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A S I N V O C A Ç Õ E S D E S AT Ã
N A L I T E R AT U R A FA N T Á S T I C A
Não obstante, os demônios podiam operar milagres aparentes: eventos que iam além do poder e da
compreensão humana. Podia parecer que eles tinham operado o impossível por meio de aparições
imaginárias [...] podemos dizer que o Diabo era especialista em causas ‘ocultas’ e efeitos
‘maravilhosos’ (mas não miraculosos). Assim, o Diabo era o mestre das ilusões (Ibidem, p.113)
A literatura fantástica é o único gênero literário que não pode funcionar sem a presença do
sobrenatural. E o sobrenatural é aquilo que transgride as leis que organizam o mundo real, aquilo que
não é explicável, que não existe, de acordo com essas mesmas leis” (ROAS, 2013, p.31)
O ESTIGMA DIABÓLICO NO
FANTÁSTICO
Deve, porém, notar-se que numerosos velhos temas: os gigantes, por
exemplo, ou os anões parecem ter perdido a sua virtude angustiante, ao
passo que a literatura de imaginação científica criou outros, como o do
sábio louco. Por outro lado um mesmo motivo, o diabo por exemplo,
pode ser fantástico, cômico, trágico, até elegíaco. O motivo importa
menos que a maneira como é utilizado. Quanto à arte fantástica, não está
ligada aos motivos tradicionais (VAX, [1974], p.33)
A consequência teórica é a de que não pode existir o efeito de horror enquanto há crença mítica ou religiosa,
pagã ou cristã, na existência efetiva do sobrenatural. Para delimitar o efeito de horror derivado das narrativas
góticas, será necessário levar em conta que o gênero só ocorre quando o ateísmo liberal e o materialismo
capitalista transtornam as formas de percepção e de relação no Ocidente, entre os séculos XVIII e XIX
(BORDINI, 1987,p.12)
“Cheguei a pensá-lo”: Eis aqui a fórmula que resume o espírito do fantástico. Tanto a incredulidade total como
a fé absoluta nos levariam fora do fantástico: o que lhe dá vida é a vacilação (TODOROV, 1980, p.18)
Para tanto, essa percepção depende, exclusivamente, da impossibilidade de explicação e, assim, caso
identifiquemos o evento compactuando com a realidade ou com a fantasia, “deixa-se o terreno do fantástico
para entrar em um gênero vizinho: o estranho ou o maravilhoso. O fantástico é a vacilação experimentada por
um ser que não conhece mais que as leis naturais, frente a um acontecimento aparentemente sobrenatural”
(Ibidem, p.23).
O ESTIGMA DIABÓLICO
NO FANTÁSTICO
Ao finalizar a história, o leitor, se o personagem não o tiver feito,
toma entretanto uma decisão: opta por uma ou outra solução,
saindo assim do fantástico. Se decidir que as leis da realidade ficam
intactas e permitem explicar os fenômenos descritos, dizemos que a
obra pertence a outro gênero: o estranho. Se, pelo contrário, decide
que é necessário admitir novas leis da natureza mediante as quais o
fenômeno pode ser explicado, entramos no gênero do maravilhoso
(Ibidem, p.24)
Ademais, os demônios eram capazes de persuadir os humanos que eram avarentos e pervertidos “de
mofos mirabolantes e jamais vistos”, entrando nos seus corpos por meio da sutileza dos seus corpos e
influenciando seus pensamentos. O Diabo se esgueirava pelas aberturas dos sentidos, camuflando-se
com cores, associando-se a sons, ocultando-se em raiva e mentiras, unindo-se a aromas, misturando-se
a sabores e obscurecendo o entendimento (PHILIP, 2021, p.164)
O juiz Dicasto respondeu que as bruxas alegavam que não havia prazer como esse sobre a terra e ele
pensava que era por três razões: em primeiro lugar, porque os demônios assumiam um aspecto
agradável; em segundo lugar, porque seus ‘membros viris’ eram de um tamanho fora do comum. Ele
declarou: ‘Com seu aspecto eles deliciavam os olhos e com seus membros eles preenchiam as partes
mais secretas das bruxas’. Complementando, ele disse que os demônios fingem estar apaixonados por
elas. Ele conclui que provavelmente ‘eles conseguem estimular alguma coisa muito profunda dentro
das bruxas, que proporciona essas mulheres um prazer maior do que o dos homens (Ibidem, p.151)
Sabbat, de eugéne lepoittevin (1806-1870) Capela sistina, de Michelangelo (1508-
1512)
A tentação de Santo Antão (1946)
Ante os pactos malditos, de
Teófilo a Fausto
Enfim, o que posso dizer é que tudo ocorreu segundo meus desejos; ganhei reputação como homem de Estado,
como guerreiro, poeta. Poder-se-ia dizer que wu era universal. Mas como a natureza humana é inconsequente, eu
não conseguia desfrutar uma honra tão aprazível; a ambição me dominava a tal ponto que os lauréis e os mirtos me
entediavam, eram um fardo para mim; disse ao Diabo, que, não sabendo mais o que fazer, se aborreceu e afirmou
que nenhum mortal havia se beneficiado tantos favores quanto eu (NODIER, 2019, p.194)
Ante os pactos malditos, de Teófilo a Fausto
O diabo apaixonado, Jacques Cazotte (1772)
O diabo apaixonado
Mal havia eu terminado, uma janela se escancara à minha frente, ao alto da abóbada: uma torrente de luz
mais brilhante que a do sol sai por essa abertura; uma cabeça de camelo horrorosa, tanto pelo tamanho
quanto pela forma, com orelhas enormes, aparece à janela. O hediondo fantasma abre a goela e, com voz
que combina com o resto da aparição, responde: Che voui? (CAZOTTE, [1772] 2013, p.23)
Então agora lhe convém ser mulher para exigir atenções? Pois bem, se quer salvaguardar o escândalo de sua
retirada, tenha, em seu próprio interesse o cuidado de sair pelo buraco da fechadura.
- Como! A sério, sem saber quem eu sou...
- Posso não saber?
- Sim, o senhor ignora, só ouve seus preconceitos, mas, seja eu quem for, estou a seus pés, os olhos cheios
de lágrimas: é como cliente que imploro (Ibidem, p.32)
O diabo apaixonado
“Ah Biondetta”, pensava eu, ‘e se você não fosse um ser fantástico, se você não fosse aquele horrível
dromedário!”
Mas por qual movimento me deixei levar? Venci o medo, vamos extirpar um sentimento mais perigoso. Que
doçura posso esperar dele? Não será sempre igual à sua origem?
O ardor de seus olhares tão tocantes, tão suaves, é um cruel veneno. Aquela boca tão bem desenhada, tão
colorida, tão fresca e, na aparência, tão ingênua, só se abre para imposturas. Aquele coração, se de fato
existia, só se aqueceria para uma traição (Ibidem, p.34)
Oh, minha cara Biondetta – respondi, embora fazendo grande esforço para me conter -, tu me bastas:
preenches todos os desejos do meu coração...
- Não, de modo algum – replicou ela rapidamente -, Biondetta não deve te bastar: não é esse o meu nome; tu
é que me havias dado; ele me agradava, eu o trazia com prazer; mas é preciso que saibas quem sou... Eu sou
o diabo, meu caro Alvare, sou o diabo... (Ibidem, p.91)
Referências
BORDINI, Maria da Glória. O temor do além e a subversão do real, 1987;
GOETHE, Johann Wolfgang von. Fausto: uma tragédia – Primeira parte. São Paulo: Editora 34, 2016;
NODIER, Charles. O pacto infernal – pequeno romance. São Paulo: Carambaia, 2019
ROAS, David. Ameaça do fantástico: aproximações teóricas. São Paulo: Editora UNESP, 2014;
TODOROV, Tzevan. Introdução a literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, [1970] 1975
VAX, Louis. Arte e literatura fantásticas. Lisboa: Editora Arcádia [1974].
EM
NOVEMBRO...
SITE:
https://i-congresso-nacional-de-narrativas-saramaguianas.webnode.com/
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