Você está na página 1de 15

O MAR

nos versos de

carlos peres feio


onde estás

onde estás
para te dizer
das estúpidas dores que sinto
das brilhantes ideias que tenho
e tudo o mais

tudo o que cabe num dia vazio


e acaba no sonho
ter-te tido
uma delícia
uma ternura
junto à espuma do mar
revolto com a tua ausência (2005)
fulgor

nem todos os dias


o sangue corre com pressa
nas veias do mais íntimo de nós
na contradição da ânsia e do torpor

mas quando tal acontece


não há montanha nem rio
mais próximo do sentir
só o mar se aproxima
do bater do coração
nas tardes de tempestade

partindo de toda a gama de cinzentos


mostrando o brilho de muito azul
com vento sal e água no ar
um destino está marcado
o esplendor do arrepio
no branco que cega
na espuma. (2006)
mar

mar forte

disseram-me

que és dono do norte

mar azul

constou-me

teres comprado o sul

mar cruel

tratas aço

como se fosse papel

mar frio

mar indiferente

mar simplesmente (1987)


estrada marginal

na linha do horizonte vê-se

o mar

que novidade

mais para a direita, sobre pequenas ondas

um risco de terra, com edifícios

mesmo assim belos ao longe

esquecidos que nas entranhas

são feitos de

cimento areia cal vigas pré esforçadas

outros elementos da beleza amorfa

mas à vista

predominam cristais

os da água os da paisagem e os dos nossos olhos. (2002)


repouso no fundo do mar

e depois há o prémio que


ganhas

e ganho

o dos mais esforçados

em tentar

entendimento

em entender

tentação

mas ficamos por aí.

maldito tempo

de encontro

em que fins flutuam

e se afastam

de nós
bendita âncora

e alga

a meia altura

de um oceano profundo

e ânfora

como as que sei foram

encontradas

em Tróia

portuguesa ou entalada na Ásia

e o fundo

o coral das nossas vidas

cor de sonho

rigidez de realidade

arranhando o que temos de


antigo

de modernidade
deixa-me repousar no leito

do mar

a ver navios afundar

a deitarem-se

comigo

eu que

fui navegador

de tanto ouvir falar nos

avós

portugueses

descanso bem fundo

bem guerreiro

por obrigação marinheiro

náufrago por vocação (2000)


Mar

para se descrever uma tempestade

conhecer o Mar

é preciso ter visto

e Portugal viu

com olhos enviados

com alguns perdidos

somos o Mar

mas também as gentes das serranias

que um dia

rumaram à praia

portugueses de queijos de ovelha

ou cabra

azeite vinho

e sal

emprestado pelo Mar (2007)


pareceu-me entrever Pã

estava calmo – olhava o passar da romaria

mas vigiava os guardadores de rebanhos

o meu Campo na rua onde vivo

as Searas dentro da cabeça

o Mar ali ao fundo

nestas palavras imagino que me ausentei

repouso na minha ideia de Província

os olhos no meu conceito de Cidade

neste ver desfilar dúvidas

que acelerado está o Tempo (2007)


quando me fiz ao mar

minha barca merecia descanso

de tanto uso ter

de outros a navegarem

por águas onde não me atrevo

mas o Fado era esse

ainda olhei a praia

julgo ter visto tuas lágrimas

nada a fazer

era a espuma o Destino

as marés vivas um susto

conchas amigas diziam

vais não voltas

estava entregue aos corais

que me esperavam no fundo

minha vida cumprida

minha barca – adivinham

a Poesia (2007)
escolher o mar

vem, desejo de navegar

da raiz do pensamento

provoca a reunião de tudo o que

recebi na arca dos avós

levo o gato de menino

representante dos bons olhos

que tinha

a perene vontade

do regaço de minha mãe

para minha desorientação

a bússola cor de ouro

comprada na rua do arsenal

e para sem vergonha

mostrar minha origem

meu lastro de cultura

a espada de cana

que não fere não fende

não mata
vou para o mar

água e céu

com tubos de guache

pastilhas de aguarela

escolhidas as cores

azul verde branco

e na arca nada mais

na cabeça a liberdade

o cheiro dos teus cabelos

a falta da tua mão ( 2008)


grande mentira

no princípio era o dia luminoso

numa estrada sem fim

não me prometeram nada

a promessa era o que via

nem sequer me apercebi

que tinha o rio aos meus pés

cedo aprendi a estar bem

a encher os olhos da vista aérea

das plantas alinhadas

que faziam pela vida

a minha azul existência

quando descobri o mar

fui por ele rodeado

sei o que é o mar alto

antes de conhecer a praia

não chegou a ser dor

mas somente uma marca

a saudade na mão esquerda

na direita o novo mundo novo ( 2008 )


O MAR
nos versos de carlos peres feio

chinesa do norte – produções

- Junho de 2009

Você também pode gostar