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ANEMIA FERROPRIVA

Ana Maria Rocha Oliveira


Médica pediatra – CSB 8

Hospital Regional da Asa Sul/SES/DF


www.paulomargotto.com.br
Brasília, 6 de setembro de 2011
METABOLISMO DO FERRO
• Os sais minerais são fundamentais para o metabolismo
humano, desempenhando funções essenciais para a vida.
• Podem ser classificados em:
Macroelementos: Ca, Cl, Mg, P, Na, entre outros.
Oligoelementos: cobalto, iodo, flúor, cromo, selênio,
ferro, entre outros.
• O ferro é um dos oligoelementos mais importantes,
desempenhando funções metabólicas e oxidativas.
• O conteúdo corpóreo de ferro é de 3 a 5g, sendo que 70-
80% está presente na hemoglobina e 20-30% encontra-se
armazenado, sob a forma de ferritina e hemossiderina, no
fígado, baço e medula óssea.
ABSORÇÃO DO FERRO

• Ocorre no duodeno.
• Depende:
1. Da natureza do complexo de ferro presente no lúmen
intestinal.
2. Da presença de fatores favorecedores ou inibidores da
dieta.
3. Da condição fisiológica do indivíduo ( criança com 12
meses tem absorção 4 vezes maior do que em outros grupos
etários).
4. Da condição das reservas do organismo: quando baixas,
ocorre aumento considerável da sua absorção e, quando há
excesso de ferro, ocorre inibição da absorção.
Tipos e fontes de ferro dietético, fatores
facilitadores e inibidores da absorção
Fontes
Tipos de ferro Fatores da dieta
alimentares
Ferro heme: ligado ao heme e deriva Carne, peixes, aves, miúdos e Não existe interferência.
da hemoglobina, mioglobina e outras embutidos.
heme proteínas;presente em alimentos
de origem animal.Tem elevada
absorção (alta biodisponibilidade ) .

Ferro não-heme : presente Cereais ( aveia, trigo, milho, Facilitadores: ácido ascórbico ( vit C ),
principalmente em alimentos de origem arroz ) carnes em geral. Essas além de serem
vegetal. Encontra-se sob a forma de Leguminosas ( feijões, soja ) fontes de ferro-heme promovem
complexo férrico que, durante a Tubérculos ( batata, cará ) absorção de ferro não-heme do “pool”
digestão, é parcialmente reduzido pela comum da dieta.
digestão ácida à forma ferrosa , que é *Tipo de carne
mais facilmente absorvida. *Preparo da carne
Inibidores: fitatos, fibras, fosfatos,
carbonatos, taninos ( chás, café e
alguns refrigerantes), fosfoproteína
( ovo ), cálcio ( leite ) .
O ferro e o desenvolvimento
neurológico
A fase rápida do crescimento cerebral
ocorre nos dois primeiros anos de vida. Desta
forma, entre a 20ª semana de gestação e os 24
meses de vida, as membranas do sistema
nervoso central são mais permeáveis ao ferro,
sendo, portanto, o período mais crítico para a sua
utilização.A falta desse elemento entre os 9 e
os 12 meses, foi associada com escores baixos de
QI, em crianças com 5 anos de vida.
Composição da hemoglobina

A hemoglobina é composta por:


- Uma porção protéica: a globina
- Um composto corado: o heme ( 4 hemes por
molécula de
hemoglobina )
DEFICIÊNCIA DE FERRO X ANEMIA
FERROPRIVA

A Organização Panamericana de Saúde ( OPAS) /


OMS estima que, para cada pessoa com anemia, exista
ao menos, mais uma com deficiência de ferro. Assim,
em uma população com cerca de 50% de crianças
menores de 5 anos com anemia – como é o caso do
Brasil – 100% , de fato, são deficientes de ferro.
A deficiência de ferro constitui a principal causa
de anemia e, na atualidade, é a deficiência nutricional
com maior importância em saúde pública.
ANEMIA FERROPRIVA

Etapa tardia na fisiopatologia da deficiência de


ferro.
É considerada um dos maiores problemas de
saúde pública do mundo, afetando populações em
quase todos os países, inclusive os desenvolvidos,
onde mais de 2 bilhões de indivíduos sofrem dessa
deficiência.
A anemia vem mantendo prevalência elevada
e até mesmo progressiva, interferindo na
morbimortalidade e no desenvolvimento infantil.
Grupos populacionais mais atingidos: crianças
de 6 a 24 meses, escolares, adolescentes, gestantes e
nutrizes.
No Brasil, estudos realizados nas últimas
décadas têm mostrado aumento significativo da
prevalência ( cerca de 40 a 50 % das crianças) e
da gravidade da anemia ferropriva nos
grupos de risco, em todas as regiões do país,
independente de nível sócio-econômico, com maior
comprometimento nas crianças menores de 2 anos.
FATORES QUE AFETAM A
PREVALÊNCIA
1. Reserva de ferro ao nascer
- Captação de reservas no último trimestre.
- A incorporação de ferro pelo feto é proporcional ao seu
peso corporal.
2. Requerimentos fisiológicos para o crescimento
- O peso triplica com 1 ano e quadruplica com 2 anos.
- RN a termo – AIG esgota estoque de ferro do 4º ao 6º
mês.
- RN PT e BP esgotam no 3º mês.
- Dependência do ferro exógeno.
*Requerimentos médios de ferro absorvido calculados para o crescimento: 0,4mg/dia
dos 0 aos 12 meses, sendo mais elevados no segundo semestre (0,53mg/dia) .
3. Perda oculta de sangue
- Uso de leite de vaca
- Gastroenterites
- Infestações parasitárias: é mais comum em crianças fora da faixa
etária da anemia do ponto de vista populacional.

4. Ingesta e absorção de ferro


- Aporte de ferro nos alimentos – quantidade e biodisponibilidade.
Nos países desenvolvidos predomina dieta com ferro heme ( tem 20 a
30% de absorção ), enquanto nos países em desenvolvimento há
predomínio do ferro não-heme que tem baixa biodisponibilidade
(1 a 7 %). O leite materno tem baixo aporte de ferro ( 0,6mg/l ),
porém alta biodisponibilidade ( absorve 50 % ) .
SINAIS CLÍNICOS

Anorexia, apatia, irritabilidade


Redução da capacidade de atenção
Pica ( perversão do apetite )
Geofagia
Alteração da curva de crescimento
Prejuízo do desenvolvimento e coordenação
Prejuízo do desenvolvimento da linguagem e aprendizagem
Efeitos psicológicos e de comportamento ( desatenção,
fadiga, insegurança )
Diminuição da atividade física
Alterações no sistema imune, predispondo às infecções
FAIXA ETÁRIA DE RISCO

6 meses a 2 anos

•Maior velocidade de crescimento

•Alta prevalência de desmame precoce

•Dieta inadequada, com baixo teor de ferro

•Maior prevalência de doenças como diarréia e infecção


respiratória
ALTERAÇÕES LABORATORIAIS
1º Diminuição das reservas:
ferritina sérica ( < 10µg/l)
RDW ( VN = 11,5 a 14,5 % )

2º ferro sérico (< 30µg/dl)


CTLF (VN: 45 a 70µmol/l saturação de transferrina

3º Saturação da transferrina (< 16 % = comprometimento da eritropoiese)


Hb
Protoporfirina eritrocítica livre ( PEL ) (> 50µg/dl)
VCM (< 78%)
CHCM (< 32%)
•EXAME DO ESFREGAÇO: microcitose, hipocromia,
poiquilocitose, anisocitose, hemácias em alvo, em charuto.

•VCM = Ht x 10 Valor normal: 78 – 93µ³


GV em milhões

•CHCM = Hb x 100 Valor normal: 32 – 36 %


Ht
Em âmbito populacional, segundo recomendação
da OMS, utiliza-se os níveis de hemoglobina para
diagnóstico da anemia ferropriva.

FAIXA ETÁRIA CONCENTRAÇÃO DE Hb

6m – 5 anos < 11g / dl


6 – 14 anos < 12g / dl
Homens < 13g / dl
Mulheres < 12g / dl
Gestantes < 11g / dl
VALORES NORMAIS PARA CRIANÇAS
(aula Dra Isis Magalhães – hematologista SES/DF)

HEMOGLOBINA HEMATÓCRITO VCM CHCM RETICULÓCITOS

Cordão
16,8 63 120 31,7 3,2
umbilical
02 semanas 16,5 54 112 32,1 0,5
04 semanas 14,2 43 105 33,5 0,6
02 meses 10,7 31 93 34,1 1,8
06 meses 11,3 34 78 34 1,4
01 ano 11,6 35 77 33 0,9
02 anos 11,7 35 78 33 1,0
04 anos 12,6 37 80 34 1,0
06 anos 12,7 38 80 33 1,0
07 a 12 anos 13 39 80 33 1,0
TRATAMENTO
•Aconselhamento nutricional
TEOR DE FERRO
ALIMENTO BIODISPONIBILIDADE
( mg/100g )

Carnes
Bovina 3,2 Alta
Suína 2,9 Alta
Peixes 2,5 Alta
Aves 1,3 Alta

Vísceras
Fígado bovino 8,2 Alta
Miúdos de galinha 4,3 Alta
Coração 3,7 Alta

Ovo
Gema 5,5 Baixa
Inteiro 3,2 Baixa
Clara 0,4 Baixa
TEOR DE FERRO
ALIMENTO BIODISPONIBILIDADE
( mg / 100g )

Leite
Humano 0,5 Alta
Vaca 0,3 Baixa

Leguminosas
Lentilha 8,6 Baixa
Soja 8,5 Baixa
Feijão 7,0 Baixa
Cereais
Cereais matinais 12,5 Baixa
Farinha láctea 4,0 Baixa
Aveia ( farinha ) 4,5 Baixa
Aveia ( flocos ) 3,4 Baixa
TEOR DE FERRO
ALIMENTO BIODISPONIBILIDADE
( mg / 100g )

Hortaliças
Nabo 2,4 Alta
Brócolis 1,1 Alta
Couve 2,2 Média
Batata 1,0 Média
Cenoura 0,4 Média
Espinafre 3,3 Baixa
Beterraba 0,8 Baixa

Frutas
Suco de limão 0,6 Alta
Laranja 0,2 Alta
Banana 2,2 Média
Manga 0,7 Média
Abacate 0,7 Baixa
*Açúcar mascavo 4,2 Alta
*Rapadura 4,2 Alta
Terapia oral:
•Dose: 4 – 6mg / kg / dia de ferro elementar em 2 ou 3
doses.
•Sulfato ferroso fornece 20mg em 100ml = 20% de Fe elementar
•Gluconato fornece 12mg em 100ml
•Hidróxido de Fe polimaltosado fornece 30mg em 100ml
•Ferro quelato glicinato fornece 18mg em 100ml

Administração:
•Entre as refeições
•Iniciar com 1/3 da dose e aumentar gradualmente
•Evitar veículos quelantes
•Adjuvantes: vitamina C ( mantém o ferro em forma
mais reduzida e mais solúvel )
Resposta:
•48 a 72h – muda estado mental e apetite
•7º ao 10º dia – reticulocitose ( 2 a 10 % )
•2ª semana – duplica população de hemácias
•4ª semana – aumento da Hb ( 2g / dl )

Não resposta:
•Dosagem inadequada
•Falhas na administração
•Hemorragia crônica
•Deficiências concomitantes
•Erro diagnóstico

Duração do tratamento: 3 a 4 meses ( 2 meses para


repor estoque )
PREVENÇÃO PRIMÁRIA

1. EDUCAÇÃO DIETÉTICA
- Estímulo ao aleitamento materno
- Evitar leite de vaca no 1º ano de vida
- Alimentos ricos em ferro
- Oferta de vitamina C ( aumenta absorção de ferro )
- Evitar chás ( inibem absorção de ferro )

*Orientações importantes por ocasião da introdução de alimentos de


transição.

*Estudos mostram que só intervenções dietéticas não funcionam por


conta de inacessibilidade aos alimentos e hábitos alimentares.
2.SUPLEMENTAÇÃO COM FERRO
O Programa Nacional de Suplementação de Ferro consiste na
suplementação medicamentosa de ferro para crianças de 6 a 18
meses de idade, gestantes a partir da 20ª semana e mulheres até o
3º mês pós-parto.

3.FORTIFICAÇÃO DE ALIMENTOS
Estratégia de maior custo, dependência de consumo, efetividade
limitada pela biodisponibilidade do ferro baseado em alimentos
com cereais.

4.TRIAGEM PARA ANEMIA


Screening universal
Screening seletivo Academia Americana de Pediatria
PROGRAMA NACIONAL DE
SUPLEMENTAÇÃO DE FERRO

População a ser Tempo de


Dosagem Periodicidade Produto
atendida permanência
Crianças de 6 a 18 25mg de ferro 1 vez por até completar sulfato ferroso
meses elementar (xarope semana 18 meses
de sulfato ferroso:
25mg de Fe/5ml)
Gestantes a partir 60mg de ferro todos os dias até o final da sulfato ferroso e
da 20ª semana elementar gestação ácido fólico
5mg de ácido
fólico
Mulheres no pós- 60mg de ferro todos os dias até o 3º mês sulfato ferroso
parto e pós aborto elementar pós-parto ou
pós-aborto
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

1)Casos de anemia diagnosticada:


Para os casos de anemia com sintomas clínicos clássicos ou casos já
diagnosticados, o tratamento deve ser de acordo com a conduta clínica para
anemia definida pelo profissional de saúde responsável.

2)Baixo peso ao nascer e prematuridade:


Para as crianças pré-termo ( <37 semanas ) ou nascidas de baixo peso
( <2.500g ), a conduta de suplementação permanece a mesma que já é
usualmente preconizada pelos profissionais de saúde.
OBS:segundo o Departamento de Nutrição da Sociedade Brasileira de Pediatria,
todo prematuro e recém-nascido com baixo peso, mesmo em aleitamento
materno exclusivo, deverá receber, a partir do 30º dia após o nascimento, uma
dose de 2mg de ferro elementar / kg / dia durante 2 meses. Após este prazo, a
criança deverá receber 1mg de ferro elementar / kg / dia até os 24 meses de idade.
3)Período de suplementação para as crianças:
Como regra, as crianças deverão ser suplementadas
ininterruptamente dos 6 aos 18 meses de idade. Se a criança não estiver em
aleitamento materno exclusivo, a suplementação poderá ser realizada dos 4
aos 18 meses de idade.
Nos casos em que a suplementação seja iniciada tardiamente, orienta-se que
a criança permaneça no programa pelo menos seis meses, até completar 18
meses.
Lembrar que a idade limite para a inclusão da criança no programa é
18 meses. Nesse caso, a criança poderá permanecer até que complete 24
meses.

4)Parasitoses:
As parasitoses intestinais não são causas direta da anemia, mas podem piorar
as condições de saúde das crianças anêmicas. Por isso, para o melhor
controle da anemia, faz-se necessário que, além da suplementação de ferro,
sejam implementadas ações para o controle de doenças parasitárias.
OBRIGADA!!!

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