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Kremer faz concerto arrebatador

Violinista letão, um dos melhores músicos em atividade, tocou


anteontem à noite na Sala São Paulo

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

O programa começou com uma espécie de prólogo, a "Aurora",


para violino, de Eugène Ysae (1858-1931). Sai do nada e faz
nascer o sol, num registro pré-impressionista que demanda grande
virtuosismo. O que nunca foi problema para Gidon Kremer, não só
um dos mais prodigiosos violinistas em atividade mas também
um dos músicos mais arrojados e interessantes. Nada do que
ele toca deixa de ter originalidade, além de convicção musical. Foi o
caso nesse retorno à Sala São Paulo, anteontem, acompanhado
por três jovens conterrâneos, membros da Kremerata Báltica, que o
letão fundou em 1997.

Abrir a noite com Ysae, por exemplo – famoso violinista, a quem


César Franck (1822-90) dedicou sua famosa "Sonata" – ganhava
outro sentido na seqüência, com o arranjo para violino e piano do
"Prelúdio, Fuga e Variação" de Franck.

Ouvida na versão original, para órgão, a música não fica imune às


mudanças de gosto que o tempo nos impõe. Está no limite tênue do
kitsch, para muitos de nós. Recriada em duo e reimaginada por um
músico tão fino, a arte do compositor belga só tem a ganhar.

Kremer toca, muitas vezes, num registro que parece ser menos do
que a música pede.

Toca para dentro, quase sem vibrato. Quando se expande, depois,


com caraterística intensidade, o efeito é arrebatador.

Em escala menor, essa lição foi introjetada pela violoncelista Giedre


Dirvanauskaite e pelo pianista Andrius Zlabys, seus parceiros no
"Trio nº 2" de Shostakovich (1906-75).

Aqui chegamos ao coração das trevas do século passado.


Composto em 1944, em homenagem a um amigo recém-falecido, o
"Trio" recria e resiste, de dentro, ao pior.

Ainda há pouco tempo, não eram tantos que se entusiasmavam


com o sarcasmo de Shostakovich, com suas ironias e sua
melancolia, misturados em tramas improváveis. Agora virou
consenso que é um dos maiores compositores modernos, definindo
seu tempo.

Só as arcadas em "crescendo", de baixo para cima, numa sucessão


de pequenos trechos em homofonia já justificavam a noite, e
pareciam dizer o que não pode ser dito e que ali só não escutou
quem não quis. Foi curioso, depois, entrar no "Quarteto" em dó
menor, op. 60, de Brahms (1833-97), com a participação muito
especial da violista Ula Ulijona. Dizer que Brahms antecipa
Shostakovich não faz sentido; mas nessa noite era a sensação real
e irreal, para quem retornava ao "Quarteto" após ouvir o "Trio".

Do lado de lá e do lado de cá da catástrofe, um e outro se


entendem, percorrendo labirintos. No centro ficam os músicos,
guiados e inspirados por Gidon Kremer, que escuta, entende e toca
como ninguém.
GIDON KREMER PIANO QUARTET
Quando: sex., às 20h
Onde: sala Cecília Meireles (lgo. da Lapa, 47, Rio, tel. 0/xx/21/2332-
9160); não indicado a menores de 6 anos
Quanto: de R$ 40 a R$ 80
Avaliação: ótimo

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1211200815.htm

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Violinista Gidon Kremer

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