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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESEIVfTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
BL vista cristáo a fim de que as dúvidas se
: dissipem e a vivencia católica se fortalega
*" no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confisca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
íí.%
DIVERGENCIA ENTRE IRMÁOS
A opiniáo pública brasileira foi impressionada recente-
mente pela acusagáo de «comunistas» lanzada, através da
imprensa, a dois bispos missionários. Visto que os comen
tarios ao fato nao esclarecerán! a situacáo, a redagáo de PR
nao se pode furtar a urna palavra serena e respeitosa sobre
o assunto,... palavra que se desdobra nos seguintes ítens:

1) A expressáo «católico comunista», como tal, inclui


urna contradigáo. Nao é possível ser alguém católico (crente
em Deus) e comunista (ateu, materialista). Ora nao há
dúvida de que nossos bispos tém todos o zelo de Deus. Acon
tece, porém, freqüentemente que as pessoas interessadas por
questóes sociais e, em especial, pela defesa dos direitos dos
pobres fácilmente acabam sendo tachadas de comunistas.
Na verdade, nao é preciso ser comunista para propugnar a
justica social, mas o próprio Evangelho a reivindica como
característica da ordem de coisas intencionada pelo próprio
Deus.

2) O perigo que ameaga os defensores cristáos dos direi


tos humanos em nossos dias, é o do horizontalismo, ou seja,
o de fazer preponderar tal tarefa sobre as demais. — Ña
realidade, o Cristianismo vé a promogáo do homem como
decorréncia da instauragáo do Reino de Deus entre os povos.
«Reafirmando sempre o primado de sua vocagáo espiritual,
a Igreja recusa-se a substituir o anuncio do Reino pela pro-
clamagáo das libertagóes puramente humanas e afirma mesmo
que a sua contribuigáo para a libertagáo ficaria incompleta
se ela negligenciasse anunciar a salvagáo em Jesús Cristo»
(Paulo VI, «A Evangelizagáo no mundo contemporáneo»
n* 34).

3) No caso concreto dos prelados brasileiros, é oportuno


levar em conta que, por dobaixo das noticias dos jomáis, há
muilos latos do caráter particular que o público ignora c
que constituem a legítima «privacidade» dos nossos bispos e
do relacionamento de uns com os outros. De modo especial,
o fiel católico respeita essa «privacidade» e observa sincera
discrigáo em relagáo á mesma.

4) Por conseguinte, se é sempre difícil julgar o pró


ximo, mais difícil se torna ísto no caso em foco. Quem
resolve tomar partido por uns ou por outros em nome da
justiga, corre o risco de cometer suma injustiga. Nao se deve
esquecer que militas vezes as pessoas que erram, podem estar

— 141 —
movidas por reta intengáo; desejam o bem, mas sao infelizes
ao procurar realizá-lo concretamente. Ora é difícil, se nao
impossível, ao homem que julga, penetrar as consciéncias
alheias.

5) No povo de Deus, há aqueles que se impressionam e


perturbam vivamente com as divergencias de nossos bispos
frente á situagáo sócio-económico-política do Brasil. Outros,
ao contrario, sabem olhar com tranqüilidade e confianca para
tais diferencas. Colocamo-nos entre estes. Com efeito; os
nossos bispos professam todos a mesma fe e desejam todos
ser fiéis ao Evangelho; acontece, porém, que a situagáo real
do Brasil é táo complexa que sinceramente pode haver opi-
nióes contraditórias sobre a maneira de resolver os ingentes
problemas da nossa sociedade. Somos como quem se vé diante
de um semáforo que apresenta luz amarela (nem verde nem
vermelha): enquanto, por prudencia, uns preferem nao atra
vessar a rúa para nao serem surpreendidos por eventual aci-
dente, outros, também por prudencia, julgam que tém de
atravessar para nao serem surpreendidos por um serio atraso
ou pelo fracasso na procura de seu ideal... Quem tem razáo
dentre uns e outros? — Ninguém o pode dizer. É certamente
a virtude da prudencia que em ambos os casos dita o Sim
e o Nao; na verdade, a prudencia é urna virtude que nao tem
padrees meramente objetivos, mas está intimamente relacio
nada com a escola, a formagáo, as experiencias de vida, a
idade... da pessoa prudente. Donde se vé que mesmo entre
aqueles que divergem em torno do mesmo assunto, pode ha-
ver grande e respeitável virtude. Os padrees de prudencia de
quem julga, nem sempre se poderáo impor á pessoa que é
julgada.

6) Ponderados todos estes aspectos da questáo, o cris-


táo é convidado a entregar ao Senhor Deus, na oracáo, o
famoso caso, que, alias, vai passando para os anais do pas-
sado. A, Igreja sempre pode e poderá,apontar em seu seio as
marcas das limilacóes humanas; estas nao a impodiram do
ser o Corpo de Cristo prolongado através dos sáculos, mas
antes a constituiram tal; é com tais marcas que Ela é, por
vontade de Deus, sacramento ou fonte de vida para quem
se lhe aproxima com fé e amor.
Seja a Páscoa, mais urna vez celebrada neste mes de
abril, o penhor de que tal fé e tal amor se nao de corroborar
em todos os fiéis cristáos, para que déem lúcido testemunho
do Cristo Ressuscitado, o qual nos ensinou estar a nossa
consumagáo intimamente associada á vitória sobre o pecado
e a morte!
E.B.
— 142 _
«PERMUTE E RESPONDEREMOS»
Ano XVIII — N" 208 — Abril de 1977

O interesse religioso de nossos días:

e a igreja messiánica mundial?


Em síntese: A Igreja MessiSnica Mundial deve-se a Meishu-Sama,
mestre japonés que em 1926 recebeu urna "iluminagáo" e concebeu o
plano de fundar urna nova corrente filosólico-religiosa.

O Messianismo propoe dois planos da realidade : o invisível, espi


ritual, e o visível, material; este depende daquele. Ora até hoje, dizem,
os hómens viveram principalmente em funcáo dos bens materiais e sofrem
de diversos males acarretados pela cobiga, o egoísmo e o odio. Ora Deus
está para dar inicio a nova era, era de Luz, que substituirá a era de
trevas ou penumbra em que estamos. Essa nova era está sendo preparada
pelo Johrei... Johrei significa a purificagao do espirito (ou do corpo espi
ritual) mediante a infusáo da Luz Divina. Essa Luz elimina as máculas do
espirito humano e, conseqüentemente, concorre para curar os corpos _ e
remover os males físicos que afligem a humanidade. Em conseqüéncia,
haverá sobre a térra um paraíso de bonanca, caracterizado pela Verdade,
a Virtude e a Beleza.

Esta mensagem deixa interrogares abertas:

a) Que diz o Messianismo a respeito de Deus (panteísmo ou mono


teísmo) ? ... do Messias (pessoa ou metáfora) ? ... da vida postuma
(reencarnagáo ou mera sobrevivencia) ?

b) As revelagóes hoje em dia devem ser consideradas com espirito


crítico muito agudo, pois muilas sao as que os homens atribuem a Deus,
quando na -verdade nao passam de fenómenos vagos, subjetivos e emo
cionáis. Para que alguém creía, deve ter credenciais ou motivos de cre-
dibilidade.

c) A idéia do um paraíso terrestre ó um sonho antigo, que retorna


periódicamente ñas crengas dos homens. Parece que será inexeqüivel ató
o fim dos tempos. O Cristianismo propoe o reino de Deus como resultado
da consumacáo da obra de Cristo no fim dos tempos, depois que o pecado
e a morte tiverem sido debelados. As curas apregoadas pelos devotos do
Messianismo deveriam ser examinadas segundo criterios científicos para
que fenómenos emotivos nao sejam confundidos com sinais divinos extraor
dinarios ou milagres.

— 143 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS*- 208/1977

d) O Messianismo diz nao ser religiáo, mas algo mais do que urna
religiáo. Pergunta-se: pode haver algo mais polarizante e totalizante do que
a religiáo?

Em suma, o Messianismo vem a ser mais urna das expressoes do


perene senso religioso da humanidade. Carece, porém, de credenciais e
da coeréncia lógica que sao indispensáveis para que possa merecer a
aceitacáo de quem reflete um pouco.

Comentario: Muitas pessoas indagam a respeito de Joh-


rei ou da «Igreja Messiánica Mundial», que vai encontrando
crescente número de adeptos no Brasil. Sabe-se que o pen-
samento religioso japonés tem penetrado em nosso país atra-
vés de suas formas máis recentes, que tem aumentado o ecle-
ticismo religioso da nossa gente. Embora já tenhamos abor
dado o tema «Johrei» em PR 139/1971, pp. 32S-335, voltamos
ao assunto a fim de atender a leitores interessados.

1. Igrejo Messiónica : origens

O fundador da Igreja Messiánica Mundial é o mestre


Meishu-Sama. Este, em 1881 oriundo de familia pobre no
Japáo, desde os seus anos de infancia, se dedicava ao pró
ximo necessitado. Aos quarenta e cinco anos do idade, ou
seja, em 1926 recebeu «maravilhosa revelagáo», que o impe-
liu a fundar nova sociedade religiosa.

A «revelacáo» mostrou a Meishu-Sama a causa das mise


rias humanas no plano físico: devem-se a males espirituais ou
a manchas interiores existentes dentro dos homens. Em con-
seqüéncia, Deus está para renovar o mundo, enviando a Di
vina Luz, que transformará a Vclha Era da Noite em Nova
Era do Dia.i A Meishu-Sama caberia propagar a Divina Luz.

A transfiguracáo do mundo há de se fazer mediante um


cataclismo, que será o maior de toda a historia da humani
dade. Mas, «depois da grande purificacáo do mundo inteiro
urna Era de Luz e Júbilo substituirá a Era das Trevas e da
Miseria... Todos os males e erros causados pela ignorancia
das Divinas Leis seráo corrigidos» (palavras do Fundador).

Meishu-Sama sentiu-se, pois, chamado a contribuir para


realizar o mundo ideal marcado por Verdade, Virtude e Be-
leza, das quais decorreráo saúde, prosperidade e paz para

— 144 —
IGREJA MESSIÁNICA E JOHREI

todos os homens. Esse mundo será a concretizacáo do Pa


raíso na térra, concebido por Deus desde os primordios da
criacáo, mas aínda nao efetivado até os nossos días.

O fundador passou o resto da sua vida a propagar a sua


mensagem; formou discípulos e ministros da respectiva dou-
trina; escreveu artigos e livros; fundou centros de cultura e
arte. Até 1950 a organizagáo chamava-se «Nippon Kannon
Kydan» (=Igreja Kannon do Japáo); foi-lhe entáo trocado
o nome, que é atualmente «Sekai Kyusei-Kyo» (= Igreja
Messiánica Mundial).

Quando Meishu-Sama faleceu, a sua esposa continuou a


obra com o cognome de Nidai-Sama, vice-lider espiritual.
Esta construiu o santuario principal da sociedade em Atami,
a 80 km de Tóquio. Atualmente, o Movimento é dirigido pela
terceira filha do Fundador: Kyoshu-Sama, nome que signi
fica «Líder espiritual». Os adeptos dá nova corrente possuem
centenas de templos, onde trabalham mais de 3.000 minis
tros, esparsos pelo Japáo, pelas ilhas Hawai, os Estados Uni
dos, o Brasil...

Vejamos mais precisamente as grandes linhas do anuncio


da Igreja Massiánica.

2. A mensagem

Procuraremos resumir em poucos tópicos a doutrina da


Igreja Messiánica:

2.1. Visível e ¡nvisível

Um dos principios mais básicos do Messianismo ensina


que «o mundo visível ou material é reflexo e copia do mundo
invisivel, espiritual». Estes dois mundos estáo intimamente
relacionados entre si, de tal modo, porém, que o espirito tem
a primazia sobre a materia. Tudo o que ocorre no mundo
material, ocorreu, primeiramente, no mundo espiritual.

De modo especial, deve-se notar que os pensamentos erró


neos, as palavras e as agñes más do homem constituem má
culas espirituais; estas causam mal-estar mental e físico na
pessoa que as traz.

— 145 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 208/1977

Para se libertar deste mal-estar, a pessoa tem que tomar


consciéncia da importancia do mundo espiritual e compreen-
der que neste se acha a verdadeira causa de suas dificuldades.

2.2. Johrei

Todo ser humano, pelo fato de ser sujeito a erros, traz


máculas em seu corpo espiritual. Visto que tais máculas sao
espirituais, elas só podem ser removidas pelo Poder de Deus.
Esse poder purificador de Deus, Meishu-Sama o experimentou
e apregoou ao mundo: é a Luz Divina, que vem ao homem
sob forma de Johrei.

Johrei, em japonés, compóe-se de joh = purificar, e


rei = espirito ou corpo espiritual. Portanto, Johrei vem a
ser «purificagáo do corpo espiritual pela luz divina» ou, mais
amplamente, a invocagáo da Luz Divina para que purifique o
intimo do devoto. Essa Luz atinge o chamado «corpo espiri
tual», e nao o físico diretamente.

O Johrei é a síntese da mensagem da Igreja Messiánica:

"O Johrei é um dos principios básicos da nossa Igreja e o ato que


caracteriza a nossa tárela religiosa. É essencialmente importante nos ser-
vicos religiosos que realizamos" ("A Igreja Messiánica Mundial", p. 24).

O Johrei, ou seja, a canalizado da Luz Divina que se


faz nos atos de culto do Messianismo, pode curar espiritual-
mente; eliminando as máculas espirituais, ele provoca a dimi-
nuicáo da tensáo nervosa e a normalizagáo das funcóes men
táis; em conseqüéncia, a pessoa concebe bondade e amor para
com o próximo, chegando mesmo as suas faces a transfigu-
rar-se. Mais: o Johrei pode também causar a cessacáo dos
sofrimcnlos físicos o a cura de doengas corpóreas, pois «o
espiritual e o físico estáo em perfeita conformidadc entre si»,
dizem os cánones messiánicos.

Deve-se outrossim mencionar a importancia do Johrei no


combate á delinqüéncia juvenil e as doencas mentáis; remo-
vendo as máculas espirituais, ele proporciona melhor discer-
nimento entre o bem e o mal, mais equilibrio emotivo, mais
livre elevacáo da mente.

O servico do Johrei é praticado pelos ministros da Igreja


Messiánica, que assim tencionam contribuir para o desenvol-

— 146 —
IGREJA MESSIANICA E JOHREI

vimento espiritual da humanidade e para o advento do Pa


raíso terrestre.

Com muita énfase, os messiánicos afirmam que nao pre-


tendem curar diretamente os corpos; Johrei nao pode ser
usado como tratamento físico. Isto, porém, nao quer dizer
que o Johrei seja recusado as pessoas enfermas ou hospitali
zadas.

O servico do Johrei nao é pago; nenhum homem tem o


poder de eliminar máculas espirituais; todos sao instrumentos,
dos quais Deus se serve para transmitir a sua Luz. Todavía
a pessoa que recebe Johrei, é convidada a dar seu donativo
material com expressáo da sua gratidáo; o ministro messiá-
nico o recebe e o coloca em lugar especial no templo santo.

2.3. Alvorecer da Era da Luz

«Por. revelacáo, Meishu-Sama soube que a humanidade


está vivendo o grande periodo de transicáo e atravessando o
limiar da Era Nova. O presente ciclo está chegando ao fim
e será substituido por outro: a Era da Luz. O que o Cristia
nismo chamou 'o fim do mundo" ou 'o advento do Céu na
Térra' significa a mesma coisa: o fim da Era presente» (livro
citado, p. 33).

A historia até agora esteve marcada por lutas dos ho-


mens entre si, pois estes se acham imersos em semi-escuridáo,
que impede a humanidade de compreender o verdadeiro signi
ficado dos acontecimentos. Ora Meishu-Sama ensinou ao
mundo que Deus ocultou a sua Luz Divina durante os séculos
passados, em que os homens so interessavam apenas pelo pro-
gresso material. Eis, poróm, que chegou a época em que as
palavras «seja feita a vossa vontade assim na térra como no
céu» se tornaráo realidade, pois foi libertada a Luz Divina
em favor dos homens. Haverá entáo um mundo de delicias,
onde todos os males e as aflicóes causadas pela ignorancia
da Lei de Deus chegaráo ao fim.

Meishu-Sama explica tal expectativa nos seguintes termos:

"É imperioso tomar consciéncia dessa yerdade, porque, em caso


contrario, os principios básicos da Igreja Messi&nica Mundial e do Johrei
nao poderáo ser integralmente compreendidos.

— 147 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 208/1977

Em todo o prisma do universo, há pontos negativos e positivos, luz


e trevas. Existem variedades de formas, condlcSes e medidas opostas em
todas as coísas. Assim como existem día e noite em vinte e quatro horas,
assim também existem o dia e a nolte no periodo de um ano, no período
de cem anos. Nos podemos perceber esta verdade anallsando o passado'.

Esta transicáo da noite para o dia teve inicio no mais alto mundo
espiritual e será refletida em varias partes do mundo {Isleo. É ela a glo
riosa aurora, o maravilhoso alvorecor da Verdade, que homem algum
lamáis conheceu" (livro citado, p. 37).

Ora, conforme os messiánicos, o Johrei é o fator provi


dencialmente ministrado por Deus para preparar ou mesmo
iniciar a Era de Luz no mundo.

2.4. O mundo de Beleza

A Nova Era e o Paraíso na térra teráo por característi


cas a Verdade, a Virtude e a Beleza. Dentre estas notas, os
messiánicos enfatizam especialmente a Beleza. Meishu-Sama
disse que todas as obras da Divina Beleza existem na térra
para alegría, prazer e íntima elevacáo espiritual dos homens.

Urna das importantes missóes do Fundador foi construir


q prototipo do céu na térra; recebeu a revelagáo de que essa
tarefa era de fundamental valor, pois «a Divina Administra-
Cáo constrói através de modelos, de sorte que, se o Modelo
Divino for construido em determinada regiáo do mundo,
poderá ser ampliado em escala mundial» (livro citado, p. 28).

Em conseqüéncia, Meíshu-Sama planejou a eonstrucáo


dos tres prototipos do Paraíso na térra, escolhendo sob a
Divina Orientacáo tres lugares de extraordinaria beleza natu
ral no Japáo: Hakone, Atami e Kyoto. Tinha a intencáo de
associar a beleza da natureza com a beleza produzida pelo
homem.

Já foram terminados os templos de Hakone e Atami;


sao constituidos de belos jardins, santuarios e edificios, inclu
sive um Museu de Arte, onde pegas de rara beleza estáo
expostas. — O terceiro modelo, o de Kyoto, aínda nao está
concluido, mas vai sendo cncaminhado ao seu remate sob a
diregáo de Kyoshu Sama, filha de Meishu-Sama e Suprema
Autoridade do Messianismo.

1 Atualmente estamos dianle do portal de ¡menso impulso na historia


humana, dizem os messiánicos.

— 148 —
IGREJA MESSIÁNICA E JOHREI

A estima da beleza faz que os membros da Igreja Mes-


siánica valorizem grandemente as artes, como a pintura, a
escultura, a música, a literatura, a danga... Sao expressóes
da Divina Beleza, das quais o homem participa criativamente.
Além disto, o servico ao próximo é, para os messiánicos, algo
que suscita urna atmosfera de Beleza, pois quem serve ao
próximo se torna puro e poderoso canal do Poder Divino para
o Johrei.

Sao estas as grandes linhas da mensagem da Igreja Mes-


siánica Mundial. Importa-nos agora tecer algumas considsra-
cóes a respeito.

3. Um pouco de sertso crítico

1. A teología da Igreja Messiánica é sobria e pobre em


conceitos; pouco diz a respeito de Deus e seus atributos. Pa
rece estar muito mais interessada no homem e na instaura-
cáo de um Paraíso terrestre mediante a purificacáo da huma-
nidade a ser obtida pelo Johrei.

O estudioso tem o direito de interrogar os messiánicos a


propósito da nogáo que tém de Deus; será panteísta (a Divin-
dade identificada com a nalureza e o homem, como professam
o budismo e outras érenlas orientáis) ou monoteísta (Deus
distinto do mundo e do homem, mas Criador Providente e
Bom) ? — Certos escritos do Messianismo insinuam o pan
teísmo, como já foi dito em PR 139/1971, pp. 333s.

2. O conceito de Messias, que dá o nome á nova socie-


dadc religiosa, precisaría de ser elucidado. Que entendem os
adeptos do Johrei pelo nome de «Messias»? Será urna pessoa
ou a bonanca que geralmente costuma ser associada a idéia
de Messias? — A explicagáo do conceito é de máxima impor
tancia, visto que a noeáo de Messias é típica da revelagáo
judeo-cristá; a índole própria do povo brasileiro, que é cristáo
por suas origens, exige nao haja ambigüidadc a este respeito.

3. A Igreja Mesiánica também é lacónica no que toca


a vida postuma. Admite a sobrevivencia do núcleo da perso-
nalidade ou da alma após a chamada «morle» do ser humano?
Professa a reencarnagáo? — Nao se pode conceber o silén-

— 149 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 208/1977

cío a tal respeito, pois se trata de tema cuja importancia é


capital para a orientacáo da caminhada do homem sobre a
térra.

O Messianismo tem em mira a consumacáo da historia


do género humano como tal, prevendo o Paraíso sobre a térra,
mas nada diz a propósito dos individuos que faleceram e fale-
cem antes do termo da historia universal.

4. A expectativa de um Paraíso sobre a térra corres


ponde a velho sonho da humanidade... Está dentro das cate
gorías de numerosos mitos da historia das Religióes.

Compreende-se que o homem aspire a urna ordem de


coisas renovada, em que já nao naja perversidade e odio.
Todavía a experiencia ensina que o egoísmo e o amor próprio
acompanham muitas vezes as mais belas iniciativas e dissi-
pam os mais elevados ideáis da humanidade. Somente a graca
de Deus pode ajudar os homens a superarem as suas más
tendencias e se unirem na base de genuino amor fraterno.

O Cristianismo ensina que nao haverá plena concordia


e harmonía entre os homens senáo depois que Cristo tiver
consumado a sua vitória sobre o pecado e a morte no fim dos
tempos. Entrementes lutaremos sempre contra as más ten
dencias da criatura humana. A experiencia dos séculos, prin
cipalmente a de nossos dias, parece confirmar esta verdade;
o homem progride na ciencia e na técnica, mas parece que
fácilmente se deixa fascinar por suas obras, caindo, as vezes
sem o sentir, sob o jugo e os ditames das conquistas mate-
riais ; o próprio homem é, nao raro, sacrificado á máquina
e á materia. Estas fazem que o homem se torne lobo para
o homem («homo homini lupus»); pensadores e futurólogos
de nossos dias chama m a atencáo para tal fenómeno.

Se a Igreja Messiánica propóe o Johrei como sendo a


graca salvadora de Deus, concedida para preparar os homens
para o Paraíso terrestre, o estudioso tem o direito de pedir
as credenciais de tal mensagem. Crer sem motivos de credi-
bilidade é irracional (todavía é algo que acontece freqüente-
mente em nossos dias).

A revelagáo ou iluminacáo com a qual terá sido agra


ciado Meishu-Sama, é, á primeira vista, algo de vago e subje
tivo; as1 visóes e revelacóes hoje em dia (quando sao táo fre-

— 150 —
IGREJA MESSIÁNICA E JOHREI 11

qüentemente apregoadas) devem ser encaradas com agudo


senso crítico; Deus pode manifestar-se em visóes, sem dúvida;
mas a maioria das que lhe sao atribuidas, sao fenómenos
meramente psicológicos. Perdem todo crédito desde que insi-
nuem panteísmo.

5. O que atrai muitas pessoas ao Messianismo do Johrei,


é a expectativa de curas e dons extraordinarios. Verdade é
que os ministros messianicos nao pretendem agir diretamente
sobre o físico dos seus fiéis; todavía nao deixam de propor
a restauragáo da saúde corporal mediante a eliminagáo das
máculas da mente. Ora sabe-se quanto hoje em dia as pessoas
tendem a fazer da religiáo e dos ritos religiosos urna tera
pia, ... a terapia daqueles que a medicina científica, por um
motivo qualquer, nao atinge ou nao cura.

Muitos devotos afirmam, em cartas e testemunhos oráis,


que foram curados pelo Johrei no plano da saúde física. Tais
depoimentos apresentam o estilo e as características de pro-
cessos emocionáis, em que a sugestáo desempenha papel im
portante. A religiáo e a mística, por serem valores de pri-
meira grandeza, tém poder altamente influente sobre o psí
quico de pessoas combalidas por males e calamidades da vida
presente. Seria, pois, temerario afirmar que as gracas obti-
das em contato com a nova corrente religiosa japonesa sejam
sinais da veracidade das crengas ai professadas.

Note-se também que a idéia de «corpo espiritual» é fallía


ou mesmo contraditória. Corpo, por definigáo, significa algo
de quantitativo, extenso, dimensional, ao passo que espirito
diz um ser real que nao tenha extensáo nem dimensóes. Deus
é espirito puro, os anjos e a alma humana sao seres espi-
rituais.

Quando Sao Paulo fala de «corpo espiritual» (ICor


15,44), refere-se táo somente ao corpo humano material res-
suscitado e totalmente penetrado pela graga glorificadora e
transfiguradora do Espirito Santo.

6. A Igreja Messiánica afirma que nao há incompatibi-


lidade entre «ser cristáo» e «ser membro da Igreja Messiá
nica», pois esta «é mais do que urna religiáo ; oferece um
caminho completo de vida nos tres niveis da vida do homem
— espiritual, mental e físico» (livro citado, p. 22).

— 151 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 208/1977

Perguntamo-nos: pode haver algo de mais exigente e


polarizante do que a religiáo? Esta é a doagáo do homem,
com todas as suas potencialidades, ao seu Criador e Consu
mador. Religiáo nao é apenas ritual, nem é somente escola de
morigeragáo, mas é algo que atinge as profundidades do ser
humano para levá-las ao pleno desabrochamento no encontró
com o Absoluto ou com Deus.

Na verdadc, a Igrcja Mcssiánica propóe concepgóes tais


que nao sao compativeis com o Cristianismo; este, apregoando
a salvagáo por Jesús Cristo, Deus feito homem, é inconfun-
divel e supera as mais otimistas categorías do pensamento
humano. O Cristianismo apregoou aos homens algo que ja
máis algum profeta ou iluminado ousou dizer : «Ele (Deus)
primeiro nos amou» (Uo 4,19). Ou aínda: «Nisto consiste
o amor: nao fomos nos que amamos a Deus, mas foi Ele
quem nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expia-
gáo pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus assim nos
amou, devemos, nos também, amarmo-nos uns aos outros»
(Uo 4,10s).

Eis o que de mais importante ocorria observar sobre a


mensagem do Johrei: ainda que proponha aos seus adeptos
o «Pai Nosso» do Evangelho, transmite concepgóes acerca
de Deus, do homem e da historia assaz diversas das do Evan
gelho o filosóficamente insustentáveis.

As sedes do Messianismo Mundial no Brasil nao fornecem senáo


exigua bibliografía sobre as suas crengas. Citamos aqui a revista "Gloria",
o opúsculo "A Igreja Messiánica Mundial" e folhetos de oracóes distribuidos
nos templos messiánicos.

AMIGO, NAO SE ESQUEQA DE RENOVAR A SUA

ASSINATURA. E OBTENHA-NOS NOVOS ASSINAN-

TES PARA QUE POSSAMOS CONTINUAR A TRA-

BALHAR EM PROL DA VERDADE E DO AMOR!

— 152 —
Que revelagáo em

el palmar de troya?

Em aínteso: El Palmar de Troya é pequeña localidade da diocese


de Sevilha (Espanha), onde pretensas visees e revelares ¡nspiraram a
Clemente Domínguez Gómez a fundacáo de duas Congregares Religiosas
(urna de homens e outra de mulheres), dedicadas á Sagrada Face. O velho
ex-arcebispo de Hué (Vietnam), Mons. Ngó Dlnh Thuc, atraído pelo ambiente
de piedade de El Palmar, conferiu al, aos 11/1/76, a ordenacáo presbiteral
a cinco candidatos e a sagragüo episcopal a outros cinco (inclusive a
Clemente). Severamente censurado pela Santa Sé, o arcebispo se arrepen-
deu do gesto inconsiderado e foi absolvido pela Sé Apostólica. Embora
o prelado tenha pedido aos seus amigos de El Palmar reconsiderassem o
passo dado, estes se confirmaram em seu fanatismo, de modo que os
bispos assim ordenados ordenaram novos bispos e sacerdotes... Apesar
das declaracdes solenes, em contrario, do Sr. Cardeal-arcebispo de Sevilha,
os devotos continúan) a afluir a El Palmar, provindo, em grande parte, do
estrangeiro, e levando multo dinheiro para o santuario e as obras de Cle
mente e seus adeptos. Últimamente Clemente foi atingido de ceguelra
física; todavia os fiéis de El Palmar esperam de Deus a sua cura como
sinal retumbante de que Clemente tem mais autoridade do que o Papa
(visto que este, segundo dizem, é mal assessorado e vitima de drogas e
pressóes que o despersonallzam).

N§o há dúvida de que a base de toda essa triste historia é mera


mente subjetiva: trata-se de visoes ficticias ou alucinadas de gente sim
ples e destituida de senso crítico... Pode-se dizer isto tranquilamente,
visto que "pelos frutos se conhece a árvore"; qualquer cisma ou qualquer
ruptura de comunháo com a Igreja .fundada por Cristo sobre Pedro só pode
ser obra humana ou satánica, nunca, porém, obra do Espirito de Oeus.
Quanto aos estigmas que Clemente recebeu em suas mitos, sao pouco
ou nada significativos aos olhos da ciencia moderna e da jurisprudencia
da Igreja.

Comentario: Em PR 206/1977, pp. 77-90, foi publicada


urna análise do livro «Jesús responde a um padre», obra que
transmite «revelagóes» de Jesús Cristo a urna «vidente» belga
a respeito da realidade da Igreja contemporánea. Tal livro
se refere aos acontecimentos de El Palmar de Troya (Es
panha), apresentando-os como típica manifestagáo do Senhor
Deus em nossos dias; essa revelagáo teria o intuito de incitar
os cristáos a conservar as suas tradigóes e rejeitar a reno-
vac.áo conciliar do Vaticano II.

— 153 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 208/1977

Visto que aqui no Brasil os fatos ocorridos em El Palmar


de Troya tiveram aínda outras repercussóes, vamos descre-
vé-los sumariamente e propor urna apreciacáo dos mesmos.

1. O desencodeamento dos fatos

1. El Palmar do Troya ó pequeña localidade situada a


40 km do Sevilha. Foi lá que tres meninas, chamadas respec
tivamente Josefa, Ana Rafaela e Ana, tendo entre oito e
doze anos de idade, deram inocentemente ocasiáo a compli
cada historia. — A reconstituigáo dos fatos em sua origem
(1968) nao é muito clara, pois há poucos documentos escri
tos a respeito, e mais relatos oráis. Como quer que seja,
pode-se propor a seguinte versáo, colhida em fontes fide
dignas.

Aos 29 de maio de 1968, as tres meninas haviam entrado


num bosque para colher flores. Em breve, porém, tiveram
medo da solidáo e comeearam a ver um vulto estranho; urna
dizia ser um touro, outra o identificava com outro animal,
ao passo que a terceira julgava ser urna mulher. Fugiram
logo para a aldeia, onde narraram o episodio. Como se com-
preende, a opiniáo pública se fixou de preferencia na idéia
de que urna mulher aparecerá realmente as crianzas, sendo
essa mulher a própria Virgem María. Se esta se manifestara
em Lourdes e Fátima, por que nao seria isto possívcl cm El
Palmar de Troya ?

Em conseqüéncia, na escola os mais velhos comecaram


a falar as meninas a respeito de Lourdes e Fátima, de tal
modo que as «videntes» passaram a dizer que tinham visto
«urna mulher». Até hoje as enancas dizem que lhes apareceu
«urna mulher», e nao «a Virgem». Centenas de pessoas as
acompanhavam ao lugar da «apariciio», concorrendo para
sugestioná-las mais e mais.

Na quinta-feira santa seguinte, urna senhora do lugar


disse ter visto Nossa Senhora escoltada por dois discos voa-
dores !.. . Entrementes as autoridades eclesiásticas da dio-
cese de Sovilha intervieram em El Palmar; verificando a
índole fantasista das «aparigóes», comecaram a advertir os
fiéis contra as mesmas. Nao obstante, o número de adeptos
foi crescendo. Entre estes, sobressai um certo sacerdote cha
mado Clemente Domínguez Gómez, que passou a ter suas

— 154 —
EL PALMAR DE TROYA 15

visóes em El Palmar; recebeu os estigmas (chagas) do Senhor


Jesús em suas máos, estigmas que ele nao ocultava. «Se-
guindo ordens dadas pelo Senhor», Clemente viajou para o
estrangeiro, conseguindo difundir a mensagem de El Palmar
e fazendo numerosos adeptos; mediante amigos, a mensagem
chegou até a Venezuela, onde encontrou forte eco. Assim
também Clemente angariou valioso apoio financeiro. Em El
Palmar mesmo o número de peregrinos e devotos (nao da
diocese do Sevilha, mas de fora) foi crescendo, atraídos todos
pela fé ñas aparigóes e pelas características de piedoso san
tuario mañano que se foram dando áquele lugar.

Ainda «iluminado pelo Senhor», Clemente houve por bem


fundar duas Congregagóes Religiosas — urna para homens e
outra para mulheres : Congregagóes «de Carmelitas da Santa
Face de Cristo». Esses frades e freirás trajam-se curiosa
mente : por cima do hábito trazem duas estampas da Sagrada
Face (urna, sobre o peito, e a outra sobre o ombro esquerdo);
levam austera e fervorosa vida, que impressiona os visitantes.

Essas ocorréncias se deram á revelia das intervengóes


contrarias do Sr. Cardeal-arcebispo de Sevilha, das quais as
mais solenes se verificaram publicamente aos 18 de maio
de 1970, 15 de margo de 1972 e 2 de Janeiro de 1976.

2. A siluagáo era tal, quando em 1975 Mons. Pedro


Martín Ngó Dinh Thuc, ex-arcebispo de Hué no Vietnam, re
sidente em Roma, foi a Espanha. Os vietnamitas parecem
especialmente afeigoados á Espanha, porque, em parte, foram
evangelizados por dominicanos espanhóis; o arcebispo per-
correu os santuarios marianos daquele país e chegou final
mente a El Palmar. Anciáo como era, impressionado pelos
progressos do materialismo e da impiedade, deve-se ter fácil
mente deixadq sugestionar pelo ambiente de fervor o de apa
rente presenga do sobrenatural que encontrou naquela aldeia.
Clemente entáo resolveu pedir-lhe que conferisse as ordens
sagradas aos orientadores do santuario local. Num gesto mis
terioso (do qual se arrependeu posteriormente), Mons. Ngó
Dinh Thuc, crendo ñas pretensas revelagóes particulares,
aquiesccu a solicitac.no : aos 11 de Janeiro de 1976, na igreja
da aldeia de El Palmar de Troya, sem a autorizagáo do arce
bispo local ou de Roma e usando o Ritual anterior a reno-
vagáo litúrgica, ordenou sacerdotes cinco candidatos (dois
espanhóis, um francés e dois irlandeses) e conferiu o epis-

— 155 —
1G «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 208/1977

copado a tres sacerdotes espanhóis e dois americanos (entre


os quais estava Clemente Domínguez Gómez).

Tais ordenagóes (episcopais e presbiterais) foram váli


das, segundo créem certos teólogos, pois o sagrante era ver-
dadeiro bispo e usou um Ritual que a Igreja até época recen-
tissima usava. Todavía outros teólogos perguntam se as orde
nagóes conferidas a margeni da Igreja ou fora da comunháo
da Igreja correspondem á inlencáo de Cristo, ministro princi
pal de qualquer sacramento. Jamáis se poderia supor, da
parte do Senhor Jesús, a intengáo de dividir o seu Corpo Mís
tico. A autoridade da Igreja até hoje nao se quis pronunciar
oficialmente sobre o assunto.

Os bispos assim ordenados se encarregaram de multipli


car ordenagóes sacerdotais e episcopais (talvez válidas, mas
ilícitas). Tal fato causón confusáo no povo espanhol.

3. Na verdade, a ordenagáo de sacerdotes sem autori-


zagáo do bispo respectivo, e a de bispos sem mandato de
Roma sao dos mais graves delitos que um bispo possa come
ter, pois esses atos violem a comunháo eclesial e dividem o
Corpo da Igreja; dúo, sim, origem a urna hierarquia nova,
principalmente se se trata de bispos, separada daquela que
está em comunháo com Pedro; constitui-se assim urna «igre-
jinha» á parte, cismática.

Visto que isto aconteceu na China, onde alguns bispos


católicos, premidos pelo Governo comunista, se prestaram a
conferir a ordem episcopal a candidatos do Governo partida
rios de cisma, o S. Padre Pió XII, aos 9 de abril de 1951,
houve por bem impor severa excomunháo aqueles que con-
firam ou recebam o episcopado sem explícita autorizagáo da
Santa Sé. Em conseqüéncia, Mons. Ngó Dinh Thuc e os cinco
presbíteros por ele ordenados bispos incorreram em excomu
nháo, como noticiou o Sr. Nuncio Apostólico na Espanha,
Mons. Luigi Dandaglio, quatro dias após o doloroso aconte-
cimento de El Palmar. Eis a noticia publicada por S. Exce
lencia :

"A Igreja tendo o dever de vigiar em favor da pureza da fé, da san-


tidade dos sacramentos e da observancia da disciplina eclesiástica, após
atento exame dos fatos concernentes ás presumidas ordenacSes episcopais
de El Palmar de Troya, declaramos que o arcebispo Pedro Martínho Ngó
Dinh Thuc e os sacerdotes Clemente Dominguez Gómez, Manuel Alonso
Corral, Camilo Estevez Puga, Michael Donnelly e Francis Bernard Sandler

— 156 —
EL PALMAR DE TROYA 17

¡ncorreram, no instante mesmo em que cometeram tal delito, na pena de


excomunhao muito especialmente reservada á Santa Sé.

Essa pena canónica foi instituida pelo decreto do S. Oficio datada


de 9 de abril de 1951, cujo teor é o seguinte:

'O bispo, de qualquer rito ou dignidade, que ordene bispo urna pessoa
nao nomeada pela Sé 'Apostólica ou nao explícitamente confirmada por esta,
assim como aqucle que recebe tal ordenacao, mesmo no caso de sofrerem
grave pressáo, incorrem ipso tacto em excomunhao muito especialmente
reservada á Sé Apostólica'.

Após esta solene afirmacáo, só nos resta pedir a Deus e fazer votos
para que os atos ácima referidos nao se repitam e os responsáveis pelos
mesmos, arrependidos de seu gesto, acolham o apelo do Vigário de
Cristo, que os convida a voltar á comunháo da Igreja.

Sevilha, aos 15 de fevereiro de 1976

(a) Luigi Dandaglio


Nuncio Apostólico"

Quanto aos candidatos que o arcebispo vietnamita ordenou


presbíteros, foram, sem demora, suspensos de ordens, isto é,
impedidos jurídicamente de exercer qualquer funcáo sacer
dotal : «Saibam que a Igreja nao reconhece, nem rcconhecerá
a sua ordenagáo e, para todos os efeitos jurídicos, os consi
dera no mesmo estado em que se achavam antes» (S. Con-
Kregacáo para a Doutrina da Fé). Esta medida bem se com-
preende; basta perguntar que garantías se tem de que os
ministros assim ordenados possuam as condigóes mínimas
para exerecer um ministerio sacerdotal ou episcopal digno
de tal nome ?

Na verdade, Mons. Ngó Dinh Thuc, pouco depois dos


dolorosos acontecimentos, arrependeu-se do que fez, pediu
a Santa Só a respectiva absolvigáo e exortou os bispos assim
ordenados a que reconhecessem o seu erro e desistissem de
realizar ilegítimas ordenacóes. O velho arcebispo foi absol-
vido, visto que estava profundamente contrito e se deixara
iludir pelo aspecto de fervor religioso dos adeptos do san
tuario de El Palmar. O Cardeal-arcebispo de Sevilha, Mons.
Bueno y Monreal, aos 14 de Janeiro de 1976, publicou longa
nota, em que esclarecía os fiéis nos seguintes termos :

"Desde que se propalou entre nos a noticia de pretensos fenómenos


sobrenaturais ocorridos em El Palmar de Troya ou em outros lugares desta
provincia, as autoridades diocesanas de Sevilha seguiram atentamente o
desenrolar dos fatos. Depois de os ter devidamente estudado e aprofundado,

— 157 —
18 «PERGüNTE E RESPONDEREMOS» 208/1977

chegaram á triste conclusio de que nSo só nao existem indicios de inter-


vencSes extraordinarias nesses locáis, mas, muito ao contrario, abundam
provas de que estas nao existem" (cf. "La Documentaron Catholique",
n? 1693, 7/111/1976, p. 234).

Apesar destas declaragóes da autoridade eclesiástica, o


fanatismo dos devotos, provenientes de fora da diocese de
Sevilha, continua a se exercer. Isto leva aínda centenas de
peregrinos a El Palmar, principalmente no dia 15 de cada
mes, especialmente reservado á devogáo noturna no lugar.
Nesse dia os bispos ilegítimos, que residem em Sevilha, váo
todos a El Palmar e concelebram a seu modo, isto é, cada
um diz a S. Missa á parte, mas todos nal mesma hora; a con-
celebragáo propriamente dita é, para eles, pecado. Todas as
noites apai'ece em El Palmar um de tais bispos para celebrar.
Na aldeia colocaram eles um pároco «nomeado por María
Santissima», pároco cujos paroquianos sao táo somente os
frades e as freirás das Congregagóes fundadas por Clemente.
Dos doze frades, somente um é espanhol, ao passo que das
quatorze freirás só duas sao espanholas (sendo urna a Prio-
reza, cujo estado de ñervos fez que tivesse de sair do seu
convento originario).

A excomunhao infligida pela Santa Sé parece nao ter


importancia aos olhos de tais «prelados», pois alegam que
sao os bispos da Espanha que estáo fora da comunháo da
Igreja pelo fato de admiürem a nova Liturgia da Missa e
nao terem proibido filmes como «Jesús Cristo Superstar». A
respeito do Papa pessoalmente nutrem a seguinte opiniáo :

"Do Papa pouco se pode esperar. Está cercado de maus assessores


e drogado. Quando fala, nao é responsável pelo que diz. Ñas ocasióes em
que aparece nos balcóes do Vaticano, nao é ele mesmo, mas urna réplica
de Paulo VI" (depoimento colhido por D. Luiz Vera Ordas, enviado especial
mente a El Palmar de Troya pela redagáo da revista "Iglesia-Mundo" ;
cf. n<? 107, ano VI, 1? quinzena de margo de 1976, p. 8).

Os peregrinos, em boa parle eslrangeiros, eontribuem


com dinheiro para a subsistencia e a expansáo das obras
materiais das Congregagóes fundadas por Clemente. Um grupo
de fiéis norte-americanos, por exemplo, depois de haver pas-
sado urna semana em El Palmar, repetía entusiasmado : «We
have seen Mary!» (Vimos María!). Nao é, pois, de estranhar
a noticia segundo a qual se estáo arrecadando milhóes de
dólares para construir urna basílica em El Palmar.

4. Últimamente Clemente foi atingido pela cegueira...


Insondável designio de Deus ! Todavía este fato mesmo pro-

— 158 —
EL PALMAR DE TROYA 19

vocou nova atitude de fanatismo : os adeptos de El Palmar


tém por certo que o Senhor restituirá a vista a Clemente,
oferecendo assim ao mundo um sinal retumbante de que a
obra do vidente é auténtica, ao passo que a atuacáo de
Paulo VI e da Santa Sé está pervertida. Eis significativo
texto extraído de um panfleto intitulado «Som e Imagem do
céu na televisáo de Deus. A palavra final sobre as mais
recentes aparigóes do sáculo», panfleto que os devotos de
El Palmar tém disseminado em língua portuguesa no Brasil:

"DOM CLEMENTE DOMÍNGUEZ PERDE OS DOIS OLHOS !

O DESAFIO DO SÉCULO.

A ÉTICA DA GRACA E A PALAVRA FINAL

Dom Clemente Domínguez Gómez, hoje bispo e principal videnle das


aparigóes em Palmar, perdeu em acídente de automóvel os dois olhos,
perfurados ou rasgados, ficando cegó irremediavelmentel.

O acontecimento, assim era de esperar, gerou emocáo entre os amigos


de Palmar, tanto na Europa, como nos demais continentes.

Como admitir que o íntimo amigo e confidente das mensagens celes


tes cm Palmar nSo houvesse merecido melhor sorle? Ou, quem sabe, nao
seria esse o sinal de que as tais mensagens eram urna farsa, e Clemente
um mistificador punido por Deus ?

Só dob meses depois voltaram os diálogos com o céu. Diante do


Santissimo Sacramento, na cápela, em presenca de seus confrades de
CongregacSo, em comovente súplica ao Senhor, Clemente pedíu-Lhe a
devolucao dos olhos perdidos. Ougamos a resposta :

'Entreguei todos os poderes á minha Máe Santissima para que Ela


te devolva os olhos...! Por ¡ntervencáo déla terás os dois olhos novos!
Ninguém pense que Palmar esteja sepultado. Mais que nunca está de pé,
porque a vitória está na PaixSo... A glorificado vem depois. Estou pre
parando o futuro Papa, passo a passo. Serás, futuramente, PEDRO, aquele
que consolidará a fé e a integridade da Igreja, opondo-se tenazmente as
heresias, e assistido por legióes de anjos !

Ó Palmar de Troya! És a segunda Jerusalém, gloria dos Oliváis,


esplendor do Pontificado ! Logo vira o reinado do anti-papa! En, porém,
estou formando o grande Papa.

Compadeco-me de ti pelas dores que experimentarás em tua missáo


de Pontífice t Caso nao aceites o cargo, um outro será escolhldo em
teu lugar'.

1 O laudo médico foi firmado a 16 de junho de 1976, no Hospital San


Sebastian, Espanha, pode ser visto por quem o desejar.

— 159 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 208/1977

Palmar de Troya, o maior lugar de aparicoes que houve, que há e


que haverá !...

No dia 7 de setembro, entre outras determinares, a Virgem María


assim falou :

'Clemente, Jesús entregou em minhas máos o poder de restituir-te


os olhos, quanto antes. Confia em mim !

é preciso entretanto que se pega com perseverando este milagre!


Que seja esperado! Diante deste milagre, muitos se converleráo !'

O GRANDE SUSPENSE

Nos quatro continentes, urna expectativa enche os coraedes pelo


anunciado prodigio. Nao pelo milagre em si, mas pelo que ele representa.

Ele representa:

O selo oficial de Deus á obra de Palmar.

Sela a nova hierarquia ali consagrada.

Sela a linha da doutrína tradicional mais urna vez.

Sela Dom Clemente no futuro Pontificado cj Igreja.


Sela a ingerencia da Virgem María como Pastora e Máe da Igreja I

Quem pretenderá insurgir-se contra o anunciado sinal ?

Certamente, quem nao aceita regras de um jogo limpo, e sao jurados


inimigos de Deus e da Virgem Marta. Esses preferem virar a mesa a perder
o jogo!

Há também os coitadinhos que andam por ai oferecendo a sua parap


sicología como farmacia portátil qu& tudo resolve sem milagre. É hora
entáo de desafiá-los a que corram a Palmar, enquanto é tempo, e ponham
dois olhos novos ñas órbitas vazias de Dom Clemente, antecipando-se a
Deus. Diríamos, porém, a todos eles, desde já: é melhor que calem
a boca!"

Estes dizeres, de um lado, provocam surpresa..., sur-


presa pelo fanatismo passional e obcecado dos sequazes de
El Palmar... De outro lado, suscitam compaixáo : como é
doloroso cror que os valores mais preciosos do homem, que
sao os da fé, estáo sendo ameagados e vilipendiados ! Tal ati-
tude dolorida, porém, se fundamenta em mal-entendidos ou
em informagóes distorcidas; poderia ser mitigada ou anulada
se os adeptos de El Palmar fossem mais esclarecidos a res-
peito do que está realmente ocorrendo na Igreja : os abusos,
em materia de liturgia e disciplina, nao provém dos ensina-
mentos do Concilio, mas devem-se a iniciativas arbitrarias de
pessoas ou grupos particulares, que, embora filhos da Igreja,
houveram por bem seguir seu alvitre próprio, pondo assim em
jogo o bem comum! A respeito de tais abusos tem-se pro-

— 160 —
EL PALMAR DE TROYA 21

nunciado repetidamente o S. Padre Paulo VI, profligando-os


e pedindo aos seus autores reconsideracáo das respectivas ati-
tudes. Quanto as normas oficiáis que regem a renovacáo ecle-
sial, sao inspiradas pelas puras fontes do Catolicismo e, por
conseguinte, isentas de mésela de protestantismo ou ideología
desvirtuada. Ademáis diga-se : a cegueira nao há de ser con
siderada necessariamente como castigo de Deus ou como
sinal de pecaminosidade da pessoa afolada.

2. Que pensar a tal propósito ?

Proporemos tres considerares :

2.1. Nao há dúvida. . .

Após os exames a que tem procedido a autoridade ecle


siástica, nao pode haver dúvida de que os fatos de El Palmar
nao merecem o crédito de fenómenos sobrenaturais, mas sao
pura expressáo da fe de gente simples, mal informada, des
tituida de senso crítico ou de gente doente e mentalmente
prejudicada. Ao menos parece ser este o caso da maioria dos
que tém participado ativamente de tais acontecimentos.

Mais explícitamente digamos :

a) A resistencia dos protagonistas dos episodios do El


Palmar á Santa Sé e aos bispos a esta unidos ó evidente sinal
de que nao se trata de obra inspirada por Deus. Toda atitude
piedosa que leve ao separatismo e á cisáo da Igreja fundada
por Cristo e entregue a Pedro, é piedade objetivamente falsa
(ainda que os seus adeptos possam estar subjetivamente de
boa fé ou candidamente engañados). Da mesma forma, ne-
nhuma «revelacáo do céu» que provoque a divisáo dos cris-
táos, pode ser atribuida a Deus.

b) As pretensas visóos do El Palmar hao do ser ava-


liadas pelos seus frutos, pois «é pelos frutos que se conhece
a árvore» (Mt 7,16-20). Ora visóes separatistas háo de ser
atribuidas á sugestáo de gente pré-disposta ao maravilhoso.
Santa Teresa de Ávila conhecia tal fenómeno existente entre
as monjas e os fiéis na Espanha do séc. XVI; tinha-o como
o resultado de exercícios ascéticos e mortificagóes mal orien
tadas, que, debilitando os ñervos e a resistencia física, propi-
ciavam um clima de descontrole da fantasía.. .; entáo eclo-
diam as visóes. A Santa curava o fenómeno, mandando servir
alimentagáo mais substanciosa aos «visionarios» !

— 161 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS»' 208/1977

c) Quanto aos estigmas de Clemente, constituem cri


terio extremamente débil de interven?áo do Senhor Deus.
Alias, deve-se observar que o extraordinario, na Tradicáo da
Igreja, significa muito pouco; merece mesmo suspeita nega
tiva até que se possa provar com argumentos objetivos que
nao é projeeáo subjetiva ou doentia da criatura.

Ao examinar a vida dos Santos, a jurisprudencia da


Igreja foi e é extremamente cautelosa no tocante a estigmas,
éxtases e fenómenos semelhantes. Assim já o Papa Bento XIV,
em sua época (1740-58), legislando sobre o assunto, admitía
causas naturais que podiam (e podem) provocar estigmas ;
hoje a parapsicología e a descoberta de fraude em varios
casos nos habilitam a usar de mais cautela ainda. De modo
especial, a Igreja foi muito severa durante o processo de
canonizagáo de Santa Gema Galgani (f 1903), a Santa que,
ao meditar a Paixáo do Senhor, era marcada por estigmas
e sinais extraordinarios ; o único dado que a Igreja oficial
mente aprovou no caso, foram as virtudes heroicas da Santa,
nao, porém, os fenómenos singulares; apenas interessou aos
canonistas averiguar que nao houvera a minima fraudulencia
ou intengáo de vaidade por parte da Santa estigmatizada.

2.2. Tem futuro ?

Pergunta-se se a obra cismática iniciada em El Palmar


de Troya tem perspectivas de futuro ou de duragáo.

Sem ter a pretensáo de profetizar, podemos apontar dois


motivos que levam a crer num próximo esmorecimento do
fervor inicial:

a) as ordenagóes de bispos cismáticos «em cadeia», as


quais deixaram os fiéis espanhóis perplexos e desfavoravel-
mente impressionados ;

b) a cegueira de Clemente, que veio prejudicar as ati-


vidades deste chefe.

Verdade é que o fanatismo é sempre difícil de ser erra


dicado; a Espanha até hoje sofre as conseqüéncias dani-
nhas das «visóes» de Garabandal e da Legiáo Branca que,
em conseqüénda, lá se fundou.

Os fiéis católicos nao podem deixar de pedir a Deus,


juntamente com a recuperagáo da vista do líder, a reintegra-
cáo dos cismáticos na unidade da Igreja.

— 162 —
EL PALMAR DE TROYA 23

2.3. Visóes e revelacóes particulares

O episodio de El Palmar de Troya tem seu vemiz sedu-


tor pelo fato de tais acontecimentos se dizerem desencadea-
dos por intervengáo extraordinaria da SS. Virgem e de Cristo.
Valorizam-se entáo as revelacóes particulares mais do que o
magisterio oficial da Igreja. A propósito ja foram publica
das certas observ.'icóes em PR 206/1977, pp. 77-90.
Deve-se aínda consignar que, simultáneamente com o
caso de El Palmar, se vai desenrolando o de D. Marcel Le-
fébvre. Este bispo nao apela para visóes ou revelacóes, mas
para doutrinas teológicas que ele também sobrepóe á autori-
dade oficial da Igreja. Assim no ano de 1976 o S. Padre
Paulo VI e a Igreja se viram colocados diante dos dois mais
graves episodios de indisciplina episcopal registrados nos últi
mos anos. Dos dois o de D. Lefébvre parece o mais grave e
renitente.

Embora suponham realidades históricas, geográficas e


sociais diferentes, ambos os casos tém em comum a nota do
subjetivismo; antes seguir intuicóes pessoais ou particulares
do que a voz oficial e pública da Igreja. O homem se faz
arbitro supremo das comunicagóes de Deus aos seus irmáos,
por mais incompatíveis que as suas conclusóes se tornem com
a ordem vigente, objetiva e imprescindivel da Igreja. É claro
que tais principios sao portadores de gérmens de esfacela-
mento e destruigáo dos maiores valores; há neles algo (ou
muito) do subjetivismo luterano, que acarretou o cisma do
séc. XVI e do qual hoje se lamentam táo dolorosamente os
cristáos na procura de restaurar a unidade violada. Se nao
se admitem instancias objetivas dentro do Cristianismo, aptas
a garantir a unidad^ e a coesáo de todos, evitando os indivi
dualismos mortais, diga-se entáo que Cristo inútilmente pre-
gou o Evangelho na térra ou mesmo foi simplório e imprevi-
dentc; e, se simplório e imprevidente, nao foi Deus e Homem,
mas táo somente um grande homem,... um grande homem
cuja autoridade muito perde pelo fato de ter sido impre
vidente ...

Eis as idéias deletérias que, em última análise, estáo


incluidas na atitude de D. Lefébvre e na dos líderes de El
Palmar. Donde se vé a veracidade do lema: ou os cristáos
seguem a Igreja no que ela oficialmente professa e determina,
ou simplesmente se assonhoreiam da doutrina e da obra de
Cristo, e as distorcem cada um para o seu lado, desfiguran
do-as e sufocando-as por completo.

— 163 —
Renovacáo e conservadorismo:

que é a chamada "missa de sao pió v" ?

Em sinlese: A Missa de Sao Pío V tem sido o ponió de referencia


da ortodoxia de muitos dos conservadores católicos que se opóem á reno
vacáo da Igreja apregoada pelo Concilio do Vaticano II. Fala-se muito de
tal "Missa", mas poucos sabem o que esta expressao significa, e o valor
de criterio de ortodoxia que ela tenha ou nao tenha. Ora um grande perito
da Liturgia explica o que quer dizer propriamente "Missa de SSo Pió V"
e tece consideracóes a respeito do conservadorismo católico. Em poucas
palavras, mostra que nada de essencial fol modificado na Liturgia, nem
houve ai infiltracáo protestante. Por conseguinte, é atitude pouco lógica
fazer da "Missa de Sao Pió V" um símbolo de resistencia á renovacao
da Igreja. y
* * #

Comentario: Em nossos dias os movimentos conserva


dores dentro da Igreja, como os de D. Marcel Lefébvre El
Palmar de Troya e outros (as vezes inspirados em revelacóas
particulares), apelam para a Liturgia de Sao Pió V como
sendo a genuina expressáo da ortodoxia católica, pretensa
mente deturpada pelo novo ritual promulgado por Paulo VI
Em conseqüéncia, ouve-se falar freqüentemente de «Liturgia
ou Missa de Sao Pió V», em contraposigáo a nova Liturgia
eucanstica; todavía poucas pessoas sabem exatamente qual
a diferenca entre urna e outra e quais as verdades ou os
valores que assim estáo em jogo.

Eis por que, a seguir, vamos reproduzir em traducáo


portuguesa a palavra de um estudioso de grande autoridade,
Mons. Aimé-Georges Martimort, professor no Instituto Cató
lico de Tolosa e consultor da S. Congregacfio para o Culto
Divino. Traz o título «Mais qu'est-ce que la Messe de Saint
Pie V ?» (Mas que é a I üssa de Sao Pío ?), e foi publicado
no jornal «La Croix» de 26/VIII/1976, assím como no fas
cículo «Notitiae» (outubro de 1976) da mesma S. Congre-
gagáo.

As sabias explicagóes do autor sao aptas a elucidar a


questáo, desfazendo dúvidas que alguns fiéis ou grupos pos-
sam alimentar a respeito da nova Liturgia da Missa.
Eis o texto em foco :

— 184 —
A «MISSA DE SAO PIÓ V» 25

1. Introdugao

«Aqueles que preconizam aderir ao rito da Missa de Sao


Pió V, teriam dificuldade seria para utilizar um exemplar do
Missal publicado em 1570 pelo Papa dominicano ; só existem
alguns exemplares ñas grandes bibliotecas-arquivo, as quais
nao costumam emprestar as obras do sáculo XVI. Por con-
soguinte, contontam-se simplesmente com livros que se encon-
tram nos armarios das sacristías e que, desde a página de
título, dao a saber que 'o Missal editado por ordem de Sao
Pió V foi revisto por encargo de outros Papas e reformado
por Pió X'. Os documentos liminares explicam o papel de
Clemente VIII e Urbano VIII; isto — diga-se de passagem —
mostra que nunca foi considerada intocável a reforma litúr
gica do Concilio de Trento. De resto, esse mesmo Missal pas-
sou por suas últimas modificacóes ás vésperas do Concilio
do Vaticano II, em 1962; e mesmo durante a primeira ses-
sáo do Concilio, Joáo XXIII fez proclamar em plena assem-
bléia conciliar que havia resolvido acrescentar o nome de
Sao José no venerável Canon Romano, ao qual ninguém
tocara havia sáculos.

Do mesmo modo, o Breviario editado por Sao Pió V. tor-


nou-se o objeto de numerosas reformas sucessivas, das quais
as mais importantes foram assinadas por Sao Pío X, por
Pió XII e por Joáo XXIII. É verdade que os simples fiéis,
ignorando os problemas do Oficio dos clérigos, nao se apai-
xonariam pro ou contra as modificacóes por que tenha pas-
sado; mas nenhum dos clérigos que hoje movem ruidosa cam-
panha, pensaría em voltar ao Oficio contido no Breviario de
fins do sáculo XVI, pois o tamanho deste, se o conhecessem,
lhes parecería excessivo.

2. As razóes da oposi§6o

Finalmente, as pessoas se valem do nome de Sao Pió V


para opó-lo ao de Paulo VI, pois sob a autoridade de Paulo VI
é que foram publicados o Ordinario da Missa de 1969 e o
Missal completo de 1970. Mas qual o fundamento exato dessa
oposicáo ?

Esse fundamento nao podem ser os abusos que se verifi-


cam em tal igreja ou cápela, mesmo que esses maus exemplos
sejam assaz freqüentes. O Papa e os bispos os tém censu
rado com nitidez suficiente para que nao haja equívoco ; de
resto, os que cometem abusos, recorrem a textos que nao

— 165 —
26 <;PERGUNTE E RESPONDEREMOS?- 208/1977

estáo no Missal e a práticas que contradizem as prescrigóes


deste.

Será essa oposicáo táo somente um episodio da velha


disputa ilustrada por Claudel referente á 'Missa ao avesso' ?1
Mas a celebracáo frente ao povo sempre foi praticada pelo
Papa em suas basílicas e era expressamente prevista como
possivel ñas rubricas do Missal de Sao Pió V.

Será entáo que essa oposigáo vem a ser urna expressáo


do sofrimento que experimentaram muitos cristáos quando
viram desaparecer bruscamente dos nossos Oficios o latim, e,
conseqüentemente, as melodías gregorianas ou as polifonías
do Renascimento ? Por certo, essa dor é compreensível e
merece respeito, mas a causa desse sofrimento nao pode ser
imputada ao Missal dé Paulo VI; este se acha redigido em
latim; conserva os textos veneráveis compostos por Sao Leáo
e Sao Gregorio. Por conseguinte, é licito ao sacerdote que
celebre sem a presenga de urna assembléia ou diante de um
grupo particular, utilizar o Missal latino de Paulo VI e o livro
de canto que lhe corresponde, publicado em 1973 pela Abadia
de Solesmes. Em todas as grandes cidades, os pastores de
almas procuram gcralmente oferecer aos fiéis que o desejem,
urna Missa de domingo em latim.

O Concilio exprimiu também o desejo explícito de que


todos os fiéis sejam acostumados ao canto latino de certos
textos do Ordinario da Missa para poder participar de assem-
bléias internacionais por ocasiáo de peregrinagóes ou Con-
gressos. Na Alemanha, verifiquei que a multidáo de fiéis
que participavam da Missa das maiores festas, estavam fami
liarizados com esses cantos, a ponto que o celebrante podia
ser um francés; alias, a 'Schola cantorum' (o coro) inter-
pretava também um repertorio polifónico latino. Talvez nos
na Franga sejamos incapazes do meio-termo, ou desse equili
brio entre o latim e as línguas modernas, que foi intencio
nado e definido pelo Concilio do Vaticano II após laboriosos
debates e trabalhos de comissáo, dos quais posso dar teste-
munho porque deles participei.

Mas nao haja equívoco : a celebragáo da Liturgia em


língua vernácula é um progresso irreversível; a oragáo da
Igreja nao pode ser reservada aqueles que possuem a cultura
clássica (sao, alias, cada vez mais raros); em nossa época a

1 "Missa ao avesso", no caso, é a Missa celebrada de frente para


os fiéis.

— 166 —
A «MISSA DE SAO PIÓ V» 27

fé do carvoeiro já nao pode bastar, se é que alguma vez


tenha sido suficiente. Os monges mesmos foram progressiva-
mente seguindo o movimento, nao por moda, mas pelo desejo
de dar maior profundidade espiritual á sua oragáo. Estes
aspectos positivos sao plenamente válidos, apesar das dificul-
dades com as quais nos deparamos no tocante á qualidade
das tradicoes, á criatividade musical e, em certos países, as
divisóos lingüísticas: cssas dificuldadcs foram longamente
ponderadas, visto que o debate no Concilio durou semanas.

Nem por este motivo, pois, se pode opor a Missa de Sao


Pió V á Missa de Paulo VI.

3. As diferengas entre as duas Liturgias


Quais sao entáo as diferencas entre esses dois ritos euca-
rísticos ?

O texto do Canon Romano é idéntico nos dois Missais,


com excegáo de aproximadamente tres modificagóes: a 'Isto
é meu corpo' acrescentou-se 'entregue por vos' ; em vez de
'Todas as vezes que fizerdes isto...', diz-se mais simples-
monte : Taréis isto em memoria de mim'; a fórmula 'Mys-
terium fidei' (Misterio da fé), que nao fazia parte das pala-
vras de Cristo, foi colocada depois délas, e agora serve de
convite ao povo, para que diga a aclamacáo inspirada por
Sao Paulo : 'Proclamamos a vossa morte.. .'

Do 'Pai Nosso' ao fim da Missa as mudangas sao mini-


mas ; deve-se notar que foi supresso o último Evangelho, que
o bispo recitava particularmente ao deixar o altar, e que na
Missa dos sacerdotes dava a indevida impressáo de ser um
recomeco. No inicio da Missa o salmo 'Iudica me' era fre-
qüentemcnte omitido, como, por exemplo, ñas Missas dos
morios; atualmente o ato penitencial tem mais relevo o com
porta mais variedades.

Evidentemente foi o Ofertorio que, ñas sessóes da Co-


missáo do 'Consilium' romano, deu lugar as controversias mais
vivas (teólogos e liturgistas já o discutiam havia tres sécu-
los); foi o Ofertorio que sofreu a modificagáo mais decisiva:
a maioria das oragóes que outrora o sacerdote dizia em voz
baixa, repetiam-se ou antecipavam indevidamente as fórmu
las da Oracáo Eucaristica. Por outro lado, na pastoral popu
lar dos anos de 1935 a 1950 haviam proliferado interpreta-
góes alegóricas do Ofertorio, que acarretavam o perigo de

— 167 —
28 ^PERGUNTE E RESPONDEREMOS-) 208/1977

se esquecer o essencial; por conseguinte, a simplificagáo se


impunha. Por último, a restauragáo da Oragáo Universal, tra
dicional na antigüidade, e que persistía sob a forma das Ora-
góes ao pé da cruz na sexta-feira santa, foi favoravelmente
acolhida em toda a parte, se bem que a maneira de executá-la
ainda nao seja sempre a ideal.

Será que o novo 'Ordo Missae' será censurado por ofe-


recer tres Oragóes Eucaristicas, em livre concurrencia com
o Canon Romano? Dersas oragóes, urna é a mais antiga que
se conhega : a de Hipólito de Roma, do inicio do sáculo III;
as duas outras, principalmente a que traz o n' 4, aproxi-
mam-se da tradigáo oriental; exprimem, em termos por vezes
mais claros do que os do Canon Romano, o caráter sacrifical
da Missa e a oblagáo do Cristo pela Igreja.

E o novo sistema de leituras da Missa suscita queixas ?


Possibilita a todos os fiéis terem doravante o conhecimento
de todo o Novo Testamento e das passagens mais importan
tes do Antigo; neste particular, a Liturgia bizantina nos dava
o exemplo. Por certo, urna tal distribuigáo nao podia ser
perfeita logo na sua primeira esquematizacáo ; será objeto
de ulteriores retoques, que só a experiencia de varios anos
poderá sugerir. Todavía ela exige, da parte dos sacerdotes,
urna cultura bíblica, que geralmente nao tinham adquirido ;
principalmente exige fe na Palavra de Deus. Nao posso ima
ginar que alguém dentro os sacerdotes queira voltar á antiga
distribuigáo dos Evangelhos e das Epístolas, tanto para os
domingos como para os dias de semana.

4. Por que a campanha contra


«a Missa de Paulo VI» ?

Donde vem essa cnmpnnha contra «a Missa de Paulo VI»?


Embora seja ruidosa na Franga, nao ó da Franga que ela
procede. Alias, devo dizer que D. Marcel Lefébvre nao tomou
a palavra nos debates da primeira sessáo do Concilio con-
cernentes ao projeto da Constituigáo Litúrgica; ele havia de
intervir aos 26 de outubro de 1962, mas, talvez por causa
da hora tardía, ele se contentou com a entrega de seu texto
escrito ao Secretariado, que o transmitiu fielmente á comis-
sáo : queixava-se táo somente da ambigüidade do texto pro-
posto no referente aos principios que regeriam a adaptagáo
litúrgica, e mostrava-se inquieto ao considerar as faculdadss
que eram outorgadas as Conferencias Episcopais ; desejava,

— 168 —
A * MISSA DE SAO PIÓ V? 29

antes, que a autoridade em materia litúrgica ficasse por


inteiro ñas máos do Papa.

Foi na própria Roma que teve lugar o inicio das hostili


dades ; pouco depois da publicagáo, em abril de 1969, do
novo 'Ordo Missae' (Liturgia da Missa), dois sacerdotes ita
lianos, dos quais um, se nao me engaño, integrava o corpo
de oficiáis de uma Congregacáo Romana, e o oulro Iccionava
em uma Faculdade eclesiástica, rcdigiram uma brochura de
29 páginas intitulada 'Breve esame critico del novus Ordo
Missae' ; essa brochura foi encaminhada a Paulo VI pelos
Cardeais Ottaviani e Bacci, os quais explicavam, em carta
anexa, o seu pensamento assim concebido: 'se se consideram,
nesse novo Ordo Missae, os elementos novos suscetíveis de
interpretagóes muito diversas que ai parecem subentendidas
ou implicadas, deve-se dizer que a nova Liturgia Eucaristica
se afasta, de maneira impressionante, tanto em seu conjunto
como em seus pormenores, da teología católica da S. Missa
tal como foi formulada na 22a. sessáo do Concilio de
Trento..." E a carta terminava com o voto de que fosse
mantida 'a possibilidade de continuar a recorrer ao integro
e fecundo Missal Romano de Sao Pió V...'. Essa carta se
tornou de dominio público : na Italia, onde alias se moviam
tristes e caluniosas campanhas contra o Cardeal Lercaro,
presidente do 'Consilium' litúrgico, os hebdomadarios e alguns
jornais apoderaram-se déla. Na Franca, a mesma foi repro-
duzida em 'Ilinéraires' de dezembro 1969. Contudo, em feve-
reiro, o Cardeal Ottaviani declarou 'lamentar que tivessem
abusado do seu nome num sentido que ele nao desejava, pela
publicagáo de uma carta que ele enderegara ao Santo Padre,
sem autorizar a sua publicagáo'. Ele se declarava satisfeito
com as explicagóes doutrinárias que o Papa oferecera em
dois discursos de novembro de 1969.

Finalmente, a Congregacáo para a Doutrina da Fé exa-


minou todo o dossié : vorificou que nenhumu crítica válida
era feita ao Ordinario mesmo da Missa, a seus textos ou
rubricas. Únicamente na Institutio Generalis Missalis, Romani
isto é, na longa introdugáo preliminar do Missal tinham sido
apontadas as fórmulas que haviam provocado a celeuma:
nenhuma estava errada, sem dúvida, mas diversas, tomadas
isoladamente, podiam ser julgadas incompletas, principalmente
um certo artigo 7, precipuo cávalo de batalha dos opositores.
Em conseqüéncia, por ocasiáo da edicáo do Missal completo,
promulgado aos 26 de margo de 1970, para evitar todo equi
voco no futuro, varios artigos dessa Apresentagáo foram

— 169 —
30 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1977

ampliados; a mesma Apresentagáo foi precedida de um


Preámbulo, que oferecia em 15 artigos um resumo da dou-
trina eucaristica conforme o ensinamento dos Concilios de
Trento e do Vaticano II. Esses textos aparecem no inicio de
todos os Missais de altar latinos e franceses; por conseguinte,
podem ser fácilmente consultados.

5. Um símbolo
A discussáo podia ter cessado logo após. Na verdade,
porém, a Liturgia contra a qual se dirige o ataque, era táo
somente um símbolo : a reforma da Liturgia da Missa é a
manifestagáo mais palpável, popular e universal da obra de
atualizagáo da Igreja, empreendida por Joáo XXHI, pro
posta pelo Concilio e posta em marcha pelo Papa Paulo VI.
A recusa da nova Liturgia, os ataques outrora lancados con
tra o Cardeal Lercaro ou hoje contra Mons. Bugnini sao
apenas um aspecto de uma recusa mais geral, e explicam que
sejam atacados simultáneamente o Concilio, o Papa e os
Cardeais que o Papa encarregou das mais altas responsabi
lidades do após-Concílio. No dia mesmo do encerramento do
Concilio, D. Lefébvre e um sacerdote seu amigo expunham,
á mesa a que tinham sido convidados como eu, as razóes
jurídicas de que se valiam para considerar inválidas algumas
decisóes do Concilio do Vaticano II. Tinham eles prestado a
devida atencáo as intervencóes dos padres conciliares de
todos os países que descreviam a evolugáo do mundo e os
problemas que ela coloca para a Igreja de hoje? Nao tinham
eles observado a unanimidade que, no decorrer de quatro
anos, tinha progressivamente reunido os espíritos e os cora-
góes de mais de 2.000 bispos após confrontes táo vivazes
quanto os dos Concilios dos sáculos passados ?»

Como se vé, segundo Mons. Martimort, a rejeieáo da


nova Liturgia Eucaristica nao é senáo a expressáo de toda
uma atitude anti-renovadora que se apoderou de certos setores
de católicos. Estes nao aceitam nenhuma forma de revisáo
da disciplina (nao dizemos:... da fé ou dos artigos do Credo)
da Igreja. Por principio, fecham-sc.
Donde a pergunta lógica: E por que táo peremptório
negativismo ?
A explicacáo é sugerida pelo artigo seguinte, ao qual
remetemos o leitor.

— 170 —
Aínda o caso de D. Lefébvre:

e por que "nao" a renovacao?

O Prof. Dr. Lukas Vischer é o Direlor do Secretariado


de «Fé e Constituieáo» do Conselho Mundial das Igrejas.
Protestante de cultura e visáo, analisa o caso do eonservado-
rismo de D. Marcel Lefébvre e de outros líderes ou grupos
cristáos (católicos e nao católicos) em nossos días, pro
curando deseobrir a, razáo de tal atitude. Como se compreen-
de, o assunto é altamente complexo ; numerosas sao as cau
sas de conservadorismo hoje1. Como quer que seja, o Dr.
Lukas Vischer parece apontar urna, que é básica. Eis por
que transcrevemos abaixo, em tradueáo portuguesa, um ar
tigo deste pensador, publicado em «Service Oecuménique de
Presse et d'Information» (SOEPI), de dezembro de 1976.

Embora protestante, o articulista considera com objetivi-


dade e fidelidade a atitude de D. Lefébvre e pensadores con
géneres, propondo válidas reflexóes sobre o problema e le
vando em conta especial as repercussóes do conservadorismo
sobre o movimento ecuménico (reconstituigáo da unidade
rompida pelos cismas dos séculos V, XI e XVI).

Eis o texto em foco :

1. D. Lefébvre e a Tradicao

«Já há alguns meses - que o conflito levantado na Igreja


Católica Romana por D. Lefébvre e seu movimento ocupa
as manchetes da imprensa ocidental. Todavía seria erróneo
deixarmo-nos impressionar, de modo especial, pelo impacto
do caso. A orientac.áo tomada pelo Concilio do Vaticano II
é irreversível. Afinal de contas, o protesto de D. Lefébvre
nao tem futuro. Nao obstante, o acontecimento é significa
tivo ; trata-se de 'urna voz de baixo' que acaba de se fazer
ouvir.

i Por "conservadorismo" entendemos o espirito de conservagáo obce


cado e fanático, nao o sadio espirito de fideiidade a valores que, em hipó-
tese alguma, podem ser lancados fora.
- Ou mesmo : ... muitos meses (Nota do tradutor).

— 171 —
32 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 208/1977

Esse confuto nao é especifico da Igreja Católica Romana.


D. Lefébvre tem irmáos em numerosas Igrejas : cada Igreja
tem sua forma própria de tradicionalismo,... tradicionalismo
" que assume as características típicas da respectiva Igreja,
exprimindo-se em movimentos de integrismo ou confessiona-
lismo ou fundamentalismo ou oposigáo a qualquer reforma
litúrgica. Se bom que as difcrengas entre uns e outros pare-
gam grandes á primeira vista, elas na verdade tém muita
■coisa em comum. Varias das declaragóes de D. Lefébvre po-
deriam ter sido escritas também por outros líderes funda-
mentalistas. Compartilham a mesma insistencia sobre a ver
dade recebida, a mesma apología do estilo de missáo que
estava em voga no sáculo XIX, as mesmas opinióes políticas
conservadoras, o mesmo anticomunismo cegó...

Entáo, perguntamo-nos, por que foram necessários dez


anos para que essa mentalidade explodisse ?1 D. Lefébvre
bem participou do Vaticano II. Por que nao sofreu ele na-
quela época o mesmo impacto ? Esta reagáo tardía está, sem
dúvida, relacionada com a mudanga de atmosfera fundamen
tal que se realizou depois do Concilio. A década de 1960 foi
marcada pelo surto de novas perspectivas e concepgóes da
Igreja e da sociedade. Pensavam muitos que a Igreja pudesse
voltar a ocupar o seu lugar e o seu propósito em conseqüén-
cia da renovagáo. Hoje essa esperanga propulsora desapa-
receu. A renovagáo da Igreja mostrou-se muito mais difícil
do que previam muitos daqueles que alimentavam esperanzas
simplonas. Os problemas da sociedade multiplicaram-se e
parecem hoje ser insolúveis. Este fato criou urna atmosfera
propicia para gerar a nostalgia das certezas da tradigáo. E
muitos chegaram assim á conclusáo de que, se a renovagáo
nao conseguiu solucionar os problemas, devemos ter a liber-
dade de voltar á Tradigáo, que nos dará ao menos a forga
necessária para fazer frente aos problemas de hoje. Deveria
ser claro, porém, que urna tal reagáo é ilusoria. Pois, concre
tamente, ela equivale a capitular diante dos desafios con
temporáneos.

Essa nova tendencia ao tradicionalismo poderia fácil


mente levar as Igrejas a reduzir o seu compromisso com o
movimento ecuménico, ou mesmo a abandoná-lo. Elas diráo
que tém a obrigagáo de respeitar a sensibilidade dos seus
membros conservadores, e que continuar na via do ecume-

Dez anos a partir do término do Concilio do Vaticano II (1965).

— 172 —
POR QUE «.NAO A RENOVACAO? 33

nismo implicaría um risco serio de tensóes e de divisóes no


seio de cada Igreja. Todavía esta seria urna conclusáo preci
pitada e errónea. Ao contrario, torna-se necessário ver no
surto de movimentos tradicionalistas um problema comum a
ser tratado em consultas recíprocas. Será realmente preciso
considerar o movimento ecuménico como ruptura com a Tra
digáo? Nao será mais exato afirmar que o movimento ecumé
nico oferece melhor possibilidade de vivermos da experiencia
da Tradigáo? Assim a melhor resposta a dar aos movimentos
tradicionalistas seria o pedido de que continuem a caminhar
na estrada em demanda da unidade da Igreja.

Aqueles que se comprometeram com o movimento ecu


ménico sao, em ultima instancia, os tradicionalistas mais
conscienciosos ! Enquanto os tradicionalistas de hoje consi-
deram um passado relativamente recente como autoridade
obrigatória para eles — a Liturgia de Pió V, o reavivamento
do séc. XIX, o biblicismo, etc. —, os ecumenistas procuram
voltar a auténtica fonte da Tradigáo. Enquanto os primeiros
se opóem aos desafios do momento presente, os outros (os
ecumenistas) tentam, ainda de maneira inadequada, prestar
ouvidos, no caudal da Tradigáo, 'á Palavra de Deus que se
dirige a nos hoje. É essenciaí, para o movimento ecuménico,
dar a compreender esse genuino respeito da Tradigáo que nos
anima, que nos inspira e que nos permite responder a situa-
góes novas».

A estas interessantes reflexóes seja proposto

2. Breve comentario

Dois pontos parecem merecer especial atengáo :

,2.1. Igreja e Igrejas

O Dr. Lukas Vischer fala de «Igrejas». Fá-lo como pro


testante, cntendendo por «Igreja» urna aglomeragáo de cris-
táos que procuram animar-se mutuamente pela leitura da
Palavra de Deus e a celebragáo da ceia (= memorial do
Senhor), sem, porém, admitir o sacramento da Igreja, isto é,
a realidade divina da Igreja fundada por Cristo e entregue
a Pedro. Em linguagem católica, dir-se-ia, a rigor, que existe

— 173 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 208/1977

urna só Igreja de Cristo (aquela apascentada por Pedro e


seus sucessores em nome de Cristo); fora desta, há comu
nidades eclesiais (a luterana, a anglicana, a metodista...).
Todavía mesmo em documentos católicos de boa nota já se
tem utilizado a palavra «Igrejas», sem que por isto se ten-
cione modificar a eclesiologia católica (o motivo desta nomen
clatura é tnlvez o fato de ser mais simples e breve). Por
conseguinte, o artigo do Dr. Vischcr podo ser sadiamente
entendido por católicos, mesmo que fale de «Igrejas».

2.2. A tese do artigo

O articulista quer-nos dizer que muitos fiéis católicos


confiaram no programa de renovagáo da Igreja elaborado
pelo Vaticano II, porque julgavam que tal programa resti
tuiría á Igreja toda a posicáo de autoridade e prestigio que
as transformacóes sociais dos últimos decenios lhe subtrairam.
Foram averiguando, porém, que os problemas da sociedade
ou da humanidade de hoje sao tais que as tentativas de por
em prática a renovagáo da Igreja nao deram os frutos ime-
diatos que déla osperavam; muitos filhos da Igreja nao enten-
deram devidamente as intenqóes do Vaticano II; outros, se
as entenderam, deram-lhes na prática interpretagóes erró
neas, suscitando crcitos que pstavam (c esláo) frontalmente
em oposigáo as inlencóos do Concilio; o pluralismo da socie
dade de hoje, a mentalidade existencialista, as correntes hedo-
nistas, o psicologismo e a influencia da filosofía de Freud,
entre outros fatores, contribuiram para que muitos membros
da Igreja Católica dessem falsa orientagáo aos programas
de renovagáo da Igreja. Em conseqüéncia, houve decepgóes,
perplexidade e amargura em muitos católicos de boa fé e
santas intencóes. Estes provocam e alimentam a onda tradi-
cionalista, que no caso ó saudosista, c que nao pode ter
futuro, pois que ó impossivel ignorannos a evolucáo dos tom-
pos e a necessidade de dar á S. Igreja expressóes compreen-
síveis aos homens de hoje (sem que por isto sejamos traidores
em relagáo á Verdade revelada por Cristo).

— 174 —
Um discurso de paraninfo:

delicias humanas e ensino brasileiro

Publicamos, a seguir, o discurso de paraninfo de urna


turma de Historia da Universidade Santa Ürsula (Rio de Ja
neiro), que colou grau aos 19/12/76. O mestre autor deste
trabalho foi o Professor Vicente Costa Santos Tapajos, titu
lar de Historia Contemporánea naquela Universidade.

Essa peca magistral tem valor principalmente por salien-


tar alguns problemas importantes :

1) Refere as precarias condic.óes do professorado no


Brasil... As preocupacóes do pragmatismo e do imediatismo
fazem que se atenué a qualidade da preparagáo dos mestres.
A tendencia é fazer que se multipliquem professores, mas
professores de baixo nivel intelectual e profissional, com detri
mento dos mestres que desejem adquirir mais esmerada pre-
paragáo para melhor exercicio do magisterio.

De modo especial, o Prof. Tapajós lamenta os termos


da Portaría 790 do Ministerio da Educacáo e Cultura, men
cionando protestos de diversas Universidades, aos quais PR
se associa por estas suas páginas : a improvisaeáo de pro
fessores e profissionais mediante a Licenciatura curta pode
talvez beneficiar certos pontos do país, mas redunda em detri
mento do ensino e da vida profissional no Brasil em geral.

2) O discurso do Prof. Tapajós também menciona o es-


vaziamcnlo do esludo das ciencias humanas e, em especial,
da Historia. É esta mais urna conseqüéncia do imediatismo e
pragmatismo. Os interesses da sociedade de hoje se voltam
principalmente para as ciencias ditas «exatas» (por mais
hesitantes que sejam) e a tecnología, pois estas asseguram
carreira e futuro... Sem negarmos a necessidade indispen-
sável da técnica e dos meios de subsistencia de nossos pro
fissionais, desejamos lembrar que, se nao se pensa no homem
com grande carinho, a sociedade pode tornar-se um campo
de batalha em que as máquinas, movidas por poucos peritos,
esmagaráo familias e populares. Quem avalia o saber táo

— 175 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS»» 208/1977

somente pela utilidade prática ou produtiva que ele tenha,


deprecia-o e redu-lo á qualidade de meio ou instrumento, pois
o subordina a urna finalidade ulterior. O saber é valor em si
mesmo, independentemente da utilidade produtiva que lhe
sobrevenha.

O discurso do Prof. Tapajós, dando tcstemunho de tais


kióias, nu'rwro ser lido coni ntcncáo.

1. Elevada e ardua missao do professor

«Este ano de 1976 é particularmente importante para


mim por dois motivos : completo quarenta anos de magiste
rio, quarenta anos em que venho lidando, diariamente, sem
interrupgóes, com dezenas e dezenas de jovens, numa entrega
de amor e compreensáo. E, também vinte anos se passaram
desde que, pela primeira vez, tive a honra de paraninfar um
grupo de professorandas da Faculdade de Filosofía Santa
Úrsula.

Foi, pois, com imenso prazer e muito orgulho, como se


fora urna homenagem em comemoragáo aqueles eventos, que
recebi o convite para ser o padrinho de voces.

Muito obrigado, meus amigos. Desde que os conheci, ha.


dois anos, foi assim que os considerei : amigos, mais do que
alunos, companheiros que estudavam comigo, que se abriam
comigo, que procuravam comigo resposta para dúvidas e so-
lugáo para problemas.

Desde o primeiro momento, compreendi a honestidade


das intengóes com que se langavam á carreira, táo pouco res-
peitada, mas táo respeitável, do magisterio. Acompanhei aten
tamente a sua íormacño, o devolamento com que esludaram,
o carinho que dedicaram 'ás disciplinas de seu curriculo.

Sinto que estáo preparados para a pesada missáo que


tém a cumprir, pois bem conhecem a sua responsabilidade.
Acreditam — como eu acredito — que nossa missáo nao é
apenas ensinar. A educacáo deve ser feita fundamentalmente
no lar, mas, na atual conjuntura, deve ser promovida igual
mente na escola, onde muitos hábitos podem ser adquiridos
ou modificados. O professor é, por isso mesmo, em última
análise, o arquiteto do Futuro. Pode plasmar heróis e sabios,
grandes políticos e generáis vitoriosos, os homens de bem e

— 176 —
CIENCIAS HUMANAS E ENSINO BRASILEIRO 37

as máes de familia. Mas o professor é também um domador


de instintos. Deve vencer o deboche, combater o vicio, denun
ciar o crime, transmitir o respeito á lei e á moral.

O professor é um médico de almas. Deve destruir o de


sánimo e orientar os discípulos no estudo e nos problemas da.
vida. Estudar-lhes a personalidade e tentar corrigir as dis-
totX'óes.

O professor é, antes de tudo, o amigo, que dá apoio e


perdoa, que aplaude e se rejubila com os éxitos e as con
quistas.

Todos nos, seus mestres, temos tido oportunidade de


realizar alguma coisa nesse sentido. Por isso sentimo-nos
felizes.

Anónimamente, continuaremos o bom combate e — o


que é mais importante — mais fortes sempre, ao contrario
do que deveria ser, com o peso dos anos, porque já agora
contaremos com voces, forga nova, imbuidos dos mesmos
ideáis, preciosos aliados na hita por um Brasil melhor, de
mais justiga e mais amor.

Como padrinho de voces, estou tranquilo. Sei que voces


tém o necessário para enfrentar a luta: a vocagáo, o amor
a profissáo e á Historia. Quem se entrega a urna carreira
forrado pelo escudo da vocagáo, estará sempre tranquilo.
Outros seráo mais ricos, teráo vantagens maiores, obteráo
títulos e posigóes mais fácilmente. Voces seráo preteridos,
talvez, algumas vezes, e muitos teráo seus nomes esquecidos
até mesmo por alunos que conseguirem Vitorias e fortuna.
Mas voces olharáo tudo isso como coisa natural. É a mais
alta fungáo do mestre. Nossa compensagáo é a certeza de
que fizcmos o que devíamos, plena consciéncia de que cum
plimos o juramonto, como o que acabaram de fazer, a cer
teza de que um pouquinho de nos, de nossa personulidade,
deixamos em nossos alunos.
Esta é a gloria que fica, eleva, honra e consola.

2. O mercado .de trabalho

Tenho confianga em voces. Confio em que voces saberáo


enfrentar, com dignidade, as muitas dificuldades que se
apresentaráo.

A primeira délas : o mercado de trabalho.

— 177 —
38 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 208/1977

Há grande número de jovens professores lutando contra


o desemprego num mercado de trabalho que cresce sem ces-
sar, mas que realmente oferece poucas oportunidades. As
últimas reformas curriculares reduziram extraordinariamente
as horas-aula das disciplinas históricas. Se até pouco tempo
havia o ensino da Historia em todas as series dos antibos cur
sos ginasial e colegial, o até mcsmo em cadeiras separadas a
Historia Geral e a do Brasil, agora os professores estao redu-
zidos, praticamente, a urna ou duas series do 29 grau, pois,
para o 1", numa confusáo entre título de área e nome de
disciplina, se estabeleceu urna imprecisa e obscura materia
que recebeu o nome de «Estudos Sociais». Um exame, mesmo
que rápido, dos programas de ensino mostrará que essa
cadeira é, na maior parte das vezes, apenas urna acumulacáo
de pontos de Historia, Geografía, Sociologia e Economía, su
perficialmente estudadas, e ensinadas por professores profis-
sionais que nao receberam adequada formacáo e preparagáo.
A saturagáo do mercado de trabalho, pelo menos em
nossa cidade1, é de tal forma que, ainda agora, o Goyerno
anuncia novo concurso, mas declara, de saida, que nao há
vagas no Rio e em Niterói.

Nova medida vem agravar ainda mais a situagáo. A


Portaría 790 do Ministerio da Educagáo e Cultura, atendendo
sem dúvida as necessidades e as condigóes de centros de me
nores possibilidades culturáis, veio regular a licenciatura curta
em dois anos e, ao mesmo tempo, estabelecer normas para o
registro de professores, dando aos licenciados em Estudos
Sociais em cursos rápidos o direito exclusivo de ensinar no
primeiro grau, limitando dessa forma ainda mais o campo
de trabalho dos formados em Historia e Geografía após quatro
anos de estudo. Assim urna medida aceitável, e talvez neces-
sária para resolver problemas de algumas regióes mais pobres
do país, veio a afetar nao só as possibilidades de trabalho,
mas a própria qualidadc do ensino ñas grandes cidades.
Os professores de muitas Universidades Federáis, como
a do Rio de Janeiro e a Fluminense, assim como os da Uni-
versidade de Sao Paulo, já se ergueram num movimento de
combate as licenciaturas curtas generalizadas, onde a for
macáo do profissional é apressada e superficial, implicando no
credenciamento de professores sem adequado preparo, cul
minando portanto no rebaixamento do já precario nivel do
ensino.

1 Cidade do Rio de Janeiro.

— 178 —
CIENCIAS HUMANAS E ENSINO BRASILEIRO 39

3. O esvaziamento do estudo das ciencias humanas

Cada vez mais vai-se acentuando um processo de esva


ziamento das Ciencias Humanas. Dia a dia, as antigás Facul-
dades de Filosofía váo sendo despidas do seu antigo papel de
agencias de cultura para se transformarem em simples cur
sos de formacáo de profissionais. A preocupacáo de ganhar
tcmpo leva i mudanga de alitudcs e á própria desconceitua-
Cáo das disciplinas.

A Historia está morrendo. Nao apenas como materia de


ensino, englobada num conjunto informe que nao é nem
Historia nem Geografía, mas também na sua própria concei-
tuagáo. Hoje em muitos lugares já nao se estuda Historia,
mas Metodología da Historia, dando-se á teoría importancia
superior á do conhecimento dos fatos, que sao o objeto e, ao
mesmo tempo, a ossatura da ciencia histórica. O Economismo
e o Sociologismo passaram a ser as grandes preocupagóes,
levando a urna historia invertebrada, passivel de deformagáo
conforme os interesses e as preocupagóes dos que a fazem.

Historia é urna ciencia com objetivos próprios e métodos


específicos. Já transcorreu mais de meio-século desde que
Hauser e Simiand expuseram e contrapuseram os elementos
dos principios e dos métodos que, segundo eles, distinguí am,
urnas das outras, a Historia, a Sociología e a Economía. Lem-
bremos apenas que estas diferencas consistiam essencialmente
no caráter comparativo dos métodos sociológico e económico,
e no caráter monográfico e funcional do método histórico.

£ claro que o campo da Historia se ampliou, e nao se


estuda o fato puro e simples, como um individuo isolado numa
sociedade sem vínculos.

Som dúvida nenhuma, o emprego do novas técnicas, a


associagáo com as outras ciencias — como a estatística, de
que fala Georges Lefébvre, e as «matemáticas sociais», objeto
das esperancas de Fernand Braudel — manifestam um dos
tragos mais notáveis da historiografía atual: sua permanente
ansia de expansáo. O historiador contemporáneo recusa-se
a confinar-se num dominio ou numa serie de dominios, como
escreve Jean Glénisson. Conscientemente, ele apela para todos
os recursos em condigóes de ajudá-lo a ampliar seu campo
de visáo. Mas daí a abandonar o conhecimento dos fatos
históricos, pelo medo de ser considerado caduco ou ultrapas-

— 179 _
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 208/1977

sado, e cuidar de generalizagóes (um dos erros mais serios


no conhecimento histórico) há, sem dúvida, urna diferenga
muito grande e muito seria.

4. Voto de confianza na ¡uventude

Desculpem-me, meus amigos, por estas palavras, por ve-


zes amargas, num dia de festa. Mas creio ser esta a missáo
do paraninfo : mostrar a realidade, para que seus afilhados
possam escolher os caminhos a tomar.

Voces estáo conscientes das dificuldades que teráo de


enfrentar. Sei que saberáo ultrapassá-las.

Eu creio em voces.

Creio na mocidade que ainda nao foi contaminada pelos


vicios que a vida ensina,... na mocidade que estuda e que
trabalha, que enfrenta dificuldades sem temor, buscando a
vitória.

Creio na mocidade que tem ainda a fé que move mon-


tanhas, que sonha com um mundo melhor ;.. . na mocidade
que luta, e vé na cultura um objetivo ;.. . na mocidade mais
Dom Quixote do que Sancho Panga, que nao aceita imposi-
cóes e tem ainda o mito da liberdade.

Creio na mocidade que é o futuro, vulcáo em erupeáo,


mar em ressaca, motor em movimento ;... na mocidade que
é renovagáo, sangue ñas veias, sorriso nos olhos, cantares
nos labios.

Creio na mocidade.

Creio em voces, meus alunos, que sao ainda a chama do


entusiasmo capaz de reacender em nossos coragóes as cinzas
de muitas desilusóes. Com o convivio de voces, voltamos á
juventude, revemos nossos sonhos, vivemos outra vez. Sen
timos forgas novas em corpos gastos, planos que retornam
e dáo ánimo de continuar a lutar na certeza de ser útil, na
alegria de viver !

— 180 —
CIENCIAS HUMANAS E ENSINO BRASILEIRO 41

Muito obligado, meus amigos. Muito obrigado por per-


mitirem que recomece, mais urna vez, em cada um de voces !»

Possam estas ponderagóes, de sabio conteúdo e de apre-


ciável forma literaria, encontrar eco favorável em nossa opi-
niáo pública, máxime entre aqueles a. quem competo orientar
a escola e a vida profissional em nosso Brasil!

Estéváo Bettencourt O.S.B.

(Continuacao da 3? capa)

A tese da liberdade de ensino merece pleno apoio da parte do pen


sador cristáo. É necessário, sim, respeitar a dignidade da pessoa humana,
á qual nao se pode impor determinado modo de pensar, padronizado pelo
Estado; ora precisamente a escola particular, correspondendo ás iniciativas
dos cidadáos, alende ao direito que familia tem de escolher, segundo as
suas conviccoes, o género de educacáo de seus filhos ; o adulto também
encontra, ñas diversas escolas estafáis e particulares, a que mais condiga
com suas opcoes filosófico-rel¡glosas. Ademáis o regime democrático reve
rencia a liberdade do homem e, por isto, rejeita o monopolio escolar e se
póe em favor do pluralismo educacional.

O Pe. Waldemar Martins propugna, pois, a tese da liberdade de


ensino, comprovando-a com sólidos argumentos e rica documentacáo, que
valorizam altamente o seu livro. Analisa outrossim o papel do Estado no
tocante á subvencáo das escolas particulares.

Todavía o autor nao se restringe a tal tese. Considera os efeitos da


implantacao da Lei de Diretrizes e Bases: "Desencadeou um processo
rápido de abertura de escolas e de cursos em todos os graus, que termi-
nou por criar um clima de euforia e de vertigem, onde era mais importante
o número de vagas do que a qualidade do ensino" (p. 5).

Principalmente o ensino superior tem interessado a iniciativa particu


lar, visto que as condicóes de sobrevivencia ñas escolas de 1? e, parcial
mente, ñas de 29 grau, eram cada vez mais problemáticas. Tém-se fundado
numerosas Facilidades em diversos pontos do país, onde há carencia de
professores e muitos alunos só podem freqüentar a escola em fim de se
mana — o que redunda em detrimento do ensino e distribuicao inflacionaria
de diplomas. Esta situacáo levou recentemente o Ministro da Educacáo
a proibir a fundacáo de novas Escolas superiores a fim de que se possa
proceder a urna revisáo da desordenada situacáo do ensino brasileiro.

O livro do Pe. Waldemar Martins merece toda a consideracao por parte


dos estudiosos.. Nao significa recuo em relacáo á tese da liberdade de
ensino (a qual deverá ser mantida intocável em genuino estilo democrático),
mas implica em alerta e despertar de consciéncias para um mal. do qual,
alias, já vai tomando consciéncia o Ministerio da Educacáo.

Congratulamo-nos com o autor pelo seu valioso trabalho. Possa en


contrar eco ñas esferas competentes !
E. B.

— 181 —
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS > 208/1977

Á YI SEMANA TEOLÓGICA NACIONAL


Real¡zou-se em Petrópolis (RJ), aos 9, 10 e 11 de fevereiro pp., a
VI Semana Teológica Nacional promovida pelo CID (Centro de Investigado
e Documentacáo) dos Franciscanos de Petrópolis. Versou sobre "Direitos
Humanos e Evangelizado", contando com a presenga de quase sessenta
participantes, vindos do Exlremo-Norte, do Centro e do Extremo-Sul do
pais e dedicados, quase todos, ao estudo da teologin c de disciplinas afins.
Entre os participantes, salientavam-se D. Cándido Padin, bispo de Bauru,
o Pe. Juan Luís Segundo SJ, de Montevidéu, e o Prof. Mario Pontes de
Miranda, emérito jurista do Rio de Janeiro.

As palestras tiveram denso e candente conteúdo n§o zo pelo alto


nivel dos conferencistas, mas tambcm pela natureza da temática. Como se
compreende, nem tudo o oue foi enláo dito, teve caráter definitivo ; o valor
desses Encontros eslá piecisámenle em provocar debates.

É difícil reproduzir todo o vai-e-vem das idéias que surgiram no


decorrer dos tres dias de estudos. Houve teses muilo avangadas, como
também se registraram posicóes moderadas ao se definir o papel da evan-
gelizacao frente á ardua tárela de defender e promover os direitos humanos.
Nao há dúvida de que estes, reconhecidos por pensadores notáveis desde
épocas antigás e solenemente proclamados pela ONU em 1948, háo de
ser respeilados e propugnados por todos os governanles dos povos ; aos
crisláos, principalmente aos arauíos do Evangelho, toca a funcáo de avivar
na sociedade a consciéncia do valor de tais diieitos. Todavía a maneira
de fazé-lo é sempre o grande ponto de inlerrogagáo. Bem se compreende
a perplexidade, visto que a realidade sócio-económico-politica do mundo e,
de modo especial, do Brasil é algo de muilo complexo; aprésenla 'acetas
varias, que cada observador considera segundo a inspiracáo da sua pru
dencia e das suas experiencias pessoais.

A última palestra do Encontró, proferida pelo Prof. Riolando Azzi,


apresentou um panorama das posicóes do episcopado brasileiro frente á
situacáo nacional. Detenhamo-nos um pouco sobre o seu conteúdo.

O conferencista comegou por mencionar os poucos bispos e sacer


dotes que ainda pensam em termos de uniáo da Igreja e do Estado (Igreja-
-Cristandade), sendo intérprete desse modo de ver a "Sociedade Brasileira
para a Defesa da Tradicáo, da Familia e da Propriedade". Descreveu outros-
sim a posigao avancada daqueles bispos que, seguindo a chamada "Teolo-
gia da Libertacáo", procedem a urna análise critica da realidade brasileira
e denunciam publicamente as injustigas e violagoes de direitos humanos ai
ocorrentes, assumindo posigdes pouco conciliadoras ou mesmo antagonistas.
Apresentou também a jsosigao moderada que, segundo Riolando Azzi, é a
da maioria dos nossos bispos: estes desejam entendimento e colaboragáo
entre a Igreja e o Estado,... colaboracSo que sempre existiu no Brasil e
deu frutos benéficos tanto para a Igreja como para a patria. Reconhecem
que o atuat Governo é um baluarte contra o comunismo, ao qual sucumbiría
o Brasil em 1964. Tais bispos, porém, estáo conscientes da necessidade
de certas reformas na vida socioeconómica do Brasil e exortam o Governo
a acelerá-las, a fim de nao prolongar indevidamente o sofrimento de partes

— 182 —
VI SEMANA TEOLÓGICA NACIONAL 43

da nossa populado. Diante de violencias ocorridas nos últimos lempos,


tais prelados recorrem ao diálogo com as autoridades militares e civis, a
fim de esclarecer posicóes e aliviar tensóes. N8o somenle os bispos de
oriéntacio mals avanzada, mas também os que guardam o equilibrio, estáo
conscientes da necessidade de se defenderem os direitos humanos; lodavia,
enquanto uns julgam que só o conseguirlo mediante denuncias públicas,
outros preferem o trabalho discreto junto ás autoridades governamentais
como sendo mais proficuo e eficaz.

Julgamos que Riolando Azzi, em grandes linhas, foi feliz na sua des-
crigSo das atuais posicoes do nosso episcopado. Apenas desejamos obser
var o seguinte: nao se devena quatificar simplesmente de "tridentina" a
atitude moderada, como nao se pode considerar a mais avangada como
"inspirada pelo Concilio do Vaticano II"; na verdade, o Concilio do Vati
cano II foi moldado em termos de equilibrio profundo, e os documentos
oficiáis da Santa Sé referentes á agio política dos cristáos sao claros e
definidos em suas posigoes, mas, sem dúvida, avessos á luta violenta e á
agressio que provoque agressao. É á conversáo interior dos homens, antes
do mais, que deve tender a pregagáo do profeta1, como dizia muito bem
o Pe. Joao Batista übánio S. J. em sua exposigao; o profeta nao tem
receitas para mudar as estruturas da sociedade (estas sao da especialidade
dos técnicos), embora o profeta saiba que a conversáo dos coragdes se
deve espelhar na remocáo das iniquidades sociais. O que toca ao profeta,
é criar o espago (o ambiente, o clima) necessário para que a resposta
(a atitude) dos governantes seja crista; assim como toda pergunta prepara e
condiciona a resposta respectiva, assim também toda a atuagao dos cris-
taos deveria preparar ou condicionar medidas de ¡nspiragao crista da
parte do Governo.

É entre os moderados que PR tem procurado situar-se constantemente;


foi, alias, este o depoimento dado pelo diretor de PR quando, na mesa do
painel final do Encontró Teológico, teve a ocasiáo de exprimir a sua orien-
tacáo pessoal e a da revista. De um lado, o regime de Cristandade já fez
época e nem sempre fol benéfico para a Igreja, visto que multas vezes o
poder civil "cristáo" quis utilizar a Igreja para propugnar objetivos políticos
e partidarios, sufocando assim a liberdade da Igreja. De outro lado, o
comunismo, com sua filosofía radicalmente materialista e atéia, é incom-
pativel com a visio crista do mundo e do homem. Atesta-o repetidamente
o depoimento de escritores russos cujas obras conseguem atravessar a
Cortina de Ferro; tenham-se em vista Soljenitzin e Andrei Sakharov (alias,
o livro deste intitulado "Mon pays et le monde", pungente como é, foi citado
como documento apto a acautelar os pensadores ocidentais contra os
perigos do namoro com a esquerda). Neste contexto, vé-se a necessidade
de que a Igreja se mantenha equidistante tanto da extrema-direita como
da extrema-esquerda.

Possa a teología, sadíamente cultivada, contribuir para por mais e


mais em relevo as linhas positivas da doutrina social que o Evangelho
inspira a todos os homens de boa vontade !
E. B.

1 Profeta aqui significa o portador ou o arauto da Palavra de Deus.

— 183 —
livros em estante
O homem moderno e a imagem bíblica do homem, por Leo Scheffczyk.
Traducáo de Luiz Joáo Gaio. Colecáo "A palavra viva" — 9. — Ed. Pau
linas, Sao Paulo 1975i 191 pp., 110x190 mm.

O homem está cada vez mais voltado para o misterio da sua própria
realidade. Qual a sua ¡dentidade ? Deus ser-lhe-á o supremo rival, que a
criatura terá de matar, a fim de poder ser ela mesmo? E em que consiste
a grandeza do homem : no agir e produzir ou no contemplar em atitude
aparentemente ociosa ?

Os autores cristáos e nao cristáos tém procurado responder a estes


quesitos a partir de diversos pontos de vista. Leo Scheffczyk fá-lo, tendo
antes os olhos a mensagem bíblica e comparando-a com a filosofía mo
derna num livro que vem a ser um compendio de grande erudlcáo. O autor
sabe descobrir ñas páginas escriturísticas as facetas da dignidade do
homem, imagem e semelhan;a de Deus; aborda de manelra minuciosa o
problema do sofrimento no Antigo Testamento, focalizando especialmente
o livro de Jó e finalmente mostrando como em Cristo se elucidou plena
mente o misterio do homem táo grande e, ao mesmo tempo, táo misero 1
Sao estas as palavras de fecho do livro :

"O misterio de Cristo, o compendio de todo o pensamento bíblico


acerca do homem, é o misterio de todo ser humano. O Homem-Deus re-
vela-se como a palavra-chave que nos abre o acesso ao homem, até mesmo
ao homem atual, que se está perdendo... Por isso, tanto para o incrédulo
como para o crente, quando investiga acerca do homem, tem validada a
frase de Dosloyevski: 'Jamáis pude imaginar o homem... sem Ele'"
(p. 191).

O livro é obra de valor no seu género. Vem, de certo modo, completar


o volume intitulado "Antropología do Antigo Testamento" de Hans Walter
Wolff {ed. Loyola 1975), já apresentado em PR 190/1975, 3? capa.

Judeus e cristáos, pelo Padre Humberto Porto. — Ed. Loyola, S3o


Paulo 1976, 185 pp. 140x210 mm.

O autor já publicou duas obras sobre o judaismo, expondo assim os


resultados de estudos que, de há muito, vem fazendo sobre Israel. Dada
a sua competencia, foi eleito co-presidente da Fraternidade Crístáo-Judalca
de Sao Paulo. — O livro percorre as grandes obras das literaturas judia
e crista dos cinco primeiros sáculos, ou melhor, até S. Agostinho (+ 430),
examinando o desenvolvimento das idéias referentes as relaces entre judeus
e cristáos; assim como houve um anti-Cristianismo de judeus, houve um
anti-Judaísmo de cristáos. É muito interessante apreciar os argumentos apre-
sentados pelos sucessivos escritores cristáos dessa taixa da historia, onde
já se encontram os rudimentos de certo diálogo entre judeus e cristáos.

O autor se manifesta francamente simpático aos israelitas, pondo


sempre em relevo o que possa mitigar as acusares feitas aos judeus
pelos escritores cristáos antigos. Na verdade, essa atitude é válida ou
mesmo necessária se se levam em conta os escritos paulinos, principal
mente Rm 9-11. Julgamos, porém, que o autor se deixa, por vezes, levar
longe demais pela sua tendencia a diluir o que possa redundar em desdouro
de Israel; assim á p. 156 pretende H. Porto explicar a dispersáo judaica
como fenómeno iniciado no cativeiro babilónico e ampliado com a con
quista de Alexandre e a helenizacSo do Oriente Próximo; a tomada de

— 184 —
Jerusalém por Tito é considerada sem vinculacfio alguma com as palavras
de Jesús no Evangelho (Mt 24) ou como se nao livesse relagáo com a
rejeícáo do Messias por parte dos judeus.
Nao obstante, o livro é altamente instrutivo; valoriza-se por explanar
em llngua portuguesa um assunto que ainda é muito pouco conhecido
entre nos.

Filosofía dos erros, por Eduardo Prado de Mendonca. — Ed. Agir,


Rio de Janeiro 1977, 168 pp., 118x183 mm.
O autor é um dos grandes filósofos do Brasil, formado na linha do
pensamento cristáo. Por sete anos foi Diretor do Instituto de Filosofía e
Ciencias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Concebeu a
original e fecunda idéia de escrever sobre a "filosofía dos erros", ten
tando por a descoberto algo da psicología daqueles que erram flagrante-
mente, mas talvez nao saibam identificar adequadamente o seu erro nem
os respectivos porqués. O trabalho é pioneiro e benemérito.
No seu primeiro capitulo, o autor nos diz que nao basta combater
os erros, denunclando-os e argüindo-os, mas é necessário outrossim apor
tar a verdade :
"Chamamos comodista á luta contra os erros que se satisfaz num
combate que a eles se opóe de maneira puramente negativa. Assim como
a felicidade nao é alcancada diretamente, mas através daquilo que a produz
como urna conseqüéncia..., assim também julgamos que o erro so é
combatido eficazmente na medida em que se consegue implantar a ver
dade" (p. 21).
Muitas vezes as pessoas erram e permanecem no erro, táo somente
porque nao encontram a maneira adequada e honrosa de sair das suas falhas.
Postas estas premissas, o autor considera alguns grandes erros do
pensamento ou da sociedade de nossos dias: a confusáo entre sucesso e
verdade (também o erro pode fazer sucesso !); o equivoco de certo heroísmo
aparente, que na verdade nao é senáo um mecanismo compensatorio do
sentimento de inferioridade do "herói"; a valorizacáo do poder jovem, que
muitas vezes nao é senáo a fuga de adultos incapazes de um testemunho
de autenticidade... Em seu décimo e último capitulo, E. Prado de Men
donca concluí que o homem moderno nao é um cientifícísta nem um racio
nalista, mas um homem de fé..., nao de fé sobrenatural, e, sim, de fé
humana, estrítamente natural... E por qué? Porque esse homem eré, slm-
plesmente eré; n9o se senté na obrigacao de discutir ou argumentar para
fazer as suas opgoes de vida. — Por certo, o autor provoca o leítor, inci
tando-a refletir, talvez a discordar, mas certamente a se aprofundar "lancando
um olhar sobre a vida que passa" (subtitulo do livro).
O autor se refere em todo o decorrer da obra a fatos e dados da
historia da Filosofía — o que onriquece grandemente a sua exposícSo.
Ousarlamos pedír-lhe que, em próxima edicao, cite as fontes e os reper
torios dos quais hauríu tais dados, poís ¡sto estimularía o ieítor a ulteriores
pesquisas.
O livro se dirige ao público que pensa e que se disponha a acom-
panhar as finuras do pensamento do autor, que por vezes desconcerta e
ironiza sadlamente, a exemplo do mestre Sócrates.
Llberdade de ensino, por Waldemar Valle Martins. — Ed. Loyola, Sao
Paulo 1976, 205 pp. 140x210 mm.
O autor publica em nossos dias um trabalho que fol elaborado pela
primeira vez como tese de láurea em 1962, pouco depols de promulgada
a Lei de Diretrizes de Bases da Educacio Nacional. Quatorze anos depois,
o livro vem a lume, enriquecido por consideracóes sugeridas pela atuali-
dade brasileira.
(Continua na pág. 181)
■•O PROGRESSISMO E O CONSERVADU

RISMO CERTAMENTE SE ORIGINAM DA

MESMA FONTE COMUM E PODEM TER

COMO MOTIVACÁO UMA REGRESSAO.

PARA O PROGRESSISTA, REGRESSAO

PARA A ADOLESCENCIA, A IDADE DAS

ECLOSÓES, ONDE A CONTINUIDADE SUR

GE COMO FREIO. PARA O CONSERVADOR,

VOLTA PARA UM PASSADO LONGINCUO,

SITUADO NO AQUÉM DE SEU PRÓPRIO

NASCIMENTO : Só TEM VALOR O QUE

PERTENCE AQUELE TEMPO".

(ROGER SCHUTZ)

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