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Os Ossos Doem ao partir: Cultura,

identidade e adoecimento dos


haitianos no interior do Estado de
São Paulo
DOUTORANDA DENIZE RAMOS FERREIRA
CIÊNCIAS MÉDICAS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP
MESTRE EM HISTÓRIA COMPARADA PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO
RIO DE JANEIRO-UFRJ
ORIENTADORES:
RICARDO SANTHIAGO( UNIFESP) E HELENICE NAKAMURA (UNICAMP)
“Pode-se produzir história
para o grande público, mas
também se pode produzir
história com o público,
compreender a história feita
por ele”.
Ricardo Santhiago
Historiador e Jornalista
Histórico:
 A migração haitiana em larga escala para o Brasil é um
processo novo, intensificado a partir de 2004, devido à crise
política que resultou das violentas manifestações populares
contra o governo do Presidente René Préval e seu Premiê
Jean-Max Bellevire e dos furacões e terremotos em 2004,
2010 e 2012.
 A saída encontrada por milhares de pessoas deslocadas para
sobreviver às dificuldades pelas quais passavam, depois do
terremoto de 2010, como falta de água, falta de comida e
doenças como o cólera, devido a mais de 230 mil mortos, foi
migrar e na maioria das vezes pelas redes de tráficos,
especificamente através dos Coiotes.
 A nossa pesquisa de campo demonstra que, por terem poucas
possibilidades de acesso a bens e serviços, os haitianos se
submetem a condições sociais e ambientais de risco
para saúde física e mental. São muitas vezes
estigmatizados socialmente e têm os seus direitos, enquanto
migrantes, sistematicamente negados. A presença destes
novos fluxos de imigração para o Brasil tem levantado
questões sobre Direitos Humanos, sendo o acesso à saúde e a
integração desta população na sociedade e no mercado de
trabalho, identificados como problemas a serem estudados.
Entendemos que novas Políticas Públicas possam surgir a
partir da compreensão deste fenômeno migratório na área de
Saúde Pública de acordo com as especificidades deste
território no qual se desenvolve.
A pesquisa:
 Nesta pesquisa estudamos as haitianas e os haitianos, documentados
e indocumentados que adoecem psíquica e fisicamente, no processo
migratório e ao se estabelecerem no Brasil como trabalhadores.
Especificamente nas cidades de Americana e Santa Bárbara D’Oeste.

 O grupo participante da pesquisa faz parte do nosso projeto de Ensino


de Língua Portuguesa para haitianos que desenvolvemos na
Universidade Salesiana de Americana.

 Estão frequentando as aulas 60 alunos. Foram convidados a participar


da pesquisa. Por enquanto 5 aceitaram.
 HIPÓTESE:

 A nossa hipótese é que o adoecimento tem relação direta com a


diferenças culturais e linguísticas, pois criaram distanciamento e
vulnerabilidades sociais advindas do status indeterminado de cidadão.
Desta forma a doença não teria somente causa física e psíquica, mas
também social.

 Além do processo de exploração pelo qual o grupo estudado vem


passando, como horas excessivas de trabalho, atividades insalubres,
desconhecimento de seus direitos como migrantes
 Metodologia:

 Empregaremos, durante a pesquisa, a metodologia de levantamento de


campo através da história oral. Realizaremos a observação participante,
entrevistas semi-estruturadas para analisar a memória desses imigrantes
que, segundo Rousso (2012), é a presença do passado em uma
construção psíquica e intelectual, uma construção elaborada no presente,
pois o passado não pode ser resgatado. Pierre Nora nos diz que “a
memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno
presente”, (Nora, 1993:7-28).
 Começamos as entrevistas com História de Vida e a partir destas
narrativas, passamos para a história temática voltada para a saúde deste
grupo pesquisado
 Arnaldo Momigliano (1983): afirmou que a escolha de uma história
particular significa, de fato, eliminar – ou, pelo menos, suspender por
hipótese – uma pluralidade de outras histórias possíveis. Mas tais decisões
não são nem clandestinas nem arbitrárias. Elas nos remetem à
questionamentos mais profundos numa sondagem direta, sem
intermediários do mundo popular. (Ginzburg,2006, p.15)
Primeiros resultados:
 Identificamos a realização de trabalho análogo à escravidão nos
depoimentos.
 Na carteira de trabalho registra-se 8h.Na prática trabalham 12 ou
mais horas;
 Ficam privados de água fresca, ir ao banheiro mais de uma vez, não
utilizam equipamentos de segurança na empresa em que trabalham
(Uma específica em Santa Bárbara D’Oeste).
 Relato de uma depoente: “ Meu amigo, ao chegar em casa, estava
sempre com o nariz sangrando e chegou até a vomitar sangue. Em 3
meses de trabalho, emagreceu 5 quilos. Não podia denunciar, pois
precisava do emprego.” R.D.E
 Identificamos abalo psíquico, devido ao trauma vivido no Haiti. Foi o
caos de atravessando a história humana, seja ela individual ou coletiva,
permitindo o autoconhecimento, a partir de coisas incontroláveis, forças
que não são previsíveis, como nos mostra Maffesoli.
 Este processo, o caos, provocou no Haiti, por mais paradoxal que isso
possa parecer, o estabelecimento de nova topografia da incerteza e do
imprevisível, da desordem e da efervescência, do trágico e do não-
racional. Criaram-se novos signos para a compreensão que se tinha de
universo interno, tanto territorialmente quanto internamente.
 Muitos dos que estão doentes têm seus corpos objetificados, tornaram-
se engrenagens em um sistema mecânico que cria determinantes,
expondo este grupo a uma maior vulnerabilidade.
Identificamos

:Choro ao fazer depoimentos
 Silêncio sobre o assunto
 Relatos de estupros de meninas e meninos por ONGs e pelos militares,
demonstrando revolta na fala
 Internações com certa frequência
 Até o presente momento, o abalo psíquico pelso traumas vividos no Haiti e
as condições insalubres de trabalho são as manifestações patológicas mais
recorrentes.
 A pesquisa está em andamento. Estes são os resultados parciais.
Bibliografia
 ANDRÉ, Μ. Ε. D. Α. (1983). Texto, contexto e significado: algumas questões
na análise de dados qualitativos. Cadernos de Pesquisa, (45): 66-71.
 ARAUJO, Nádia de.; ALMEIDA, Guilherme Assis de.(Org).O Direito
Internacional dos Refugiados. Uma Perspectiva Brasileira. Rio de Janeiro:
Renovar,2001
 BAENINGER, Rosana.et al (Org). Imigração Haitiana no Brasil. Jundiaí/SP:
Paco Editorial,2016
 BEBIANO, Rui. Nostalgia e imaginação: dois factores dinâmicos num mundo
global. Comunicação apresentada no painel MULTICULTURALISMO,
GLOBALIZAÇÃO, ACTUALIDADE, integrado no programa do XX Encontro de
Filosofia, A Filosofia na Era da Globalização, que ocorreu no Auditório da
Reitoria da Universidade de Coimbra nos dias 23 e 24 de Dezembro de
2006. (N.O.).
 BOSI, Eclea. Memória e Sociedade. São Paulo: T.A Queiroz, 1983

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