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FLAMINGO
Estas pedras
Sotaque da terra
Junho 1986
e choro
com as pedras
a demora de subirem ao sol
COUTO, Mia, RAIZ DE ORVALHO E OUTROS POEMAS, 3° edição, Editorial Caminho, AS, Lisboa – 1999.
1.CONTEXTUALIZAÇÃO
1.1.MOÇAMBIQUE
Moçambique foi colônia de Portugal. Consegue sua Independência em 1975,
após vários anos de luta, liderada pela Frente de Libertação de Moçambique
( FRELIMO) , de inspiração marxista. Seu líder, Samora Machel, assumiu o
governo após conseguida a Independência e permaneceu nele até sua morte em
1986.
“Acho que a Frelimo passou a ter um discurso falseado, mascarado, com objetivos
ainda socialistas quando eles todos já se tinham convertido em empresários de
sucesso.”... “ Os modelos de governação que foram instalados, quer fossem primeiro
socialistas quer fossem depois capitalistas eram deslocados de nós, não despertavam
aquilo que era a cultura mais profunda, que era a alma mais funda deste país.
(http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/1393,1.shl).
(Mia Couto no Contexto da Literatura Pós-colonial de Moçambique)
E a crítica política de Mia Couto passa a enfatizar e denunciar tanto “os
de fora”, como “os de dentro”. Diz ele:
(
http://html.editorial-caminho.pt/show_recorte__q1area_--_3Dcatalogo__--_3D_obj_--65953__q236__q30__q41__
q5.htm
)
” A escravatura e o colonialismo foram praticados não apenas por mão de fora:
houve conivência ativa de elites da África. Essa mesma conivência está prosseguindo
hoje na dilapidação dos recursos em benefício das grandes companhias
multinacionais. A visão vitimista só serve às atuais elites corruptas.” ... “ houve uma
partilha, cumplicidade numa base de negócios. “
(http://www.macua.org/miacouto/MiaCouto_Amecom2003.htm)
“Assumir a condição de sujeito histórico: esse era maior e mais instigante
desafio da Independência Nacional. ...
Mas a primeira grande questão seria como é que Moçambique está
cooperando consigo mesmo? Como é que se promove o desenvolvimento a partir
de dentro? Este debate tem que ser conduzido dentro de África. Ele já está
nascendo com a emergência de jovens que não se satisfazem com o discurso
saturado da culpabilização dos outros sempre que analisa a situação interna do
continente. O maior desastre de África não é ser pobre mas ter sido empobrecida
pela aliança entre a mão exploradora de fora e a mão conivente de dentro.
(http://www.swissinfo.org/por/swissinfo.html/siteSect=43&sid=5895454)
“Acho que não separei as duas coisas (política e literatura). Não havia sequer
essa preocupação em nós. O nascimento de uma literatura nacional é
contemporâneo do nascimento da própria nacionalidade.” ... Nós acreditávamos
nisso porque eu sou mais velho que o meu país. É uma circunstância histórica
realmente singular. Eu assisti o parto da própria nação a que pertenço e também
fiz poesia panfletária. Confesso que fiz poesia panfletária, e fiz poesia a serviço
do país, fiz a letra do hino deste país.”
(http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/1393,1.shl).
“ O que nós queremos estar a dizer ao mundo é: “olha, nós não temos medo de
não ter identidade. Nossa identidade não sabemos qual é. É uma identidade em
viagem. É uma identidade de descoberta cíclica.” “ Moçambique é feito de
diversidades profundas”
( Inocência Mata, da Universidade de Lisboa- O pós-colonoal nas literaturas africanas de língua portuguesa )
“São os africanos que têm que trabalhar sua própria idéia de si próprios, não
transferir deles para os outros ...
... Moçambique resolveu de maneira cirúrgica o problema da memória da guerra.
Nós tivemos uma guerra traumática de 16 anos, um milhão de mortos, e se tu fores a
Moçambique hoje, ninguém fala mais nisso, não existiu, como se houvesse um
apagamento, quer dizer, uma esponja que passou.
Acho que a literatura moçambicana está fazendo isso, está mostrando a História
através das pequenas histórias, criando um sentimento de que essa história é bonita,
que vale a pena ter essa história, mesmo que não seja muito verdadeira – nenhum
país tem uma história completamente verdadeira. Nós
[ escritores moçambicanos] estamos criando aquilo que são os mitos fundadores na
nação.” “O escritor é um construtor de mundos inventados.”
( Entrevista de Mia Couto, por Fábio Salem, Nivaldo Sousa, Rodrigo Antônio Turrer e Thais Arbex Pinhata )
2.2. ORALIDADE
Em Moçambique, a oralidade é marcante. De geração a geração transmitem-se,
oralmente, as estórias, as crenças e os saberes. Diz-se mesmo que “Cada velho que
morre é uma biblioteca que arde”. “No plano da oralidade ordena-se um mundo de
forças e espíritos que fluem entre o passado e o presente. E o por vir”
“Mas qualquer que seja a idéia que temos de lusofonia deve ser inventada, tem que ser
construída a partir de laços que já existem.
Meu país não é um país lusófono, a maior parte dos moçambicanos não fala português.
A questão é essa, para se ter um país com nome, bandeira, símbolos, etc., de maneira
moderna, não vejo muito a hipótese desses governos respeitarem um processo de
aceitação da diversidade. Teria que haver um Estado com a capacidade de criar, de
acarinhar as línguas dos nativos de Moçambique, sabendo que são mais de 20. Isto é
muito complexo.
(Entrevista de Mia Couto, autor de “O Último Vôo do Flamingo”, por Fábio Aslem, Nivaldo Souza, Rodrigo Antônio,
Rodrigo Turrer e Thais Arbex Pinhata).
Venho brincar aqui, no português, a língua. Não aquela
que os outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá
gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos,
ficarmos mais Moçambique. A língua que eu quero é essa que
perde a função e se torna carícia. O que me apronta é o simples
gosto da palavra, o mesmo que a asa sente quando voa. Meu
desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas
dimensões da Vida. E quantas são? Se a vida tem, é idimensões?
(http://www.iilp-cplp.cv)
inventiva poética da sua escrita...”’
(http://geocities.yahoo.com.br/poesiaeterna/poetas/mocambique/miacouto.html )
3.O AUTOR
3.1.Dados biográficos
Mia Couto (Antônio Emílio Leite Couto) ( Beira,1955) é descendente de portugueses.
Seus primeiros poemas são publicados no jornal de Beira, quando ele tinha catorze
anos. Já vimos que foi militante da FRELIMO nas lutas pela Independência. Produz
uma literatura engajada, política. É formado em Biologia.
“Sou um tradutor de mundos não por mérito mas por um acaso da história da minha
família. Descendo de europeus e nasci, cresci e sempre vivi em África. Em casa e na
escola tive aprendizagens em função da cultura dos meus pais. Na rua e na vida,
porém, assimilei lógicas bem diversas. Essa diversidade me enriqueceu.
A escrita acontece, acontece-me e eu vou acontecendo nela. Na dispersão das coisas
que sou e faço – dou aulas em duas Faculdades, uma de Medicina, outra de
Arquitetura, sou biólogo e trabalho em consultorias e faço pesquisa nas zonas rurais,
pertenço a um grupo profissional de teatro de Maputo, mantenho colaboração com
diversas revistas e jornais – na dispersão de tudo isso creio necessitar de manter uma
espécie de âncora.
(<O Último Vôo do Flamingo> - “Sou um poeta que conta estórias” – Mia Couto)
“ Eu tenho tantas profissões porque não quero ter nenhuma. É uma estratégia
de não ser coisa nenhuma. Porque a partir do momento que eu me entendo a
mim mesmo como sendo biólogo ou sendo escritor ou sendo jornalista ou sendo
outra coisa qualquer, eu acho que fecho algumas janelas para o mundo... Acho
que é um empobrecimento.”
(http://www.editorial-caminho.pt/produto.asp?Produto=1288)
3.2 CURIOSIDADE
Certa vez, numa delegação do Samora Machel, que foi daqui visitar Fidel
Castro, eu fui o único homem na vida a quem Fidel Castro deu saias e colares e
brincos, pensando que eu era mulher. Essas questões de identidade me divertem
muito, quer seja do sexo, quer seja da raça. Eu não tenho raça. Minha raça sou
eu mesmo.
(http://www.editorial-caminho.pt/produto.asp?Produto=1288)
(http://www.instituto-camoes.pt/arquivos/literatura/voomiacouto.html )
5. SENTIDO DA OBRA DE MIA COUTO
Mia Couto é considerado, hoje, um dos principais autores das literaturas em
Língua Portuguesa. Além, de sua incrível criatividade ficcional e poética, tem
um trabalho originalíssimo com a língua, criando palavras, modos de dizer,
formas novas de construção, com o que sua linguagem literária ganha inédita
expressivida. Em tudo, porém, está presente Moçambique, com suas crenças,
seus problemas, sua poesia, sua magia.
Segundo ele (Mia Couto), toda a sua obra busca a identidade étnica,
lingüística, cultural do povo Moçambicano.
(http://www.facasper.com.br/vestibular/notas .php?id_nota=162)
Quanto à identidade nacional moçambicana, ele afirma:
(
http://html.editorial-caminho.pt/show_recorte__q1area_--_3Dcatalogo__--_3D_obj_--_3D65953__q236__q30__q
41__q5.htm
)
... continente africano que escapa da perspectiva do exotismo e do folclórico.
A aprendizagem nossa deveria ser que a identidade é sempre plural e sempre
mutável. Ninguém é senão aquilo que vai fazendo, nós somos produtos da nossa
própria história, muito mais que o resultado de um pacote de genes.
A mulatização cultural é também um destino a que não poderemos fugir. O
que hoje chamamos de globalização como tendência uniformizadora não é mais
forte do que a necessidade de trocar, comerciar identidades e mestiçar
influências.
(
http://html.editorial-caminho.pt/show_recorte__q1area_--_3Dcatalogo__--_3D_obj_--_3D65953__q236__
q30__q41__q5.htm
)
Seu engajamento é com a cultura do sudeste africano e com a divulgação da
luta do povo moçambicano pela sobrevivência e na construção de uma nação. É
também uma denúncia, como quando fala o personagem Tuahir: “Foi o que fez
esta guerra: agora todos estamos sozinhos, mortos e vivos. Agora já não há país.”
“ – O que andas a fazer com um caderno, escreves o quê?/ - Nem sei, pai. Escrevo
conforme vou sonhando./ - E alguém vai ler isso?/ - Talvez./ - É bom assim:
ensinar alguém a sonhar.”
(Comentário sobre o livro Terra Sonâmbula de Mia Couto, por Viegas Fernandes da Costa)
Não abandono o sentido ético da escrita e a minha vida inteira como cidadão é
uma aposta para mudar algo na ordem do mundo. Para que ele se torne mais nosso
e mais mundo.
Essa é uma das intenções da minha escrita: ser janela para uma outra lógica.
O Último Vôo do Flamingo> - “Sou um poeta que conta estórias” – Mia Couto)
Tentar fazer com que esse meu lado de infância, de perceber que o mundo
não está feito, esse flagrante da língua que está em construção, como se ela
não estivesse feita, como se eu estivesse chegando como um ser
completamente ingênuo, visitando a vida pela primeira vez. Mostrar ao
mundo, às pessoas, isso que me faz ser feliz. Depois se isso resulta em escrita
ou não, já é uma coisa a se perguntar.
... é uma palavra mais do inventada, é uma palavra descoberta, como se
houvesse um véu que está sendo retirado.
(
http://html.editorial-caminho.pt/show_recorte__q1area_--_3Dcatalogo__--_3D_obj_--_3D65953__q236__q30__q
41__q5.htm
)
O próprio Mia Couto confessa:
Sou mais marcado pela poesia, ainda hoje, penso-me poeta enquanto escrevo em
prosa, contando história.
6. CONJUNTO DA OBRA
Raiz de Orvalho ( poemas) – (1983, 3 ed. Em 1999)
Vozes Anoitecidas – (1986; 8ª ed. em 2006. Grande Prêmio da Ficção
Narrativa em 1990)
Cada Homem é uma Raça - (1ª ed. da Caminho em 1990; 9ª ed., 2005)
Cronicando - (1988; 7ª ed. em 2003. Prêmio Nacional de Jornalismo Aerosa
Pena, em 1989)
Terra Sonâmbula (romance) - (1992; 8ª ed. em 2004. Prémio Nacional de
Ficção da AEMO em 1995; considerado por um juri na Feira Internacional do
Zimbabwe, um dos doze melhores livros africanos do século XX)
Estórias Abensonhadas - ( 1994; 7ª ed. em 2003)
A Varanda do Frangipani (romance - (1996; 7ª ed. em 2003)
Contos do Nascer da Terra - ( 1997; 5ª ed. em 2002)
Mar Me Quer - ( 1998, como contribuição para o pavilhão de Moçambique na
Exposição Mundial EXPO 98 em Lisboa; 8ª ed. em 2004)
Vinte e Zinco (romance) - (1999; 2ª ed. em 2004)
O Gato e o Escuro - com ilustrações de Danuta Woiciechowska (2001; 2ª ed.
em 2003)
Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra - (2002; 3ª ed. em 2004;
rodado em filme pelo português José Carlos Oliveira.
Na Berma de Nenhuma Estrada e outros contos - (1999; 3ª ed. em 2003)
O ÚLTIMO VOO DO FLAMINGO (romance) - (2000; 4ª ed. em 2004.
Prémio Mário António de Ficção – Fundação Calouste Gulbenkian, 2001)
O Fio das Missangas - (2003; 4ª ed. em 2004)
O País do Queixa Andar - (2003)
A Chuva Pasmada - com ilustrações de Danuta Wojciechowska (2004)
Pensatempos. Textos de Opinião - (1ª e 2ª ed. 2005)
O Outro Pé da Sereia - (2006)
OBRIGADO!