Você está na página 1de 58

Experiência religiosa, espiritual

e mística
- A.Ávila (2003) – Para conocer la Psicología de la religión. Estella, Ed. Verbo
Divino.
- M. Argyle (2000) – Psychology and Religion. London/NY, Routledge
- B. Beit-Hallahmi & M. Argyle (2004) – The Psychology of Religious
Behaviour, Belief & Experience. London/NY, Routledge.

25-08-20 Fernando Sampaio 1


Introdução

• O termo “Experiência Religiosa” (ER) foi introduzido na


psicologia por W. James(1902) na sua obra “ Variedades
da experiência religiosa”.
• Estudou a ER a partir da literatura, de relatos de diversas
individualidades.

25-08-20 Fernando Sampaio 2


1 -Compreender a experiência religiosa
a) definição possível
• Vergote (Psicologia da religião,1975) entende que
a ER constitui o primeiro momento da estrutura
religiosa, e consiste num encontro imediato com o
Outro, com o divino.

• Vergote enfatiza este encontro imediato (encontro


que não dá conta necessariamente de uma atitude
religiosa permanente e estável).

25-08-20 Fernando Sampaio 3


1 -Compreender a experiência religiosa
a) definição possível

Para Avila a ER é:
“A experiência imediata e intuitiva de algo ou alguém que me transcende.
Pode ser uma experiência meramente pontual ou uma vivência de fundo,
aparecendo de forma mais ou menos estável ao longo da vida do sujeito”
(Ávila, 2003, p.80).

Esta vivência pode estruturar-se e gerar uma visão global da vida,


organizar-se num conjunto de crenças, gerar atitudes e valores,
expressar-se em ritos … (Religião).

25-08-20 Fernando Sampaio 4


1 -Compreender a experiência religiosa
a) definição possível

Ainda segundo Avila, a ER ao constituir-se num credo,


constitui-se como um sistema de sentido ou significado para a
existência.
A experiência religiosa (constituída em credo) enfatiza uma
unidade íntima com o divino, é marcada por emoções e
sentimentos de medo, temor e tremor, reverência,
dependência, amor, paz, alegria, felicidade…
Dá conta de uma lógia intemporal e de uma realidade
inefável e incogniscível… Quando assim se expressa pela
vivência de alguém pode chamar-se fé.
25-08-20 Fernando Sampaio 5
• Ávila, distinguindo entre religiosidade motivada e religiosidade
de conformismo social, defende que aquilo que torna a ER
fonte de uma religiosidade motivada em oposição à
religiosidade conformista é a sua componente relacional.
Descreve esta componente relacional como uma experiência
de encontro com o Mistério insondável e inefável.

É um encontro entre o finito e o infinito, entre o tempo e a


eternidade, um encontro desnivelado e paradoxal que irrompe
na vida e a transforma, dando-lhe um novo sentido.

25-08-20 Fernando Sampaio 6


1 -Compreender a experiência religiosa
b) Origens da ER

Para Vergote, em sua obra “Religião, fé e descrença”


(1983), a ER pode ter várias origens:
- Experiências procedentes de um conhecimento
intuitivo, estável e habitualmente acessível;
- Vivências, particularmente determinadas
vivências afectivas, que surpreendem o sujeito, o
interpelam e o transformam momentaneamente ou
permanentemente;

25-08-20 Fernando Sampaio 7


1 -Compreender a experiência religiosa
b) Origens da ER

- Conhecimento originado por um contacto pessoal e prolongado;

- Iluminações místicas que acontecem no fim de um processo;

- Visões e revelações privadas.

25-08-20 Fernando Sampaio 8


2 - Características da Experiência Religiosa

Para W James (1902), a ER tem 4 aspectos:

1)inefabilidade- não pode ser expressa em palavras


2)qualidade noética - experienciada como uma fonte autoritativa de
conhecimento
3)transitoriedade - dura um curto espaço de tempo, mas deixa grandes
marcas
4)passividade – o sujeito é controlado/influenciado por outrem, pelo
divino.

25-08-20 Fernando Sampaio 9


2 - Características da Experiência Religiosa

Para Stace (1960) e ER tem 8 características:


1)Produz uma visão unificada – todas as coisas são uma parte do
todo
2)Temporalidade e espacialidade
3)Sentido da realidade - não subjectividade mas uma fonte válida
de conhecimento
4)Produz felicidade, alegria, paz
5)Sentimento de santidade, sagrado, divino
6)Paradoxal, i. e., desafia a lógica, a racionalidade
7)Inefável, não pode ser descrito por palavras
8)Provoca perda de sentido do Self

25-08-20 Fernando Sampaio 10


3 – Dificuldades no estudo da experiência religiosa

- A ER é uma realidade difícil de definir e observar


- Pressupõe a existência de uma realidade transcendente que
não pode ser provada cientificamente

- É identificada por vários autores com projecção de desejos,


fantasias, temores ou expressão de delírios.

Alguns autores, por isso, não olham a natureza da experiência,


mas os resultados da mesma porque são observáveis e
mensuráveis

25-08-20 Fernando Sampaio 11


Crítica – ER e patologia

Pode haver experiências religiosas que em algum momento se


assemelhem a experiências patológicas delirantes, provocando uma
perda do sentido do Self (transe).
Há, por isso, autores que identificam estas ER agudas com delírios

As consequências, porém, são bem diferentes.


- A ER provoca uma resolução transformadora e integradora do
Self e uma adesão à realidade
- o delírio produz uma fuga da realidade e dissociação (divisão
interior) do sujeito. Não tem crítica e o delírio é como uma nova
realidade.

25-08-20 Fernando Sampaio 12


4 - A Experiência Religiosa é uma realidade complexa e
variada. Haverá algo comum a todas as tradições?

• Tendo em conta a diferença entre indivíduos e a diferença


de tradições religiosas, existe uma diversidade de ER.

• Face à diversidade, coloca-se um problema:


- haverá um elemento comum ao sentir religioso?
Este permite fundar as diferenças?
- ou deve-se renunciar à procura desse elemento
comum, dada a grande diversidade do fenómeno
religioso?

25-08-20 Fernando Sampaio 13


a) Elemento comum ou impossibilidade de elemento comum?

- Stace (1960) defendeu que a ER é uma experiência universal e


idêntica em termos fenomenológicos, apesar da diversidade
(um fenómeno religioso único que se expressa de múltiplas
formas)

- Katz (1977) ou J. M. Velasco (1999), pelo contrário, defendem


que as diferenças entre as religiões e os indivíduos são de tal
dimensão que não se pode buscar uma única realidade. A
complexidade do fenómeno religiosos não é redutíveis a um
aspecto único
25-08-20 Fernando Sampaio 14
b) Outros autores desistem do elemento comum e procuram categorias
classificativas para a compreensão da ER.

- transcendência / imanência
Há religiões que acentuam a experiência de contacto com o
transcendente e outras a experiência de unidade –imanente- com o
universo, com todas as coisas;
Ex. de imanência: o budismo enfatiza a experiência mística
imanente (os monges Zen esvaziam a mente e procuram a
fusão com as coisas).
Ex. Transcendência: o cristianismo enfatiza a experiência
de relação com o transcendente.

25-08-20 Fernando Sampaio 15


- Argyle distingue entre ER solitária e ER em Grupo

Solitária - visões místicas ou aparições privadas a uma só


pessoa)
Em grupo (carismáticos).
(M. Argyle (2006)

25-08-20 Fernando Sampaio 16


c) Söderblom (1966) propõe duas categorias:
religiões proféticas / religiões místicas

1º)As religiões proféticas pressupõem uma compreensão paterna


de Deus e postulam dimensões éticas. A divindade
apresenta-se como fonte de força que permite construir a
comunidade e o mundo. A religião é vivida como
chamamento e como missão: judaismo, cristianismo, islão…
(veicula uma visão paterna de Deus)
Segundo esta perspectiva a ER apresenta-se ambígua:
pode ser desejada ou indesejada; o universo pode ser bom e
um lugar de encontro e fraternidade ou então mau (mundo),
conforme a tonalidade da ER.

25-08-20 Fernando Sampaio 17


2º) As religiões místicas caracterizam-se por um
desejo de comunhão com o divino (sentimento oceânico,
paraíso primigénico, regresso ao seio materno): budismo,
Nova Era….
O universo é percebido como uma realidade boa e bela com a
qual o sujeito se sente em comunhão
Aqui aparece uma concepção materna e afectiva de Deus, sendo
acentuados mais os afectos e o desejo do que a razão e a vontade.

Obs: Estas categorias saídas da fenomenologia têm sido assumidas pela


Psicologia da Religião e pela Psicanálise. Põem em relação as
dimensões paterna e materna de Deus.

25-08-20 Fernando Sampaio 18


5 – Alguns contributos mais
para a compreensão da ER

• A. Hardy lançou, em 1969, um anúncio nos jornais


para a recolha de relatos de experiências místicas
ou de poder externo ao Self (divino ou não) que
tivesse influenciado a vida da pessoa.
Conseguiu uma amostra de 7000 relatos, 3000
dos quais foram estudados no Centro Hardy de
Oxford (o centro dedicava-se ao estudo da
Experiência Religiosa)

25-08-20 Fernando Sampaio 19


• Hay (1982), reanalisando a recolha feita por Hardy,
verificou que 31% dos britânicos revelavam ter tido
experiências de poder externo ao Self.

• Desses:
- 17% referiram ter tido a experiências uma ou
duas vezes
- 9% várias vezes.

25-08-20 Fernando Sampaio 20


Partindo das investigações empíricas de Hay e
Heald,
Argyle refere que 48% dos sujeitos inquiridos
revelaram ter tido uma experiência religiosa
designada como “experiência de uma presença ou
de um poder” externo ao sujeito

25-08-20 Fernando Sampaio 21


Essa presença ou poder podia assumir as seguintes
designações:

- consciência da presença de Deus -21, 6%


- “ de ter tido ajuda como resposta à oração -19,8%
- “ de presença-guia não sendo Deus -19, 8%
- “ de uma presença do sagrado na natureza -9,8%
- “ de um padrão de sincronicidade -9,3%
- “ da presença de alguém que morreu -6,3 %
- “ de um presença maléfica (mal) – 4, 6%
- A experiencia de que todas as coisas são uma só
-2,75%

25-08-20 Fernando Sampaio 22


Segundo o mesmo autor, podem ser interpretadas como
experiência religiosa ou assemelhadas as seguintes vivências
psíquicas:

- experiências estéticas (provocadas pela música ou outro


estímulo)
- Experiências da presença ou visão de Jesus, Virgem Maria…
- Experiência de ter nascido de novo (um novo Self)
- Fenómenos paranormais ou psíquicos (déjà vu) relatados
como semelhantes a ER
- Experiências na proximidade da morte
- Experiências provocadas por drogas

25-08-20 Fernando Sampaio 23


O contributo da neurobiologia
• A neurobiologia tem proporcionado novos estudos sobre a
ER, pondo em destaque o funcionamento do lobo cerebral
direito.
• Jaynes (1976) especulou que os antigos teriam um
funcionamento dos dois lobos em separado e que toda a
actividade religiosa –exp místicas, vozes e visões dos
deuses, etc.- estariam centradas no lobo direito e eram
vividas de forma inconsciente, sendo interpretadas como
influência ou acção dos deuses. Tratava-se, na verdade, de
actividade cerebral normal deste hemisfério.

25-08-20 Fernando Sampaio 24


A evolução, ao centrar-se no funcionamento do lobo esquerdo,
ligado à racionalidade, fez quase desaparecer a dupla consciência
e prejudicou o desenvolvimento do hemisfério direito. Actualmente
este está em evolução.
Esta especulação de Jaynes não parece ter fundamento
empírico.
Reduz a ER a uma função neuronal.
Enfatiza, no entanto, a importância da dimensão emocional. O
desenvolvimento harmonioso da pessoa exige que se
desenvolvam todas as dimensões cerebrais.

25-08-20 Fernando Sampaio 25


• A ER é mais do que as emoções, embora estas sejam
importantes na religiosidade.
• A ER põe em jogo o todo da pessoa e não apenas parte.
Implica também a razão e a vontade

25-08-20 Fernando Sampaio 26


Algumas perguntas para reflexão
1. O que entende por experiência religiosa?
2. Quais as características da experiência religiosa?
3. Qual a diferença entre experiência religiosa (mística)
e um delírio?
4. A grande diversidades de religiões e indivíduos leva a
experiências religiosas variadas. Apesar disso será
possível encontrar um elemento comum que
caracterize o fenómeno religioso?

25-08-20 Fernando Sampaio 27


Sobre as experiências místicas

• Os diversos autores identificam ER e experiência mística.


• Ávila distingue as duas para uma melhor compreensão.
Segundo o autor o termo “mística” não é apenas de natureza
religiosa. Tb é usado no conhecimento experimental.
• Ávila usa o termo “experiência mística” (EM) para assinalar o
cume da ER.
• A experi. mística não é algo diferente da ER mas esta em sua
maior intensidade. Podem estar-lhe associadas fenómenos de
êxtase, visões, escuta de vozes, levitações, etc.

25-08-20 Fernando Sampaio 28


• A EM pode ser compreendida como uma experiência interior,
imediata, intensa, temporalmente curta e prazerosa que
produz um sentimento de união (ou relação mais ou menos
intensa) entre o sujeito e o todo, o universo, o absoluto, o
divino.
• Huxley (1982) enfatiza na EM o sentimento de completude e o
sentimento de completa solidariedade entre o sujeito e todos
os homens e/ou todo o universo

25-08-20 Fernando Sampaio 29


• Ávila, referenciando W. James, Maslow e Spinks, aponta 7 características na EM:

- Experiência de comunhão – experiência de revelação,


encontro e união com algo externo a si mesmo (experiência
de plenitude)
- Inefabilidade – surpresa, espanto, reverência –
incomunicável em palavras
- Iluminação – vivências iluminativas, cheias de significado e
importância, produtoras de conhecimento, de valores…

25-08-20 Fernando Sampaio 30


- Valor – Têm valor em si mesmas. Os que as vivem
sentem-se agraciados e experienciam que a vida tem
sentido
- Autoridade – quem as experiencia sente nelas a
existência de uma autoridade indiscutível e absoluta
- Passividade – o sujeito é passivo e receptivo
- Universalidade – Este tipo de experiências não é
exclusivo de ER, mas pode acontecer face a fenómeno
artísticos ou estéticos, filosóficos, políticos, eróticos ….

25-08-20 Fernando Sampaio 31


• Tipos de experiências místicas:

- Os estudiosos da histórias das religiões distinguem: EM de natureza


religiosa e EM de natureza profana

- Zaehner (1978) – refere três tipos de Experiêncas místicas:


+ pan-en-hénica ou EM da natureza
+ monista ou EM de unidade com o absoluto
+ teista ou EM de unidade da alma com Deus.

Stace (1960) – apresenta dois tipos de EM


+ EM extroversiva (experiência da unidade na diversidade;
+ EM introversiva (experiência de unidade desprovida de
conteúdo, experiência do nada)

25-08-20 Fernando Sampaio 32


• Investigação sobre a Experiência Mística :3 metodologias

a)- Perguntas abertas sobre o fenómeno místico . São geradoras de


classificações com critérios variados.

Principais investigadores:

+ M. Laski (1961), novelista, estudou o êxtase numa amostra


de 63 amigos e conhecidos. Apresenta grandes insuficiências
metodológicas.

25-08-20 Fernando Sampaio 33


+ M. Pafford(1973) estudou uma amostra de 200 alunos do
ensino primário e 200 universitários. Apresentou-lhes a
descrição de uma experiência típica tirada de uma poesia de
Wordsworth, pedindo para que descrevessem experiências
parecidas que tivessem tido. Resultados –relataram
experiência parecidas: 40% dos rapazes e 61% das raparigas
do ensino primário; 56% dos universitários e 65% das
universitárias.
+ Outros investigadores: Hood com universitários e
pessoas com compromisso religioso; o Centro Hardy com a
recolha de uma grande volume de relatos de experiências
religiosas (3000); Hay investigação em estudantes.

25-08-20 Fernando Sampaio 34


b)- Investigação através de perguntas fechadas com resposta
sim/não.
Perdem-se aspectos qualitativos –a descrição, p.e.- mas ganha-se em
possibilidade de quantificação, i.é, tratamento estatístico rigoroso.
Podem ser aplicadas em vários contextos, culturas ou épocas permitindo
comparação.

+ Stark (1965) amostra de 3000 pessoas de igrejas em S. Francisco,


Califórnia. Perg: “Alguma vez teve em sua vida adulta o sentimento de
estar na presença de Deus?”
Resultados: 75% - sim.

25-08-20 Fernando Sampaio 35


+ Bourque modificou um pouco a pergunta de Stark e fez
uma investigação longitudinal.
O interessante foi que os resultados se alteravam ao
longo do tempo.
+ Greeley construiu uma outra pergunta, que também foi
estudada em várias grandes amostras.
Nestas os resultados afirmativos (Sim) eram mais baixos.

25-08-20 Fernando Sampaio 36


- c) O terceiro método de investigação consiste na construção de
escalas para medir as experiências místicas: “escalas místicas”.
Dão coerência à investigação e permitem a verificação de
factores.

+ a Escala REEM com 15 ítems– mede episódios de


experiên-cia religiosa – foi construída por Hood e colegas (1970)
a partir da obra “variedades da Experiência religiosa” de
W.James. pretende validar os factores “religião
intrínseca”/”religião extrínseca”.
As pessoas adscritas ao primeiro factor deveriam pontuar mais
alto e as segundas mais baixo.
Foi posteriormente modificada por Rosengrand (1976) e seus
ítems reduzidos para 10.

25-08-20 Fernando Sampaio 37


• + A Escala de misticismo M, com 32 ítems, desenvolvida
também por Hood (1975).
Foi feita expressamente para medir o critério de misticismo
de Stace que diferenciava experiências proféticas e
místicas.
Mede 2 factores:
- factor I: misticismo geral (mede de forma conjunta
o misticismo introversivo e o extroversivo);
- factor II: interpretação religiosa.
Posteriormente Hood e colegas criaram uma nova versão
para medir de forma independente os factores misticismo
introversivo e misticismo extroversivo
25-08-20 Fernando Sampaio 38
Experiência mística e vivência religiosa

• Face a um grande número de pessoas que afirmam ter tido


experiência místicas, Ávila levanta algumas questões:

- Porque é que estas experiências intensas, apesar de


pontuais, não conduzem a atitudes religiosas mais estáveis
em muitos daqueles que as experienciam?
- Quais são as condições que permitem a adopção de atitudes
religiosas mais estáveis?

- Quais são as condições que permitem o desenvolvimento


deste tipo de experiências e quais são aquelas que as
impedem?

25-08-20 Fernando Sampaio 39


• Para Ávila há 4 conjunto de razões pelas quais aquele que vive
uma EM pode ou não desenvolver atitudes religiosas profundas.
Não se pode esquecer que o fenómeno religioso é complexo.

A experiência religiosa profunda e estável está associada a:

1º - um desenvolvimento saudável, harmonioso, afectivo, e


emocionalmente positivo na infância e adolescência. A este
desenvolvimento está associada uma experiência de aceitação e
felicidade; um sentimento de segurança e de amor na infância; um
suporte parental caloroso, suficientemente bom, apto a ser
internalizado como figuras parentais boas e securizantes.

25-08-20 Fernando Sampaio 40


2º - uma capacidade cognitiva suficiente para se abrir à
compreensão do mistério, nomeadamente a capacidade de
compreensão do simbólico
3º - a presença de vontade, i. é, a existência de uma vontade
em estruturar uma forma de ser que responda
adequadamente à experiência tida
4º - que as resistência do sujeito e/ou do contexto social não
sejam suficientemente fortes para obstaculizar a
estruturação da vontade

25-08-20 Fernando Sampaio 41


Etapas do processo místico
• São duas as etapas do processo de transformação da EM em ER, e são
apontadas quer pelas tradições orientais, quer pelas tradições ocidentais:

1º - Etapa activa de purificação: nesta é enfatizada a vontade em retirar tudo o


que é obstáculo no acesso ao mistério, sendo importante trabalhar a postura
do corpo, a pacificação da personalidade (técnicas de respiração, canto e
recitação de orações) e a atenção (fixar um ponto fixo, visual ou auditivo, criar
vazio, meditar textos sagrados, factos da vida). Esta ascética anda associada a
atitudes concretas: de serviço, esmola, altruísmo…

2º - Etapa passiva de iluminação – é a etapa do processo de comunhão com a


Realidade Última, cuja presença transforma e plenifica (dá sentimento de
plenitude).

25-08-20 Fernando Sampaio 42


Desencadeantes de experiências religiosas
Argyle, partindo de investigações empíricas (lista de Greeley), aponta:

- Escutar música - 49% - Estar só na igreja – 30%


- Orar - 48% - Ler um poema ou novela -21%
- Beleza natural, como por do sol - 45% - Nascimento/parto – 20%
- Momentos de reflexão em -
tranquilidade – 42% Fazer sexo – 18%
- - Realizar trabalho criativo próprio –
Atendimento/escuta pelos serviços da 17%
Igreja – 41%
- - Admirar uma pintura – 15%
Escutar um sermão – 40%
- - Exercício físico – 1%
Olhar crianças pequenas – 34%
- - Drogas -0%
Ler a Bíblia – 31%

25-08-20 Fernando Sampaio 43


• A música – aparece no topo da lista. Não é por acaso que a
música sempre esteve associada aos ritos religiosos. Nos
povos primitivos era usada para produzir o transe. Nas
diversas escalas há uma forte correlação entre a música e os
rituais litúrgicos. Possivelmente têm a mesma zona de
influência no cérebro

• Oração e meditação – a oração está presente em todas as


religiões. É comum em muita gente todos os dias.

25-08-20 Fernando Sampaio 44


A meditação é a forma de oração mais relacionada com
a ER e com fortes efeitos benéficos.

As formas de meditação são variadas segundo as


diversas tradições religiosas.

25-08-20 Fernando Sampaio 45


• Acolhimento religiosos e a pregação – é bastante valorizado
na investigação citada. Os rituais frequentemente despertam
emoções. Nos carismáticos as emoções estão na primeira
linha.

• Experiências de imersão na natureza – possivelmente porque


na natureza se experiencia a glorificação de Deus

25-08-20 Fernando Sampaio 46


• Drogas – foram e são usadas para produzir experiências que
alguns traduzem por religiosas ou semelhantes

• Distress – W. James e outros pensaram ser uma das principais


fontes de ER: situações de doença, depressão, tédio…
O que se descobriu é que as conversões acontecem por vezes
nestas situações como forma de superar esses estados.

• Factores de personalidade e de socialização

25-08-20 Fernando Sampaio 47


Os efeitos da experiência religiosa no sujeito
• Refere Argyle que nos diferentes estudos se verificam efeitos imediatos:

- Emoções positivas, felicidade (Pahnke verificou que 6 meses depois da sua


experiência persistiam no seu grupo experimental mudanças positivas em
relação às atitudes face à vida)
- Valores morais e atitudes altruístas (persistiam 6 meses depois)
- Intensificação ou adesão à vivência religiosa – segundo Hay (1982) a ER
confirmou e intensificou as crenças religiosa em 24% da sua amostra.
- Atitudes em relação ao Self – 57% do grupo experimental de Puhnke teve um
aumento significativo na auto-estima
- Saúde – Há estudos científicos que suportam benefícios para a saúde, mas
são necessários mais estudos e com melhor controlo científico

25-08-20 Fernando Sampaio 48


A variedade demográfica na Experiência Religiosa

• Género – Nas investigações verifica-se que a mulher revela ter mais


ER que o homem, sendo estas de uma grande proximidade com Deus,
sobretudo na infância.
• Idade – as crianças pelos 6 anos dão conta de uma experiência de
proximidade com Deus, nomeadamente as meninas em situações
difíceis
• Também há um aumento nos idosos pelos 60 anos.
• Educação – Na Inglaterra as pessoas mais instruídas são mais activas
em alguns aspectos da religião

25-08-20 Fernando Sampaio 49


• Classe social – Os resultados são semelhantes aos da educação
• Membros das igrejas - as ER aparecem em todas as tradições religiosas,
sendo relevante entre os cristãos.
• O mais interessante é que também surgem ER em ateus e agnósticos
“Já alguma vez teve consciência ou foi influenciado por uma presença ou
poder”
- Anglicanos 33%;
- Noncomformists 44%;
- Católicos 41%;
- outros cristãos 68%;
- Judeus 39%;
- Outros não-Cristãos 60%;
- Agnósticos 23%;
- ateus 24%;
- não sabem 23%.

25-08-20 Fernando Sampaio 50


Fenómenos extraordinários
- Êxtase

- É de todos os fenómenos religiosos (não se confunde com a EM) aquele que


mais tem atraído a atenção da psicologia
- Não é exclusivo do campo religioso
- É uma vivência de grande intensidade e pontual de encontro com uma
realidade mais além do Self, que altera a consciência.
- Aí se manifestam dois tipos de fenómenos, podendo estar presente apenas
um:
+ um cognitivo –concentração da atenção num conteúdo até chegar ao
transe;
+ Outro emocional –que leva à exaltação e ao entusiasmo

25-08-20 Fernando Sampaio 51


• Algumas características:

- provoca estados alterado de consciência – desorientação no tempo e


espaço. A realidade objectiva fica em segundo plano

- Revela-se transitório – curta duração (inferior a duas horas, geralmente


meia hora) porque o sujeito não suportaria muito mais tempo a forte emoção
que provoca

- provoca uma espécie de estado de embriaguês

25-08-20 Fernando Sampaio 52


• Estes fenómenos são variados
• acontecem em homens e mulheres,
• em diversas culturas
• e alguns autores distinguem entre experiências positivas e
negativas pelos efeitos que têm nas pessoas, i.é., se concorrem
ou não para a maturação da pessoa, para a integração da
personalidade ou provocam manifestações patológicas.

25-08-20 Fernando Sampaio 53


Critérios de validade
- Integração da personalidade - O medo, a angústia e a
ansiedade suscitadas mobilizam os mecanismos profundos
da personalidade. Se esta se encontra integrada, aqueles
sentimentos e mecanismos não desorganizam o sujeito, mas,
ao revelarem-se resolvidos, surgem manifestações de
pacificação, felicidade e harmonia

25-08-20 Fernando Sampaio 54


• - Comunhão com o mundo – adesão à realidade, às relações
sociais, ao interesse pelos outros em detrimento de si mesmo
-em contraste com a fuga do mundo, com o isolamento.
Na primeira momento pode haver algum isolamento, mas este
tem como fim mergulhar melhor no fenómeno (escutar, ver,
sentir…)

25-08-20 Fernando Sampaio 55


• Modos de acesso ao êxtase

- por via espontânea e qualquer momento da vida, em jovens ou


adultos, de qualquer tradição religiosa ou cultura, crentes ou não

- pode ser provocado


+ privação sensorial (privação do sono, luz, alimentação…)
+ hiper estimulação dos sentidos danças, rituais africanos…)
+ música
+ o controlo da respiração
+ meditação
+ castigos corporais
+ hipnose (auto hipnose)
+ a utilização de drogas naturais ou sintéticas

25-08-20 Fernando Sampaio 56


Para terminar:

Ver em Ávila os fenómenos relacionados com:

- Drogas

- Outros fenómenos extraordinários


+ visões (e isolamento sensorial)
+ Falar em línguas ou glosolalias (enfermidade
mental? Linguagem poética? Expressão de sentimentos?
Contágio afectivo? )

25-08-20 Fernando Sampaio 57


1. Quais as características da experiência mística?
2. Apesar de haver pessoas que dizem ter tido
experiências místicas estas não conduzem a uma
transformação religiosa em suas vidas, mas para
outras são um factor de transformação. Porquê?

25-08-20 Fernando Sampaio 58

Você também pode gostar