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INTERDISCIPLINARIDADE:

PRIMEIRAS DISCUSSÕES
Em direção ao mundo da vida: Interdisciplinaridade e
Educação Ambiental - Isabel Carvalho (1998)

Profa Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto/UFSB


SOBRE HARÉNS E TANACOD
 Sociedade ocidental “desaprendeu” a lidar com as
contradições desde o advento da ciência moderna (para
tudo há uma resposta)
 Na atualidade, vivemos muitos fenômenos de graves
consequências, para os quais encontramos respostas
parciais e, por vezes, contraditórias.
 Ciência moderna: busca simplificar e fragmentar a
complexidade dos fenômenos para tentar compreendê-
los.
 Generaliza-se o “modo correto” de pensar, excluindo
outras formas de ver e conhecer o mundo.
 Pensamento dualista e excludente – ansiedade moderna.
A TRAMA DA VIDA E OS FIOS SOLTOS
DO CONHECIMENTO
 Complexidade do mundo vivido: novelo

 Disciplinas: fios individualizados

 Ao puxar um único fio isoladamente perde-se a noção de


conjunto

 Desencanto da educação – respostas feitas para calar


perguntas
O QUE É INTERDISCIPLINARIDADE?
 Maneira de organizar e produzir conhecimento,
buscando integrar diferentes dimensões dos fenômenos
estudados

 Busca superar a fragmentação do conhecimento em


direção a sua complexidade (interdependência dos
fenômenos)

 Gerando uma nova postura diante do ato de conhecer


 Mudança nos modos de ensinar e aprender

 Reestruturação das instituições de ensino: currículos,


temas, metodologias, equipes docentes, etc.

 Origem da ideia de interdisciplinaridade: crítica a


racionalidade moderna – início do sec XV até os dias de
hoje - (especialização do conhecimento)
A INTERDISCIPLINARIDADE NASCE
COM A CRISE DE UM MODO DE
CONHECER
 Racionalidade instrumental moderna: lugar de poder do
ser humano em relação a natureza

 Polaridades:
• Humano X Natureza;
• Cultura X Biologia;
• Sujeito que conhece X Objeto do conhecimento

 Mundo transformado em objeto é fragmentado em


disciplinas (reducionismo) – ganhou-se em detalhe, mas
perdeu-se a totalidade (complexidade)
MAS ISSO NEM SEMPRE FOI ASSIM
 Essa visão fragmentada do mundo é acompanhada de
transformações sociais e culturais

 Cristianismo – Idade média (séc V a XV)

 Há outras formas de ver o mundo, ex:

• Povos indígenas – visão mítica do Universo

• Grécia Antiga - PHYSIS


PHYSIS

 Natureza de todas as coisas que nascem e se


desenvolvem por si mesmas, sem a assistência humana

 Há no Universo uma ordem anterior às decisões


humanas que rege a tudo – inclusive as pessoas

 Mundo perene no tempo, imortal – aonde se dá a


existência mortal humana
MODERNIDADE E A NATUREZA: PHYSIS SILENCIADA

 Ao fragmentar o mundo a modernidade silencia a Physis


(totalidade) – mudança radical da visão de mundo
 Modernidade = desencantamento do mundo (fim das
forças cósmicas e dos Deuses)
 Modernidade = tudo é perecível
 Humanos modernos tendem a se pensar como como
fonte de suas próprias leis, como autores da ordem do
Universo
 Ao invés da contemplação filosófica, a ciência moderna
busca respostas práticas nos experimentos da Natureza
(pragmatismo)
A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E A
MUDANÇA DE ATITUDE ANTE A
NATUREZA
 Antigamente o conhecimento buscava a sabedoria por
meio da compreensão da ordem da natureza para viver
de acordo com ela

 A ciência moderna busca conhecer para controlar e


intervir nos processos naturais

 Francis Bacon – séc XVI – método experimental –


conhecimento é medido em termos da capacidade de
dominação da natureza – para submetê-la aos desejos
humanos
 Esses são os fundamentos da “revolução científica”

 Descartes (séc XVII): Universo-máquina (mecanicismo;


leis mecânicas regem o funcionamento do Universo)

• É preciso saber como cada parte funciona para


compreendê-lo
 Drástica mudança na visão de mundo:

1. Natureza como uma totalidade que rege a vida das


pessoas;

• atitude de maior reverência ao funcionamento da


Natureza – “freio cultural” às intervenções humanas
2. Natureza fragmentada que deve ser dominada.

• Natureza com objeto de conhecimento da ciência, um


campo de intervenções para descobertas científicas e
inovações tecnológicas

 Origem de graves dilemas éticos: vivemos uma


sociedade de alto risco (profundos impactos na biosfera
= riscos ecológicos e sociais)
A MÁQUINA NÃO É O ESPELHO DA VIDA
 Consequências da fragmentação do conhecimento.
• Ex: Saúde – peregrinação por especialistas; problemas
socioambientais

 Medidas setoriais isoladas (fragmentadas) não alcançam


soluções adequadas, no que se refere ao bem estar
individual e coletivo

 “Euforia antropocêntrica e tecnocrática” (Nancy


Magabeira)

 A natureza pode ser sempre reordenada, recriada


UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL

 Ciência moderna: visão instrumental e objetifiadora

 Necessidade de profunda mudança na forma de conhecer

 Trocar certezas por perplexidades (incertezas,


contradições)

 Precariedade do olhar especializado; retomar a


complexidade dos fenômenos
O PENSAMENTO CIENTÍFICO E A
ECOLOGIA, UMA CIÊNCIA DAS
RELAÇÕES
 Conhecimento-ponte (das interrelações)

 Ecologia: ciências das relações dos organismos com o


mundo exterior

 Relações ecossistêmicas e também sociais

 Não há crise no uso da natureza que não seja crise no modo


de vida do ser humano

 Crítica aos valores da sociedade de consumo e ao


industrialismo
MUDANDO AS LENTES: REPENSANDO AS RELAÇÕES
ENTRE SOCIEDADE, NATUREZA E CULTURA

Nasce uma questão: a abordagem socioambiental

 Olhar ecológico – compreensão das interrelções entre os


seres vivos e o meio circundante, podendo incluir os
seres humanos
• ajuda a evidenciar a relação entre os processos de
degradação ambiental e modos sociais de uso dos
recursos naturais
 Problemática socioambiental: coloca a ação humana e a
história no foco do processo de conhecimento [da
realidade]
 Problemas ambientais: expressão econômica do
capitalismo industrial
 Riscos ambientais: afetam a vida da população –
expressão social do atual modelo de desenvolvimento
 Questiona o “futuro dos valores sociais” e aponta para a
necessidade de reorientação dos modos de produzir
conhecimento e de relacionamento com a natureza
 Problemas ambientais: apontam para as desigualdades
sociais – acesso aos recursos naturais e ambiente
saudável
 Ex: Lutas de comunidades por saneamento, remoção de
depósitos de lixo em áreas com alta densidade
populacional, despoluição de mananciais
- reibeirinhos de Tefé (AM) – classificaram e definiram
diferentes graus de uso dos lagos e lutam pela
democratização do acesso a água
-Seringueiros – luta pelos rios e pela floresta em pé
- Quebradeiras de coco de babaçu
- RESEX
- Fundos de Pasto (NE) e Faxinais (Sul) – uso coletivo das
terras
 Escala Global: distribuição desigual de benefícios e
prejuízos às sociedades e atores sociais
 Países mais poluidores: tem mais dinheiro e mais força
política para influenciar decisões – adiamento na
conversão do modelo econômico e tecnológico
(tecnologias mais limpas)
 Necessidade de transformar a lógica que produz
situações de risco socioambiental  nova forma de
produzir novo conhecimento e novo pacto social 
reconhecimento da vida e do meio ambiente como
direito de todos
 Para isso: superar a visão especializada e fragmentada da
realidade, passando a uma visão complexa das relações
entre processos econômicos, políticos, históricos e
geográficos
 O que requer:

• humildade para abandonar a lógica de acumulação


econômica, que é a definidora das formas de apropriação
dos RN
• adoção de valores éticos e solidários [voltados ao bem
estar comum], na base das relações sociais e da relação
sociedade/natureza
 Portanto, é preciso ver o mundo de um outro lugar; a
interdisciplinaridade é um desses lugares
 Ela requer:

• Sintonia com o mundo da vida (olhar da complexidade)

• Destruir, certo senso comum, que opõe natureza e cultura


(ordem humana)
 O que fazer?

• Desconfiar da “verdade absoluta” dos fatos, buscando a


complexidade de suas interrelações
• Para assim buscar novas hipóteses na busca por novas
soluções
 Natureza e Cultura se afetam mutuamente:
• Paisagens naturais condicionam hábitos e inspiram o
imaginário dos povos
• Ação dos povos cria novas paisagens
INTERDISCIPLINARIDADE: UM NOVA
POSTURA
 Sensibilidade para suspeitar do óbvio;
 Transitar entre as formas de conhecer;

 Sair dos lugares habituais que se pretendem universais;

 Romper com olhar unificador/caminho único;

 Disponibilidade de deixar o porto seguro das certezas e


conviver com as diferenças e pontos de vistas.
 Lição da ecologia: somos apenas parte de uma grande
teia, feita de entrelaçamentos de paisagens e vidas,
relevos e emoções, geografias e histórias, biologias e
arquiteturas
 Nos habituamos a pensar nossa realidade imediata,
nossos valores, como sendo o retrato acabado do mundo

 Roteiros I, II e III
De volta a estação cultura

 Seres humanos são seres de curta duração habitantes do


corpo vivo do planeta
 Principal característica humana: capacidade de produzir
cultura
 Diferenças culturais: perceber que nossos pontos de
vista, modos de viver e marcação do tempo, por
exemplo, são diferentes
 Costumamos achar o nosso modo de viver e pensar como
o ‘correto’
 Também temos a capacidade de “voar”

 Faz parte da experiência humana confrontar-se com


outros lugares, outros tempos, e com isso ser
surpreendidos constantemente pela diferença cultural
 Nossos pontos de vista, nosso modo de viver e até
mesmo nosso tempo não são os únicos que existem
 “Viajantes” nesse planeta tão rico em culturas e natureza,
sem parar de descobrir diferenças e mais diferenças...
EA: VALORES PARA UMA NOVA
CULTURA
 EA - associada à formação de valores e atitudes sensíveis
à diversidade, à complexidade do mundo da vida e,
sobretudo, a um sentimento de solidariedade diante dos
outros e da natureza;

 EA  Interdisciplinaridade
 - nascem da mesma perplexidade e receptividade diante do
mundo da vida;
 compartilham a experiência de desconforto diante das
posturas fechadas que estão na base de muitas atitudes
humanas de dominação, intolerância e preconceito.
 EA - surge no âmago do debate cultural e político sobre
o meio ambiente
 EA - herdeira dos dilemas políticos contemporâneos e
filha direta do debate ecológico
 EA – se opõe a ‘educação bancária’, que não faz relação
com a vida das pessoas
 Década de 1980 – consolidação das lutas ecológicas e a
emergência da problemática ambiental como uma
questão visível para toda a sociedade
 EA – formação de atitude ética e política  construção
de nova cultura  VALORES
SOCIEDADE E NATUREZA: TECENDO
RELAÇÕES
 EA - educação dos afetos (forma pessoas amorosas e
sensíveis à natureza) + educação para a cidadania (forma
sujeitos atentos aos problemas socioambientais e capazes
de interferir nas decisões da sociedade)
 formar cidadãosamorosamente engajados na
transformação das relações da sociedade com a natureza.
 Meio ambiente = lugar do encontro entre a natureza e as
relações sociais e históricas
 Perceber os problemas ambientais tendo como ponto de
partida os processos sociais e naturais que os produzem é
um dos principais objetivos de uma educação ambiental
interdisciplinar
 Relacionar os problemas percebidos na vida diária das
pessoas com o que se passa na cidade, no país
 O âmbito da ação do educador pode ser local, mas o
importante é ter uma visão global dos problemas
HISTÓRIA: UMA DAS FONTES VITAIS
DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
 EA - nunca deixar de ver a que tempo histórico e espaço
social ela pertence.

 Ou seja,
 Recuperar a história natural e social do lugar onde atua o
educador e onde vivem os educandos, escutar histórias dos
envolvidos pelos problemas ambientais do local, pesquisar os
modos de vida que convivem (em paz ou em conflito) na
região, observar as alterações ambientais, econômicas, sociais
e culturais que afetaram a vida naquele lugar, tudo isso é
praticar uma educação ambiental atenta à complexidade
das relações entre a sociedade e o meio ambiente.
A MEMÓRIA DO MEIO AMBIENTE
 Relação entre EA e a história do lugar:
 de repente a água potável mudou de cor e de odor, e as
crianças na escola queixavam-se de problemas
respiratórios;
 contaminação da água por metais pesados, mas a
presença de resíduos tóxicos não podia ser atribuída a
nenhuma atividade existente ali;
 descobriram algo que estava na memória coletiva, mas
era evitado pela população, ou seja, um fato que se tinha
transformado numa lembrança proibida;
 A cidade abrigara, durante a Segunda Guerra Mundial,
uma grande fábrica de armamentos;
 Essa fábrica funcionava como campo de trabalhos
forçados, operando em condições subumanas, com uma
mão-de-obra recrutada em áreas de ocupação nazista,
formada sobretudo pela população judaica e por
opositores do regime;
 “Esquecimento”

 Causa da contaminação da água: ersíduos tóxicos da


indústria bélica;
 A natureza é histórica porque guarda as marcas do que
acontece, às vezes com mais exatidão do que a memória
humana;

 O meio ambiente é um retrato, para aqueles que sabem


ver, das interações, das ações, dos estilos de vida e dos
valores empreendidos historicamente pelas sociedades
humanas.
UMA VISÃO INTERDISCIPLINAR DA REALIDADE:
DIAGNÓSTICOS SOCIOAMBIENTAIS
 “Ler” o meio ambiente é apreender um conjunto de relações
sociais e de processos naturais, captando as dinâmicas de
interação entre as dimensões culturais, sociais e naturais, na
configuração de uma dada realidade socioambiental;

 Estes diagnósticos devem ser vistos como pontos de partida


para a elaboração de atividades que podem estimular os
grupos a perceberem as relações socioambientais que
constituem uma certa realidade.

 As formas de fazer diagnósticos são variadas e devem ser


enriquecidas e adaptadas

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