criadas pelo Poder Legislativo, porém, o
que muda é a postura do juiz diante de possível lacuna. Nesse caso, os juízes
não devem tentar legislar como o poder legislativo o faria, mas a marca do
interpretacionalismo está na busca da identificação e aplicação dos
princípios procedimentais e substanciais de justiça que justificam da melhor
forma possível o direito da comunidade.
Feito isto, Dworkin supõe que se as partes na posição original que
escolherem o princípio da utilidade ao invés dos princípios da justiça como
elemento central de organização da estrutura básica acabariam preferindo,
de igual forma, o positivismo. Para tanto, levanta um argumento histórico,
pois Bentham e Austin eram positivistas e defensores do utilitarismo, mas
também devido ao argumento de que o papel dos juízes em ambas as
perspectivas (positivismo e utilitarismo) não pode ultrapassar a fonte
legislativa, já que esta é o oráculo das melhores políticas que maximização
do bem público57. Já se as partes escolherem os dois princípios da justiça
como equidade como colocados por Rawls58, segundo Dworkin, elas
favoreceriam uma concepção interpretacionista do direito, pois
considerariam que as pessoas possuem o direito que vai além do que é
viabilizado pelo Poder Legislativo, mas que dever-se-ia proteger, por
exemplo, suas liberdades mais básicas. Os dois princípios da Justiça como
Equidade são aplicados à estrutura básica da sociedade e precedem inclusive,
aos termos e convenções inscritos na Constituição de qualquer democracia.
Dworkin adverte, entretanto, que Rawls não se declarou adepto a
nenhuma escola do pensamento jurídico. Até porque, levando em
consideração que existem visões intermediárias de positivismo, a tarefa de
enquadrar a teoria de Rawls em alguma escola direito é hercúlea. O §38 de
TJ, ao colocar o império da lei como uma das instituições da justiça como
equidade, apresenta uma noção da concepção de Rawls sobre o direito,
porém não é suficiente para determinar qual é a sua escolha em termos de
teoria.
Quando conceitua o sistema legal a partir de sua coercibilidade,
aparentemente a ideia de justiça serviria apenas para gerar no destinatário
expectativas legítimas59. Este conceito não é muito diferente de linhas
intermediárias do positivismo jurídico60. Rawls, portanto, não é enfático em
demonstrar que o conceito de direito (in)depende da moral, mas aponta o
efeito de desconfiança que a injustiça reiterada pode gerar nos cidadãos.
Essa posição de dúvida, inclusive, fica evidenciada quando afirma que
If deviations from justice as regularity are too pervasive, a serious question may arise
whether a system of law exists as opposed to a collection of particular orders designed to
advance the interests of a dictator or the ideal of a benevolent despot. Often there is no clear
answer to this question 61.
No primeiro ponto da análise, não resta dúvida que a teoria rawlsiana é
normativa. Porém, não há clareza quanto à escolha de uma determinada
escola filosófica do direito. O que faz com que Dworkin pareça ter razão está
no fato de que a preocupação maior de Rawls é que o sistema legal seja justo
ao respeitar os preceitos do império da lei. Um dos preceitos62, que inclusive
é citado na análise de Dworkin, está na ideia de que casos iguais devem ser
decididos de forma igual. Nesse sentido, Rawls é claro que deva existir uma
limitação em relação à discricionariedade dos juízes e, de forma muito
semelhante ao que sustenta Dworkin em sua obra, um compromisso com a
coerência que deve permear todas as decisões judiciais e políticas.
Realmente o seguinte excerto reforça a ideia de direito como prática
interpretativa:
In any particular case, if the rules are at all complicated and call for interpretation, it may
be easy to justify an arbitrary decision. But as the number of cases increases, plausible
justifications for biased judgments become more difficult to construct. The requirement of
consistency holds of course for the interpretation of all rules and for justifications at all
levels. Eventually reasoned arguments for discriminatory judgments become harder to
formulate and the attempt to do so less persuasive63.

Seguindo na tarefa de ligar Rawls ao direito, Dworkin propõe uma


terceira contribuição do pensamento rawlsiano. Esta residiria na forma
como os juízes devem raciocinar em casos difíceis (hard case), ou seja, quais
são os limites do raciocínio jurídico. Nesse ponto, Dworkin entende que a
ideia de razão pública pode ter relevância. Esta doutrina é destinada a
definir os tipos de argumentos que são permissíveis às autoridades públicas
em uma comunidade politicamente liberal, estando incluídos os juízes.
Após, faz uma série de críticas ao uso da razão pública para tal fim.64 Esta
discussão sobre as exigências da razão pública é discutida no Capítulo 3.
No quarto item - a contribuição de Rawls para a ideia de
constitucionalismo – Dworkin assinala duas contribuições. A primeira é
como Rawls demonstra, através do modelo em quatro estágios65, como a
Constituição deve proteger os princípios de justiça que estabelecem as
liberdades básicas e sua prioridade, e como, por sua vez, as instituições
constitucionais limitam a criação de leis e políticas públicas e a aplicação
destas. A segunda contribuição é a discussão de Rawls sobre o controle
judicial de constitucionalidade, sustentando que a judicial review aumenta as
capacidades dos cidadãos de discussão sobre questões morais cruciais. Neste
tema, o pensamento de ambos os autores é muito similar a ponto de Rawls
reconhecer isso66.
No último ponto da sua análise – que trata da crítica de Rawls ao
ceticismo moral – Dworkin, demonstra como é possível se falar em
objetividade na esfera da moralidade67. Rawls, assim como Dworkin,
discorda da tese de que na esfera moral não exista nenhum tipo de
objetividade, mas apenas emoção ou uma simples aprovação ou reprovação
psicológica eminentemente individual. Através de autores como Piaget e
Kohlberg, Rawls propõe um construtivismo na esfera política que visa se
desprender de percepções particulares, de fatos de mundo, ou mesmo que
conceitos metafísicos. O realismo, por outro lado, entende que além das
razões substantivas que se possam dar para justificar uma proposição, a
veracidade desta dependerá de uma realidade externa às próprias razões.
Para Rawls, na esfera da política e moralidade, as próprias razões bastam68.
Finalmente, mesmo não tomando o conceito de direito como centro de
sua obra e não desenvolvendo uma Teoria da Justiça que esgote todos os
problemas sociais69, Rawls é importante para a discussão central do presente
Trabalho. A resposta para a pergunta se Rawls é, ou não, filósofo do direito
tem, então, a seguinte resposta: Rawls também é filósofo direito, por ser um
pensador da democracia, da política e de seus valores. Por outro lado, não
podemos dizer que o direito, a ideia de sistema e norma jurídica eram um
objeto central da sua pesquisa, ou seja, não se pode enquadrá-lo como
filósofo do direito stricto sensu.
Em relação à liberdade de expressão, a teoria rawlsiana ganha ainda
mais relevo. Diante do problema do aumento das restrições à liberdade de
expressão como reflexo da expansão exagerada do direito estatal sobre a
moral, deve-se propor uma fundamentação normativa para a tutela do
direito e de políticas públicas sobre a liberdade de expressão, em especial
para que igualem cidadãos religiosos e não religiosos. Para tal fim, é que se
tem como objetivo a proposição de fundamentos éticos e políticos que
envolvem a tutela da liberdade de expressão religiosa na esfera da discussão
política inserida em um Estado democrático de direito.
Nessa mesma linha é que se tem como hipótese a ideia de que os dois
âmbitos básicos da liberdade de expressão (tanto na esfero dos direitos
individuais, quanto das políticas públicas) podem ser enriquecidos com as
construções teóricas iniciadas por Rawls. A ideia de igualdade de fala
(isegoria) pode ser pensada através da discussão do conceito de tolerância
liberal e consenso sobreposto; bem como a categoria da liberdade de fala
(parresía) tem na ideia de razão pública um mecanismo teórico capaz de
garantir um ambiente mais plural e democrático.
Não se pretende realizar aqui uma mera defesa do pensamento
rawlsiano, até porque, como se aponta mais a frente, existem pontos que
precisam ser mais bem discutidos e que, pelo fato do seu falecimento, Rawls
não pôde continuar. Um exemplo está na discussão sobre o conteúdo da
razão pública, tema muito importante para o presente Trabalho.
Um último esclarecimento se faz necessário. Não se busca aqui realizar
uma análise dogmática da liberdade de expressão religiosa70. A intenção não
é esgotar e resolver todos os problemas – jurídicos e políticos - ligados à
liberdade de expressão religiosa. Para delimitar melhor o objeto da presente
pesquisa, é que se destina o próximo e último tópico do presente Capítulo.

1.3 EXPRESSÃO RELIGIOSA NO AMBIENTE


POLÍTICO: POR UMA DELIMITAÇÃO DO OBJETO
A primeira grande dificuldade em um estudo sobre o direito ou
políticas públicas envolvendo liberdade é a tentação de analisar um
determinado aspecto de forma compartimentalizada. Um só fato – por
exemplo, uma passeata contra o governo – envolve uma série de questões
dilemáticas, como a liberdade de consciência, liberdade de reunião,
liberdade de expressão, além disso, existem problemas de gestão
administrativa, análise de impacto econômico, fora a discussão sobre o
direito de liberdade de locomoção dos demais cidadãos que não aderiram ao
protesto.
Uma liberdade nunca tem uma abrangência e é tutelada de forma
satisfatória isoladamente. Uma frase de Pontes de Miranda é precisa ao
retratar esta realidade: “se podemos mover-nos e não podemos pensar
livremente, não podemos mover-nos” 71. Dentro deste grande complexo de
direitos interconectados, existe o sistema próprio da liberdade de expressão
que é igualmente multifacetado. A abrangência da liberdade de expressão
inclui possibilidades diversas, como a de comunicação de ideias, convicções,
crenças, de informações e expressões verbais e não verbais como as
gesticulares ou musicais. Além disso, os meios podem ser da mesma forma
os mais variados, como a utilização de recurso impresso, através da mídia ou
não, vídeo, gravação de voz, entre outros.
Diante da escolha de uma análise zetética, que não busca esgotar
dogmaticamente todo o objeto, mas visa um tratamento equânime no valor
da liberdade de expressão para religiosos e não religioso, é que se propõe
que casos de violação a interesses eminentemente privados não façam parte
do objeto de análise.
Thomas Scanlon72 aponta uma série de situações nas quais está
envolvido o direito de liberdade de expressão, mas que acabam tendo
repercussões eminentemente privadas. Quando, por exemplo, a expressão
causar dano direto a alguém – quando o som emitido quebrar vidros,
atrapalhar o tratamento médico em um hospital -; ou quando causar
difamação ou colocar alguém numa situação ridícula; quando colocar
alguém numa situação de perigo; ou mesmo quando alguém incite a
agressão direta à outra pessoa, são ocorrências que agridem interesses
eminentemente particulares.
Antes de tratar das razões de tal corte, é preciso ter em mente a
peripécia que a linguagem pode impor. De maneira geral, quando se está
inserido em um Estado de direito, todas as liberdades são públicas, mesmo
que estejam relacionadas com interesses privados. Se se discute a autonomia
do indivíduo, por exemplo, para emitir opiniões ou casar, esta autonomia é
concedida ou reconhecida pelo Estado. Por isso, como ensina Jean Rivero e
Hugues Moutouh73, não existe, a rigor, liberdades “privadas”. Isso fica ainda
mais notório quando uma liberdade é agredida por outro concidadão e o
Estado necessita intervir, ou mesmo quando há necessidade de se criar
condições para o exercício de uma liberdade.
Portanto, todas as liberdades importam ao direito e ao campo do
político. Porém, o que se está afirmando aqui é que a construção da ideia de
tolerância e razão pública não tem com o que contribuir em todas as
ocasiões envolvendo a liberdade de expressão. Quando se agredir, através da
expressão, um interesse privado, o desafio que se encontra é o de como
repor e ressarcir alguém por seus danos sofridos, não o de garantir uma
proteção igualitária a cidadãos, como visa o presente Trabalho em relação
aos religiosos e não religiosos.
Um ponto primordial aqui é que, desde a publicação de TJ, Rawls
coloca que o objeto de sua teoria é a justiça social, através da análise da
estrutura básica da sociedade, ou seja, como as instituições sociais
distribuem os direitos e deveres fundamentais74. A justiça como equidade
não traz uma teoria da decisão para qualquer quebra de direitos. Portanto,
pode-se falar aqui em casos centrais da liberdade de expressão – aqueles
ligados ao problema da razão pública –; e os casos não centrais, mas que,
dependendo dos fatos concretos, podem se tornar objeto de análise. Caso
esteja em questão a possibilidade, ou não, de expressão de um agente que se
coloca como religioso, ou mesmo pelo conteúdo com linguagem religiosa,
esta questão importa para o presente Trabalho.
Como pode se observar no Capítulo 375, a razão pública é um conjunto
de exigências ligadas à razoabilidade humana que são destinadas aos
cidadãos comuns e aos ocupantes de cargos públicos. Mas não quando
estiverem tratando de qualquer assunto. Rawls esclarece que os deveres da
razão pública são imperativos quando se estão discutindo elementos
constitucionais essenciais, por exemplo, sobre quem são titulares dos direitos
políticos, sobre a igualdade em relação ao acesso em cargos públicos e, no
caso do presente trabalho, quais religiões devem ser toleradas76. Questões da
vida privada dos cidadãos e das associações podem ser tratadas com total
proteção da liberdade de expressão, claro, devendo haver reparação na esfera
privada caso se comprove o dano aos direitos de outrem.
As exigências da razão pública são diferentes para os ocupantes de
cargos públicos em relação aos cidadãos comuns77. Quando se estiver
tratando de situações de criação de sanções ou restrições a direitos
fundamentais, aí é que tais exigências da entram em ação. Por exemplo:
pode um deputado utilizar argumentos religiosos para criticar da tribuna
um projeto de lei que legaliza o casamento homoafetivo? Este seria um
exemplo de caso central.
Outro caso central é, a contrario sensu, quando se busca limitar esferas
do discurso público nos quais não há uma exigência para com a ideia de
razão pública. Neste segundo caso, se questiona até que ponto o Estado pode
limitar discursos públicos de cunho político preferido por membros de
instituições privadas como associações, igrejas e universidades, que
constituem o que Rawls chama de cultura de fundo?78
Prosseguindo nessa linha, a questão da calúnia e difamação de
indivíduos não são casos centrais para a presente análise, pois são delitos
sobre os quais a doutrina da razão pública não contribui diretamente. Mas,
como alerta Rawls79, se o caso concreto tratar de uma possível calúnia a
alguém que ocupe cargo político em virtude deste fato estar-se-ia cruzando
a fronteira para a esfera da razão pública.
Outro exemplo é o caso da pornografia. A discussão sobre as possíveis
limitações à publicação de material pornográfico não está inserida, de
pronto, na discussão da razão pública, já que vender pornografia não é um
direito fundamental do cidadão, como também não o é o consumo. Trata-se
de outra esfera de discussão. Possíveis restrições neste caso seriam similares,
por exemplo, à limitação que ocorre em propagandas de bebidas alcoólicas
ou de tabaco. É importante ressaltar não se está tomando posição sobre o
mérito da venda. Esta é uma questão que envolve o direito à saúde e
integridade física. Mas, nesses casos, a limitação de propaganda é um caso
não central para a discussão da razão pública, ainda que trate de liberdade
de expressão.
Entretanto, ainda no exemplo da pornografia, caso quem publique
tenha um caráter de protesto político, conforme elucida Scanlon80, pode-se
vislumbrar uma discussão que se dá à luz da ideia de razão pública. Um
exemplo de debate sobre a pornografia que está totalmente inserida no
debate da razão pública é o que ocorreu entre Catharine MacKinnon, com a
publicação do seu livro Only Words, e que foi alvo de considerações e
críticas por parte de Dworkin81. Aqui o debate é justamente sobre se a
publicação ofende direitos essenciais das mulheres. Já o efeito econômico
que possíveis limitações à publicação geram para as empresas do ramo
pornográfico não é um fato a ser protegido da mesma forma.
Mais dois esclarecimentos são necessários: 1) trabalhar com casos que
possam ser alvo da reflexão sobre a razão pública não significa que se está
privilegiando a liberdade política (dos antigos) sobre a liberdade moderna;
2) é inviável, no plano filosófico, a existência de uma teoria que abarque
todos os tipos de liberdade de expressão.
Ao se afirmar que a preocupação aqui está nos casos de liberdade de
expressão que possam ser alvo da doutrina da razão pública, não se está
privilegiando uma concepção de que a liberdade política é superior à
liberdade enquanto autonomia.
Benjamim Constant foi o responsável por esta diferenciação que é
essencial para o debate sobre a liberdade: a liberdade dos antigos em
comparação com a liberdade dos modernos82. Basicamente, aponta que para
um cidadão da Grécia ou de Roma, a ideia de liberdade era ligada à esfera
do político, da deliberação em praça pública sobre guerra e paz, além da
fiscalização da atuação dos agentes públicos83. Já a liberdade dos modernos
tem na ideia de autonomia seu principal bastião. Ou seja, liberdade para as
democracias constitucionais é, basicamente, poder exercer e escolher sua
profissão, seu credo, seu cônjuge, sua propriedade, entre outros direitos, sem
a intervenção desnecessária do Estado, a não ser que esta se dê para o
fortalecimento das próprias liberdades84.
Por mais que muitos exemplos e aplicações se deem na esfera do
político, da deliberação sobre a criação de sanções ou políticas públicas, não
se pode esquecer que um caso central do presente Trabalho é justamente
quando há uma limitação das razões não públicas de forma injustificada. Ou
seja, tão importante quanto o direito de participação da deliberação pública,
estão as autonomias essenciais para a existência humana. Rawls é enfático
nesse sentido ao afirmar que:
While both sorts of freedom are deeply rooted in human aspirations, freedom of thought and
liberty of conscience, freedom of the person and the civil liberties, ought not to be sacrificed
to political liberty, to the freedom to participate equally in political affairs85.

Na verdade, deve existir uma complementação entre essas duas


concepções. Essa é a conclusão do próprio Constant86 quando entende que
somente do aprendizado da combinação entre as duas concepções é que
pode se elevar ao mais alto grau a dignidade humana dos cidadãos.
O segundo esclarecimento se dá no sentido de que é inviável a
instituição de uma teoria filosófica que consiga trazer luz a todos os casos de
liberdade de expressão. Um exemplo de tentativa foi o proposto por Mill na
sua obra On Liberty87. Nela há a apresentação de um princípio geral de
cunho utilitarista contra possíveis formas de paternalismo no sentido de que
só se pode interferir nas liberdades quando o objetivo for evitar danos a
outros. Nessa perspectiva, Mill rejeita intervenções que limitem a liberdade
e diminua a amplitude de decisão do cidadão, sugerindo concepções de
bem88.
Scanlon testemunha que ele mesmo buscou formular um princípio
amplo e geral que unisse as ideias de Mill e Meiklejohn – que sustentava a
autonomia do cidadão com base de que estes devem ter um autogoverno –
mas não obteve sucesso devido à riqueza e amplitude do objeto. Aponta que
uma teoria geral nos termos de Mill não é suficiente para lidar, por exemplo,
com o que chama de “paternalismo justificável”, como nos casos de limitação
de propagandas de bebidas alcoólicas ou de fumo89.
Feitos os esclarecimentos, reitera-se que diante da impossibilidade de
formar uma teoria filosófica abrangente o suficiente para lidar com todos os
casos de liberdade de expressão (quer seja como direito ou como política
pública), é que se estabelece o alvo de discutir e propor os melhores
fundamentos e pressupostos éticos e políticos de democracia liberal a fim de
garantir a manutenção de uma esfera de discussão pública política mais
frutífera e inclusiva, âmbito ideal para a tutela da liberdade de expressão,
quer seja dos cidadãos religiosos ou não religiosos.

9 PRODI, Paolo. Uma História da Justiça. Karina Janinni (Trad). São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.
358.
10 Ibidem, p. 504.
11 Ibidem, p. 484.
12 MACHADO NETO, Antonio Luiz. Compêndio de Introdução a Ciência do Direito. São Paulo:
Saraiva, 1988, p. 92.
13 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Vol. II. Flávio Beno Siebeneichler (trad.). Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 232.
14 NEVES, A. Castanheira. A Crise Actutal da Filosofia do Direito no Contexto da Crise Global da
Filosofia. Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Editora,
2003, p. 20-21.
15 Esse conceito é discutido no 3º Capítulo quando da análise da colocação da ideia de razão pública
no contexto de uma sociedade pós-metafísica e da concepção de reencantamento do mundo (3.3).
Para uma análise detalhada do conceito de desencantamento do mundo, cf. PIERUCCI, Antônio
Flávio. O Desencantamento do Mundo. Todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo:
Editora 34, 2003.
16 SALDANHA, Nelson. Secularização e Democracia: sobre a relação entre as formas de governo e
contextos culturais. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 202.
17 HÖFFE, Otfried. Justiça Política. Ernildo Stein (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 03.
18 Ibidem, p. 03.
19 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Nello Morra (Org.). Márcio Pugliesi; Edson Bini;
Carlos E. Rodrigues (Trad.). São Paulo: Editora Ícone, 1995, p. 223-225.
20 DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do
pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 257-264.
21 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. João Baptista Machado (Trad.). São Paulo: Martins
Fontes, 2003, p. 67-78.
22 Ibidem, p. 76.
23 Ibidem, p. 40.
24 Ibidem, p. 68.
25 KELSEN, Hans. O que é a Justiça? Luís Carlos Borges (Trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.
292. É importante notar que Kelsen reconhece o direito enquanto um fato naturalístico, o que pode
ser notado quando se refere à distinção entre direito e moral no mesmo sentido em diferenciar um
ácido e uma base na esfera da química. Esse, segundo Dworkin, é o principal problema do
positivismo. O direito seria, para Dworkin, uma prática interpretativa – não um fato bruto - que
deve ser caracterizado pela própria prática e, nesse sentido, se igualaria à moral. Para um panorama
sobre a crítica dworkiniana sobre o positivismo jurídico, cf. MACEDO JÚNIOR, Ronaldo. Do
Xadrez à Cortesia: Dworkin e a Teoria do Direito contemporânea. São Paulo: Saraiva, 2013. Em
especial, vide o ponto 5. 2..
26 Ibidem, p. 292.
27 Dimoulis esquematiza as linhas de positivismo jurídico, colocando a visão de Hart entre os
positivas inclusivos. Vide DIMOULIS, Positivismo Jurídico, p. 130-132. Esta distinção é mais bem
analisada no próximo tópico do presente Capítulo.
28 HART, H. L. A. O Conceito de Direito. Antônio de Oliveira Sette-Câmara (Trad.). São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2012, p. 250.
29 Ibidem, p. 263.
30 Ibidem, p. 264.
31 Ibidem, p. 273.
32 Vale destacar que para esta Escola do direito, qualquer poder, além do que verifica o conteúdo
expresso da lei, transforma-se em arbítrio. O direito seria completamente identificável com a lei.
Havia a pretensão de se encontrar na lei a resposta para todos os conflitos sociais. Neste sentido,
vide CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação: uma contribuição
ao estudo do direito. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 65-68.
33 PRODI, Uma História da Justiça, p. 04. Paolo Prodi denomina esta característica como
“permeabilidade” e “autorreferencialidade” do direito positivo oficial.
34 A distinção entre norma e texto é trabalhada por diversos autores nacionais e internacionais. Por
exemplo, a Teoria Estruturante de Friedrich Müller aponta que o programa da norma contida no
teor literal do texto apenas inicia o trabalho hermenêutico do intérprete. (MÜLLER, Friedrich. O
Novo Paradigma do Direito: introdução à teoria e metódica estruturantes do direito. Dimitri
Dimoulis et al (Trad.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 224-229.) Este trabalho só
se completa, nas palavras de Eros Grau, através de um ato de interpretação, sendo este uma forma
de arte alográfica. Esta se difere da arte autográfica na qual a obra se completa através da simples
expressão do autor, este não seria um intérprete. Esta figura só é necessária nas artes alográficas,
como a música ou o teatro. Da mesma forma que a música não se confunde com a partitura, a
norma não se confunde com o texto. Só há música (e norma) após a atividade de interpretação da
partitura (e do texto normativo). (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a
Interpretação/Aplicação do Direito. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 30-31).
35 PRODI Uma História da Justiça, p. 512.
36 CREVELD, Martin Van. Ascensão e Declínio do Estado. Jussara Simões (trad.). São Paulo:
Martins Fontes, 2004, p. 588.
37 ASH, Timothy Garton. Free Speech: ten principles for a connected world. Londres: Atlantic Books,
2016, p. 60.
38 No Brasil, um estudo sobre as origens gregras (inclusive com os fundamentos da isegoria e
parreasía) é feito em ADVERSE, Helton. Parresia e Isegoria: origens filosóficas da liberdade de
expressão. In LIMA, Venício A.; GUIMARÃES, Juarez. Liberdade de Expressão: as várias faces de
um desafio. São Paulo: Paulus, 2013.
39 DICCIONARIO MANUAL GREGO-LATINO-ESPAÑOL DE LOS PADRES ESCOLAPIOS.
Buenos Aires: Editorial Albatros, 1943, p. 340.
40 PEREIRA, Isidoro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. 5ª Ed. Porto: Livraria
Apostolado da Imprensa, 1976, p. 281.
41 DICCIONARIO MANUAL GREGO-LATINO-ESPAÑOL DE LOS PADRES ESCOLAPIOS, p.
591.
42 PEREIRA, Dicionário Grego-Português e Português-Grego, p. 441.
43 VAZ. Henrique Claudio Lima. Escritos de Filosofia II. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 180.
44 Modus vivendi seria uma sociedade pacificada através da ameaça de uso da força coercitiva do
direito e da máquina estatal contra grupos minoritários que seriam apenas “tolerados” no sentido
perjorativo do termo. Isto é, uma sociedade que, apesar de ser pacífica, os cidadãos não são
considerados como livre e iguais.
45 RAWLS, Political Liberalism, p. XLVI.
46 Uma objeção em relação à escolha de Rawls que pode surgir: por que não partir da contribuição do
próprio Habermas? A diferença entre os objetivos de suas teorias é trabalhada no Capítulo 2 e 3.
Mas para fins de explicação prévia, a doutrina de Rawls pretende ser mais pluralista já que é
resultado de uma grande reconstrução após a objeção de que TJ não poderia ser aceita por cidadãos
de fé, que levam uma vida de forma heterônoma, ao contrário do ideal kantiano de autonomia. Em
TJ, tal ideal está presente como uma das condições de estabilidade da Justiça como Equidade. Mas
desde 1985, com a publicação do artigo Justice as Fairness: political not metaphysical (duas
traduções em português podem ser encontradas. Uma em RAWLS, Jonh. Justiça e Democracia.
Irene Paternot (Trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 199-241. A segunda está em RAWLS,
John. Justiça como Equidade: uma concepção política, não metafísica. In Revista Lua Nova. nº 25.
p. 25-59. São Paulo: CEDEC, 1992) Rawls inicia uma adequação em sua ideia de racionalidade e
propõe um conceito de razoabilidade e construtivismo político que buscam descolar seu Liberalismo
Político de qualquer doutrina abrangente do bem, mesmo o liberalismo kantiano. Desta forma, LP
almeja ser aceitável para todos os cidadãos, pois se sustenta por si só (freestanding). Se isso é viável
ou possível, é uma discussão que ocorre mais a frente. Simone Goyard-Fabre resume a distinção
(Rawls e Habermas) nos seguintes termos: “se prestamos atenção nas duas doutrinas políticas às
quais se reporta o debate, elas não parecem radicalmente inconciliáveis, uma vez que ambas
reivindicam o princípio kantiano da “publicidade” e encontram seu fio condutor no “uso público da
razão”. Não obstante, o “liberalismo kantiano” que Ralws diz elaborar sobre a base de uma justiça
enraizada nas exigências práticas da razão está bastante afastado do “republicanismo kantiano” ao
qual Habermas dá, para além da referência a Kant, uma forma democrática baseada na vontade
soberana e legisladora do povo” (GOYARD-FABRE, Simone. Filosofia Crítica e Razão Jurídica.
Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão (Trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 287). Deve-
se ressaltar que o presente trabalho não visa apenas abordar a opinião de Rawls, mas partir dela
considerando as visões de outros autores que contribuem para uma normatização mais adequada
da liberdade de expressão, como o próprio Habermas e Ronald Dworkin.
47 DWORKIN, Ronald. A Justiça de Toga. Jefferson Luiz Camargo (Trad.). São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2010, p. 341-369.
48 Tércio Sampaio Ferraz Júnior instrui que a ciência do direito deve lidar de alguma maneira com a
sua decidibilidade. De forma ampla, Rawls estaria preocupado em demonstrar como o direito
resulta da escolha democrática de princípios de justiça. Mas não se pode vislumbrar que se objetiva
construir aquilo que Ferraz Jr aponta como os três modos como a ciência do direito é exercida
tecnologicamente. Ou seja, Rawls não tem a pretensão de fundar uma teoria da norma jurídica, ou
uma teoria da interpretação jurídica, muito menos uma teoria da decisão jurídica. (FERRAZ
JÚNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1980, p. 48-49). Apesar
disso, como se coloca no decorrer do texto, ele exerce grande influência na filosofia do direito.
49 DWORKIN, A Justiça de Toga, p. 342.
50 Ibidem, p. 347-348.
51 RAWLS, A Theory of Justice, p. 176. Tradução: “É essencial ter em mente que a sequência de
quatro estágios é um recurso para a aplicação dos princípios de justiça. Esse esquema faz parte da
teoria da justiça como equidade, e não uma explanação de como as convenções constitucionais e as
legislaturas procedem na prática” (RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 246.)
52 Tradução: “estado no qual a pessoa chega depois de ponderar as diversas concepções propostas e
de ter ou bem reconsiderado os próprios juízos para que se adaptem a uma delas, ou bem se
apegado a suas convicções iniciais (e à concepção correspondente)” (RAWLS, Uma Teoria da
Justiça, p. 59).
53 Como forma de demonstrar essa ligação entre os autores, traz-se um trecho da obra em que
Dworkin sedimenta sua concepção interpretacionista do direito. Há realmente uma grande
semelhança entre a ideia de equilíbrio reflexivo com o seguinte excerto: “as teorias interpretativas de
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SERENE’S RELIGIOUS EXPERIENCE;
AN INLAND STORY
Serene and young Jessup, the school-teacher, were leaning over
the front gate together in the warm summer dusk.
“See them sparkin’ out there?” inquired Serene’s father, standing
at the door with his hands in his pockets, and peering out
speculatively.
“Now, father, when you know that ain’t Serene’s line.”
It was Mrs. Sayles who spoke. Perhaps there was the echo of a
faint regret in her voice, for she wished to see her daughter “respectit
like the lave”; but “sparkin’” had never been Serene’s line.
“Serene wouldn’t know how,” said her big brother.
“There’s other things that’s a worse waste o’ time,” observed Mr.
Sayles, meditatively, “and one on ’em’s ’Doniram Jessup’s ever-
lastin’ talk-talk-talkin’ to no puppus. He’s none so smart if he does
teach school. He’d do better on the farm with his father.”
“He’s more’n three hundred dollars ahead, and goin’ to strike out
for himself, he says,” observed the big brother, admiringly.
“Huh! My son, I’ve seen smart young men strike out for
themselves ’fore ever you was born, and I’ve seen their fathers swim
out after ’em—and sink,” said Mr. Sayles, oracularly.
Outside the June twilight was deepening, but Serene and the
school-teacher still leaned tranquilly over the picket-gate. The
fragrance of the lemon-lilies that grew along the fence was in the air,
and over Serene’s left shoulder, if she had turned to look, she would
have seen the slight yellow crescent of the new moon sliding down
behind the trees.
They were talking eagerly, but it was only about what he had
written in regard to “Theory and Practice” at the last county
examination.
“I think you carry out your ideas real well,” Serene said, admiringly,
when he had finished his exposition. “’Tisn’t everybody does that. I
know I’ve learned a good deal more this term than I ever thought to
when I started in.”
The teacher was visibly pleased. He was a slight, wiry little fellow,
with alert eyes, a cynical smile, and an expression of self-
confidence, which was justifiable only on the supposition that he had
valuable information as to his talents and capacity unknown to the
world at large.
“I think you have learned a good deal of me,” he observed,
condescendingly; “more than any of the younger ones. I have taken
some pains with you. It’s a pleasure to teach willing learners.”
At this morsel of praise, expressed in such a strikingly original
manner, Serene flushed and looked prettier than ever. She was
always pretty, this slip of a girl, with olive skin, pink cheeks, and big,
dark eyes, and she always looked a little too decorative, too fanciful,
for her environment in this substantial brick farm-house, set in the
midst of fat, level acres of good Ohio land. It was as if a Dresden
china shepherdess had been put upon their kitchen mantel-shelf.
Don Jessup stooped and picked a cluster of the pink wild
rosebuds, whose bushes were scattered along the road outside the
fence, and handed them to her with an admiring look. Why, he
scarcely knew; it is as involuntary and natural a thing for any one to
pay passing tribute to a pretty girl as for the summer wind to kiss the
clover. Serene read the momentary impulse better than he did
himself, and took the buds with deepening color and a beating heart.
“He gives them to me because he thinks I look like that,” she
thought with a quick, happy thrill.
“Yes,” he went on, rather confusedly, his mind being divided
between what he was saying and a curiosity to find out if she would
be as angry as she was the last time if he should try to kiss the
nearest pink cheek; “I think it would be a good idea for you to keep
on with your algebra by yourself, and you might read that history you
began. I don’t know who’s going to have the school next fall. Now, if I
were going to be here this summer, I——”
“Why, Don,” Serene interrupted him, using the name she had not
often spoken since Adoniram Jessup, after a couple of years in the
High School, had come back to live at home, and to teach in their
district—“why, Don, I thought your mother said you were going to
help on the farm this summer.”
Adoniram smiled, a thin-lipped, complacent little smile.
“Father did talk that some, but I’ve decided to go West—and I start
to-morrow.”
To-morrow! And that great, hungry West, which swallows up
people so remorselessly! Something ailed Serene’s heart; she hoped
he could not hear it beating, and she waited a minute before saying,
quietly:
“Isn’t this sort of sudden?”
“I don’t like to air my plans too much. There’s many a slip, you
know.”
“You’ll want to come to the house and say good-by to the folks,
and tell us all about it?” As he nodded assent, she turned and
preceded him up the narrow path.
“When will you be back?” she asked over her shoulder.
“Maybe never. If I have any luck, I’d like the old people to come
out to me. I’m not leaving anything else here.”
“You needn’t have told me so,” said Serene to herself.
“Father, boys, here’s Don come in to say good-by. He’s going
West to-morrow.”
“Well, ’Doniram Jessup! Why don’t you give us a s’prise party and
be done with it?”
Don smiled cheerfully at this tribute to his secretive powers, and
sitting down on the edge of the porch, began to explain.
Serene glanced around to see that all were listening, and then
slipped quietly out through the kitchen to the high back porch, where
she found a seat behind the new patent “creamery,” and leaning her
head against it, indulged in the luxury of a few dry sobs. Tears she
dared not shed, for tears leave traces. Though “sparkin’” had not
been Serene’s line, love may come to any human creature, and little
Serene had learned more that spring than the teacher had meant to
impart or she to acquire.
When the five minutes she had allotted to her grief were past she
went back to the group at the front of the house as unnoticed as she
had left them. Her father was chaffing Jessup good-naturedly on his
need of more room to grow in, and Don was responding with placid
ease. It was not chaff, indeed, that could disturb his convictions as to
his personal importance to the development of the great West.
Presently he rose and shook hands with them all, including herself—
for whom he had no special word—said a general good-by, and left
them.
“He’s thinking of himself,” thought Serene a little bitterly, as she
watched him go down the yard; “he is so full of his plans and his
future he hardly knows I am here. I don’t believe he ever knew it!”
To most people the loss of the possible affection of Don Jessup
would not have seemed a heavy one, but the human heart is an
incomprehensible thing, and the next six weeks were hard for
Serene. For the first time in her life she realized how much we can
want that which we may not have, and she rebelled against the
knowledge.
“Why?” she asked herself, and “why?” Why should she have
cared, since he, it seemed, did not? Why couldn’t she stop caring
now? And, oh, why had he been so dangerously kind when he did
not care? Poor little Serene! she did not know that we involuntarily
feel a tenderness almost as exquisite as that of love itself toward
whatever feeds the fountain of our vanity.
Presently, tired of asking herself, she turned to asking Heaven,
which is easier. For we cannot comfortably blame ourselves for the
inability to answer our own inconvenient inquiries, but Heaven we
can both ask and blame. Serene had never troubled Heaven much
before, but now, in desperation, she battered at its portals night and
day. She did not pray, you understand, to be given the love which
many small signs had taught her to believe might be hers, the love
that, nevertheless, had not come near to her. Though young, she
was reasonable. She instinctively recognized that when we cannot
be happy it is necessary for us to be comfortable, if we are still to
live. So, after a week or two of rebellion, she asked for peace, sure
that if it existed for her anywhere in the universe, God held it in His
keeping, for, now, no mortal did.
She prayed as she went about her work by day; she prayed as
she knelt by her window at evening, looking out on the star-lit world;
she prayed when she woke late in the night and found her room full
of the desolate white light of the waning moon, and always the same
prayer.
“Lord,” said Serene, “this is a little thing that I am going through.
Make me feel that it is a little thing. Make me stop caring. But if you
can’t, then show me that you care that I am not happy. If I could feel
you knew and cared, I think I might be happier.”
But in her heart she felt no answer, and peace did not come to fill
the place of happiness.
In our most miserable hours fantastic troubles and apprehensions
of the impossible often come to heap themselves upon our real
griefs, making up a load which is heavier than we can bear. Serene
began to wonder if God heard—if He was there at all.
Her people noticed that she grew thin and tired-looking, and
attributed it to the fierce hot weather. For it was the strange summer
long remembered in the inland country where they lived as the
season of the great drought. There had been a heavy snowfall late in
April; from that time till late in August no rain fell. The heat was
terrible. Dust was everywhere. The passage of time from one
scorching week to another was measured by the thickening of its
heavy inches on the highway; it rose in clouds about the feet of cattle
in the burnt-up clover-fields. The roadside grass turned to tinder, and
where a careless match had been dropped, or the ashes shaken
from a pipe, there were long, black stretches of seared ground to tell
the tale. The resurrection of the dead seemed no greater miracle
than these blackened fields should shortly turn to living green again,
under the quiet influence of autumn rains.
And now, in the early days of August, when the skies were brass,
the sun a tongue of flame, and the yellow dust pervaded the air like
an ever-thickening fog, a strange story came creeping up from the
country south of them. “Down in Paulding,” where much of the land
still lay under the primeval forest, and solitary sawmills were the
advance-guards of civilization; where there were great marshes,
deep woods, and one impenetrable tamarack swamp, seemed the
proper place for such a thing to happen if it were to happen at all.
The story was of a farmer who went out one Sunday morning to look
at his corn-field, forty good acres of newly cleared land, ploughed
this year only for the second time. The stunted stalks quivered in the
hot air, panting for water; the blades were drooping and wilted like
the leaves of a plant torn up from the ground. He looked from his
blasted crop to the pitiless skies, and, lifting a menacing hand,
cursed Heaven because of it. Those who told the story quoted the
words he used, with voices awkwardly lowered; but there was
nothing impressive in his vulgar, insensate defiance. He was merely
swearing a shade more imaginatively than was his wont. The
impressive thing was that, as he stood with upraised hand and
cursing lips, he was suddenly stricken with paralysis, and stood
rooted to the spot, holding up the threatening arm, which was never
to be lowered. This was the first story. They heard stranger things
afterward: that his family were unable to remove him from the spot;
that he was burning with an inward fire which did not consume, and
no man dared to lay hand on him, or even approach him, because of
the heat of his body.
It was said that this was clearly a judgment, and it was much
talked of and wondered over. Serene listened to these stories with a
singular exultation, and devoutly trusted that they were true. She had
needed a visible miracle, and here was one to her hand. Why should
not such things happen now as well as in Bible days? And if the Lord
descended in justice, why not in mercy? The thing she hungered for
was to know that He kept in touch with each individual human life,
that He listened, that He cared. If He heard the voice of blasphemy,
then surely He was not deaf to that of praise—or agony. She said to
herself, feverishly, “I must know, I must see for myself, if it is true.”
She said to her father: “Don’t you think I might go down to Aunt
Mari’s in Paulding for a week? It does seem as if it might be cooler
down there in the woods,” and her tired face attested her need of
change and rest. He looked at her with kindly eyes.
“Don’t s’pose it will do you no great harm, if your mother’ll manage
without you; but your Aunt Mari’s house ain’t as cool as this one,
Serene.”
“It’s different, anyhow,” said the girl, and went away to write a
postal-card to Aunt Mari and to pack her valise.
When she set out, in a day or two, it was with as high a hope as
ever French peasant maid took on pilgrimage to Loretto. She hoped
to be cured of all her spiritual ills, but how, she hardly knew. The trip
was one they often made with horses, but Serene, going alone, took
the new railroad that ran southward into the heart of the forests and
the swamps. Her cousin Dan, with his colt and road-cart, met her at
the clearing, where a shed beside a water-tank did duty for town and
station, and drove her home. Her Aunt Mari was getting dinner, and,
after removing her hat, Serene went out to the kitchen, and sat down
on the settee. The day was stifling, and the kitchen was over-heated,
but Aunt Mari was standing over the stove frying ham with
unimpaired serenity.
“Well, and so you thought it would be cooler down here, Serene?
I’m real glad to see you, but I can’t promise much of nothin’ about
the weather. We’ve suffered as much as most down here.”
Serene saw her opportunity.
“We heard your corn was worse than it is with us. What was there
in that story, Aunt Mari, about the man who was paralyzed on a
Sunday morning?”
“Par’lyzed, child? I don’t know as I just know what you mean.”
“But he lived real near here,” persisted Serene—“two miles south
and three east of the station, they said. That would be just south of
here. And we’ve heard a good deal about it. You must know, Aunt
Mari.”
“Must be old man Burley’s sunstroke. That’s the only thing that’s
happened, and there was some talk about that. He’s a Dunkard, you
know, and they are mightily set on their church. Week ago Sunday
was their day for love-feast, and it was a hundred an’ seven in the
shade. He hadn’t been feelin’ well, and his wife she just begged him
not to go out; but he said he guessed the Lord couldn’t make any
weather too hot for him to go to church in. So he just hitched up and
started, but he got a sunstroke before he was half-way there, and
they had to turn round and bring him home again. He come to all
right, but he ain’t well yet. Some folks thinks what he said ’bout the
weather was pretty presumpshus, but I dunno. Seems if he might
use some freedom of speech with the Lord if anybody could, for he’s
been a profitable servant. A good man has some rights. I don’t hold
with gossipin’ ’bout such things, and callin’ on ’em ‘visitations’ when
they happen to better folks than me—why, Serene! what’s the
matter?” in a shrill crescendo of alarm, for the heat, the journey, and
the disappointment had been too much for the girl. Her head swam
as she grasped the gist of her aunt’s story, and perceived that upon
this simple foundation must have been built the lurid tale which had
drawn her here, and for the first time in her healthy, unemotional life
she quietly fainted away.
When she came to herself she was lying on the bed in Aunt Mari’s
spare room. The spare room was under the western eaves, and
there were feathers on the bed. Up the stairway from the kitchen
floated the pervasive odor of frying ham. A circle of anxious people,
whose presence made the stuffy room still stuffier, were eagerly
watching her. Opening her languid eyes to these material
discomforts of her situation, she closed them again. She felt very ill,
and the only thing in her mind was the conviction that had overtaken
her just as she fainted—“Then God is no nearer in Paulding than at
home.”
As the result of closing her eyes seemed to be the deluging of her
face with water until she choked, she decided to reopen them.
“Well,” said Aunt Mari, heartily, “that looks more like. How do you
feel, Serene? Wasn’t it singular that you should go off so, just when I
was tellin’ you ’bout ’Lishe Burley’s sunstroke? I declare, I was
frightened when I looked around and saw you. Your uncle would
bring you up here and put you on the bed, though I told him ’twas
cooler in the settin’-room. But he seemed to think this was the thing
to do.”
“I wish he’d take me down again,” said Serene, feebly and
ungratefully, “and” (after deliberation) “put me in the spring-house.”
“What you need is somethin’ to eat,” said Aunt Mari with decision.
“I’ll make you a cup of hot tea, and” (not heeding the gesture of
dissent) “I don’t believe that ham’s cold yet.”
Serene had come to stay a week, and a week accordingly she
stayed. The days were very long and very hot; the nights on the
feather-bed under the eaves still longer and hotter. She had very
little to say for herself, and thought still less. There is a form of
despair which amounts to coma.
“Serene’s never what you might call sprightly,” observed Aunt Mari
in confidence to Uncle Dan’el, “but this time, seems if—well, I s’pose
it’s the weather. Wonder if I’ll ever see any weather on this earth to
make me stop talkin’?” It was a relief all around when the day came
for her departure.
“I’ll do better next time, Aunt Mari,” said Serene as she stepped
aboard the train; but she did not greatly care that she had not done
well this time.
When the short journey was half over, the train made a longer stop
than usual at one of the way stations. Then, after some talking, the
passengers gradually left the car. Serene noticed these things
vaguely, but paid no attention to their meaning. Presently a friendly
brakeman approached and touched her on the shoulder.
“Didn’t you hear ’em say, Miss, there was a freight wreck ahead,
and we can’t go on till the track is clear?”
“How long will it be?” asked Serene, slowly finding the way out of
her reverie.
“Mebbe two hours now, and mebbe longer. I’ll carry your bag into
the depot, if you like,” and he possessed himself of the shiny black
valise seamed with grayish cracks, and led the way out of the car.
The station at Arkswheel is a small and grimy structure set down
on a cinder bank. Across the street on one corner is a foundry, and
opposite that a stave-factory with a lumber-yard about it. In the
shadow of the piled-up staves, like a lily among thorns, stands a
Gothic chapel, small, but architecturally good. Serene, looking out of
the dusty window, saw it, and wondered that a church should be
planted in such a place. When, presently, although it was a week-
day, the bell began to ring, she turned to a woman sitting next to her
for an explanation.
“That’s the church Mr. Bellington built. He owns the foundry here.
They have meeting there ’most any time. ’Piscopal, it is.”
“I don’t know much about that denomination,” observed Serene,
sedately.
“My husband’s sister-in-law that I visit here goes there. She says
her minister just does take the cake. They think the world an’ all of
him.”
Serene no longer looked interested. The woman rose, and walked
about the room, examining the maps and time-tables. By and by she
came back and stopped beside Serene.
“If we’ve got to wait till nobody knows when, we might just as well
go over there and see what’s goin’ on—to the church, I mean.
Mebbe ’twould pass the time.”
Inside the little church the light was so subdued that it almost
produced the grateful effect of coolness. As they sat down behind
the small and scattered congregation, Serene felt that it was a place
to rest. The service, which she had never heard before, affected her
like music that she did not understand. The rector was a young man
with a heavily lined face. His eyes were dark and troubled, his voice
sweet and penetrating. When he began his sermon she became
suddenly aware that she was hearing some one to whom what he
discerned of spiritual truth was the overwhelmingly important thing in
life, and she listened eagerly. This was St. Bartholomew’s day, it
appeared. Serene did not remember very clearly who he was, but
she understood this preacher when, dropping his notes and leaning
over his desk, he seemed to be scrutinizing each individual face in
the audience before him to find one responsive to his words.
He was not minded, he said, to talk to them of any lesson to be
drawn from the life of St. Bartholomew, of whom so little was known
save that he lived in and suffered for the faith. The one thought that
he had to give had occurred to him in connection with that bloody
night’s work in France so long ago, of which this was the
anniversary, when thousands were put to death because of their
faith.
“Such things do not happen nowadays,” he went on. “That form of
persecution is over. Instead of it, we have seen the dawning of what
may be a darker day, when those who profess the faith of Christ
have themselves turned to persecute the faith which is in their
hearts. Faith—the word means to me that trust in God’s plans for us
which brings confidence to the soul even when we stand in horrible
fear of life, and mental peace even when we are facing that which
we cannot understand. We persecute our faith in many ingenious
ways, but perhaps those torture themselves most whose religion is
most emotional—those who are only sure that God is with them
when they feel the peace of His presence in their hearts. A great
divine said long ago that to love God thus is to love Him for the
spiritual loaves and fishes, which He does not mean always to be
our food. But for those who think that He is not with them when they
are unaware of His presence so, I have this word: When you cannot
find God in your hearts, then turn and look for Him in your lives.
When you are soul-sick, discouraged, unhappy; when you feel
neither joy nor peace, nor even the comfort of a dull satisfaction in
earth; when life is nothing to you, and you wish for death, then ask
yourself, What does God mean by this? For there is surely some
lesson for you in that pain which you must learn before you leave it.
You are not so young as to believe that you were meant for
happiness. You know that you were made for discipline. And the
discipline of life is the learning of the things God wishes us to know,
even in hardest ways. But He is in the things we must learn, and in
the ways we learn them. There is a marginal reading of the first
chapter of the revised version of the Gospel of St. John which
conveys my meaning: ‘That which hath been made was life in Him,
and the life [or, as some commentators read, and I prefer it, simply
life] was the light of men.’ That is, before Christ’s coming the light of
men was in the experience to be gained in the lives He gave them.
And it is still true. Not His life only, then, but your life and mine, which
we know to the bitter-sweet depths, and whose lessons grow clearer
and clearer before us, are to guide us. Life is the light of men. I
sometimes think that this, and this only, is rejecting Christ—to refuse
to find Him in the life He gives us.”
Serene heard no more. What else was said she did not know. She
had seized upon his words, and was applying them to her own
experiences with a fast-beating heart, to see if haply she had learned
anything by them that “God wanted her to know.” She had loved
unselfishly. Was not that something? She had learned that despair
and distrust are not the attitudes in which loss may be safely met.
She had become conscious in a blind way that the world was larger
and nearer to her than it used to be, and she was coming to feel a
sense of community in all human suffering. Were not all these good
things?
When the congregation knelt for the last prayer, Serene knelt with
them, but did not rise again. She did not respond even when her
companion touched her on the shoulder before turning to go. She
could not lift her face just then, full as it was of that strange rapture
which came of the sudden clear realization that her life was the tool
in the hands of the Infinite by which her soul was shaped. “Let me be
chastened forever,” the heart cries in such a moment, “so that I but
learn more of thy ways!”
Some one came slowly down the aisle at last, and stopped,
hesitating, beside the pew where she still knelt. Serene looked up. It
was the rector. He saw a slender girl in unbecoming dress, whose
wild-rose face was quivering with excitement. She saw a man, not
old, whose thin features nevertheless wore the look of one who has
faced life for a long time dauntlessly—the face of a good fighter.
“Oh, sir, is it true what you said?” she demanded, breathlessly.
“It is what I live upon,” he answered, “the belief that it is true.” And
then, because he saw that she had no further need of him, he
passed on, and left her in the little church alone. When at length she
recrossed the street to the station, the train was ready, and in
another hour she was at home.
They were glad to see her at home, and they had a great deal to
tell that had happened to them in the week. They wondered a little
that she did not relate more concerning her journey, but they were
used to Serene’s silences, and her mother was satisfied with the
effect of the visit when she observed that Serene seemed to take
pleasure in everything she did, even in the washing of the supper-
dishes.
There were threatening clouds in the sky that evening, as there
had often been before that summer, but people were weary of saying
that it looked like a shower. Nevertheless, when Serene woke in the
night, not only was there vivid lightning in the sky, and the roll of
distant but approaching thunder, but there was also the unfamiliar
sound of rain blown sharply against the roof, and a delicious
coolness in the room. The long drought was broken.
She sat up in her white bed to hear the joyous sound more clearly.
It was as though the thunder said, “Lift up your heart!” And the
rapturous throbbing of the rain seemed like the gracious
downpouring of a needed shower on her own parched and thirsty
life.
AN INSTANCE OF CHIVALRY
Applegate entered his door that night with a delightful sense of the
difference between the sharp November air without and the warmth
and brightness within, but as he stood in the little square hall taking
off his overcoat, this comfortable feeling gave way to a heart-sick
shrinking of which he was unashamed. He was a man of peace, and
through the closed door of the sitting-room came the sound of
voluble and angry speech. The voice was that of Mrs. Applegate.
Reluctantly he pushed open the door. It was a pretty quarrel as it
stood. At one end of the little room, gay with light and color, was
Julie, leaning on the mantel. She wore a crimson house-dress a trifle
low at the throat, which set off vividly her rich, dark beauty.
Undoubtedly she had beauty, and a singular, gypsy-like piquancy as
well. It did not seem to matter that the gown was slightly shabby. She
was kicking the white fur hearth-rug petulantly now and then to
punctuate her remarks.
Dora, with her book in her lap, sat in a low chair by the lamp. Dora
was a slender, self-possessed girl of fifteen, in whose cold, young
eyes her step-mother had read from the first a concentrated and
silent disapproval which was really very exasperating.
“It’s the first time that woman has set foot in this house since I’ve
been the mistress of it,” Julie was saying, angrily. “Maybe she thinks
I ain’t fine enough for her to call on. Lord! I’d like to tell her what I
think of her. It was her business to ask for me, and it was your
business to call me, whether she did or not. Maybe you think I ain’t
enough of a lady to answer Mrs. Buel Parry’s questions. I’d like to
have you remember I’m your father’s wife!”
Dora’s head dropped lower in an agony of vicarious shame. How,
her severe young mind was asking itself, could any woman bear to
give herself away to such an appalling extent? To reveal that one
had thwarted social ambitions; to admit that one might not seem a
lady—degradation could go no farther in the young girl’s eyes.
“What’s the matter, Dora?” asked Applegate, quietly, in the lull
following Julie’s last remark.
“Mrs. Parry came to the door to ask what sort of a servant Mary
Samphill had been. Mamma was in the kitchen, teaching the new girl
how to mould bread, and I answered Mrs. Parry’s questions. She did
not ask for any one.”
“I say it was Dora’s business to ask her in and call me. Whose
servant was Mary Samphill, I’d like to know. Was she Dora’s?”
Applegate crossed the room to the open fire and stretched his
chilled fingers to the flame.
“Aren’t you a little unreasonable, Julie?” he inquired, gently. “If
Mrs. Parry didn’t ask for you, I don’t quite see what Dora could do
but answer her questions.”
“Me unreasonable? I like that! Mrs. Buel Parry came to this house
to see me, but Dora was bound I shouldn’t see her. Dora thinks”—
she hesitated a moment, choking with her resentment—“she thinks I
ain’t Mrs. Parry’s kind, and she was going to be considerate and
keep us apart. Oh, yes! She thinks she knows what the upper crust
wants. If I’m not Mrs. Parry’s sort, I’d like to know why. You thought I
was your sort fast enough, John Applegate!” and Julie threw back
her dark head with a gesture that was very fine in its insolence. “I
guess if Mrs. Parry and Mrs. Otis and that set are company for you,
they’re company for me. Of course you take Dora’s side. You always
do. I can tell you one thing. When I was Frazer MacDonald’s wife I
had some things I don’t have now, for all you think you’re so fine.
MacDonald never would have stood by and seen me put upon. If
folks wasn’t civil to his wife, he knew the reason why. I might have
done better than marry you—I might——”
Julie stopped to take breath.
“Do you think I can make Mrs. Parry call on you if she doesn’t
want to, Julie?”
She shrugged her shoulders.
“What is the good of marrying a man who can’t do anything for
you?” she demanded. “It isn’t any more than my due she should call,
and you know it. She was thick enough with your first wife. And me
to be treated so after all I’ve done for you and your children. I give
you notice I’m going to Pullman to-morrow, and I’m going to stay till I
get good and ready to come back. Maybe you’ll find out who makes
this house comfortable for you, John Applegate. Maybe you will.”
And with this Julie slipped across the room—she could not be
ungraceful even when she was most violent—and left it, shutting the
door with emphasis.
There was deep silence between Applegate and his daughter for a
little while. Why should either speak when there was really nothing to
say?
“Supper is on the table, father,” observed Dora, at last. “There is
no use in letting it get any colder,” and still in silence they went to
their meal.
Julie MacDonald, born Dessaix, was the daughter of a French
market-gardener and of a Spanish woman, the danseuse of a
travelling troupe, who, when the company was left stranded in an
Indiana town, married this thrifty admirer. The latter part of Julie’s
childhood was passed in a convent school, whence she emerged at
fifteen a rabid little Protestant with manners which the Sisters had
subdued slightly but had not been able to make gentle. She learned
the milliner’s trade, which she practised until, at twenty-two, she
married Frazer MacDonald, a gigantic, red-haired Scotch surveyor.
A few years after their marriage MacDonald went West, intending
to establish himself and then send for Julie, whom he left meanwhile
with her sister, the wife of a well-to-do mechanic living in Pullman.
His train was wrecked somewhere in Arizona and the ruins took fire.
MacDonald was reported among those victims whose bodies were
too badly burned for complete identification, and though Julie
refused to believe it at first, when the long days brought no tidings
she knew in her heart that it was true.
She established herself at her old trade in one of the county towns
of the Indiana prairie country, where she worked and prospered for
three years before John Applegate asked her to marry him.
At the convent they had tried to teach her to worship God, but
abstractions were not in Julie’s line. Respectability was more
tangible than righteousness, and deference to the opinion of the
world an idea she could grasp. The worship of appearances came to
be Julie’s religion. Nothing could be more respectable than John
Applegate, who was a hardware dealer and one of Belleplaine’s
leading merchants, and she accepted him with an almost religious
enthusiasm.
The hardware business in a rich farming country is a good one.
And then, in her own very unreasonable way, Julie was fond of
Applegate.
“A little mouse of a man, yes,” she said to herself, “but such a
good little mouse! I’ll have my way with things. When MacDonald
was alive he had his way. Now—we’ll see.”
As for Applegate, he was just an average, unheroic, common-
place man, such stuff as the mass of people are made of. Having
decided to remarry for the sake of his children, he committed the not-
uncommon inconsistency of choosing a woman who could never be
acceptable to them and who suited himself entirely only in certain
rare and unreckoning moods which were as remote from the whole
trend of his existence as scarlet is from slate-color. But he found this
untamed daughter of the people distinctly fascinating, and, with the
easy optimism of one whose eyes are blinded by beauty, assured
himself that it would come out all right.
His little daughter kissed him dutifully and promised to try to be a
good girl when he told her he was going to bring a new mamma
home, a pretty, jolly mamma, who would be almost a play-mate for
her and Teddy, but secretly she felt a prescience that this was not
the kind of mamma she wanted.
A few weeks after his marriage her father found her one day
shaking in a passion of childhood’s bitter, ineffectual tears. With
great difficulty he succeeded in getting an explanation. It came in
whispers, tremblingly.
“Papa, she—she says bad words! And this morning Teddy said
one too. Oh, Papa”—the sobs broke out afresh—“how can he grow
up to be nice and how am I going to get to be a lady—a lady like my
own mamma—if nobody shows us how?”
Applegate dropped his head on his chest with a smothered groan.
For himself he had not minded the occasional touches of profanity—
to do her justice, they were rare—with which Julie emphasized her
speech, for they had only seemed a part of the alien, piquantly un-
English element in her which attracted him, but when Dora looked up
at him with his dead wife’s eyes he could not but acknowledge the
justice of her tragic horror of “bad words.”
“What have I done?” he asked himself as the child nestled closer,
and then, “What shall I do?” for he found himself face to face with a
future before whose problems he shrank helplessly.
One does not decide upon the merits of falcons according to the
traditions of doves, and it would be quite as unjust to judge Julie
Applegate from what came to be the standpoint of her husband and
his children. There is no doubt that she made life hideous to them,
but this result was accidental rather than intentional. There are those
to whom the unbridled speech of natures without discipline is as
much a matter of course as the sunshine and the rain. If to
Applegate and Dora it was thunder-burst and cyclone, whose was
the blame?
And if one is considering the matter of grievances, Julie certainly
had hers. Most acute of all, she had expected to acquire a certain
social prominence by her marriage, but was accorded only a
grudging toleration by the circle to which the first Mrs. Applegate had
belonged. This was the more grinding from the fact that in
Belleplaine, as in all small towns of the great Middle-West, social
distinctions are based upon personal quality and not upon position.
Then, there was Dora. From Julie’s point of view tempers were
made to lose, but Dora habitually retained hers with a dignity which,
while it endeared her to her father, only exasperated his wife. Julie
developed an inordinate jealousy of the girl, and the love of the
father and daughter became a rod to scourge them. With the most
pacific intentions in the world it was impossible to divine what would
or what would not offend Julie.
On the occasion of the family quarrel recorded, Julie departed for
Pullman, according to her threat, and for a few days thereafter life
was delightfully peaceful. Dora exhibited all sorts of housewifely
aptitudes and solicitudes, the wheels of the household machinery
moved smoothly, and the domestic amenities blossomed unchecked.
Julie had been gone a week, a week of golden Indian summer
weather, when one day, as Applegate was leaving the house after
dinner, he was met by the telegraph boy just coming in. He stopped
at the gate and tore the message open. It was from Julie’s brother-
in-law, Hopson, and condensed in its irreverent ten words a
stupefying amount of information. Applegate stared at it, unable to
understand.
“MacDonald has come alive. Claims Julie. High old times. Come.”
He crushed the yellow paper in his hands, and turning back, sat
down heavily upon the steps of the veranda, staring stupidly ahead
of him. If this were true, what did it mean to him? Out of the hundred
thoughts assailing him one only was clear and distinct. It meant that
he was free!
He turned the telegram over in his fingers, touching it with the look
of one who sees visions.
Free. His home—his pretty home—his own again, with Dora, who
grew daily more like her mother, as his little housekeeper. Free from
that tempestuous presence which repelled even while it attracted.
Free from the endless scenes, the tiresome bickerings, the futile
jealousies, the fierce reproaches and the fierce caresses, both of
which wearied him equally now. He had scarcely known how all
these things which he bore in silence had worn and weighed upon
him, but he knew at last. The measure of the relief was the measure
of the pressure also. The tears trickled weakly down his cheeks, and
he buried his face in his hands as if to hide his thankfulness even
from himself. The prospect overwhelmed him. No boy’s delight nor
man’s joy had ever been so sweet as this. When he looked up, the
pale November sunlight seemed to hold for him a promise more
alluring than that of all the May-time suns that ever shone—the
promise of a quiet life.
As he accustomed himself to this thought, there came others less
pleasant. The preeminently distasteful features of the situation
began to raise their heads and hiss at him like a coil of snakes. He
shrank nervously from the gossip and the publicity. This was a
hideous, repulsive thing to come into the lives of upright people who
had thought to order their ways according to the laws of God and
man. It was only Julie’s due to say she had intended that. But it had
come and must be met. Julie was MacDonald’s wife, not his—not
his. The only thing to be done was to accept the situation quietly. He
knew that his own compensation was ample—no price could be too
great to pay for this new joy of freedom—but he shivered a little
when he thought of Julie with her incongruous devotion to the
customary and the respectable. It would hurt Julie cruelly, but there
was no one to blame and no help for it. And MacDonald could take
her away into the far new West and make her forget this miserable
interlude. He knew that for MacDonald, who was of a different fibre
from himself, Julie’s charm had been sufficient and enduring.
Whatever might be the explanation of his long absence, Applegate
did not doubt that the charm still endured. And, in the end, even they
themselves would forget this unhappy time which was just ahead of
them, and its memory would cease to seem a shame and become a
regret, whose bitterness the passing years would lessen tenderly.
Having thus adjusted the ultimate outcome of the situation to suit
the optimism of his mood, Applegate drew out his watch and looked
at it. He had just time to make the necessary arrangements and
catch the afternoon train for Chicago.
He telegraphed to Hopson, and as he left the train that evening he
found the man awaiting him. The two shook hands awkwardly and
walked away together in silence. It was only after they had gone a
block or two that Hopson said:

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