Você está na página 1de 2

O EQUÍVOCO DA MALDADE

Retirado do site A Bacia das Almas, de Paulo Brabo.


esto cad o em M ANUS CRITOS

Tudo é puro para os que são puros.


Tito 1:15

Com base numa frase que me disse certa vez o Hernan Pimenta,
brinco há mais de um ano com a ideia de um conto de horror que
não chegarei a colocar por escrito. Nessa história um homem se
ocupa a vida inteira, como todos, com os variegados
aborrecimentos, rancores e neuroses da condição humana; depois
de morto, como a todos, lhe é concedido saber que a revelação que
lhe escapou a vida inteira é que na realidade o ser humano é bom.

O horror da história está em que é só depois de morto, quando é


tarde demais, que o protagonista descobre que os horrores, os
temores e as culpas com os quais havia ocupado o espaço inteiro
da vida eram imaginários. Nesse mundo do qual estou falando,
como me disse recentemente meu amigo Danilo, é impossível que
do coração do homem saia outra coisa que não o bem. Nesse
mundo as pessoas ensinam umas as outras, sem trégua e de todos
os modos, as disciplinas da desconfiança, da culpa, do rancor e do
medo, e são essas as distrações que acabam gerando em todos os
casos os erros de julgamento que passam para a história como
maldade. Entrincheiramo-nos sem motivo, e as trincheiras
desnecessárias que construímos tornam a guerra inevitável.

Nesse mundo todas as histórias são tragédias como o Otelo, de


Shakespeare, em que um protagonista honrado mata uma pessoa
honrada – a pessoa que ama – por acreditar (sem fundamento,
como se descobre no final) que ela havia sido contaminada pela
maldade. É a maldade imaginária ou projetada, a falsa maldade,
que desencadeia a verdadeira – a qual, como se fundamenta num
equívoco, não passa ela mesma de um erro de julgamento.
Nessa história de horror Deus não criou o mal e nem teria como
fazê-lo, porque o seu universo é genuinamente impermeável à
maldade. Somos todos bons, e o diabo é Iago, o diabo é
simplesmente a ideia universalmente eficaz de que devemos
desconfiar uns dos outros. O único horror verdadeiro é que
vivemos cegos para o fato de que não existe horror algum 1.

Você também pode gostar