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Um mundo sem livros e sem livrarias

1st Edition Roger Chartier


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Roger Chartier ~
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Um mundo ~'
~

sem livros ~
e
sem livrarias?
.. '

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LETR IVA f
._.,._,._~......__,_,4__,~--J
Por terem sido escritos em di-
ferentes ocasiões, às vezes, com anos Roger Chartier
de intervalo, os artigos desse livro se -Diretor de Estudos da ÉcoledesHautesEtudrs
complementam, formando um con- en Sciences SocúUes, desde 1984 (FR)
junto bastante abrangente de todas -Professor visitante de História na
as consequências da revolução digi- Pennsylvania Univmity, Filadélfia, desde 2001
tal sobre a cadeia de produção e cir- (USA)
culação do livro, na atualidade. Po- -Professor do CoUege de France, 2007-2016 (FR)
rém, os textos são autônomos, não -Professor emérito do CoUtge de France, desde
obedecem a uma sequência lógica. 2016(FR)

Da mesma forma, por vezes, o mes- - Diretor do Centro de Pesquisa Histórica


da École des Hautes Etudes en Sciences Sociales
mo trecho de uma ou outra obra
(1982-1986) (FR)
pode ser citado em mais de um arti- - Professor visitante na University of
go e suscitar diferentes reflexões do California, Berkeley, 1987 (USA)
pensador, dependendo de seu foco - Professor em Estudos Europeus e Inter-
de estudo. Na esteira desse diag- nacionais, ComeU University, 1988 (USA)
nóstico da situação atual, este livro - Professor visitante na The Johns Hopkins
apresenta importantes propostas University, Baltimore, 1992/95 e 1998 (USA)
para superar ou minimi~ar os efei- - Professor visitante na Chicago University,
tos da pandemia sobre o mundo do 1995/97/2000 (USA)
livro. - Professor convidado da Universidad de
Buenos Aires, 2000 e 2002 (ARG)
Guiomar de Grammont Doutor Honoris Gausa,
- Universidade de Lisboa (POR)
- Universúladde Buenos Aires- UBA (ARG)
- Universúlad de Valencia (ESP)
- Universúlad de Chile- Santiago (CL)
- Universitatea din Bu.cure#i (HUN)
- Universúlad Nacümal de San Martín (ARG)
- University of London (ENG)
- Université Laval- (blebec (CAN)
- Universúlad Carlos Ill- Madrid (ESP)
- Université de Neuchâtel (SWZ)
- Universúlad Nacümal de Rosario (ARG)
1• Edição - 2020
São Paulo - Brasil
'0 Roger Charticr
lf'• Guiomar de Grammon t
li• Edito ra Lctraviva

T odos os direitos reservados

Dados Internacionais de Catalogação na Publicaçã o (CIP)


(Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

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:;;- m~.- r .:i.C' SP III I vros e .: em 1 :.~..·r..1 r :.a!J·? / R:::ge:-
:::-.a r tl.,.t ; coe r dcnaçã.::: Gt::. c mrt r de G ~êlrr.r::::t t: .
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1 . Háh i Lo de l c itcra 2 . Le il.u r a5 3 . Li vrar i as Um mundo sem livros e sem livrarias?


4. L!.vcos 5 . L ivr o!i -A spec tos ~: oç~c. i!J - E istór ~ ...
E. L~v r c~: v :c i tu ra 7 , ::.var i as - Hi stória
1. ~rAr~C ri L , G ~~ omar de . I: . Ttt ~l c .

Roger Chartier
2~- 4 7~92 CI)J- 002 . 09
Índices pa r a catálogo sis t emático :

l. :~ v:o1 & l !v•a r ~us : Histt:ia

Autor: Roger Chartier


Prefácio: Guiomar de Grammont
Capa: Lucas Gurba nov
Projeto gráfico: Lucas Gurbanov
Editoração eletrônica: Lucas G urbanov
Edição e Revisão: Bernardo Gu rbanov

Editora Letraviva
Rua dos Pinheiros 1 334 LETR IVA
05422-000 São Paulo SP

www.letraviva.com.br
SUMÁRIO

Prefácio .......................................................................7

I- A morte do livro? ............................................... .47

li- Edições científicas .............................................. 71

III- Livrarias ............................................................. 93

IV- Autoedição .............. ................... ..................... 123

V- Ler sem livros ....................................... ..... ..... .147

VI- Experiências brasileir~s ........... ................... ...169

Epílogo
Um mundo sem livros e sem livrarias? ............... 211

Currículo ....................................................... :........ 229

Livros em português .............................., .............. 235

5
Prefácio

PREFÁCIO

No texto "Experiências Brasileiras", que figu-


ra nesta coletânea, Roger Chartier lembra um mo-
mento de rara beleza vivido por Fernand Braudel no
Brasil. O carro do historiador estragou na estrada
de Feira de Santana, no interior do Estado da Bahia,
e ele se viu bruscamente apanhado em meio a uma
prodigiosa explosão de vagalumes fosforescentes.
Braudel se lembrou mais de uma vez desse momento
como um insight de sua arquitetura das temporali-
dades da história: "os eventos são como esses pontos
de luz. Além de seu brilho mais ou menos vivo, além
de sua própria história, toda a paisagem circundante
deve ser reconstituída ..."1• Como escreveu Chartier,
o lusco-fusco dos vagalumes serviu a" Bra\ldel "para
fazer compreender que os acontecimentos são so-
mente espumas de ondas da história, cujas realidades

1 Fernand Braudel. «L'Histoire, mesure du monde>>


( 1941 e 1943-44). In: Les Ecrits de Fernand Braudel. Tome fi. Les
Ambitions de l'Histoire. Edition établie et présentée par Roselyne de
Ayala et Pau/e Braudel. Paris: Editions de Fallois1 19971 p. 23-24.
7
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

fundamentais se localizam num tempo que não é o não tive participação, a não ser agora, no momento
tempo das percepções imediatas". da preparação deste volume. Estive envolvida, direta
Essas intuições propiciadas por uma vivência ou indiretamente, na organização dos eventos que
incomum, em uma realidade diferente da france- motivaram a escrita de todos os outros artigos que
sa, poderiam explicar também a relação que Roger compõem essa coletânea. Nessas ocasiões, mediei as
Chartier sempre manteve com o Brasil: como uma conferências do professor Roger Chartier, que me
fonte de experiências que alimentaram a profundi- concedeu o privilégio de sua orientação na École de
dade de suas reflexões sobre a história do livro, da Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris, em 1999
leitura e das livrarias. Os artigos desta coletânea têm e 2000, em estágio do meu doutorado, realizado na
em comum sobretudo o fato de terem sido escritos a USP, sob orientação do professor João Adolfo Han-
partir dessa interação com nosso país, nos diferentes sen.
momentos em que o historiador foi convidado a nos Por terem sido escritos em diferentes ocasiões,
honrar com a fulgurante riqueza de seu pensamen- às vezes, com anos de intervalo, os artigos desse livro
to. É preciso mencionar, inclusive, que Chartier es- se complementam, formando um conjunto bastante
creveu, originalmente, em português, a maior parte abrangente de todas as consequências da revolução
destes artigos, eu traduzi apenas dois deles e o epílo- digital sobre a cadeia de produção e circulação do li-
..
go. Portanto, este pequeno livro que o leitor tem em vro, na atualidade. Porém, os textos são autônomos,
suas mãos, é inédito na França, um P..resente extraor- não obedecem a uma sequência lógica. Da mesma
dinário que o pensador realizou especialmente para forma, por vezes, o mesmo trecho de ~ma ou outra
seus leitores no Brasil. obra pode ser citado em mais de um artigo e su~citar
A apresentação desse texto, na Jornada Inter- diferentes reflexões do pensador, dependendo de seu
cultural França-Brasil, organizada no Instituto Ricar- foco de estudo. Na esteira desse diagnóstico da situa-
do Brennand, em Recife, em 2019, foi a única em que ção atual, este livro apresenta importantes propostas

8 9
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

para superar ou minimizar os efeitos da pandemia O engajamento de Michel de Certeau contra as vio-
sobre o mundo do livro. lências cometidas pelo regime militar fez com que
Nesse artigo, "Experiências Brasileiras", Char- esse historiador, que também era jesuíta, fosse im-
tier presta tributo a pensadores que foram muito im- pedido de entrar no Brasil, na época. Chartier nos
portantes em sua trajetória intelectual e que manti- conta como de Certeau conseguiu contornar essa
veram fortes relações com o Brasil: Fernand Braudel, proibição.
Michel de Certeau, Michel Foucault e Pierre Bour- Roger Chartier reconstitui também as visitas
dieu. Dentre estes, Bourdieu é o único que nun- de Foucault ao Brasil, que culminaram em uma ex-
ca morou nem viajou ao Brasil, mas esteve sempre plosiva declaração do pensador, realizada em outu-
muito atento à nossa realidade, através de sua inter- bro de 1975, ao tomar conhecimento do encarcera-
locução com os sociólo~os brasileiros. mento de professores e estudantes da USP: "Não dá
Roger Chartier relembra a corajosa denúncia para lecionar sob o tacão das botas; não dá para fa-
que Michel Foucault e Michel de Certeau fizeram lar diante dos muros de prisões; não dá para estudar
contra os desmandos da ditadura militar, no perío- quando as armas ameaçam. A liberdade de expressão
do em que aqui estiveram. O exemplo desses histo- e de pesquisa são sinais de garantia da liberdade dos
riadores, através do olhar de Chartier, nos incenti- povos."2• Em protesto, Foucault cancelou seus cursos
va a reagir contra a reescrita da história por parte no país e chegou a assistir ao famoso "ato ecumênico
do governo atual, que tenta apagar _da memória dos
2 Segundo Reger Chartier, o texto de .Foucault foi pu-
brasileiros as atrocidades cometidas pelos militares
blicado no]ornai alternativo EX, a 16 de novembro de 197 5
nos anos 70. De Certeau publicou diversos artigos e se encontra verbatim nos arquivos do SNL Testemunho de
denunciando as torturas e assassinatos perpetrados Paulo Eduardo Arantes. In:Ricardo Parro e Anderson Lima
da Silva. «Michel Foucault na Universidade de São Paulo». ·
pela ditadura no Brasil, inclusive, um deles, sobre «Michel Foucault na Universidade de São Paulo», Revista Dis-
a atuação revolucionária de Dom Helder Câmara. curso, Volume 47, n· 2, 2017, p. 205-223, p. 216.

10 . 11
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

em memória de Vladimir Herzog celebrado no dia to, como Umberto Eco5 • Antes de tratar da questão
31 de outubro na Catedral da Sé, o qual foi, como sobre o possível desaparecimento do livro, porém,
lembra Chartier: "a primeira grande expressão de Roger Chartier considera que é preciso nos pergun-
protesto da sociedade civil contra a ditadura militar". tarmos: "O que é um livro?"
Quando convidei Roger Chartier ao Fórum O historiador nos remete a Kant que, ao se
das Letras de 20063 e lhe propus falar sobre a morte colocar a mesma questão, ainda em 1798, teria dis-
do livro, o pensador concordou, com uma condição: tinguido o livro «como objeto material, como 'opus
que eu acrescentasse um ponto de interrogação ao mechanicum', que pertence a quem o comprou, e o
título. Assim, Chartier abriu um importante ciclo de livro como discurso dirigido ao público, cujo pro-
oficinas, ministradas por importantes editores brasi- prietário é o autor e cuja publicação - no sentido
leiros4, com a conferência intitulada "A morte do li- de tornar público um texto - remete ao 'mandatum'
vro?", que dá início a essa coletânea. O historiador já do escritor, ou seja, ao contrato explícito estabeleci-
começara a se debruçar sobre essa questão em outros do entre o autor e seu editor, o qual atua como seu
de seus livros, estabelecendo diálogo com teóricos representante ou mandatário». Essa distinção fun-
que vinham sendo instados a falar sobre esse assun- dadora irá reger todos os discursos sobre o livro, a
partir de então.
Chartier nos mostra como Fichte e Diderot
3 Evento literário que idealizei e \ Oordenei por uma a desenvolvem, abrindo caminho para o regime de
quinzena de anos na Universidade Federal de Ouro Preto.
.
propriedade de um texto, em que a materialidade de
4 Os editores que ministraram essas oficinas foram :
Isa Pessoa (Objetiva), Luciana Villas-Boas (Record), Maria 5 ECO, Umberto e CARRIERE, J ean-Claude. Não
Amélia Mello Qosé Olympio, hoje, Autêntica), Plínio Mar- contem com o fi m do livro. Rio de Janeiro: Record. Nesse livro,
tins (EdUSP e Ateliê),Joaci Furtado (Globo) e Jorge Viveiros os pensadores, notórios biblióftlos, discutem a história e o
de Castr o (7 Letras). Os publishers Sergio Machado, da Re- futuro dos livros com erudição e bom-humor, defendendo a
cord, e Carlos Augusto Lacerda, da Nova Fronteira, também imor talidade do objeto-livro, tal com o o conhecemos, apesar
participaram de mesa de debates no evento. do advento do e-book e da internet.

12 13
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

um livro vem a ser separada da singularidade do au- em seguida: «é um livro somente um texto? E a lite-
tor. Esse dualismo platônico, de filiação órfica, com ratura são apenas palavras e imagens que atravessam
que o livro é definido a partir de Kant, é evidencia- os séculos e cuja inalterada permanência se oferece
do na máxima, citada por Chartier, que o impressor às interpretações ou 'entonações' diversas de seus su-
madrilenho Alonso Víctor de Paredes enunciou, em cessivos leitores?»
1680: o livro é uma criação humana porque, como o O próprio Borges, que enuncia a máxima de
homem, tem corpo e alma... que um livro seria «um cubo de papel e couro com
Desde tempos tão remotos o livro foi pensa- folhas» que ganha renovadas vidas apenas a cada lei-
do como um ser vivo, com corpo e alma, nada mais tura, acaba oferecendo a Chartier a prova de que a
natural do que a pergunta sobre quando ele morrerá. materialidade de um livro permanece fundamental:
Essa questão não é nova, foi proposta desde a Mo- o escritor evoca em sua autobiografia a emoção do
dernidade, com frequência vinculada a outras, como encontro com um dos livros de sua vida: o Dom Qui-
"O que é um autor?", discutida em conferência rea- xote, na encadernação vermelha com títulos doura-
lizada por Chartier para a Sociedade Psicanalítica dos da edição Garnier. Parecia a Borges que este seria
Francesa dez anos depois daquela pronunciada por "o verdadeiro Dom Quixote".
Foucault, com esse mesmo título. E também "O que Com a solenidade de um oráculo, Chartier
..
é a literatura?", colocada por Sartre e também desen- conclui que «somos herdeiros desta história». O
volvida por Chartier. livro continua sendo, para nós, duplamente, um
.
O historiador relembra a resposta de Borges objeto material e uma obra intelectual ou estética
à pergunta sobre o que é o livro. Para o escritor ar- identificada pelo nome de seu autor, fundada sobre
gentino, seria um diálogo infinito estabelecido entre distinções imediatamente visíveis entre seus supor-
o texto e seus leitores. «Se for assim», propõe Char- tes (cartas, documentos, diários, livros).
tier, «o 'livro' nunca desaparecerá». Mas questiona

14 15
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

Contudo, na reflexão que irá se desdobrar nos xistência entre os antigos objetos e ações, e as novas
vários textos deste volume, em que se pergunta o que técnicas e práticas, o que o levava a ser otimista na
acontecerá com o livro, a leitura e as livrarias, a par- resposta à pergunta que lhe propus inicialmente: o
tir das mutações do presente, Roger Chartier lembra livro irá morrer? Naquele momento, Chartier jul-
que a ordem dos discursos mudou profundamente gava que o livro, tanto como discurso e obra intelec-
com o advento da textualidade eletrônica. Esta, não tual, quanto em sua materialidade (o cubo de papel
utiliza mais a prensa, ignora o "livro unitário" e está com folhas, de Borges), não iria morrer.
alheia à materialidade do códex. Ao adaptar-se a essa Quinze anos depois, ao organizar seus artigos
revolução, o leitor contemporâneo precisou abando- para compor essa coletânea, o pensador se sente le-
nar todas as heranças que o formaram. vado a assumir que, hoje, o futuro do livro é uma
Chartier analisa que a leitura do texto eletrô- incógnita, em um contexto que, como veremos nos
nico lida com uma textualidade suave, flexível e in fi- artigos desse livro, se tornou muito complexo.
nita, porém, descontínua e segmentada, que supõe e As edições científicas são o objeto do segundo
produz, segundo a expressão de Umberto Eco, uma artigo da coletânea, em que Chartier traça, inicial-
"alfabetizazione distratta", uma leitura rápida, frag- mente, um diagnóstico relativamente abrangente do
mentada, que busca informações e não se detém na volume de publicações na Europa e· nas Américas,
...
compreensão das obras em sua coerência e totalida- tanto livros quanto artigos científicos. O.. historia-
de. Nesse texto, feito em 2006, Ch!lrtier se pergun- dor reflete sobre as razões da drástica redução dos
tava se, com essa tendência à fluidez, o texto digital impressos por parte das publicações ci~ntíficas, com
seria capaz de apoderar-se dos livros que se leem e tendência crescente de adesão ao digital. A difusão
também dos que se consultam. em massa das revistas científicas em forma eletrô-
Ele lembra que, na história de longa duração nica, segundo o historiador, faz com que ressaltem
da cultura escrita, cada mutação produziu uma coe- duas questões fundamentais: a primeira, como fica

16 17
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

o acesso ao conhecimento; em seguida, de que for- materiais pedagógicos, os comentários dos leitores.
ma se transformam as práticas de leitura das revistas Como infere Chartier, essa estrutura mudou a ló-
científicas. gica da argumentação, tornando-a não mais linear,
Em acordo com Robert Darnton, o historia- mas relacion a!, o que facilita as pesquisas do leitor. O
dor alerta para os altos custos de assinatura das re- pesquisador pode consultar mais rapidamente cada
vistas científicas, com a consequente concentração item ou os documentos (arquivos, imagens, músicas,
ou dificuldade de acesso ao saber. Roger Chartier palavras) que fo ram objeto do estudo. O mais im-
discute a tensão entre a lógica intelectual, herdada da portante resultado dessa transformação, menciona-
Ilustração, que exige o acesso livre e compartilhado do por Chartier, a meu ver, é o fato de que o livro
ao saber, e a lógica comercial, baseada nos conceitos digital faz com que o leitor se torne capaz de contro-
de propriedade intelectual e mercado, mostrando as lar as interpretações do autor. O leitor adquiriu um
soluções encontradas no mundo científico para con- acesso mais direto à "prova" mobilizada pelos discur-
tornar esse problema. Chartier lembra, contudo, que sos científicos, ao poder examinar todos os dados e
devem ser diferenciadas a comunicação eletrônica, documentos utilizados pelos autores para chegarem
livre e gratuita, e a edição digital, que implica um às suas conclusões. Toda vantagem, porém, tem uma
controle científico, um trabalho editorial e o respeito contrapartida problemática, nesse caso, a dissolução
..
à propriedade intelectual, mantendo uma hierarquia da identidade das revistas digitais, ou seja, .do proje-
dos discursos que permite perceber:_, ou não, sua au- to intelectual que cada número representa, uma vez
toridade científica. que cada artigo pode ser lido independ~ntemente do
As potencialidades do digital ampliam a legi- conhecimento dos outros, publicados na mesma re-
bilidade dessas publicações, permitindo estruturá-las vista.
como estratos textuais: o argumento geral, os estu- Por fim, ao apresentar esse artigo, na defesa
dos particulares, os documentos, as referências, os contundente da cultura escrita que caracteriza todos

18 19
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

os textos deste volume, Chartier lembra a importân- des cadeias de livrarias), sobretudo onde o comércio
cia que as edições científicas tomarão na realidade digital alcançou maior êxito, como é o caso dos EUA.
distópica que se apresenta aos nossos olhos após a Esse dado faz com que o historiador se pergunte se o
pandemia: "as inquietações sobre o futuro depois da aumento das compras de livros on-line seria a única
catástrofe sanitária que vivemos, permitem pensar ou principal razão para os desaparecimentos ou difi-
que as ciências sociais e seus editores desempenham culdades das livrarias, lembrando que, no caso fran-
e desempenharão um papel essencial para nosso en- cês, a inflação dos aluguéis dos prédios localizados
tendimento do mundo." no centro das cidades é frequentemente menciona-
O quarto artigo, talvez o mais importante des- da como um problema fundamental. Podemos dizer
sa coletânea, é uma investigação profunda sobre as que esse fenômeno também aconteceu no Brasil, so-
razões do declínio das livrarias e uma defesa apai- bretudo no Rio de Janeiro, que viveu um auge imo-
xonada de sua sobrevivência no mundo em que vi- biliário no período entre as Olimpíadas e a Copa.
vemos e no futuro que nos espera. Como explica o Chartier começa por identificar essas trans-
próprio Chartier, sua reflexão tomou "uma urgência formações, então, nas práticas de leitura, mostrando
mais dramática depois da epidemia do Covid -1 9, a que ponto essa revolução digital, ou seja, o advento
que fechou as livrarias no mundo inteiro e favo- da Internet e das redes sociais, tendo COI?J.O suporte
receu as compras on-line". os dispositivos portáteis, alterou toda' a nossa for-
Chartier começa por realiza.J;: um diagnóstico ma de vida, de consumo e nossas práticas culturais.
comparativo alarmante sobre a situação das livrarias F oi rompido o antigo laço entre cada 4iscurso e sua
na Europa, nas Américas e no Brasil, verificando que materialidade própria, mesmo que~ como observa
elas parecem estar desaparecendo, embora haja da- Chartier, com acuidade, a terminologia usada para
dos esperançosos, como o aumento do número das os novos usos busque "acostumar" o leitor ao novo,
livrarias independentes (antes ameaçadas pelas gran- com termos que lhe são familiares, tais como "pági-

20 21
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

na", "livro", "imprimir". Contudo, como o primeiro Por outro lado, alguns criadores aproveitam
artigo do autor já observava, os fragmentos de textos as possibilidades digitais para propor novos gêneros
que aparecem nas telas não são páginas, mas, sim, e criações que não seriam possíveis na forma impres-
composições singulares e efêmeras, cuja leitura é sa. Essas criações, que exploram a "plurimidialidade",
descontínua, mais do fragmento que da totalidade, localizam o leitor numa posição que lhe permite es-
ou seja, prescinde da compreensão da identidade e da colhas ou participação no processo criativo: ele "pro-
coerência da obra como um todo. duz, corta, desloca, associa ou reconstrói unidades
O futuro das livrarias está na confluência de textuais breves, móveis e maleáveis". Diante des-
todas essas mutações da ordem dos discursos. Mu- sas novas experiências de escrita e leitura, Chartier
dam os conceitos de propriedade literária, estilo, ori- aponta para a possibilidade das categorias antes exis-
ginalidade, definidos desde o século XVIII a partir tentes na ordem dos discursos ser implodida e subs-
de uma identidade perpétua das obras, identificável e tituída por novas formas de pensar os textos, que se
reconhecível em qualquer de suas publicações. Muda tornam polifônicos palimpsestos.
a ordem do discurso, pois se torna difíci l falar em Além disso, para o bem e para o mal, como
"autoridade do saber" em um mundo em que as pos- reflete Roger Chartier, o mundo digital produz a
sibilidades técnicas "permitem colocar em circulação transformação "das categorias mais· fundamentais
imediata e universal, opiniões e conhecimentos, mas da experiência humana", por exemplo' as noções de
também erros, falsificações e 'verda~es alternativas"'. amizade, que passa a ser "multiplicada até o infini-
Desaparece a possibilidade de compreender uma to", de identidade, que se torna "escondida ou plura-
obra a partir da coexistência de textos em um mes- lizada", de privacidade, por sua vez, agora, "ocultada
mo objeto (um livro, uma revista, um periódico). A ou exibida". Permite a "invenção de novas formas de
leitura passa a transitar por uma lógica analítica e en- cidadania, mas também constitui um poderoso ins-
ciclopédica. trumento de manipulação, de controle e de censura".

22 23
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

Embora advertindo contra os perigos dessas que o uso das redes sociais para distorcer a verdade,
mutações, Chartier não deixa de perceber o alcance nas eleições americanas e brasileiras, é uma amostra
sem precedentes das diferentes revoluções da cultu- desse fato: a revolução digital acabou abrindo cami-
ra escrita que se apreser,ttam, hoje, simultaneamente: nho para a manipulação dos indivíduos.
na técnica de produção e reprodução dos textos (que Chartier reflete sobre a importância das livra-
passam a ser distribuídos em bancos de dados, por rias em meio a essas areias movediças:
exemplo), na materialidade e na forma do seu supor-
te e nas práticas de leitura. É o leitor, e não o autor Hoje em dia, em nosso tempo de reescritas falsifi-
ou editor, que passa a ter o domínio sobre o que quer cadas da história, de falsas "verdades'~ do crédito
ler e de que forma. A aceleração da leitura é uma das outorgado às teorias mais absurdas, as livrarias
consequências: o leitor, acostumado a buscar e obter são um instrumento essencial de acesso aos saberes
as informações com rapidez, pula de um ponto a ou- críticos. Num tempo no qual, em muitos países, é a
tro, sem se entregar à decifração da totalidade de um noção mesma de verdade que se encontra desafia-
texto. Pelo contrário, muitas vezes, antecipa ou quer da, ameaçada, descartada, as livrarias mantêm o
chegar, o mais rápido possível, ao desenlace. vínculo antigo que ligou a verdade e a democracia,
O resultado pode ser o que Chartier aponta o conhecimento e a deliberação, a circulação dos
...
como um dos maiores perigos da nossa época, "es- escritos e o uso público e crítico da razão..
ses usos impacientes se encontrall). associados com
a falta de questionamento sobre a veracidade dos Como salvar, então, as livraria~, do desapa-
conteúdos transmitidos. Desafiam as operações mais recimento? Dispositivos legais podém ajudar, como
lentas do conhecimento crítico necessário para a mostraram as legislações de vários países, estabele-
compreensão tanto do presente como do passado". cendo o preço fixo do livro. Mas não bastam, é pre-
Todos nós, brasileiros, tragicamente descobrimos ciso uma conscientização sobre a importância das

24 25
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

livrarias, mostrando que as funções que elas desem- dicos eletrônicos não se equiparam à sua edição im-
penham na sociedade não podem ser preenchidas pressa e a compra de livros on-line não substitui as
pelas formas de com unicação digital. livrarias.
Para Chartier, precisamos recuperar e até A lógica que governa a cultura impressa é es-
mesmo revitalizar as livrarias como um lugar de en- pacial, topográfica, cartográfica. As páginas de um
contro, "entre livreiros e livros, entre livros e leito- livro ou de um periódico, as estantes de uma biblio-
res, entre leitores e livreiros ou outros leitores". É a teca, os espaços de uma livraria são territórios que o
livraria o espaço capaz de reconstituir, em torno do leitor percorre. Muitas vezes, ele encontra nessas in-

livro e da cultura escrita, as sociabilidades, o elo com cursões o que não estava buscando, como um viajan-

os outros, que parece, mais do que nunca, passível de te, um peregrino ou um caçador furtivo, metáforas
de Michel de Certeau evocadas por Chartier.
desaparecimento, sobretudo em tempos de pande-
O pensador lembra que toda reflexão sobre as
mia. O historiador reforça: "as livrarias multiplicam
livrarias será permeada pelos dois temores contradi-
as circunstâncias para que os leitores se encontrem
tórios que obcecaram a primeira era moderna e nos
em torno do patrimônio escrito, da criação intelec-
atormentam ainda mais fortemente hoje em dia: por
tual, das experiências estéticas. São uma instituição
um lado, o medo ante a possibilidade da multiplica-
fundamental no espaço público de que necessitam '-
ção infinita dos textos, provocando a desordem do
nossas sociedades."
discurso e, por outro 1 a ansiedade perante a perda1 o
As várias formas de inscriÇão, publicação e
apagamento1 o esquecimento.
apropriação dos escritos não são equivalentes e, por
As livrarias são um antídoto contra esses te-
consequência, uma nunca pode ou deve substituir-se
mores tão antigos, pois sempre foram um dos prin-
às outras. As coleções digitalizadas não são equiva-
cipais instrumentos de organização da circulação dos
lentes aos livros impressos das bibliotecas, os perió-
discursos, assegurando uma dinâmica da assimilação

26 27
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

do patrimônio escrito. Por essa razão, seu desapare- c sua busca de uma legítima remuneração do valor
cimento é uma ameaça para a humanidade. Chartier de seu trabalho intelectual. Essas reinvindicações,
conclui, com uma poética exortação: "Como sabe- comuns entre os autores que cediam seus manuscri-
mos, raramente o mundo se conforma totalmente tos aos livreiros editores, são as mesmas dos autores
às nossas utopias. As realidades econômicas sempre que se autopublicam hoje.
delimitam as condições e os limites do que é possível. Contudo se, antes, a chamada publicação "à

Contudo, é a força das lembranças, dos sonhos, das compte d'auteur' era valorizada, podendo destinar-se

utopias que pode, e deve inspirar as decisões institu- aos leitores mais prestigiosos, a partir do século XX,
ela se torna uma prática marginalizada, supostamen-
cionais, as ações coletivas e as condutas individuais
te praticada por autores que não conseguiram encon-
que nos evitarão a infinita tristeza de um mundo sem
trar um editor comercial que se interessasse por seu
livrarias."
trabalho. Esse desprezo se mostra na expressão in-
Em seguida, Chartier se detém sobre a au-
glesa "vanity publishing', ou seja, publicar por vaida-
topublicação, em crescimento no mundo inteiro.
de, para se tornar famoso. Atualmente, apareceram
Esse fenômeno é, hoje, mais propiciado pelo adven-
também muitas editoras especializadas em publicar
to das publicações digitais, embora ainda sejam mais
às expensas dos autores, por essa razão, mais condes-
frequentes os livros impressos autopublicados. ...
cendentes com a escolha dos títulos de seu..catálogo,
Chartier mostra que as motivações dos auto-
o que contribui para o reforço da imagem do autor
res para publicarem eles mesmos seus livros são se-
como alguém que se autopublica por m~era vaidade.
melhantes desde a Idade Moderna. De um lado, eles
Chartier se pergunta se a autoedição de hoje é
desejavam controlar melhor o processo de edição,
herdeira da longa história da edição "à compte d'au-
tratando direto com os impressores. De outro, vinha
teur", com o prestígio de obras e autores, ou da pejo-
a afirmação da propriedade do autor sobre sua obra

28 29
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

rativa "vanity publishing", enfim, se não há continui- as redes sociais, estimulando a leitura dos livros au-
dade entre essas duas formas de autopublicação. IOp ublicados. Por todas essas razões, a autopublica-
Embora ainda predominem os livros impres- <;:lo aumentou muito no mundo inteiro, nos últimos
sos autopublicados na América latina, a entrada no anos, como demonstra o historiador. Chartier, en-
mundo digital transformou o ecossistema editorial l é\O, se pergunta: "Devemos concluir que isso significa
e, em especial, a autopublicação, que passa a ofere- a morte dos editores e das editoras?"
cer muitas vantagens para os autores: agora, pode ser Poderia ser assim, segundo Roger Chartier,
feita até mesmo sem custos. Além disso, o tempo en- se as editoras também não se transformassem para
tre a escrita e a publicação passa a ser decidido pelo atender a essa demanda. As especializadas na moda-
autor e não pela editora, facilitando a continuidade lidade de autopublicação propõem aos autores servi-
entre as práticas cotidianas da escrita e a publicação. ços como revisão, diagramação e distribuição. Outro
Além disso, teoricamente, os autores poderiam re- fenômeno é que algumas das editoras tradicionais
ceber mais do que costumam receber nos contratos passaram a editar digitalmente livros que não que-
com as editoras. Apenas teoricamente, pois as edi- rem incluir imediatamente no seu catálogo, mas que
toras, em geral, dispõem de mais recursos e exper- parecem promissores, como uma espécie de "teste"
tise para tornar as obras vendáveis, além de, muitas da recepção que um livro encontrará por parte do
vezes, as obras serem julgadas pelo prestígio de suas
..
público. Mas são as plataformas dos distrib.uidores e
editoras. "livrarias" digitais que asseguram o essencial da difu-
Contudo, também as instâncias de valorização são dos livros autoeditados e, nelas, todos esses pro-
dos textos atravessam uma mutação: as avaliações cessos parecem prescindíveis, inclusive a figura do
dos "booktubers" substituem as resenhas nos periódi- editor.
cos e uma nova relação se estabelece entre os auto- Um resultado importante, porém, da autopu-
res e seus leitores graças às páginas web, os blogs ou blicação, como reflete Chartier, é a democratização

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Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

do acesso à publicação, por isso acontece atualmente nos e-books para crianças, por exemplo, inclusive no
uma proliferação dos autores que são também seus Brasil, que introduzem gêneros próprios das redes
próprios editores. Por outro lado, isso gera uma com- sociais (e-mails, blogs, links), explorando uma "plu-
petitividade positiva, pois pode ser um estímulo para rimidialidade" mais rica que a simples relação entre
que as editoras, digitais ou não, continuem a investir texto e imagens. Nessas publicações, o leitor pode
nos serviços que tendem a contribuir para uma me- escolher entre várias opções narrativas, e isso em
lhor qualidade dos livros que publicam, criando um livr os, muitas vezes, sem custos, ou seja, de acesso
diferencial em relação àqueles editados pelo próprio livre.
autor. Da mesma forma, as narrativas multimídia
A desvantagem, a meu ver, é que, ao impor ou "electronic literature'' mesclam tecnologia e textua-
um filtro sobre o que deveria vir à luz, as editoras lidade, mídias digitais e linguagens, escrita e jogos
exercem, de certa forma um controle que pode ser, de vídeo, redes sociais e aplicações digitais. Porém,
muitas vezes, arbitrário, mas é também curatorial, Chartier adverte que, apesar de todas as suas poten-
ao publicarem as obras de maior qualidade, entre cialidades, nosso mundo digital não conseguiu ainda
os diversos gêneros. Esse fator faz com que o leitor cumprir de forma satisfatória essa dupla exigência
tenda a ter mais interesse pelos livros publicados por de conservação e de classificação que caracteriza as
....
editoras de prestígio, as quais adquiriram sua reputa- instituições e ferramentas da cultura impressa: as
ção justamente pela escolha de bon~ livros ... Em con- bibliotecas, livrarias, cânones, bibliografias, catálo-
trapartida, o excesso de publicações do mundo digi- gos ...
tal acaba fazendo com que muitas obras importantes Apesar de tudo que se diga sobre o declínio ou
passem despercebidas. o desaparecimento dos livros e do interesse por eles,
Chartier lembra o incrível potencial da autoe- nunca se escreveu tanto e nunca foi tão fácil publicar
dição digital, de inventar novas formas discursivas, como agora.

32 33
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

Chartier se pergunta sobre o futuro do livro 1\a no uso das ilustrações nos livros, desde o apareci-
nessa nova ordem dos discursos: eles continuarão mento do codex.
fiéis à sua forma discursiva tradicional ou se torna- O historiador começa por distinguir a desco-
rão cada vez mais um laboratório de experimentação berta da leitura, de um lado, por parte das crianças
multimídia? Para o historiador, não há como saber, que sempre tiveram muitos livros à sua disposição.
são as práticas dos "digital natives" que irão "plasmar De outro, encontram-se aquelas que, como o pró-
o futuro". prio Roger Chartier, cresceram em um mundo sem
O quinto artigo, belíssimo, sobre suas pró- livros, ou seja, em que seus familiares, muitas vezes
prias lembranças de leitor e os livros que leu quando de setores desfavorecidos da sociedade, em geral, não
criança e adolescente, foi realizado por Roger Char-
possuíam livros, nem tinham o hábito da leitura. As
tier para atender à solicitação da revista eletrônica
crianças que crescem no mundo "com livros" tendem
espanhola Alabe.
a desenvolver um interesse pela leitura, muitas ve-
Chartier transformou seu esforço de memória
zes, transgressivo, à margem da escola, a qual pro-
pessoal em uma reflexão universal sobre o fenômeno
poria leituras consideradas "obrigatórias, pesadas e
da leitura de textos "que não são nem escritos, nem
aborrecidas".
verbais", o qual caracteriza também, de forma dife-
Para os leitores que nascem em um mundo
rente, a experiência de mundo dos leitores de nossa
sem livros, ou quase sem livros, a leitura é uma con-
época digital, não apenas dos usuários das redes so-
quista, não uma herança, e sua relação com os livros
ciais.
se constrói na escola. Suas leituras são as requeridas
Esse artigo também pode ser lido como um
ou recomendadas pelos mestres e professores.
resumo e uma reflexão sobre o percurso histórico
Muitas das crianças que liam sem livros, ad-
vivido pela relação entre texto e imagem, que culmi-
quiriam o hábito da leitura através das histórias em

34 35
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

quadrinhos, as quais também faziam parte do elen- ll'nascentista da equivalência entre discurso e ima-
co de leituras das crianças com herança escrita, à di- gl'Jn, escrita e pintura. A imagem passou a ser pen-
ferença que estas tinham também acesso aos livros •.ada como um suplemento do texto: podia mostrar
em casa, não apenas na escola, como as outras. O de- o que o discurso não podia narrar. Nesse momento,
poimento de Roger Chartier mostra a importância "quando as imagens transmitem um excedente de
de projetos como o "Literatura em Minha Casa", do sentido ausente no texto, ler e ver não são mais sinô-
MEC, em que um pequeno lote de cerca uma dezena nimos", observa o historiador.
de livros variados de literatura brasileira contempo-
Chartier observa que essa mutação fez com
rânea eram doados às famílias das crianças das esco-
que a palavra "leitura" seja aplicada até hoje também
las públicas.
a imagens, ou seja, a outros tipos de textos e lembra
Infelizmente, esse excelente projeto que,
que esta ideia é o fundamento da noção de "palavra-
muitas vezes, ampliava a leitura também por par-
mundo" no trabalho de Paulo Freire:
te de outros membros da família, não apenas as
crianças, foi extinguido em 2004, depois de alguns
Em seu pequeno livro "A importância do ato de
anos de implantação6 •
ler'~ Paulo Freire faz a distinção entre dois sen-
Chartier remonta ao século XVIII, para falar
tidos da palavra "ler". No sentido Jiteral, ler é ler
de como o nascimento de uma nova concepção da
letras, palavras, textos, livros. Essa leitura supõe a
relação entre o escrito e o icônico substituiu a teoria
alfabetização, a aprendizagem escolar, o domínio
6 O programa Literatura em Minha Casa foi parte de da palavra escrita. Porém, /{ler'" tem também outro
uma ação institucional mais ampla de formação de leitores,
o PNBE, Programa Nacional Biblioteca na Escola. Para saber sentido. Ler é, antes ou depois da leitura dos livros,
mais, ver Maria J aqueline de Grammont Machado de Arau - /{ler" o mundo, a natureza, a memória, os gestos, os
jo. Livros que andam: disponibilidade, acesso e apropriação da
leitura no contexto do programa Literatura em Minha Casa.
Curitiba, PR, CRV, 2011.

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Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

sentimentos- tudo aquilo que Paulo Freire desig- O segundo desafio, segundo Chartier, é a in-
na com o neologismo: palavramundo? diferenciação entre os gêneros, na forma digital. O
liv ro, com sua construção e arquitetura realizadas
Contudo, há uma complexidade a ser conside- por seu autor,no computador, não se distingue mais
rada entre a leitura das imagens e a leitura dos textos. de outros tipos de produção escrita, como cartas,
Não é a mesma coisa. A partir desse relato, Char- contos, relatórios, etc. Roger Chartier lembra que os
tier se pergunta se é verdade que se lê sem livros, no t cxtos breves das redes sociais são os gêneros mais
mundo digital.Para isso, segundo o historiador, seria comuns na textualidade digital e podem ser escri-
preciso saber se os e-books podem ser considerados tos ou lidos nas telas do computador, no tablete, no
"1'lVrOS". smartphone. Além disso, no livro impresso, as partes
Chartier retoma a definição kantiana do livro, que compõem a totalidade da obra- seus capítulos,
com sua dupla natureza: a forma material e as ideias por exemplo, que desempenham um papel na nar-
que ele expressa, para concluir que o "livro eletrôni- rativa, na argumentação ou na demonstração - são
co" desafia essa duplicidade com que o livro sempre mais visíveis para o leitor, mesmo que ele não leia o
foi definido. Os discursos lidos em livros imp ressos livro inteiro.
são diferenciados, em sua identidade e coerência,pela Chartier adverte: "no mundo· digital, a tela
materialidade do suporte, enquanto aqueles lidos no do computador faz aparecerem fragm'ento~ textuais
computador, não, permanecem in_distintos. Encon- descontextualizados, despojados do sentido que ti-
tra-se assim desatada a relação que Kant estabelecia nham na arquitetura do livro." E o historiador faz um
entre o" opus mechanicum", ou seja, a materialidade do alarmante diagnóstico: "se até agora o livro mantém
livro e o discurso dirigido ao público. sua presença predominante como objeto no merca-
do editorial e como tipo de discurso na edição digi-
7 Paulo Freire. A importância do ato de ler. (1981) 23a tal, devemos considerar que as práticas quotidianas,
edição. São Paulo: Cortez, 1989.

38 39
Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

multiplicadas, incessantes, aceleradas, da escrita e da No epílogo, Roger Chartier conclui, recolo-


leitura digitais se afastam e nos afastam radicalmente t .tndo a pergunta que paira sobre todos os textos des-
do livro na sua dupla natureza, material e textual." t.t coletânea: estamos caminhando para um mundo
Como conclui Chartier, a cada dia se lê mais, -;em livros e sem livrarias? Conhecendo o fato de que
sem livros. E pode ser que essa nova ordem dos dis- a pandemia do Covid-19 provocou um recrudesci-
cursos se torne a nossa. mento das dificuldades já enfrentadas pelos editores
O que aconteceria conosco, sem discursos que c livreiros, Chartier procura articular a reflexão de
buscam exprimir um pensamento com um arcabou-
mais longa duração realizada neste livro, com uma
ço lógico? Que consequências essa fragmentação te-
abordagem da grave conjuntura do presente.
ria para o raciocínio e a linguagem? O que podemos
Realizando um diagnóstico comparativo a
esperar de uma sociedade sem livros?
partir dos dados colhidos sobre o declínio da leitura
Chartier lembra a máxima de Walter Benja- e das vendas de livros na Europa e nas Américas, Ro-
min, de que "as técnicas produzem efeitos possivel- ger Chartier mostra a que ponto "o choque da pan-
mente contraditórios, que dependem de seus usos demia atingiu uma economia editorial já fragilizada
por parte das instituições e dos indivíduos" para 8,
pela contração nas vendas e pelos novos hábitos cul-
lançar uma dúvida sobre o que ocorrerá no futuro, lurais dos leitores".
dúvida que não deixa de ser uma esperança. E, so- Como mostra Chartier, a evolução do cresci-
bretudo, uma exortação à preservação do livro como mento do PIB nos últimos anos permaneceu inde-
uma herança fundamental para a humanidade. pendente do mercado de livros, infelizmente, muito
mais afetado pelas recessões do que o foram outros
insumos econômicos. Contudo, a pandemia agravou
8 Walter Benjamin. A Obra de arte na época de sua repro-
ainda mais essa situação, provocando um declínio
dutibilidade técnica. (1936) Tradução de Francisco de Ambro-
sis Pinheiro Machado. Porto Alegre: Zouk Editora, 2012. de mais de 50% nas vendas, em 2020, em relação a
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Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

2019. Como observa Chartier, ((esse fenômeno le- l'lltpréstimos bancários, a concessão de empréstimos
vou a uma diminuição no número de lançamentos 1 t .1 xa zero ou a concessão de auxílios e subvenções
de novos títulos, adiamento para 2021 de uma parte 1'11' parte do governo. A lei do preço único, que
daqueles que deveriam ser lançados em 2020, bem ••qua liza mais as oportunidades entre livrarias físi-
como a publicação de mais títulos em fo rmato digi- t' :IS c virtuais é uma medida fundamental. Também o
tal." E por toda parte, na Europa, Américas e Brasil ,tpclo para compras massivas de livros pelos poderes
as livrarias vêm sendo consideradas o elo mais frágil pt'tblicos para abastecer bibliotecas escolares é men-
de todo o ecossistema do livro. cio nado pelo historiador, bem como a revisão das
A pandemia tornou mais agudas as dificulda- tnrifas postais, o que permitiria uma concorrência
des enfrentadas pelo setor. Todas as lojas tiveram menos desigual entre as livrarias independentes e as
que ser fechadas durante o período de confinamento poderosas empresas que controlam o e-commerce.
e, ao retomarem suas atividades, tiveram que impor Chartier se pergunta, preocupado, "se o pre-
restrições que as descaracterizaram como espaços de sente da pandemia seria também o nosso futuro". E
convivência tão agradáveis. Os perigos que amea- exorta à ação:
çam as livrarias - a concorrência com as vendas
"online", os custos de aluguel nos centros urbanos, Na escala do tempo humano, o curso da história não
'-
as margens de lucro estreitas- se tornaram, então, é inexorável. As decisões e ações podem i.nfletir so-
prementes como nunca. bre ele, acelerá-lo ou retardá-lo. Daí a importância
O historiador observa que, em todos os lu- de políticas públicas e medidas para preservação das
gares, na Europa, nas Américas e no Brasil, as reco- livrarias - que são um elemento essencial do espaço .
mendações para salvá-las são semelhantes, dirigidas ávico - e dos livros que disseminam saberes e poe-
aos poderes públicos: por exemplo, a desoneração sia. (...) Em cada país, editores, livreiros e bibliotecá-
ou isenção de cargas tributárias, a renegociação de

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Um mundo sem livros e sem livrarias? Prefácio

rios as conhecem e tentam convencer seus governan- 11 .1s responsabilidades para o estímulo à retomada
tes a tomarem essas medidas. Eis a urgência. "·'" atividades que formavam a nossa sociabilidade
.1ntcs da pandemia perturbar nossas vidas: comprar
Roger Chartier lembra uma sugestão, enuncia- livros de livreiros, ler o jornal impresso, frequentar
da na Améric~ do Sul, de consolidar a livraria atra- bibliotecas. Para o autor, não ceder às facilidades do
vés de uma integração mais profunda ao digital. De digital é preservar, de certa forma, "o mundo que
que forma? Entre outras medidas, com o desenvolvi- .nn amos" .
mento de plataformas de venda à distância e impres- Da mesma forma, o historiador nos convida
são sob demanda, nas próprias livrarias, das obras di- ,, reagirmos todos contra a erosão dos critérios da
gitais das editoras. Recentemente, a editora Record ve rdade e o abandono do julgamento crítico, além da
lançou uma importante campanha, muito louvável, deturpação da história, que vêm acontecendo como
para auxiliar as livrarias físicas, disponibilizando <:o nsequências das "leituras impacientes, crédulas e
seus lançamentos por um mês, primeiramente para manipuladoras das redes sociais".
estas, em seguida, para outras plataformas de vendas Roger Chartier termina observando que "a
on-line. pandemia trouxe uma forma paroxística a perguntas
Como lembra Chartier, para a sobrevivência que a precederam e das quais os capítulos deste livro
dos editores que "editam" e que procuram formar um
..
portam testemunho", sobretudo por demon.strar que
catálogo de prestígio, com titulos_que definem um "um m undo sem livrarias, sem escolas, sem proximi-
projeto estético ou intelectual, é preciso o apoio do dade é possível. Mas também levo.u a uma definição
poder público. E mais, o autor termina essa obra in- mais precisa do que devemos fazer, como consumi-
dispensável nesse momento tão complexo, que exige dores, como leitores, como cidadãos, para evitar que
decisões tão urgentes, com a advertência de que to- a situação excepcional do presente venha a se tornar
dos - poderes públicos e leitores - devem assumir a normalidade do amanhã".

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Um mundo sem livros e sem livrarias? A morte do livro

Nesse percurso pela história do livro no passa-


do e no presente, em cada artigo deste livro, Chartier I
procura seriamente responder à questão: o mundo
que conhecemos, com livros, livrarias e bibliotecas, A MORTE DO LIVRO?
irá desaparecer? Essa resposta será prismática, des-
dobrando as diferentes perspectivas e abordagens de Este primeiro capítulo é o texto de uma conferên-
todas as faces dessa mutação para o digital que esta- 1 ia pronunciada em espanhol no dia 2 de novembro de
mos vivendo. l006 no Forum das Letras, evento da Universidade Fe-
Após a leitura de todos esses artigos, o leitor deral de Ouro Preto. Foi escrito no momento das minhas
se sentirá seguro para debater esses temas, que se primeiras interrogações sobreas mutações implicadas pelo
multiplicam em tantas perguntas. Ao ler esta coletâ- odvento do mundo eletrônico. Antes desta conferência ha-
nea, o leitor descobrirá o que sugere Roger Chartier, uia já esboçado algumas reflexões sobre o tema em meus
um dos mais importantes historiadores do mundo livros A aventura do livro. Do leitor ao navegador ( Unesp,
dedicados à história do livro, para enfrentarmos es- 1998) e Os desafios da escrita (Unesp, 2002). Quinze anos
ses desafios e nos tornarmos capazes de lutar, como depois, parece que o diagnóstico sobre as diferenças entre
ele preconiza, pela preservação da "difusão dos co- livro digital e livro impresso pode ser aceito. Porém não
nhecimentos verdadeiros sem os quais não há demo- é o caso do otimismo final, assegurando 'que o.livro não
. ".
crac1a vai morrer. O futuro do livro se tornou hoje mais incerto
e com muitos matizes. Tampouco ser.ia po.ssível separar,
Guiomar de Grammont como se fazia nesse tempo, o destino do livro das profun-
Ouro Preto, 11 de setembro de 2020 das transformações de todas as práticas da escrita e da
leitura produzidas pela digitalização das comunicações e
dos comportamentos.

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Um mundo sem livros e sem livrarias? A morte do livro

Pensando na pergunta que me propôs Guio- te • l'Specífico, diferente de todos os outros suportes
mar de Grammont como tema para esta conferên- cl.1 cultura escrita: o livro - nosso livro, com suas
cia me lembrei de uma outra, realizada em 1998 por l11lhas, suas páginas, suas capas. Porém, para além
Umberto Eco, em Veneza, em um curso dirigido a dessa inquietação compartilhada sobre a morte do
jovens livreiros italianos. Eco disse: "Estou obcecado livro e a data do seu desaparecimento, devemos co-
há alguns anos por uma perguntacolocada em toda locar uma pergunta ainda mais fundamental: "O que
entrevista ou colóquio em que sou convidado: 'O que (• um livro?"
o senhor pensa da morte do livro?' Não aguento mais Essa pergunta não é nova. Kant a formulou
essa questão. Mas como começo, eu mesmo, a ter al- em 1798 na Metafísica dos Costumes. 10 Sua resposta
gumas ideias sobre a minha própria morte, entendo distingue o livro como objeto material, como "opus
que esta repetitiva pergunta traduz uma inquietação mechanicum", que pertence a quem o comprou, e o
verdadeira e profunda."9 Portanto, devemos consi- livro como discurso dirigido ao público, cujo pro-
derar essa pergunta com seriedade e não nos satisfa- prietário é o autor e cuja publicação - no sentido de
zermos com a observação de que nunca na história tornar público um texto- remete ao "mandaturr( do
da humanidade se produziram e venderam tantos escritor, ou seja, ao contrato explícito estabelecido
livros como em nossos tempos. entre o autor e seu editor, o qual atua como seu re-
As evidências das estatísticas não bastam para presentante ou mandatário.
apaziguar as ansiedades frente à po_ssível desaparição Nesse segundo sentido, o livro, entendido
do livro tal como o conhecemos e, por consequên- como obra, transcende todas as suas possíveis ma-
cia, das práticas de leitura e da definição de literatura terializações. Blackstone, um advogado mobilizado
que, espontaneamente, vinculamos com este supor-
IO lmmanuel Kant. A Metafísica dos Costumes. Contendo a
Doutrina do Direito e a Doutrina da Virtude, (1797). Tradução
9 Umberto Eco. llibri antecipano l'eternità, Scuola Librai. de Edson Bini. 23 edição revista, São Paulo: Edipro, 2008, p.
Umberto e Elisabetta Mauri, 2017. 135.

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Um mundo sem livros e sem livrarias? A morte do livro

para defender o copy rightperpétuo dos livreiros lon- 1111tra maneira esse aparente paradoxo. À dicotomia
drinos, prejudicado por uma nova legislação em 171 O, , l:íssica que separa o texto do objeto, acrescenta uma
definiu esse direito da seguinte forma: "a identida- ·n·gunda separação, que distingue, em toda obra, as
dede uma composição literária reside inteiramente ldcias que expressa e a forma que lhes dá a escritura.
no sentimento e na linguagem; as mesmas concepções, /\s ideias são universais por sua natureza, seu destino
vestidas com as mesmas palavras, constituem ne- \' sua utilidade; portanto, não podem justificar ne-
cessariamente uma mesma composição; e qualquer nhuma apropriação pessoal. Esta é legítima somente
que seja a modalidade escolhida para transmitir tal porque "cada um tem sua própriamaneira de organi-
composição ao ouvido ou ao olho - por recitação, zar as ideias, seu modo particular de produzir con-
escrita manual ou impressa, seja qual for o número ceitos e de ligá-los uns aos outros. Como as ideias são
de seus exemplares ouo momento de sua circulação, puras, sem imagens sensíveis, não podem nem mes-
é sempre a mesma obra do autor que assim é trans- mo pensar; ainda menos se apresentar aos outros, é
mitida; e ninguém pode ter o direito de transmiti-la preciso que todo escritor dê aos seus pensamentos
ou transferi-la sem seu consentimento, seja tácita ou alguma forma que não pode ser nenhuma outra se-
expressamente outorgado".'' não a sua própria, pois não há para ~le, outras". De
Durante o debate levado a cabo sobre as edi- onde se depreende que "ninguém pode se apropriar
ções piratas na Alemanha, país em que estas foram de seus pensamentos sem mudar a form~ desses pen-
particularmente numerosas devido ao desmembra-
mento das soberanias estatais, Fichte enuncia de

11 William Blackstone. Commentaries on the Laws of En-


gland, Oxford, 1765- 1769. ApudROSE, Mark.Authors and
Owners. The Invention of Copyríght, Cambridge: Mass. e Lon-
dres: Harvard University Press, 1993, p. 89- 90.

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Um mundo sem livros e sem livrarias? A m orte do livro

sarnentos. Essa forma também continua para sempre ,., a necessário que fossem conceitualmente separa-
sua propriedade exclusiva". 12 dos de toda materialidade particular e referidos so-
A forma textual é única e é uma poderosa justi- mente à singularidade inalterável do gênio do autor.
ficação da apropriação singular das ideias comuns, tal Para Diderot, é precisam ente porque cada
como os textos impressos as transmitem. Uma pro- obra expressa, de uma maneira irredutivelmente
priedade dessa natureza tem um caráter totalmente singular, os pensamentos ou sentimentos de seu au-
particular porque, ao ser inalienável, permanece in- tor, que ela é sua legítima propriedade. Em sua Carta
disponível, não transmissível, e quem a adquire (por so bre o Comércio da Livraria, de 1763, Diderot es-
exemplo, um livreiro ou editor) apenas a usufrui ou creve: "Que bem pode um homem possuir, se uma
representa, circunscrito a uma série de determina- obra do espírito, fruto único de sua educação, de
ções, tais como a limitação da tiragem de cada edição seus estudos, de suas noites insones, de seu tempo,
ou o pagamento de um direito para cada reedição. As de suas pesquisas, de suas observações; de suas mais
distinções conceituais construídas por Fichte, por- belas horas, dos melhores momentos de sua vida; se
tanto, devem permitir a proteção dos editores contra seus próprios pensamentos, os sentimentos de seu
asedições piratas, sem prejudicar em nada a proprie- coração; sua porção mais preciosa, aquela que nunca
dade soberana e permanente dos autores sobre suas morre, que o imortaliza, não lhe pertencer?" 13
' ~

obras. Assim, de fo rma paradoxal, para que os textos E assim que, no século XVIII, as respostas à
pudessem ser submetidos ao regim_e de propriedade, pergunta "O que é um livro?" foram plasmadas em
uma linguagem filosófica, estética.e jurídica que de-
12 Johann Gottlieb Fichte. «Beweis der Unrechtmassig- 13 Denis Diderot. Carta sobre o comércio do livro. Tradução
keit der Büchernachdr ucks. Ein Rasonnement und eine Para- de Bruno Feider. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002, p.
bel», Berlinische Monatschrift, Maio 1793, p. 443-482, Apud 67-68; Texto francês: Diderot. «Lettre sur le commerce de la
WOODMANSEE, Marta. The Author, Art, and the Mark et. Re- libairie». In: CEuvres completes, Tome VIII, Edition critique
reading the History ofAesthetics, Nova York: Columbia Univer - de John Lough et Jacques Proust, Paris: Hermann, 197 6, p.
sity Press, 1994, p. 51-53. 465-567 (citação p. 509-510).
52 53
Um mundo sem livros e sem Livrarias? A morte do livro

via fundamentar a propriedade dos autores sobre •,o". 14 Se o livro pode ser comparado com o homem
suas obras e, por consequência, os direitos dos edi- t' porque Deus criou a criatura humana da mesma
tores sobre as edições que asseguravam a publicação lllaneira com que uma obra é criada.
e circulação das obras. Mas antes de analisar porque, O letrado Melchor de Cabrera dá uma for-
hoje em dia, se teme tanto o desaparecimento da rea- ma mais elaborada à comparação, considerando o
lidade material do objeto livro quanto da definição homem como o único livro impresso dentre os seis
intelectual e estética do livro como obra, é talvez que Deus escreveu. Os outros cinco são o Céu estre-
necessário encontrar outras respostas à questão pro- lado, comparado com um imenso pergaminho cujo
posta por Kant. alfabeto são os astros; o Mundo, que é a suma e o
No século XVII, é frequentemente a lingua- mapa da Criação em sua totalidade; a Vida, identifi-
gem metafórica o que permite pensar a dupla na- cada com um registro que contém os nomes de todos
tureza do livro, como "opus mechanicum" e como os eleitos; o próprio Cristo, que é, a um só tempo,
"discurso". É assim que, em 1680, um impressor ma- "exemplum" e "exemplar'', um exemplo proposto a to-
drilenho chamado Alonso Víctor de Paredes inverte dos os homens e o texto que deve ser reproduzido; e
a metáfora clássica que descrevia os corpos e os ros- a Virgem, o primeiro de todos os livros, cuja criação
tos humanos como livros. Ele considera que o livro no Espírito de Deus, a "Mente Divina", preexistiu à
...
é uma criação humana porque, como o homem, tem do Mundo e dos séculos. Entre esses livros.de Deus,
corpo e alma: "Relaciono a fabriqção do livro à de todos mencionados pelas Escrituras ou pelos Padres
um homem, que tem uma alma racional, criada por da Igreja, e todos referidos por Cabrerà a um ou ou-
Nosso Senhor com todas as graças que sua Divina tro dos suportes da cultura escrita de seu tempo, o
Majestade lhe quis dar e, com a mesma onipotência,
14 Alonso Víctor de Paredes. Jnstitución y Arte de la im-
deu a essa alma um corpo galante, belo e harmonio- prenta y Regias generales para los componedores. Edição e pró-
logo de Jaime Moll. Madri: E! Crotalón, 1984. Nova edição,
Madri: Calambur, 2002, fol. 44 v·.

54 55
Um mundo sem livros e sem livrarias? A morte do livro

homem é uma exceção porque resulta do trabalho da 't•be sua forma de todos aqueles- mestre impressor,
impressão: "Deus colocou na prensa sua imagem e 11 pógrafos e revisores - que têm o cuidado de fazer
sua matriz para impressão, para que a cópia saísse ,, pontuação, a ortografia e a diagramação. Deste
conforme a forma que ele deveria ter [... ] e quis, ao modo, Paredes rechaça de antemão a separação que
mesmo tempo, se alegrar com cópias tão numerosas .,c estabeleceu, no século XVIII, entre a substância
e tão variadas de seu misterioso Original."15 l'SSencial da obra, considerada para sempre idêntica
Paredes compartilha da imagem. Porém, para :t si mesma, qualquer que seja sua forma, e as varia-
ele, a alma do livro não é apenas o texto tal como ~·óes acidentais do texto, que resultam do trabalho na
foi composto, ditado, imaginado por seu criador, já oficina e que contribuem para a produção, não ape-
que "um livro perfeitamente acabado contém uma nas do livro, mas também do próprio texto.
boa doutrina, apresentada adequadamente pelo im- "O que é um livro" é também uma pergunta
pressor e pelo revisor. É isso que considero alma dos Modernos, que se encontra com frequência vin-
do livro. Uma bela impressão sob a prensa, limpa culada a outra: "O que é um autor?" (Foucault) ou "O
e cuidada, é o que faz com que eu possa compará- que é a literatura?" (Sartre). Eu gostaria de me de-
-la a um corpo gracioso e elegante". 16 Se o corpo do ler agora na resposta dada por Borges em 1952, para
livro é o resultado do trabalho dos impressores, sua a pergunta sobre "O que é um livro?": "Um livro é
alma não está moldada somente pelo autor, mas re-
..
mais que uma estrutura verbal, ou que uma série de

- estruturas verbais; é o diálogo que trava com seu lei-


15 Melchor Cabrera Núfiez de Guzmán. Discurso legal,
tor e a entonação que impõe à voz .dele ·e as imagens
historico, y político, en prueba del Origen, Progressos, Utilidad,
Nobleza, y Excelencias del Arte de la lmprenta, y de que se le deben mutantes e duráveis que deixa em sua memória. Esse
(y a sus Artifices), todas las Honras, Exempciones, lnmunidades,
diálogo é infinito; as palavras amica silentia lunae sig-
Franquezas, y Privilegias de Arte Liberal, por ser, como es, Arte de
las Artes. Madrid: Lucas Antonio de Bedmar, 1675, foi. 4 v·. nificam agora a lua íntima, silenciosa e reluzente, e na
16 Alonso Victor de Paredes. Jnstitución y Arte de la Eneida significaram o interlúnio, a obscuridade que
imprenta. Op. cit., fol. 44 v·.
56 57
Um mundo sem livros e sem livrarias? A morte do livro

permitiu aos gregos entrar na cidadela de Tróia. .. A t•gundo a qual uma obra transcende todas as suas
literatura não é finita, pela simples e suficiente ra- possíveis encarnações materiais, e de "pragmática" a
zão que um único livro também não é. O livro não é que afirma que nenhum texto existe fora dos supor-
um ente incomunicável: é uma relação, é um eixo de ! cs em que o dão a ler ou a ouvir. 18 Esta percepção
inumeráveis relações. Uma literatura difere de outra, l'Ontraditória dos textos divide tanto a crítica literá-
ulterior ou anterior, menos pelo texto do que pela ria quanto a prática editorial, e coloca em contrapo-
maneira de ser lida: se me fosse outorgado ler qual- sição aqueles que reafirmam que é necessário recu-
quer página atual - esta, por exemplo - tal como a perar o texto tal e qual seu autor o redigiu, imaginou,
lerão no ano 2000, eu saberia como será a literatura desejou, reparando nas feridas que lhe infligiram a
no ano 2000"_17 transmissão manuscrita ou a composição tipográfi-
Neste sentido de diálogo infin ito estabelecido ca, e aqueles que preconizam que as múltiplas for-
entre o texto e seus leitores, o "livro" nunca desapa- mas textuais nas quais foi publicada uma obra cons-
recerá. Mas é um livro somente um texto? E a lite- tituem seus diferentes estados históricos que devem
ratura são apenas palavras e imagens que atravessam ser respeitados, editados e compreendidos em sua ir-
os séculos e cuja inalterada permanência se oferece redutível diversidade. A tensão entre a imaterialida-
às interpretações ou "entonações" diversas de seus de das obras e a materialidade dos textos é a mesma
sucessivos leitores? que caracteriza as relações dos leitores ' com .os livros
Recentemente, David Kastan1 um critico sha- de que se apropriam, ainda que não sejam nem críti-
kespeariano, qualificou de "platônica" a perspectiva cos nem editores.
Em uma conferência pronunciada em 1978,
17 Jorge Luis Borges. «Nota sobre (em busca de) Bernard "Ellibro", Borges declara: "Eu pensei um dia escrever
Shavv», em Borges, Outras Inquisições. (1952) Tradução de
Davi Arrigucci Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, 18 David Scott Kastan. Shakespeare and the book.
p. 182-183. Texto espanhol: Jorge Luis Borges. Otras Jnquisi- Cambridge: Mass., Cambridge University Press, 2001, p.
ciones. Madri: Alíanza Editorial, 1997, p. 237-238. 117-118

58 59
Um mundo sem livros e sem livrarias? A morte do livro

uma história do livro." Porém, em seguida, diferen- 'll'U encontro com um dos livros de sua vida, o Dom
cia radicalmente seu projeto de todo interesse pelas (2uixote, e o que vem à sua memória é antes de tudo o
formas materiais dos suportes da escrita: "Eu não me Dbjeto: "Eu ainda me lembro daquelas encadernações
interesso pelo aspecto físico do livro (sobretudo dos ve rmelhas com os títulos dourados da edição Gar-
livros dos bibliófilos que são habitualmente excessi- nicr. Em algum momento, a biblioteca do meu pai
vos), mas sim pelas diversas formas segundo as quais se dispersou, e quando li Dom Quixote numa outra
valorizou-se o livro."19 Para Borges, os livros são ob- edição, tive a sensação de que não era o verdadeiro.
jetos cujas particularidades não importam muito. O Mais tarde, um amigo conseguiu para mim a edição
que conta é a forma em que o livro, seja qual for sua Garnier, com as mesmas gravuras, as mesmas notas
materialidade específica, foi considerado- e com fre- de rodapé e as mesmas erratas.
quência desconsiderado, em relação à palavra "alada Todas essas coisas para mim faziam parte do livro:
y sagrada" - o que importa é a leitura, não o objeto este era para mim o verdadeiro Dom Quixote."21
lido: "O que é um livro se não o abrimos? É simples- Para sempre, a historia escrita por Cervantes será,
mente um cubo de papel e couro com folhas; mas se para Borges, esse exemplar de uma das edições que
o lemos acontece algo raro, creio que ele muda cada os Garnier exportavam ao mundo de língua espa-
vez [... ] A cada vez que lemos um livro, o livro se nhola e que foi a leitura de um leitor ainda menino.
. '"
transforma, a conotação das palavras é outra."20 O princípio platônico não prevalece sobre o retorno
Temos um Borges "platônic_o", então, insen- pragmático da lembrança.
sível à materialidade do texto. No entanto, no frag- Essa última constatação, que não separa o tex-
mento da autobiografia que ditou em inglês a Nor- to do "livro", mas aponta para um livro cuja forma
man Thomas di Giovanni, o mesmo Borges evoca é muito diferente das formas dos rolos de papiro da
19 Jorge Luis Borges. «El libra». In: Borges oral, Madri:
Alianza Editorial, 1998, p. 10. 21 Jorge Luis Borges, comNorman Thomas di Giovanni.
20 Ibid., p. 22. Autobíografia.1899-1970. Buenos Aires: El Ateneo, 1999, p. 26.

60 61
Um mundo sem livros e sem livrarias? A morte do livro

Antiguidade, ou dos livros xilográficos dos Chineses, cacio, Christine de Pisan22), enquanto que, antes,esta
nos conduz a refletir sobre os desafios lançados ao distinção caracterizava somente as autoridades canô-
mundo dos livros, tal como os conhecemos depois nicas antigas ou cristãs e as obras em latim, e, final-
do aparecimento do códex, pela revolução do texto mente, no século XV, a invenção da imprensa, que
digital. segue sendo, até agora, a técnica mais utilizada para
O mais essencial se refere à ordem dos dis- n produção dos livros. Somos herdeiros desta histó-
cursos. Na cultura impressa, tal como a conhece- ria, tanto na definição do livro como sendo, a um só
mos, essa ordem se estabelece a partir da relação tempo, um objeto material e uma obra intelectual ou
entre tipos de suportes (o livro, o diário, a revista), estética identificada pelo nome de seu autor, quanto
categorias de textos e formas de leitura. Semelhante na percepção da cultura escrita fundada sobre dis-
vinculação se enraíza na história de longa duração tinções imediatamente visíveis entre seus suportes
da cultura escrita e resulta da sedimentação de três (cartas, documentos, diários, livros).
inovações fundamentais: em primeiro lugar, entre os É esta ordem dos discursos o que muda pro-
séculos II e IV, a difusão de um novo tipo de livro que fundamente com o advento da textualidade eletrô-
é ainda o nosso, ou seja, o livro composto de folhas e nica. É agora .um único aparelho, o computador, o
páginas reunidas dentro de uma mesma encaderna- que faz aparecerem, face ao leitor, as diversas classes
ção, que chamamos codex, que substituiu os rolos da de textos previamente distribuídas entre' diferentes
Antiguidade grega e romana; em s~gundo lugar, no suportes. Todos os textos, seja do gênero que for,
final da Idade média, nos séculos XIV e XV, a apari- são lidos em um mesmo suporte (a tela) luminada) e
ção do "livro unitário", ou seja, a presença, dentro de sob as mesmas formas (geralmente a·quelas decididas
um mesmo livro manuscrito, de obras compostas em
22 Conhecida no mundo lusófono como Cristina de
língua vulgar por apenas um autor (Petrarca, Boc- Pisano, a poetisa e filósofa italiana viveu na França durante a
primeira metade do século XV. (N.T.)

62 63
Um mundo sem livros e sem livrarias? A morte do livro

pelo leitor). Cria-se, assim, uma continuidade que lt·xtualidade digital não utiliza mais a prensa, igno-
não diferencia mais os diversos discursos a partir de ra o "livro unitário" e está alheia à materialidade do
sua materialidade própria. Daí surge uma primeira codex. É, ao mesmo tempo, uma revolução da mo-
inquietude, ou confusão dos leitores, que devem se da lidade técnica da reprodução do escrito, uma re-
defrontar com a desaparição dos critérios imediatos, volução da percepção das entidades textuais e uma
visíveis, materiais, que lhes permitiam distinguir, revolução das estruturas e formas mais fundamen-
classificar e hierarquizar os discursos. 1ais dos suportes da cultura escrita. Daí, por sua vez,
Por outro lado, é a percepção da obra como :t inquietação dos leitores, que devem modificar seus
obra, a que se torna mais difícil. A leitura face à tela hábitos e percepções, e a dificuldade de entender una
é geralmente uma leitura descontínua, que busca, a mutação que lança um profundo desafio tanto às
partir de palavras-chaves ou rubricas temáticas, o categorias que precisamos geralmente manejar para
fragmento textual do qual deseja apoderar-se (um descrever a cultura escrita, quanto à identificação do
artigo em um periódico, um capítulo em um livro, livro, entendido como obra e objeto, cuja existência
uma informação em um "web sité') sem que seja per- começou durante os primeiros séculos da era cristã e
cebida a identidade e a coerência da totalidade tex- parece agora ameaçada no mundo dos textos eletrô-
tual que contém esse elemento. Em certo sentido, no nicos.
mundo digital, todas as entidades textuais são como "F ala-se do desaparecimento do "livro.; eu acre-
bancos de dados que procuram fragmentos cuja lei- dito que é impossível", declarou Borges, na s.ua con-
tura não supõe de forma alguma a compreensão ou ferência de 1978 .23 O escritor não.fala~a da situação
percepção das obras em sua identidade singular. de seu país em que fazia dois anos 'que se queima-
A originalidade e a importância da revolução vam livros e em que desapareciam escritores e edi-
digital obrigam o leitor contemporâneo a abandonar
todas as heranças que o formaram, uma vez que a 23 Jorge Luis Borges. «Ellibro». In: Borges oral. Op. cit.,
p. 21.
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Um mundo sem livros e sem livrarias? A morte do livro

tores, assassinados. Mas seu diagnóstico expressava I leras form ulou duas observações que nos obrigam
a confiança na sobrevivência do livro face aos novos ,, abandonar as constatações espontâneas e os há-
meios de comunicação: o cinema, o CD, a televisão. bitos herdados. Em primeiro lugar, deve conside-
Podemos manter esta certeza nos dias de hoje? Colo- ra r-se que a tela não é uma página, mas um espaço
car essa questão talvez não designe adequadamente de três dimensões, que tem profundidade e no qual
a realidade do nosso presente caracterizado por uma os textos alcançam a superfície iluminada. Por con-
nova técnica e forma de inscrição, difusão e apro- seguinte, no espaço digital, é o próprio texto, e não
priação dos textos, já que as telas do presente não ig- seu suporte, o que está dobrado. A leitura do texto
noram a cultura escrita, pelo contrário, a transmitem eletrônico deve pensar-se, então, como desdobrando
e a multiplicam. o texto ou, melhor dizendo, lidando com uma tex-
Contudo, não sabemos muito bem como esta tualidade suave, flexível e infinita.
nova modalidade de leitura transforma a relação dos Semelhante leitura divide o texto sem neces-
leitores com o escrito. Sabemos bem que a leitura do sariamente ater-se ao conteúdo de uma página, e
rolo na Antiguidade era uma leitura contínua, que compõe na tela ajustes textuais singulares e efême-
movimentava o corpo inteiro, que não permitia ao ros. É essa leitura descontínua e segmentada que su-
leitor escrever enquanto lia. Sabemos bem que o co- põe e produz, segundo a expressão de Umberto Eco,
...
dex, manuscrito ou impresso, permitiu gestos iné- uma "alfabetizazione distratta", uma leitura rápida,
ditos (folhear o livro, citar precisal.T!ente passagens, fragmentada, que busca informações e não se detém
estabelecer índices) e favoreceu uma leitura frag- na compreensão das obras em sua, coe~ência e tota-
mentada, mas que sempre percebia a totalidade da lidade. Se essa leitura convém para ·as obras de na-
obra, identificada por sua própria materialidade. tureza enciclopédica, que nunca foram lidas desde a
Como caracterizar a leitura do texto eletrôni- primeira até a última página, parece inadequada face
co? Para compreendê-la, Antonio Rodriguez de las aos textos cuja apropriação supõe uma leitura con-

66 67
Um mundo sem livros e sem livrarias? A morte do livro

tínua e atenta, uma familiaridade com a obra e uma dores são os piores profetas do futuro. A única coisa
percepção do texto como criação original e coerente. que podem fazer é recordar que, na história de longa
A incerteza do porvir se remete fundamental- duração da cultura escrita, cada mutação (a aparição
mente à capacidade que tem o texto desencadernado do codex, a invenção da imprensa, as revoluções da
do mundo digital, de superar a tendência à fluidez leitura) produziu uma coexistência original entre os
que o caracteriza e, assim, de apoderar-se tanto dos antigos objetos e gestos, e as novas técnicas e práti-
livros que se leem como dos que se consultam. Re- cas. É precisamente uma tal reorganização da cultura
mete-se também à capacidade da textualidade eletrô- escrita que a revolução digital nos obriga a buscar.
nica de superar a discrepância que existe entre, por Dentro da nova ordem dos discursos que se
um lado, os critérios que, no mundo da cultura im- esboça, não me parece que o livro, nos dois sentidos
pressa, permitem organizar uma ordem dos discur- que encontramos, irá morrer. Não vai morrer como
sos que distingue e hierarquiza os gêneros textuais e, discurso, como obra cuja existência não está atada a
por outro lado, uma prática de leitura face à tela que uma forma material particular. Os diálogos de Platão
não conhece senão fragmentos recortados em uma foram compostos, e lidos no mundo dos rolos, fo-
continuidade textual única e infinita. ram copiados e publicados em códices manuscritos
Será o texto eletrônico um novo livro de areia, e depois impressos, e hoje em dia podem ler-se na
cujo número de páginas era infinito, de tal forma que ' como objeto
tela. Tampouco não vai morrer o livro
não podia ser lido e tão monstruos9 que, como o li- porque este "cubo de papel com folhas", como dizia
vro de Próspero, em The Tempest, devia ser sepulta- Borges, é ainda o suporte mais ade.quad·o aos hábitos
do? Ou bem propõe uma nova forma de presença e expectativas dos leitores que entabulam um diálo-
do escrito capaz de favorecer e enriquecer o diálogo go intenso e profundo com as obras que lhes fazem
que cada texto entabula com cada um de seus leito- pensar ou sonhar.
res? Não sei. Talvez ninguém o saiba. Os histeria-

68 69
Edições científicas

11

EDIÇÕES CIENTÍFICAS

Este texto foi apresentado no colóquio "L'édition en ·


.çciences humaines à l'ere numérique. Perspectives fran-
ro-brésiliennes" que teve lugar na Embaixada do Brasil,
na França, no dia 12 de dezembro de 2014, promovido
pelas Editions de l'.École de Hautes Etudes en Sciences
Sociales de Paris e pela Câmara Brasileira do Livro, or-
ganizado por Guiomar de Grammont, Anne Madelain
e Agnes Belzebet. Seis anos depois, podemos perceber as
transformações que aconteceram desde o evento. Sem dú-
vida, a porcentagem das compras de livros eletrônicos no
mercado do livro não aumentou muito, mesmo durante
...
a recente pandemia, mas é claro que os usos 4-igitais se
multiplicaram. A edição, na sua definição tradicional, fi-
cou mais ou menos estável, mas mudou porque o mundo
eletrônico mudou. Hoje, seria necessário levar em conta os
dados dos últimos anos e, também, considerar a situação
brasileira que encontraremos nos outros capítulos deste li-
vro. As razões das dificuldades dos editores das ciências

71
Um mundo sem livros e sem livrarias? Edições científicas

sociais permanecem: assim, a crise das livrarias e a rápida universidade, pela venda das publicações e subven-
rotatividade dos livros propostos aos leitores, a exigência ções públicas. Nos Estados Unidos, desde a segun-
da rentabilidade a curto prazo e para cada título, a di- da metade do século XIX, apareceram as editoras
minuição das compras de livros, ou, mais geralmente, o das universidades de Cornell (1869), Johns Hopkins
recuo do interesse sobre os saberes históricos, antropológi- (1878), Chicago (1891), Columbia e a Universida-
cos ou sociológicos. Ao mesmo tempo, no mundo inteiro, de de Califórnia (1893), seguidas por Princeton, em
o sucesso das feiras do livro ou dos festivais da literatura, l905. Com maior ou menor atraso, esse modelo foi
a resistência das editoras prestigiosas (mesmo quando de- imitado na Europa e na América latina. Na Espanha,
vem abandonar sua independência econômica) e, talvez, 70% das editoras universitárias foram estabelecidas
as inquietações sobre o futuro depois da catástrofe sanitá- depois de 1973 24 e, na França, os anos entre 1971 e
ria que vivemos, permitem pensar que as ciências sociais 1987 foram a idade de ouro das criações de editoras
e seus editores desempenham e desempenharão um papel nas universidades. 25
essencial para nosso entendimento do mundo. Um segundo tipo de editoras universitárias
nasceu a partir de uma estreita relação entre a pu-
Como historiador, queria começar esta refle- blicação de livros e uma comunidade intelectual que
xão recordando as três evoluções que caracterizaram não se identificou com uma universidade. Foi o caso
....
a edição universitária no século XX. da Pondo de Cultura Económica, criada em 19 34 para
As editoras universitárias nq século XX publicar os livros necessários para os estudantes (e
A primeira foi a multiplicação das editoras
.
24 Na Espanha, só duas editoras universitárjas foram criadas
antes de 1939 (Salamanca, no século XV e Valencia, em 1930),
universitárias propriamente dita, dirigidas por um esse número aumentou para 14, entre 1939 e 1973 e 36, depois
comitê editorial composto por acadêmicos e cujo de 1973. Esses dados foram recolhidos pelo Diredorio 2007-21XJ8,
Madrid: Unión de editoriales universitarias espanolas, 2007.
financiamento estava assegurado (em proporções 25 Benjamin Assié. L'édition universitaire. Villeurbanne:
diferentes, segundo os casos) pelo orçamento da École Nationale Supérieure des Sciences de l'Information et
des Bibliotheques, 2007, p. 41-43.
72 73
Um mundo sem livros e sem livrarias? Edições científicas

professores) e da Escuela Nacional de Economia, funda- intelectuais mais destacados do tempo: Marc Bloch,
da no México nesse mesmo ano. Com o apoio do es- Mareei Mauss, Gustave Lanson, Etienne Gilson,
tado, que atuava como garantia pública para os ban- Charles Blondel, Marie Curie. No entanto, metade
cos que respaldavam a Fondo de Cultura Económica, a elas ações foram compradas pelo Banco das coopera-
nova editora desempenhou um papel fundamental Livas, que defendia um projeto inspirado pela ideo-
para introduzir no mundo acadêmico de língua espa- logia da cooperação entre assinantes que aceitassem
nhola (particularmente graças à colaboração dos in- uma renda limitada de suas ações.
telectuais espanhóis exilados depois da Guerra Civil) A editora reunia uma política editorial deci-
as obras essenciais da economia política, da história dida pelos melhores especialistas em cada discipli-
dos Annales e das ciências sociais.26 na, imprimia os livros na sua própria tipografia e
Semelhantes elementos se encontram na his- difundia os títulos na sua livraria (hoje desapareci-
tória das Presses Universitaires de France. 27 A editora da), na esquina da Praça da Sorbonne e do Boulevard
foi fundada em 1921 , com o estatuto de uma coo- Saint-Michel em Paris e nas livrarias que recebiam
perativa cujo capital estava dividido entre 600 ações seus livros nas cidades da província. A hostilidade
distribuídas entre empresas, associações, fundações e elos editores, preocupados pelos descontos consen-
indivíduos: professores de universidades e colégios, tidos pelas Presses Universitaires de France, e as difi-
professores de escolas primárias, empresários e en- "
culdades financeiras da cooperativa obrigaram a edi-
genheiros. Na lista dos assinantes fig~ram alguns dos tora a aliar-se, em 1939, a três outras editoras cujos
catálogos eram parecidos com o seu: A]can, Rieder e
26 Víctor Díaz Arciniegas. Historia de la casa Fondo de
Cultura Económica. México: Fondo de Cultura Económica, Leroux. O primeiro resultado da fusão foi a criação,
1994, e Cristina Pacheco, En el primer medio siglo dei Fondo de
em 1941, da coleção "Que Sais-]et (ainda existente)
Cultura Económica. Testimonios y conversaciones. México: Fon-
do de Cultura Económica, 1984. que publicou cinqüenta títulos durante o primeiro
27 Valérie Tesniere. Le Quadrige. Un siecle d'édition uni- ano de sua existência. O caráter "universitário" das
versitaire. Paris: Presses Universitaires de France, 2001.
74 75
Um mundo sem livros e sem livrarias? Edições científicas

P.UF., tanto em 1921, como em 1939, não era defini- mais inovadoras produzidas pelas ciências humapas
do pela relação com uma universidade, mas sim, pela c sociais nas atividades de editoras não acadêmicas,
política editorial dedicada à publicação de obras de caracteriza os países da Europa. Encontra-se não só
pesquisa e à divulgação dos saberes acadêmicos. n.a França, mas também na Itália (com Laterza e Mon-
Uma terceira modalidade de publicação das dadori, fundadas, respectivamente, em 1901 e 1907,
obras de ciências humanas e sociais escapa à edição Einaudi, em 1933 e Feltrinelli, em 1954) ou na Espa-
universitária. Esta é assegurada por editoras privadas nha (com Taurus, fundada em 1954, Alianza, em 1966
que não se identificam com instituições acadêmicas. ou Cátedra, Crítica e Gedisa, todas nascidas durante os
Neste caso, os livros de conhecimentos científicos anos 70). O caso das Américas é diferente, com a
são publicados por vários tipos de editoras: as que forte presença das editoras universitárias, tanto nos
nasceram como editoras de manuais e materiais es- Estados Unidos, como no México ou no Brasil.
colares, as que se especializaram neste se-tor da edi- Compras e leituras
ção e as editoras de "literatura geral", que publicam No presente, a edição de ciências humanas e
também (ou sobretudo) obras de ficção e ensaios. sociais deve enfrentar três desafios. O primeiro se
Na França do século XX, Armand Colin pode ilustrar remete às mutações das relações com o livro. Os da-
o primeiro caso, Payot e Aubier, o segundo, e Galli- dos reunidos pelas pesquisas estatísticas que analisam
mard, Seuil e as Editions de Minuit, o terceiro. 28 Seme- as transformações das práticas culturais
.. do~ France-
lhante situação, que localiza a publiçação das obras ses entre 1973 e 2008 observam, senão .um recuo da
porcentagem global dos leitores, pelo m~nos uma di-
28 Valérie Tesniere. «L'édition universitaire>>. In: His-
toire de l'édition française, sob a direção de Roger Chartier minuição da porcentagem dos grandes compradores
et Henri-Jean Martin. Paris: Fayard/Cercle de la Librairie. de livros e, particularmente, na faixa de idade entre
Tome III. Le temps des éditeurs. Du romantisme à la Belle Epoque,
1990, p. 245-250, e «Traditions et forces neuves dans l'édi-
tion universitaire». In: Histoire de l'édition française. Op. cit.
Tome IV. Le livre concurrencé.1900-J950, 1991, p. 322- 325.
76 77
Um mundo sem livros e sem livrarias? Edições científicas

19 e 25 anos. 29 Esta diminuição das compras dos lei- ,tradêmicos. Enfim, eles costumam repassar seus li-
tores que compravam muitos livros de história, de vros.30
antropologia ou de sociologia (e que não eram todos As mesmas constatações sobre a "falta de há-
professores) é um primeiro elemento da crise da edi- bitos de leitores" e a "cultura da fotocópia" dos es-
ção. 1udantes e professores se encontram numa pesquisa
As transformações das práticas dos estudan- dedicada às editoras universitárias da América lati-
tes acompanham essa diminuição. Suas compras de na, publicada em 2006. Os autores citam o ensaísta e
livros foram drasticamente reduzidas pelo desenvol- poeta mexicano Gabriel Zaid para quem "o problema
vimento de outras possibilidades de leitura: por um não está só nos milhões de pobres que não podem ter
lado, um incremento da freqüência das bibliotecas acesso aos livros, muitos deles analfabetos, mas n os
universitárias, que aumentou em mais de 70%, en- milhões de universitários que podem ter acesso aos
tre 1984 e 1990 e, por outro lado, o uso considerá- Iivros mas não leem (porém, sim, escrevem e dese-
vel das fotocópias, dos documentos datilografados e, jam ser publicados)".31
hoje, dos recursos digitais. A consequência é que os Por último, as investigações sociológicas de-
estudantes, inclusive os que escolheram os cursos de dicada aos jovens que têm entre 15 e 19 anos regis-
Letras, não constituem mais bibliotecas, como mos- tram não somente uma diminuição de suas práticas
tra o sucesso do mercado de segunda mão dos livros '
de leitura, senão também sua forte resistêpcia para

-
Olivier Donnat et Denis Cogneau. Pratiques cultu-
29 30 Les étudiants et la lectura. Sous la direction d'Emmanuel
relles des Français 1973-1990, Ministere de la Culture et de la Fraisse. Paris: Presses Universitaires de"France, 1993 et Ber-
Communication. Paris: La Découverte/La Documentation nard Lahire avec la collaboration de Mathias Millet et Everest
française, 1990, e François Dumontier, François de Singly Pardell. Les manieres d'étudier. Enquête 1994, Paris: La Docu-
et Claude Thélot. «La lecture moins attractive qu'il y a vingt mentation française, 1997.
ans», Economie et statislique, 233, 1990, p. 63-75. Cf. também 31 Claudio Rama, Richard Uribe e Leandro de Sagasti-
Olivier Donnat. «La lecture réguliere des livres: un recul an- zabal. Las editoriales uníversítarias en América Latina, Caracas:
cien et général», Le De'bat, n• 170, 2012, p. 42- 51. IESALC, e Bogotá: CERLAC, 2006, p. 98.
78 79
Um mundo sem livros e sem livrarias? Edições científicas

apresentar-se como leitores, a tal ponto é desprezado do pelos preços de assinatura das revistas científicas,
o estatuto que atribuem ao Jivro.32 Com certeza estes que podem al.cançar dez, quinze mil dólares, ou mais.
dados franceses deveriam ser atualizados, criticados Darnton mencionava no seu artigo como exemplos,
e comparados com pesquisas feitas em outros países. Brain Research, publicado por Elsevier e o ]ournal of
Porém, me parecem indicar uma tendência geral que Co mparative Neurology, publicado por Wiley. Seus
as observações mais recentes não contradizem. preços de subscrição, em 2015, eram respectivamen-
Bibliotecas te 17.500 e 30.000 dólares. 34 As compras de revistas
Um segundo desafio lançado à edição de co- científicas (cujo preço não diminuiu de maneira al-
nhecimentos científicos resulta das obrigações que guma com sua publicação eletrônica) representam
transformam a política de aquisição das bibliotecas. assim 70% ou 80% do orçamento dedicado às novas
Cada um se lembra do inquietante diagnóstico apre, aquisições.
sentado por Robert Danton em 1999_33 Enfatizava a Sem a certeza das compras das bibliotecas, as
diminuição das compras de livros de humanidades editoras acadêmicas começaram a recusar a publica-
e ciências sociais pelas bibliotecas universitárias nos ção dos textos considerados como muito especiali-
Estados Unidos, cujo orçamento se encontra devora- zados: teses de doutorado transformadas em livros,
obras de erudição, publicações de documentos. Pas-
32 François de Singly. Les jeunes et la lectura. Ministere
de l'Education Nationale et de la Culture, Direction de l'éva-
saram a privilegiar os livros que podiam ~trair um
luatíon et de la prospective. Les Dossiers ~ducation et For- público mais amplo. Parece que esta evolução come-
mation. 24, janvier 1993, e Christian Baudelot, Marie Cartier
çou antes dos anos 90. Num divertido "ensaio publi-
et Christine Detrez. Et pourtant ils lisent..., Paris: Editions du
Seuil, 1999. cado em 1983, o mesmo Darnton recorda sua expe-
33 Robert Darnton, «The New Age of the Book». The
riência como membro do comitê editorial da editora
New York Review ofBooks. March 18, 1999, p. S-7. Cf. Rob-
ert Darnton. A questão dos livros, Passado, presente e futuro. 34 Em 2020, as subscrições custam US$ 11 522 para
Tradução de Daniel Pellizzari. São Paulo: Companhia das Le- Brain Research e US$ 44 8232 para The ]o urna[ of Comparative
tras, 2010. Neurology.
80 81
Um mundo sem livros e sem livrarias? Edições científicas

da Universidade de Princeton, entre 1978 e 1982. Se 111 i cos foi o mesmo.36 As estatísticas do Syndicat na-
nesse tempo as editoras acadêmicas ainda aceitavam f ional del'édition sobre as vendas dos livros de ciências
as monografias, já enfatizavam os temas da moda e humanas e sociais mostram uma dupla diminuição
os livros mais atrativos. Daí seu irônico conselho: durante a década de 1990: diminuição do número
"Se você tem de propor um livro, que seja sobre pás- global de livros vendidos (18 milhões em 1988, 15
saros. Temos aceitado livros sobre pássaros de to- milhões em 1996); diminuição do número de exem-
dos os cantos do mundo - Colômbia, África, Rússia, plares vendidos para cada título (2.200 em 1980, 800
China, Austrália ... Você não tem como perder, pelo em 1997). A primeira resposta dos editores foi o au-
menos em Princeton. Outras editoras acham outros mento do número de títulos publicados (1.942, em
temas irresistíveis. Você pode tentar as casas de cam- 1988, 3.133 em 1996) para ampliar a oferta. A con-
po, em Yale e a culinária, em Harvard". 35 ""' seqüência foi o crescimento considerável do número
Na França, a diminuição das compras dos lei- de livros não vendidos e devolvidos às editoras. Daí,
tores foi mais decisiva que a transformação da polí- as outras escolhas dos editores: a redução drástica
tica de aquisições das bibliotecas. Porém, o resultado das tiragens, a recusa das obras muito especializadas,
em relação às editoras que publicavam livros acadê- a reticência quanto às traduções. 37

36 Hervé Renard y François Rouet. «L'écon6mie du li-


. vre: de la croissance à Ia crise». In L'édition française depuis
35 Robert Darnton. «Publishing: A Survival Strategy for 1945, sob a direção de Pascal Fouché, Paris: Éditions du Cercle
Academic Autors». (1983) In: Robert Darnton. The Kiss of de la Librairie. 1998, p. 640-737 e Pierré ~ourdieu . «Une ré-
Lamourette. Reflections in Cultural History. Nova York e Lon- volution conservatrice dans l'édition». Actes de la Recherche en
dres: W. W. Norton & Company, 1990, p. 94-103. Cf. Rob- Sciences Sociales, 126-127, 1999, p. 3-28.
ert Darnton. «Publicação: uma estratégia de sobrevivência 37 Bruno Auerbach. «Publish and perish. La définition lé-
para autores acadêmicos». In: Darnton. O Beijo de Lamourette: gitime des sciences sociales au prisme du débat sur la crise de
Mídia, cultura e revolução. Tradução de Denise Bottmann. São l'édition SHS». Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 164,
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 97-106. 2006, p. 74-92.
82 83
Um mundo sem livros e sem livrarias? Edições científicas

A edição digital Semelhantes promessas supõem duas condi-


A edição eletrônica pareceu uma alternativa ções. Em primeiro lugar, devem ser diferenciadas a
possível. Como sugeria Robert Darnton, ela pode comunicação eletrônica, livre e gratuita, e a edição
permitir um novo tipo de livro, estruturado como digital, que implica um controle científico, um tra-
uma série de estratos textuais: o argumento geral, os balho editorial e o respeito à propriedade intelectual.

estudos particulares, os documentos, as referências, Assim, podem ser protegidos, tanto os direitos eco-
nômicos e morais dos autores, como a remuneração
os materiais pedagógicos, os comentários dos leito-
do trabalho editorial. Dessa forma, pode recons-
res. Essa estrutura muda a lógica da argumentação,
truir-se na textualidade digital uma hierarquia dos
que pode tornar-se relaciona! e não apenas linear,
discursos que permite perceber, ou não, sua autori-
assim como a recepção do leitor, que pode consul-
dade científica. Em segundo lugar, as publicações ele-
tar os documentos (arquivos, imagens, música, pala- \
trônicas devem adquirir uma legitimidade intelectual
vras) que são o objeto ou os instrumentos do estudo.
comparável com o reconhecimento atribuído aos
O livro digital transforma, assim, profundamente, as
livros e artigos impressos. A criação de coleções de
técnicas da prova mobilizada pelos discursos cien- livros digitais39 e o desenvolvimento dos usos cientí-
tíficos (citações, notas, referências) porque o leitor ficos das possibilidades oferecidas pelas novas técni-
pode, se o quer, controlar as interpretações do au- cas40 indicam as mutações nas práticas acadêmicas.
tor.38 ""
39 Por exemplo, o projeto Electronic Publisliing Initia-
tive @ Columbia de Columbia University Press e a coleção
«Gutenberg-e series of monographs in History».
40 Cf. Filología e Informática. Nuevás Jecnologías en los es-
38 Para um exemplo das diferenças entre as for- tudios filológicos. José Manuel Blecua, Gloria Clavería, Car-
mas, impressa e eletrônica, do «mesmo» artigo, cf. Robert los Sanchez and Joan Torruella. (eds.) Bellaterra: Editorial
Darnton. «An Early lnformation Society. News and Me- Milenio e Universitat Autónoma de Barcelona, 1999, e Da-
dia in Eighteenth -Century Paris». The American Histor- vid Scott Kastan. Shakespeare and the Book, Cambridge: Caro-
ical Review, Vol. 105, n· 1, February 2000, p. 1- 35, e AHR bridge University Press, 2001, Chapter Four, «From codex
webpage: W\1\T\V.historycooperative.org/ahr. to computer; o r, presence of mind», p. 111-136.
84 85
Um mundo sem livros e sem livrarias? Edições científicas

Não se deve esquecer, no entanto que, na Então, não devemos menosprezar a importân-
Fran ça, os livros eletrônicos representam uma par- cia das mutações introduzidas pela textualidade digi -
te muito minoritária, não somente no mercado do tal. O caso das revistas científicas pode ilustrar um
livro em geral, senão também na edição acadêmica, tempo no qual as bibliotecas modificam fundamen-
tanto em 2013 quanto em 2001, como mostram dois talmente a distribuição de suas assinaturas entre re-
estudos do Syndicat national de l'édition. 4 1 A situa- vistas impressas e revistas eletrônicas. Por exemplo,
ção é diferente nos Estados Unidos. Várias grandes a biblioteca da Drexel University (uma universidade
bibliotecas gastam 20% de seu orçamento para com- de tecnologia localizada em Filadélfia) comprava, em
prar publicações eletrôn icas. Em 2012, os livros digi- 1998, 1500 revistas impressas e 20 eletrônicas. Em
tais representavam 27% do mercado dos livros para 2001, as proporções são invertidas: 6 300 revistas
42
adultos , e em 2014, 46'% das editoras universitárias eletrônicas, cujo custo era de 595 000 dólares, e 300
declararam que as vendas dos "e-books" constituíam impressas (36 000 dólares). 44 John Thompson pode
entre 7 e 20% de seus ingressos (que eram de somen- assim observar que "o campo das revistas científicas
te 27% em 2013).'13 experimenta uma migração parcial, mas certa e irre-
versível, da publicação de seus conteúdos, da forma
41 Syndicat national de l'édition, chiffres clés 2013, dis- impressa para a forma on-line".45
ponível em: www.sne.fr/enjeux/chiffres-cles-2013, e Marc
Minon, Edition universitaire et perspectives du numérique, Etude A difusão em massa das revistas' científicas em
réalisée par Ie Syndicat national de l'édition,_2002, disponível forma eletrônica coloca duas interrogações funda-
em: www.sne.fr/numerique
42 «Looking at US E-book Statistics and Trends», Pulr 44 Carol Hansen. «Measuring the Iinpacrof an Electron-
líshing Perspectives, October 3, 2012, disponível em: ic Journal Collection on Library Costs. A Framework and
publishingperspectives.com/20 12/1 O. Preliminary Observations», D-Lib Magazine, Vol. 6, Number
43 Digital Book Publishingín the AAUP. Survey Re- 10, October 2000, disponível em: www.dlib.org.
port: Spring 2014, The Association of American Universi- 45 john B. Thompson. Merchants of Culture. The Publish-
ty Press, disponível em: www.aaupnet.org/images/stories/ ing Business in Twenty-First Century, Cambridge: Polity Press,
data/2014digitalsurveyreport. pdf 2010, p. 34 1.
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muuttua. Minä päätin siis jättää hänet Dorothyn käsiin ja toivoa
parasta.

Heinäkuu 10 p:nä.

Hohhoh, viime kuu oli tosiaan kuin päiväkirja itsessään, ja minä


olen alkanut käsittää olevani niitä tyttöjä, joille jotakin tapahtuu. Ja
minun täytyy sittenkin myöntää, että elämä on tosiaan ihmeellistä.
Sillä ihan viime kuluneiden viikkojen aikana on tapahtunut niin
paljon, että tytön pää melkein menee pyörälle.

Tarkoitan ensiksikin, että menin jalokivikauppaan ostoksille ja ostin


hurmaavan nelitahkoisen smaragdin ja pitkän rihman helmiä Henryn
laskuun. Sitten soitin Henrylle kaukolinjan puhelimella ja sanoin
hänelle, että halusin nähdä häntä aika paljon, ja hän oli kovin, kovin
mielissään ja lupasi heti saapua New Yorkiin. Ja sitten minä pyysin
Dorothya tulemaan kotiini ollakseen siellä Henryn saapuessa ja
näyttämään Henrylle, mitä olin hänen laskuunsa ostellut, ja
kertomaan hänelle, kuinka tuhlaavainen minä näytin olevan. Ja
kuinka minä näyin tulevan vain hupsua hupsummaksi. Ja minä
annoin Dorothylle valtuuden mennä niin pitkälle kuin halusi, kunhan
hän ei vain vihjaise mitään kunnialleni käypää. Sillä mitä
tahrattomammalta minun maineeni näyttäisi, sitä paremmin saattaisi
asia lopuksi päättyä. Ja Henry oli täsmällisesti talossa
kahtakymmentä minuuttia yli yhden, ja minä käskin Lulun laittaa
puolista hänelle ja Dorothylle ja käskin Dorothyn sanoa hänelle, että
minä olin mennyt katsomaan Venäjän kruununkalleuksia, joita joku
venäläinen suuriruhtinatar kaupitteli Ritzissä.
Ja sitten minä menin Primrosen teehuoneeseen syömään puolista
herra Montrosen kanssa, koska herra Montrose kernaasti kertoo
minulle kaikista suunnitelmistaan ja sanoo, että minä hänen
mielestään paljon muistutan tyttöä, jonka nimi oli matami Recamier
ja jolle intellektentit herrasmiehet tavallisesti kertoivat kaikki
suunnitelmansa, silloinkin kun Ranskan vallankumous riehui heidän
ympärillään.

Ja herra Montrose ja minä söimme herkullisen puolisen, vaikken


minä herra Montrosen seurassa koskaan pane merkille, mitä syön,
sillä herra Montrosen jutellessa tyttö vain kuuntelee molemmilla
korvillaan. Mutta kaiken aikaa minä kuunnellessani ajattelin Dorothya
ja tuskittelin, että hän ehkä kertoisi Henrylle jotakin, mikä ei olisi
minulle vallan edullista jälkeenpäin. Ja vihdoin herra Montrosekin
näkyi sen huomaavan ja sanoi: "Mikä sinua vaivaa, tyttöseni?
Maksaisinpa pennin ajatuksistasi."

Sitten minä kerroin hänelle kaikki. Ja hän näkyi miettivän aika


paljon ja sitten hän sanoi: "On tosiaan kovin ikävää, että herra
Spoffardin perhe-elämä tuskastuttaa sinua, sillä herra Spoffard olisi
ihanteellinen mies minun filmieni kustantajaksi." Ja sitten herra
Montrose sanoi, että hän alunpitäen oli ajatellut, kuinka ihanteellista
olisi, että minä esittäisin Dolly Madisonia. Sitten minä aloin miettiä ja
sanoin herra Montroselle, että toivoin saavani vallan ison
rahasumman myöhemmin ja kustantaisin sen itse. Mutta herra
Montrose vastasi, että se olisi liian myöhään, koska kaikki
eläväinkuvain yhtiöt sitä nyt tavottelivat ja se melkein hetikohta
siepattaisiin.

Tällöin minä melkein säikähdin, sillä äkkiä juolahti mieleeni, että


jos ottaisin Henryn ja samalla työskentelisin elävissäkuvissa, niin ei
Henryn seuraelämä olisi niin hirveää. Sillä jos tytöllä olisi niin paljon
puuhaa, ei tosiaan merkitsisi vallan paljoa, vaikka hänen täytyisikin
sietää Henryä silloin, kun hänellä ei ollut puuhaa. Mutta sitten minä
muistin, millä asioilla Dorothy oli, ja sanoin herra Montroselle, että
pelkäsin olevan jo liian myöhäistä. Riensin siis puhelimeen ja soitin
kotiin Dorothylle ja kysyin, mitä hän oli Henrylle sanonut. Ja Dorothy
sanoi näyttäneensä hänelle sen nelitahkoisen smaragdin ja
kertoneensa hänelle minun ostaneeni sen pikku leluksi vihreään
pukuuni, mutta että kun olin saanut siihen pukuun tahran, aioin antaa
sekä puvun että smaragdin Lululle. Ja sitten hän sanoi näyttäneensä
helmet ja sanoi, että minä ne ostettuani kaduin, etten ostanut
vaaleanpunaisia, valkoiset kun olivat niin perin tavallisia, joten minä
olin käskenyt Lulun purkaa ne ja ommella aamunuttuuni. Ja sitten
hän oli sanonut hänelle olleensa vähän pahoillaan, että olin mennyt
ostamaan venäläisiä kruununkalleuksia, koska hän aavisteli niiden
tietävän onnettomuutta, mutta että minä olin hänelle sanonut, että
jos ne sellaisiksi osoittautuisivat, niin voisinhan minä jonakuna iltana,
kun uusi kuu oli noussut taivaalle, mennä nakkaamaan ne
vasemman olkani yli Hudson-virtaan, mikä kyllä kirot poistaisi.

Ja sitten hän sanoi Henryn alkaneen käydä levottomaksi. Sitten


hän kertoi sanoneensa hänelle olevansa iloinen, että minä kerrankin
jouduin naimisiin, koska minulla oli sellainen kova onni, että aina kun
menin kihloihin, näkyi minun kihlatulleni jotakin tapahtuvan. Silloin
Henry kysyi, mitä esimerkiksi. Ja Dorothy sanoi, että pari niistä oli
mielisairaalassa, yksi oli velkaantuneena ampunut itsensä ja lopuista
piti pakko-työsiirtola huolta. Ja Henry kysyi, kuinka heille nyt niin oli
käynyt, ja Dorothy selitti, että se vain johtui minun
tuhlaavaisuudestani, ja sanoi ihmettelevänsä, ettei Spoffard ollut siitä
koskaan kuullut, sillä minunhan tarvitsi syödä vain puolista Ritzissä
jonkun kuuluisan pörssimiehen kanssa, jotta seuraavana päivänä
tapahtuisi romahdus. Ja hän sanoi, ettei hän suinkaan tahtonut
mitään vihjaista, mutta että minä olin syönyt päivällistä erään kovin,
kovin mahtavan saksalaisen kanssa, kun seuraavana päivänä
Saksan markat muuttuivat makulatuuriksi.

Siitä kaikesta minä melkein vimmastuin ja käskin Dorothyn


pysyttää Henryn talossa, kunnes minä tulisin sinne selittämään.
Sitten minä jäin puhelimeen sillä välin, kun Dorothy meni katsomaan,
odottaisiko Henry. Ja Dorothy tuli minuutin päästä takaisin ja sanoi,
että vierashuone oli tyhjä, mutta että jos rientäisin Broadwaylle, niin
epäilemättä näkisin tomupilven Pennsylvanian aseman puolella, ja
siellä huristaisi Henry.

Sitten minä palasin herra Montrosen luo ja sanoin, että minun


täytyi tavoittaa Henry Pennsylvanian asemalta, maksoi mitä maksoi.
Ja jos joku sanoisi, että me lähdimme Primrosen teehuoneesta
kiireellisesti, niin se olisi vallan lievää kieltä. Niin me menimme
Pennsylvania asemalle ja hädin tuskin minä ehdin Philadephian
junaan, jättäen herra Montrosen junan viereen levottomana
kynsiänsä pureskelemaan. Mutta minä huusin hänelle, että hän
menisi hotelliinsa, ja lupasin soittaa hänelle tulokset, heti kun juna
olisi saapunut perille.

Sitten minä kävelin junan läpi, ja siellä oli Henry, kasvoillaan ilme,
jota en ikinä unohda. Sillä kun hän näki minut, näkyi hän kutistuvan
puoleen normaalikoostaan. Minä istahdin siis hänen viereensä ja
sanoin hänelle, että hänen menettelynsä tosiaan hävetti minua ja
että jollei hänen rakkautensa voinut kestää pikku koetta, jonka minä
ja Dorothy pikemminkin huvin vuoksi olimme keksineet, niin en
viitsisi mokomalle herrasmiehelle virkkaa sanaakaan. Ja minä sanoin
hänelle, että jollei hän voinut erottaa oikeata nelitahkoiseksi
veistettyä smaragdia rihkamakaupan lelusta, niin hänen tulisi hävetä.
Ja minä sanoin, että jos hän luuli, että jokainen rihmallinen valkoisia
lasihelmiä oli kalliita päärlyjä, niin ei ollut ihmekään, että hän saattoi
niin pahoin erehtyä tytön luonnetta arvostellessaan. Ja sitten minä
aloin itkeä Henryn tavattoman epäluuloisuuden vuoksi, jolloin hän
yritti mua lohduttaa, mutta minä olin niin syvästi loukkaantunut, etten
lausunut hänelle siivoa sanaa ennenkuin olimme Newarkin
sivuuttaneet. Mutta Newarkin sivuutettuamme Henry itsekin itki, ja
minun sydämeni aina niin heltyy kuullessani herrasmiehen itkevän,
että minä lopuksi annoin hänelle anteeksi. Kotiin päästyäni minun
siis täytyy viedä jalokivet kauppaan takaisin.

Ja sitten minä selitin Henrylle, että halusin elämällemme tulevan


jotakin tarkoitusta ja että tahdoin tehdä maailman paremmaksi, kuin
mitä se tähän asti näkyy olleen. Ja minä sanoin hänelle, että kun hän
tiesi niin paljon filmiammatista kaiken sensuroimisensa perusteella,
niin olin ajatellut, että minun mielestäni hänen pitäisi itse antautua
filmialalle. Sillä minä sanoin hänelle, että hänenlaisensa
herrasmiehen velvollisuus maailmaa kohtaan oli valmistaa
säädyllisiä filmejä ollakseen esimerkkinä muille filmiyhtymille ja
näyttääkseen maailmalle, millaisia säädylliset filmit olivat. Ja
Henryssä se herätti kovin, kovin suurta mielenkiintoa, koskei hän
milloinkaan ollut ajatellut filmialaa. Sitten minä sanoin hänelle, että
voisimme saada herra Gilbertson Montrosen kirjoittamaan meille
filmitekstit, ja hän sensuroisi ne ja minä näyttelisin niissä, ja kun
kaikki olisimme tehneet tehtävämme, niin varmaan siitä tulisi
taidetta. Mutta ne olisivat myöskin puhtaampia kuin useimmat
taideteokset näkyvät olevan. Henry sanoi siis, että päästyämme
Philadelphiaan me ryhtyisimme hommaan, mutta hän ei tosiaan ollut
sitä mieltä, että minun tulisi niissä näytellä. Mutta minä sanoin
Henryle, että mikäli olin nähnyt hienon maailmannaisten yrityksiä
elävien kuvien alalla, en luullut, että olisi arvoa alentavaa, jos joku
heistä yrityksissään onnistuisikin. Näin sain hänet siihenkin
suostumaan.

Päästyämme siis Henryn maatilalle me kerroimme kaikki Henryn


omaisille, ja he kaikki ihastuivat. Sillä se oli ensi kertaa sodan
jälkeen, kun Henryn omaiset olivat saaneet jotakin määrätietoista
mieleensä painettavaksi. Tarkoitan, että Henryn sisar asian
kuultuaan ihan hypähti riemusta, sillä hän sanoi, että hän ottaisi
pitääkseen huolta kuorma-autoista ja pitäisi ne ensiluokkaisessa
kunnossa. Sitten minä myöskin lupasin Henryn äidille, että hän saisi
näytellä filmeissä. Tarkoitan, että voisimme esittää hänestä lähikuvan
silloin tällöin, koska toki jokaisessa filmissä täytyy olla lystillistä
lievennystä. Ja minä lupasin Henryn isälle, että me kärräisimme
hänet läpi ateljeerin ja sallisimme hänen katsella kaikkia
näyttelijättäriä, jolloin hän oli vähällä taaskin saada uuden puuskan.
Ja sitten minä soitin herra Montroselle ja sovin hänen kanssaan, että
hän tulisi tapaamaan Henryä ja pohtimaan hänen kanssaan asiaa.
Ja herra Montrose sanoi: "Jumala siunatkoon sinua, herttainen
lapsi!"

Ja minä alan melkein uskoa, mitä jokainen sanoo, että minä olen
pelkkää päivänpaistetta, koska jokainen näkyy tulevan onnelliseksi
joutuessaan kosketuksiin minun kanssani. Tarkoitan, kaikki muut
paitsi Eisman. Sillä New Yorkiin palattuani minä avasin kaikki hänen
sähkösanomansa ja huomasin, että hänen piti saapua Aquitanialla jo
heti seuraavana päivänä. Minä siis menin Aquitanialle häntä
vastaan, vein hänet Ritziin puoliselle ja kerroin hänelle kaikesta.
Silloin hän kävi kovin, kovin alakuloiseksi, sillä hän sanoi, että ihan
heti, kun hän oli saanut minut täydelleen kasvatetuksi, minun pitikin
juosta tieheni ja mennä avioliittoon. Mutta minä sanoin hänelle, että
hänen tosiaan tulisi olla minusta hyvin ylpeä, sillä kun hän
vastaisuudessa näkisi minut puolisella Ritzissä kuuluisan Henry H.
Spoffardin vaimona, niin minä aina niiaisin hänelle, jos hänet näkisin,
ja hän voisi osoittaa minua kaikille tuttavilleen ja sanoa, että juuri
hän, Gus Eisman, oli kasvattanut minut tähän asemaan. Ja se
ilahdutti herra Eismania aika paljon, enkä minä tosiaan välitä, mitä
hän juttelee tuttavilleen, koskeivät hänen tuttavansa kumminkaan ole
minun lajiani, eikä sitä, mitä hän minusta sanoneekin, huhu minun
seurapiirissäni kerro. Kun siis puolinen oli nautittu, luulen tosiaan,
että vaikkei herra Eisman varsin onnellinen ollutkaan, ei hän
kuitenkaan voinut olla tuntematta jotakin huojennusta, varsinkin
minun monia ostoksiani ajatellessaan.

Senjälkeen vietettiin siis hääni, ja koko Philadelphian ja New


Yorkin kermasto tuli minun häihini, ja kaikki olivat minulle kovin
herttaisia, koska melkein jokainen heistä on kirjoittanut filmin. Ja
jokainen sanoo, että minun hääni olivat kovin, kovin ihanat.
Tarkoitan, että Dorothykin sanoi niiden olleen ihanat, vaikka Dorothy
väitti täytyneensä keskittää ajatuksensa armeenialaisten verilöylyyn
voidakseen pidättyä nauramasta ääneensä jokaisen kuullen. Mutta
se vain osoittaa, ettei edes avioliitto ole pyhä Dorothyn kaltaiselle
tytölle. Ja häiden jälkeen minä kuulin Dorothyn salavihkaa juttelevan
herra Montoselle ja sanovan herra Montoselle, että kai minusta tulisi
suuri eläväinkuvain sankaritar, jos hän sepittäisi minulle osan, jossa
olisi esitettävä vain iloa, surua ja vatsankipua. En siis luule, että
Dorothykaan on oikein uskollinen ystävä.

Henryjä minä emme lähteneet kuherrusmatkalle, koska minä


sanoin Henrylle, että olisi tosiaan itsekästä meidän molempain
matkustaa pois yhdessä yksinämme sillä välin kun kaikki meidän
toimintamme meitä niin kipeästi kaipasi. Sillä täytyihän minun viettää
aika paljon aikaa herra Montrosen kanssa, yhdessä
tarkastaessamme filmitekstejä, koska herra Montrose sanoo, että
minulla on enemmän aatteita kuin mitään muuta. Siis toimittaakseni
Henrylle jotakin tehtävää sillä välin kun herra Montrose ja minä
puuhailemme filmissä, minä pyysin Henryä perustamaan
menestysliiton kaikkien ylimääräisten tyttöjen keskuuteen, jotta he
kertoisivat hänelle kaikki huolensa ja hän saisi tilaisuuden antaa
heille hengellistä hoivaa. Ja siitä on tosiaan tullut hyvin, hyvin suuri
syksee, sillä nykyisin ei ole muissa ateljeereissa varsin paljon työtä
tekeillä, joten ylimääräisillä tytöillä ei ole mitään parempaa tointa, ja
tietäväthän he kaikki, ettei Henry anna heille työtä meidän
ateljeerissamme, jos he eivät yhdy liittoon. Ja mitä turmeltuneempia
he sanovat olleensa ennenkuin Henry heidät tapasi, sitä enemmän
Henry siitä pitää, ja Dorothy sanoo, että hän oli eilen ateljeerissa, ja
selittää, että jos se kaikki, mitä ne ylimääräiset tytöt ovat Henrylle
itsestään kertoilleet, voitaisiin filmata ja puijata sensorin silmien ohi,
niin elävätkuvat kyllä pian olisivat päässeet lapsenkengistään.

Ja Henry sanoo, että minä olen avannut hänelle ihan uuden


maailman ja ettei hän eläissään ole ennen ollut näin onnellinen. Ja
näyttää tosiaan siltä kuin ei kukaan, jonka tunnen, olisi koskaan ollut
näin onnellinen elämässään. Sillä minä taivutan Henryn päästämään
isänsä ateljeeriin joka päivä, koska ateljeerissa toki pitää olla joku
pelästyspeikkokin ja se tässä tapauksessa voi yhtä hyvin olla Henryn
isä kuin joku muukin. Minä olen siis antanut käskyn kaikille
sähkömiehille, etteivät kääntäisi valosoihtujaan häneen, vaan
sallisivat hänen pitää hauskaa, koska tämä onkin hänen
ensimmäinen tilaisuutensa. Henryn äiti taas leikkauttaa tukkansa
polkaksi ja parafinoittaa kasvonsa, valmistuakseen esittämään
Carmenin osaa, koska hän näki matami Calve-nimisen tytön sitä
näyttelevän, kun hän oli kuherrusmatkallaan, ja hän on tosiaan aina
tuumaillut, että hän voisi sen tehtävän suorittaa paremmin. Enkä
minä häntä estellyt, vaan sallin hänen pitää päänsä ja nauttia
riemustaan. Mutten minä viitsi sähkömiehille puhua Henryn äidistä.
Eikä Henryn sisar ole Verdungin taistelun jälkeen koskaan ollut näin
onnellinen, sillä hänen huolehdittavinaan on kuusi kuorma-autoa ja
viisitoista hevosta, ja hän sanoo, että aselevosta asti hänestä ei
mikään ole siinä määrin muistuttanut sotaa kuin elävienkuvien
ammatti. Ja myöskin Dorothy on hyvin onnellinen, sillä Dorothy
sanoo, että hän on tässä kuussa nauranut enemmän kuin Eddie
Cantor koko vuodessa. Mutta kun tulee herra Montrosen vuoro,
luulen, että hän on onnellisempi kuin kukaan muu, koska hän
saanee minulta niin paljon ymmärtämystä ja simbatiaa.

Ja minä olen itsekin hyvin onnellinen, koska suurinta elämässä


sittenkin on tehdä kaikki muut onnellisiksi. Ja kun nyt jokainen on
niin onnellinen, luulen tosiaan, että on sopiva aika päättää
päiväkirjani, kun minulla nyt kumminkin on liian paljon puuhaa
harjoitellessa filmejäni herra Montrosen kanssa, voidakseni enää
pitää yllä mitään muuta kirjallista toimintaa. Ja minulla on niin kiirettä
Henryn elämän päivänpaisteena, että se kaikkien muiden
suoruuksieni ohella kyllä riittänee tytön tavoittelemaksi
saavutukseksi. Niinpä siis tosiaan luulen, että voin sanoa hyvästi
päiväkirjalleni siinä tunnossa, että kaikki lopultakin aina kääntyy
parhain päin.
*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK "HERRAT
PITÄVÄT VAALEAVERISISTÄ" ***

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