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Tempo(s) da(s) história(s): Minha interpretação do filme “Corra Lola,

corra” de Tom Tykwer

Vitor Augusto Ahagon1

O filme “Corra Lola, corra” nos possibilita pensar em diversas


possibilidades acerca da perspectiva do entendimento de história a partir da
interface fílmica, pois se encararmos que a história – enquanto ciência
disciplinar de origem ocidental – é uma concepção de tempo que nos é, muitas
vezes, imposta por uma forma de racionalidade onde esconde outras possíveis
alternativas de entendimento temporal, a temporalidade que o filme nos mostra
ao longo de seu percurso nos faz refletir sobre o passado, o presente e o
futuro.
De acordo com a noção de Santos (2002) sobre a indolência da razão
ocidental o tempo é apresentado como um fragmento do rastro de cometa que
se estende ao infinito do espaço, portanto o futuro é ampliado para poder
comportar o crescimento acelerado do mundo civilizado, ao passo que o
passado é estático, fixado a uma realidade já posta, definida, assim o presente
é a mera repetição desse passado opressor. Os sujeitos da história ficam então
a mercê de um futuro determinado pelo passado restando-nos somente olhar
para tudo de forma a contemplar as dores de um presente efêmero.
A forma pela qual o filme é disposto – enquanto abordagem
epistemológica do tempo – nos revela a negação do desperdício das
experiências do passado, pois ao passo que as personagens, em seus últimos
suspiros, acionam a memória e relembram conversas que já tiveram atualizam
seus significados para as dificuldades que enfrentam no presente, assim
possibilitando-os retomar seus esforços para uma nova tentativa, mas já
precavidos de empecilhos experiênciados. O tempo aqui se mostra então
diferenciado a partir do momento em que olhamos para o passado com a
perspectiva do presente, pois mergulhados no presente, no qual tudo coexiste

1
Estudante de graduação de história da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
simultaneamente, o passado se transfigura2 criando uma nuvem nebulosa
repleta de incertezas, aqui se manifesta a possibilidade de um novo futuro.
Quando realizamos tal empreitada efetuamos três processos dos quais
merecem ser ressaltados. A primeira esta na valorização do presente, pois é no
presente que podemos observar as experiências que não devem ser
desperdiçadas, essas experiências é que nos vão levar à passados. Tal
procedimento chamo de rastreamento ou tracking3.
Para entendermos o que digo sobre rastreamento temos que retomar o
momento em que “o ser humano” veio a ser “ser humano”, muito bem expresso
por Quinn (2002). Diversos estudos arqueológicos hoje nos dizem que o que
nos tornou seres inteligentes foi o reconhecimento de padrões, e que
conseguimos alcançar tal efeito através do consumo de carne animal, ou seja,
proteína, desenvolvendo assim nosso cérebro frontal, mais especificamente, o
córtex cerebral. Porem, hoje já se sabe que essa teoria esta ultrapassada, pois
como que consumiríamos carne se não conseguíssemos caçá-la? Mesmo se
comecemos a principio apenas carniças o número existente de animais
carniceiros é muito grande, portanto a disputa por carne também seria. Para
podermos nos diferenciar de outros animais inventamos a técnica, ou
ferramenta mental, da caça, na qual se baseia em rastrear o “alvo-chave”, para
tal ação desenvolvemos dois dispositivos essenciais, o olho e a fala.
O olho nos permitiu observarmos o chão e reconhecermos as pegadas,
os sinais, sempre em formato de fragmentos, deixados pelos animais que
perseguimos. Tais sinais, padrões fragmentados, uma vez que relacionados à
figura do animal se desenvolveu a técnica da caça, portanto partindo do
presente o caçador rastreava a trilha fragmentada deixada pelo animal,
conseguindo encontrá-lo e abatê-lo. Este reconhecimento de padrões, de
pagadas fragmentadas fez com que nosso cérebro mudasse de estrutura, ou
seja, alterasse suas redes neurais. Todavia o desenvolvimento do olhar ainda
não nos tornou “seres humanos”, pois seria com a inclusão da fala que
terminaríamos tal processo.

2
A noção de transfiguração da qual me faço uso é a partir da “transfiguração de Jesus Cristo” que se
encontra na bíblia sagrada Mateus 17:1-9, Marcos 9:2-9 e Lucas 9:28-36, sendo esta ultima a que me
utilizo.
3
Retiro a noção do conceito de tracking ou rastreamento das ferramentas da internet para rastrear na rede
informações que são pertinentes ao usuário pelas palavras-chave, assim como realizada pelo Google.
A fala nos possibilitou passar a informação a nosso vizinho, ou seja, a
pessoas que se encontram a nossa volta. É com a fala que tal experiência, na
qual foi testada por diversos indivíduos muitas vezes, se torna visível a toda
uma cultura viabilizando a efetuação desta experiência social de rastreamento
para outras pessoas e é neste processo que ocorre a passagem do
australopithecus ao homo.
Portanto não foi criando modelos teóricos que deixamos de ser
australopithecus. Não foi brincando de Deus que viemos a ser hoje aquilo que
somos. Não podemos jogar com o tempo, não podemos achatá-lo dando-lhe
aspecto linear e homogêneo, esta não é minha proposta.
O segundo processo refere-se ao como olhamos para o passado quando
partimos do presente utilizando o rastreamento. O passado dessa forma deixa
de ser estático, não mais está dado, pois no momento em que rastreamos o
passado, ou trilha, nos emergem acontecimentos que muito corresponde com a
forma que interpretamos ou traduzimos os sinais que vemos, os padrões que
enxergamos, as pegadas que observamos. Por isso o processo de tradução
dos fatos históricos, ou não históricos, esta intrinsecamente ligada à nossa
subjetividade. O passado então por ser transfigurativo, disforme, aponta para
um futuro mergulhado na incerteza, sendo que este é o terceiro processo
necessário para uma nova compreensão de tempo.
O terceiro processo é, justamente, encarar o futuro como aberto, incerto.
Segundo essa perspectiva a retomada das Utopias se mostra possível, mas
não com a mesma arrogância que tínhamos antes, mas respeitando as
organizações locais autogestionárias, respeitando conhecimentos ditos
menores que vem “de baixo para cima” como possibilidade contra hegemônica.
Uma nova luta se forma no seio de toda essa fragmentação, uma luta de
camponeses, de negros, de homossexuais, de mulheres, de operários, enfim,
uma luta por todos os excluídos do sistema capitalista que em sua nova face
encontra-se o neoliberalismo, no qual é amparado pela força do Estado. Por
isso, antes de tudo, essa luta é uma luta anticapitalista.
O filme “Corra Lola, corra” então nos faz pensar em como nos
posicionaremos diante de nossas histórias, portanto de nossos passados,
nossos presentes e nossos possíveis futuros. Como dizia o anarquista russo
Mikhail Bakunin:
“Foi na busca do impossível que o homem realizou e
reconheceu o possível”.

A história não termina por aqui...

Bibliografia:
 BENJAMIN, Walter (1940). Sobre o conceito da História in Obras
escolhidas I – Magia, Técnica, Arte e Política. Editora Brasiliense.
 QUINN, Daniel (1996). História de B, Uma Aventura da Mente e do
Espírito. Editora fundação Peirópolis.
 SANTOS, Boaventura de Sousa (1996). A queda do Angelus Novus:
Para além da equação moderna entre raízes e opções in Revista
Crítica de Ciências Sociais, Nº45.
 _________(2002). Para uma sociologia das ausências e uma
sociologia das emergências in Revista Crítica de Ciências Sociais,
Nº63.

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