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PSI ESPÍRITA

As perdas têm uma trajetória na psique humana, desde


os primórdios da evolução, quando ocorreu a saída do paraíso,
a perda da inocência, ante os gravames das castrações culturais,
religiosas, sociais, que geraram o mascaramento da necessidade
substituída pela dissimulação, dando surgimento aos primeiros
sinais de insegurança e aos registros de criança ferida no indivíduo.

A conscientização da culpa, assim como das necessidades de serem saudáveis, são


sempre retardadas pelos Espíritos
enfermos, que se refugiam nas decantadas fraquezas de que se
dizem possuídos, atribuindo aos lutadores incansáveis forças que
não lhes foram concedidas, como se houvesse privilégio entre
as criaturas, aquelas que desfrutam de benesses imerecidas e
aqueloutras que são as castigadas pela vida, portanto, dignas de
piedade e de amparo.
Todos os indivíduos conduzem no inconsciente individual
a sua criança ferida, magoada, que lhe dificulta a marcha de segurança na busca da paz interior, da saúde e da
vitória sobre as dificuldades.
Essa criança ferida é o ser humano perdido no deserto, ou
na casa, que necessita ser varrida, a fim de retirar as camadas
de ressentimentos que impedem a claridade da razão, do discernimento.

Mediante a reflexão e a psicoterapia equilibrada, a criança


ferida, libera o adulto encarcerado que não se pode desenvolver
e ocorre uma integração entre a sombra e o ego, proporcionando
alegrias inenarráveis ao Self, que aspira à perfeita junção das duas
fissuras da psique.

O número de transtornados psicologicamente é muito


grande, em face da preservação da criança ferida em cada um, dos complexos narcisistas e de
inferioridade, do egoísmo e da presunção que impedem o indivíduo de autorrealizar-se. Sempre está observando
o que não tem, o que ainda não conseguiu, deixando-se afligir pela imaginação atormentada, fora da
realidade objetiva, perdendo-se...
O encontro somente será factível quando se resolver por
autopenetrar-se, por buscar identificar a raiz do drama conflitivo
e encorajar-se a lutar em favor da libertação, regozijando-se com
cada encontro, cada realização dignificante.
Cair em si deve constituir-se o passo inicial a ser dado
por todos os doentes da alma, por aqueles que se comprazem
nos conflitos e que se recusam as bênçãos da saúde real, que
estorcegam no sofrimento optando pela piedade e comiseração
ao invés do apoio do amor e da fraternidade...

A conquista da autoconsciência tem início nesse cair em


si, graças ao sofrimento experimentado, que é o desencadeador
da necessidade de encontro, de autoencontro profundo. O sofri-
mento consciente que faculta reflexões, convida, normalmente,
à mudança de comportamento, porque expressa distonia na
organização física, emocional ou psíquica que necessita de
ajustamento. Essa experiência evolutiva conduz com segurança
ao encontro com o Cristo interno, ajudando-o a ampliar as suas
infinitas possibilidades de crescimento e de libertação.

Um número expressivo de problemas emocionais que


se encontram na criança ferida, que se sente, mesmo na idade
adulta, desamada e injustiçada, pode ser corrigido quando o
sofrimento deixa de ser manifestação de revolta para tornar-se
viagem na direção da autoconsciência, através da qual consegue
compreender as ocorrências humanas sem acusações nem desfor-
ços.
Para que isso ocorra, no entanto, é necessário que cada qual caia em si,
analisando com tranquilidade as suas dificuldades emocionais
e trabalhando-as com dedicação, a fim de serem reformuladas e
revivenciadas.
Mediante a análise de cada sombra dominadora, será projetada a luz do
Self em busca da integração, favorecendo o amadurecimento
emocional do paciente e concedendo-lhe ensejos de recuperação
e de alegria de viver.

Já não lhe será necessário o refúgio infantil da lamentação


nem da acusação, mas a lucidez para compreender o sucedido,

Ninguém pode assumir uma postura madura e equilibrada


sem o contributo da reflexão profunda que lhe permite mergu-
lhar no Si, valorizá-lo e entregar-se com coragem, rastreando
os caminhos percorridos e retificando as anfractuosidades que
ficaram na retaguarda.

A coragem de a u t o d c S C o b r i r - s e , identificando os erros que


se permitiu, e o desejo real por uma nova conduta facultam que
o Self aceite a sombra e integre-a harmoniosamente, facultando-se
a alegria da recuperação.
Há muitos valores morais em jogo na existência e no seu
curso, alguns quando correndo perigo fogem para o deserto ou
perdem-se na sala do próprio lar...
A saúde real consiste no encontro e assimilação desses
bens indispensáveis à paz interior e ao equilíbrio emocional, sem
perdas, nem prejuízos gerados por culpas ora superadas.
Nessa circunstância, a criança ferida que existe em cada
pessoa está renovada, sem cicatrizes nem marcas dos transtornos
passados, vivenciando a individuação.
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Toda ascensão exige sacrifícios. O tombo no rumo do abismo é quase
normal, em face da lei da gravidade moral, enquanto
que a elevação interior, a coragem de descer ao íntimo para
subir ao entendimento, constitui um dos desafios existenciais
mais complexos, em face do hábito resultante da acomodação
em torno do já experienciado, do já conhecido, sem a aspiração
impulsionadora para romper com a rotina e superar o estado de
modorra em que se demora.

A busca do Cristo interior, nesse cometimento assume um


papel de relevante importância, que é o esforço pela conquista
da superconsciência. Quando se consegue essa integração com
o ego, alcança-se a individuação.
O equilíbrio da emoção responde pelo comportamento
enquanto se manifestam os fenômenos das alterações celulares,
das transformações que se operam em quase todos os órgãos
como resultado do seu funcionamento, das agressões internas e
externas, sem que afetem o bem-estar geral que deve ser mantido.

Normalmente as criaturas queixam-se das cruzes que


carregam e as fazem sofrer, parecendo-lhes injusto ter que as
conduzir com dificuldades, vivendo em situações difíceis e ás-
peras. De alguma forma, o conceito e peso da cruz estão muito
vinculados ao complexo da infância que se encarregou de dar a
visão do mundo. De acordo com a educação recebida a criança
passa a ter conceitos da existência que são herdados dos pais.
Por essa razão, para alguns, o que constitui fardo, para outros
é aprendizado valioso.

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Desse modo, os desafios da sombra
Rejeitar ou ignorar a sombra é candidatar-se a conflitos
merecem observação
contínuos que poderiam ser evitados, caso se reconhecesse a
carinhosa a fim de conseguir-se a sua
ocorrência desse fenômeno próprio do ser humano. Ela faz parte do
integração no Self, não mais
ser, de igual forma como o ego, o Self e todos os demais arquétipos,
separando o indivíduo do ser divino que
que são as heranças do largo trânsito da evolução.
ele carrega no íntimo.
O conceito de culpa seria examinado sem castrações,
demonstrando que é perfeitamente normal a sua presença, resul-
tado inevitável do cair em si após comportamentos irregulares,
aceitando-a e liberando-a por intermédio da reabilitação, do
processo de recomposição dos danos que foram causados pela
presunção ou pela ignorância.

Quando há uma preocupação real pelo autoconhecimento, interpretando as ocorrências normais como necessárias ao
processo da evolução, a saúde integral passa a fazer parte do
calendário emocional daquele que assim procede.
Esse processo impõe o impositivo da ligação com a alma, o
que equivale dizer, uma constante vigilância com o ser profundo,
o ser espiritual que se é e não pela aparência de que se veste para
a caminhada terrestre.

O indivíduo não é o que tem ou que pensa administrar,


mas são os seus valores espirituais, a sua capacidade de amar,
os tesouros inalienáveis da bondade, da compaixão, do sentido
existencial.
No sentido inverso, quando a criança é estigmatizada,
punida, justa ou injustamente, embora nunca seja crível uma
punição infantil denominada justa, ela absorve as informações
e castigos, passando a não acreditar em seus valores, não experimentando estímulo para avançar, crescer e
prosseguir, porque mortalmente ferida, carrega a marca, tornando-se rebelde, cruel,
cínica, destituída de sentimentos bons, que estão asfixiados sob
o lixo da perversidade dos pais ou dos adultos que a insultaram,
mesnoprezaram, condenaram-na...

O ser é, portanto, a grande proposta da psicologia, no


sentido profundo ainda do vir-a-ser, conscientizando-se das
incomparáveis possibilidades que se lhe encontram adormeci-
das e que devem ser despertadas pelo amor, pela educação, pela
convivência social, a fim de que atinja a individuação.

EM BUSCA DA VERDADE – JOANNA DE ÂNGELIS

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