“Sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes”
O cumprimento de um dever não é suficiente para ser um bom cristão! É necessário deixar-se envolver e participar do mistério de Jesus que se entrega ao Pai para nossa salvação.
Diz Santo Agostinho: “Se você celebra com fé e
devoção, você é transformado naquilo que celebra!” Jesus não quer o cumprimento de um dever, mas a transformação de nosso coração: “Sermos como Ele!” A liturgia não é um ato individual. É uma ação comunitária e uma resposta coletiva de amor a Deus que nos chama à sua intimidade, por meio de Jesus Cristo. Nas antigas comunidades, a experiência mística fundamental era o ato de se reunir em nome de Jesus. É na reunião dos irmãos e irmãs que contemplamos a presença amorosa do Senhor. O primeiro ponto da celebração é a assembleia reunida. Aí o presidente ajuda a assembleia a chegar até o Mistério. Conduzimos a assembleia e não seduzimos. Por isso, o desafio primeiro é entrarmos (os padres e animadores) no Mistério. A liturgia é obra, ação da Santíssima Trindade (não invocamos a Santíssima Trindade, ela é que nos convoca). Na tradição cristã, liturgia significa que o povo de Deus toma parte da obra de Deus. A comunhão se dá no ato de estar juntos, de escutar a Palavra na assembleia, de se olhar mutuamente, de dançar e cantar juntos, de comer e beber em comunhão... Em cada celebração valorizamos a saudação, o acolhimento entre as pessoas, a participação ativa de toda a assembleia, por meio das aclamações e respostas, cânticos, ações simbólicas e atitudes. A liturgia é uma celebração santa e reveladora dos mistérios de Deus. Nela age e está presente o Cristo Ressuscitado. Ele preside, anima, comunica e nos liberta do egoísmo, do individualismo, da acomodação, das trevas, da mentira, da morte e do pecado. Quem celebra a liturgia é a assembleia, reunida, com a participação de todos os membros, onde todos são iguais, filhos, irmãos, investidos do poder sacerdotal, presididos pelo sacerdote Jesus Cristo. A nossa participação na celebração deve ser inteira, de corpo e alma, interna e externa, ativa, consciente e plena. Essa postura do corpo e abertura do coração revelam a nossa fé, a nossa acolhida da ação que Deus realiza em nós por meio da Páscoa de Jesus Cristo sob a ação do Espírito Santo. Se isso é verdade, nos perguntamos: como acolhemos essa ação de Deus em nós e a valorizamos? Ela é significativa para nós? Nos preparamos para celebrar essa obra salvadora, libertadora, santificadora e transformadora de nossas vidas? Em que consiste a ação de Deus em nossa vida e nossas comunidades? Não nos traz bens materiais nem realiza milagres “estrondosos”, mas é lenta, pacienciosa, permanente, perseverante, contando sempre com a nossa ajuda e colaboração. Essa ação, pouco a pouco, vai imprimindo em nossas vidas o jeito de Deus agir e pensar, vai impregnando em nosso coração a sua bondade e misericórdia, vai nos moldando e trabalhando para nos libertar do fechamento, do apego aos bens materiais, da ganância, do orgulho e do poder. Tendo presente isso, como animamos, presidimos, motivamos e tratamos as celebrações da assembleia? Respiramos bondade? Comunicamos paz? Acolhemos com o carinho de Deus? Manifestamos a alegria do coração de Deus em acolher e abençoar o seu povo? Exercemos com qualidade, ternura, unção e doação os ministérios litúrgicos: presidência, proclamação das leituras e das orações, animação do canto, o serviço do altar, a preparação do espaço? Conhecemos suficientemente a celebração da qual participamos? Temos consciência do que nela celebramos? Somos assíduos em participar das mesmas? Como acontece a nossa preparação pessoal? Reservamos um tempo? Nos recolhemos? Dispomos o nosso corpo? Ocupamos os primeiros lugares no espaço celebrativo? Como é a postura do corpo durante a celebração? Procuramos participar ativamente de toda a celebração? Como acontece a preparação da comunidade? Nos reunimos para celebrar com a comunidade, formando um só corpo, um encontro de pessoas e de corações, sintonizados com todos, cantando e rezando com todos, tendo consciência do que Jesus disse: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, estarei no meio deles” ( ). Como acontece a preparação dos ministros? Eis uma pergunta desafiadora. O Ressuscitado preside a celebração com nosso corpo, nosso olhar, nossa voz, nossa emoção, nossa entrega, nossa preparação, nosso coração e nossa fé. Somos instrumentos ou mesmo sacramentos da ação do Ressuscitado na ação litúrgica. Sem esquecer que presidimos e animamos a Liturgia da Igreja e não as “nossas falsas e vazias” criatividades. Não somos convidados a inventar nada, mas em colocar o espírito em tudo que fazemos e realizamos. Como preparamos o espaço celebrativo? Claro que esse espaço não pode ser um salão de baile ou um palco para shows de artistas. Mas local e espaço do encontro de Deus com o seu povo e do povo se comunicar com o seu Deus. Deve estar revestido do mistério, da sobriedade, da harmonia, do bom gosto, sem exagero de flores e ornamentações, muito menos de flores artificiais, mas ser um espaço nobre, alegre, acolhedor, simples, com lugar para todos se acomodarem bem... na preparação do espaço mostramos o carinho que temos pelas pessoas e falamos da nossa fé no poder e no amor de Deus por nós. Os quatro elementos importantes do espaço celebrativo merecem o cuidado especial: o altar, a mesa da palavra, a assembleia litúrgica e a presidência. Por que merecem um cuidado especial? “A celebração da missa, como ação de Cristo e do povo de Deus hierarquicamente ordenado, é o centro de toda a vida cristã tanto para a Igreja universal como local e também para a vida dos fiéis” (IGMR 16). “É por isso de máxima conveniência dispor a celebração da Missa ou Ceia do Senhor de tal forma que os ministros e os fiéis, participando cada um conforme sua condição, recebam mais plenamente aqueles frutos que o Cristo Senhor quis prodigalizar, ao instituir o sacrifício eucarístico de seu corpo e sangue, confiando-o à sua dileta esposa, a Igreja, como memorial de sua paixão e ressurreição” (IGMR 17). “Isto se conseguirá de modo adequado se, levando em conta a natureza e as circunstâncias de cada assembleia, toda a celebração for disposta de tal modo que leve os fiéis à participação consciente, ativa e plena do corpo e do espírito, animada pelo fervor da fé, da esperança e da caridade. Esta é a participação ardentemente desejada pela Igreja e exigida pela própria natureza da celebração. Ela constitui um direito e um dever do povo cristão em virtude do seu batismo” (IGMR 18). O ano litúrgico - A liturgia é a celebração do Mistério Pascal de Cristo. Em volta deste núcleo fundamental da nossa fé, celebramos no Ano Litúrgico a memória do Ressuscitado na vida de cada pessoa e de cada comunidade. O Ano Litúrgico “revela todo o mistério de Cristo no decorrer do ano, desde a encarnação e nascimento até à ascensão, ao pentecostes e à expectativa da feliz esperança da vinda do Senhor” (SC 102). Ele assim nos propõe um caminho espiritual, ou seja, a vivência da graça própria de cada aspecto do mistério de Cristo, presente e operante nas diversas festas e nos diversos tempos litúrgicos (cf. NALC 1). Através do Ano Litúrgico, os fiéis fazem a experiência de se configurar ao seu Senhor e dele aprenderem a viver “os seus sentimentos” (cf. Fl 2,5). O domingo é o dia, por excelência, de dar graças, de celebrar a ressurreição de Jesus e a comunhão com ele, de fazer memória da sua vida, morte e ressurreição. Dele mesmo recebemos o mandato de repetir seus gestos e suas palavras. Quando chegou a sua hora, estando à mesa com seus discípulos, Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o e repartiu entre eles. E recomendou: ”Façam isto em memória de mim” (f. Lc 22, 14-19). Santa Cruz do Sul, 01 de setembro de 2015