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CATALOGAGAO NA FONTE, Bo. DEPARTAMENTO NACIONAL DO LIVRO. Hild Habermas, Sirgen, 1929- Direitoe democraca: entre facticidadee validade, volume I [ingen Habermas; traduo: Flivio Beno Siebeneichler. ~ Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, 354p. em. Biblioteca Tempo University 101) ISBN 85-282.0091-4 Inclui bibliografia 1. Sociologia juridica. 2. Direito - Metodologia. 3. Comunicagéo. I Titulo. H. Série. DD - 340.115 Jiirgen Habermas DIREITO E DEMOCRACIA Entre facticidade e validade Volume 1 Tradugao: FLAVIO BENO SIEBENEICHLER - UGF TEMPO BRASILEIRO Rio de Janeiro - RJ - 1997 BIBLIOTECA TEMPO UNIVERSITARIO, 101 Colegio dgida por EDUARDO PORTELLA Professor da Universidade Federal do Ro de Janciro ‘Traduzido do original alemio: Faktzitdr und Geltung. Beitrdige zur Diskurstheorie des Rechits und des demokratische Rechistaats. # edi ‘io revista e complementada por um pésficio e ums lista bibliogifica, Frankfury(M, Ed, Subrkamp, (1992) 1994 Caps: ‘Antdnio Dias com montagem de VIDA Informsitiea (sta de Frankfurt, s margens do Main) Revisio: Daniel Camatinha da Silva Copyright Subkamp Verlag Frankfurt am Main 1992 (Todas os direitos reservados) Exe livro fi traduzido da 4 edigio revista e complemented por um posticio e uma lista bibliogrifics, Dircitas reservados is [EDIGOES TEMPO BRASILEIRO Rus Gago Coutinho, 61 ~ Laraneiras ‘Tel: (021) 205-5949 Fax: (021) 225.9382, Caixa Postal 16099 - CEP 2221-070 Rio de Janeiro - RI - Brasil NOTA DO TRADUTOR © presente trabalho de Sirgen Habermas constitu sem divida um dos momentos mais interessantes de seus exercicios de azo ccomunicativa, Noles entrelagam elementos da filsofia, do direi- toe das cincias sociais,capazes de provocar discusses fecundas acerca das ingentes questoes de integragio socal, aserem enfren- tadas pelo homem neste final de mil Tal construgio levanta verdadeiros desafios a uma versio do {idioma alemo para 0 portugués, agravadios pelo fato de Habermas slizar como pano de fundo a radigio jurdicaalemieanglo-saxa, ‘A fim de enfrentar esta tare, a tradugio contou com 0 apoio e as sugestdes valiosas dos Profs. Vieente Barreto e Ubiratan B, Macedo, da pés-graduagio em filesofia da Universidade Gama Filho. do Prof. Ricardo Lobo Torres, dapos-graduacioem direito, dda mesma universidade. Por razéeseditorias, a tradugéo aparece dividida em dois volu- res. Foram mantidas em inglés as citagées passagens que 0 proprio Habermas prefer apresentar desta maneira. No final do segundo volume haverd uma lista bibliografiea completa dos au- tores citados no texto. SUMARIO PREFACIO.... 1. 0 DIREITO COMO CATEGORIA DA MEDIACAO SOCIAL ENTRE FACTICIDADE E VALIDADE..000-17 I. Significado e verdade: sobre a tensio entre facticidade e validade no interior da linguagem. 26 IL Transcendéneia a partir de dentro: superagio da risco de dissenso a nivel arcaico e do mundo da Vidaverneu-35 IIL Dimensées da validade do direito 48 II, CONCEITOS DA SOCIOLOGIA DO DIREITO EDA FILOSOFIA DA JUSTICA 65 1. O desencantamento do direfto por obra das eigneias sociais.. 66 1, Retorno do dtetoracional eimpaténcia do dever-ser 83, ML Parsons ves Weber: fungi soc inegradom do direito... 94 IIL PARA A RECONSTRUCAO DO DIREITO. 0 SISTEMA DOS DIREITOS 113 L._Autonomia privada e piblica, direitos humanos © soberania do povo. TL. Normas morats ejuridicas: Sobre a relagio de ‘complementaridade entre moral racional e diteito positivo.. — Tl, Fundamentagio dos diteits basicos pelo eaminho da teoria do discurso: prinefpio do diseurso, forma do diteito e prineipio da democracia ure TV. PARA A RECONSTRUCAO DO DIREITO (2) (OS PRINCIPIOS DO ESTADO DE DIREITO. L.A relago interna entre dieitoe politica IL Poder comunicativo e formagio legitima do direto. Tl Prinepios do Estado dedi igica da dvsio dos poderes.. . V. INDETERMINACAO DO DIREITO E RACIONALIDADE DA JURISDICAO.... L Hermenéutica realsmo e psitvismo. 245 Tl. Dworkin e a teoria dos direitos. TL. Sobre a teoria do diseuso juridico. VL JUSTIGA E LEGISLACAO. SOBRE O PAPEL E A LEGITIMIDADE DA JURISDICAO. CONSTITUCIONAL. I. Dissolugao do paradigma liberal do direito. IL Normas versus valores: Critica a uma ‘autocompreensio metodologica falsa do controle da constitucionalidade. IHL O papel da jurisdigto constitucional na visio da politica liberal, republicana e procedimental.. 314 330 PREFACIO Na Alemanha, a filosofia do direito no € mais tarefa exclusiva dos fldsofos. No presente trabalho quase nao cito o nome de Hegel © ‘me apsio muito mais na doutrina kantiana do direito: essa attude & fro da timidez perante um modelo cujos padres nio conseguimes nas atingir. Eo fato de afilosofia do direito - quando ainda busca © contato com a realidade social - ter emigrado para as faculdades de direito¢ bastante sugestvo!. Entretanto, evito eair no lado opasto, ou sej, nfo pretend limitar-me a uma filosofia do direito especialzada juridicamente, que tem o seu ponto forte na discussio des fundamen tos do direto penal. O que antigamente pia ser mantdo coeso era conceites da filosofia hegeliana exige hoje um pluralism de proce- dimentos metodologicas que incluias prspectivasdateoria do direito, da sociologia do direitoe da histéra do dreto, da teria moral e da teoria da sociedade. Talestado de coisas é bem-vindo, uma vez que permite focalizar ‘uma facetapluralista da teoria do agir comunicativo, freqientemente ignorada. Os concetos bisicos da filosoia nao formam uma lingua- ‘gem propria ou, pelo menos, nio consttuem mais um sistema capaz de tcl incorporar eles no passam de simples mes para a apropria- ‘io teconstrutiva de conhecimentas cientifics. Eo singular poliglo- tismo da filosofia, que deriva de sua competéncia em tomar 1 HASSEMER, W. “Rectispilcophic, Reciswisersetaft, Rechtspli- {ein Archie fr Rechs~u. Seealpilosophie, Su. 4, 1991, 130-14, 2K. Gilnther esboga a contribuiggo da teoria do discurso para esse {ecma, Cf, Id. "Moplichkeiten einer diskursethischen Begrindung, des Straftechts", in: JUNG, H. et al. (Bas). Recht und Moral. Baden-Baden, 1991, 205-207. ‘ransparentes os conceitos fundamentals, permitethe descobrir ‘oeréncias surpreondentes a nivel metatesrio. Por conseguinte, as propasigées fundamentais da teoria do agir comunicativo ramifi- cam-se em diferentes universes de discurso e contextos de argu rmentagio nos quais elas tém que comprovat-se. primero capitulo enfoca alguns pontos da relago entre fact- cidade © validade, envolvendo aspectos bisicos da teoria do agit ‘omunicatvo. E esse problema, abordado no titulo, necessitari, sem divide alguma, de um esclarecimento mais detaihado, 0 que no poder ser feito, infelizmente. O segundo capituloesboga um principio extremamente amplo, capaz de incorporar as teoras filossficas da Justga e as teorias sociolopicas do direito. Os dois captulos subse- aitenies procuram levar a termo a reconstrugao de partes do direto racional essico no quad de uma teoria do direito apoiada numa teoria do diseurso. E, ness operagio, sirvo-me de pineipios da ética do discus, desenvolvides alhures®. Convém notar, todavia, que _atvalmente eunéo determino maisa tela complementar entre moral « direito seguindo a linha tragada nas Tanner Lectures. No capitulo uinto e no sexto, tento comprovar 0 principio da teoria do diseurso em temas centras da teoria do direto, Refio-me a discusses atuais na Repiiblica Federal da Alemanha e nos EUA, dada minha mai familiaridade com essas duas tradigdesjurdicas: No capitis «no oitavo, esclarego o conceito normatvo de politica deiberativa © cxamino, na perspectva sociolégica,condigées para una regulamen- ‘ago juridica da ciculagio do poder em sociedades complexas. E, neste ponto, prefiro abordar a teoria da democracia sob aspectos dt legitimacio. O limo captulotentareconduziras consideragbessobre 3. HABERMAS, J. Moralbewusstsein und kommunikatives Handeln, Frankfurt M., 1983; Id. Erlduterungen zur Diskursethik, Frankfurt /M., 1991 4 Nomeu entender, o acessoescolhido por K. O. Apel ¢ por demais rnormativista. Cf. “Diskursethik vor det Problematik von Recht und Politik, in: APEL, K.., KETTNER, M. Eds.) Zur Anwendung der Diskursethik in Poliik, Recht und Wissenschaft. Prankfurt ‘M,, 1992, 29-61. teoria do ditto © sobre teora da sovidade a uma unidade, servindo-se do paradigma procedimentalista do direito. Pretendo mostrar, pot este camino, que a teria do agi comunicatvo, a0 conttio do que se afirma mult vezes, Mio € cega para a realidade das insituigges® nem implica anarqui®. to, disposto a garantir efetivamenteliberdades subjetivas iguai traz em seu bojo certos germes anarquicos. ‘Apesar de leigo no assunto, tive que me deter em discusses juriicas especializadas, muito mais do que eu imaginara no inicio. E, esse meio tempo, cresceu meu respeito ante a signifiestivas realiza” ‘goes constrtivas dessa dsciptina. As sugestées para clarficagio da ‘compreensdo paradigmtica que serve de pano de fundo ao direito e 4 moral deveriam ser vistas como uma contibuigso a discussio que ‘se dirige contra oceticismo cada vez mais difundido entre colegas da ‘rea do direito - especialmente contra 0 que eu denomino de falso realism, que subestima aeficcia socal dos pressupostas normativos das pritias juridica existentes. Nas controvérsias sobre a constitu ‘fo juriea da comunidade politica, iniciadasj no século XVI, articula-se uma autocompreensio prtico-moral da modemidade to- ‘mada em seu todo. Ela também se expressa nos testemunhos de uma consciéncia moral universalista e nas instituigées lives do Estado democritico de direto, O sentido normative préprio da teoria do discurso procura reconstrur essa aifocompreensio de maneira a afirmar-se contra redugdescientificists” contra assimlagesestéti- cast, As trésdimensSes de validade, nas qais a autocompreensio da 5. EsaaopiniodeR Bubner rcitradacrnseurvoete live: Antike Themen und ihre modeme Verwendung, Frakfiat yM, 1992, 188-202, «spcialmde ro capt intial "Das sprachiche Matium der Pst” HOFFE, O. Poliische Gerechtigkeit. Prankfurt/M., 1987, 193ss. LUHMANN, N, Beohachtungen der Moderne. Coli, 1992. DERRIDA. J. Gesereestraft. Der ‘mystsche Grund der Aworitd’ Frankfurt JM., 1991 rmodemidade se diferencia, no podem entrar em colapso. Apés tum século que, como nenhum out, nos ensinow os horrores da 1o-razo existente, os tims resquicis da confianga numa 13280 cessencialista evaporaram-se. E a modemidade, uma vez consciente de suas contingéncias, cada vez mais fiea dependente de uma raz80 pprocedimental, isto é, de uma razo que cond um processo contra si mesma, Ors, a critica da tazio é obra dela propria: tal ambigii- dade kantiana’ resulta de uma idéia radicalmente antiplatnica, segundo a qual nio exist algo mais elevado ou mais profundo 0 qual possaznos apelar, uma vez que, 20 chegarmos, descobrimos due nossas vidas ja estavam estruturadas lingisticamente, Ha trés décadas critiquei a tentativa de Marx em trazer a filosofia hegeliana do direito para um filosofia da histéria mate- alist, utlizando as seguintes palavras: “Coma eritica ao Estado de direito burgués... Marx desacre- ditou de tal maneira a idéia da juridicidade e a intenglo do direito natural enquanto tal, dissolvendo sociologicamente a base dos direitos naturais, que o lame entre revolugao e direito natural se ‘desfez. Os partidos de uma guerra civil interacionalizada dividi- amo legado de modo desastroso: um dos lados assumiu a heranga da revolugao, 0 outro a ideologia do direito natural” (0 colapso do socialismo de Estado eo final da “guerra civil mundial” colocaram em evidéneia a falha teérica do partido fra- cassado: descobriu-se que ele confundirao projeto socialista com .esbogo - ea imposigao forcada -de uma forma de vida conereta. Todavia, se entendermos “socialismo” como protétipo de condi- .g6es necessrias para formas de vida emancipadas, sobre as quais 0s prdprios partcipantes precisam entender-se prliminarmente, nio é difieil verificar que a auto-organizagio demoeritia de urna ‘comunidade jurdica forma 0 micleo normativo desse projeto. De ‘outro lado, © partido que se considera vitorioso nao pode come- rmorar 0 seu triunfo. Pois, no momento em que poderia assumir a 9 As conferéncias sobre “Dircito natural e revolugo",proeridas em ‘outubro de 1962, foram publicadas in: HABERMAS, J. Theorie und Praxis. Frankfurt JM, 1971, 89-127, agui of Cap, Ill, Sogo heranga indivisa da autocompreensio pritico-moral da modemi- dade, ele desanima perante a tarefa ingente de levar adiante a domesticagao social e ecoldgica do capitalisme no ambito de uma sociedade mundial ameagada. Ecerto que ele se apressa a respeitar © sentido sistémico proprio de uma economia orientada pelos mercados; ¢ pelo menos esti protegido contra uma dilatagao ‘exagerada do medium do poder de burocracias estatais, Entretanto, falta-Ihe uma sensibilidade semelhante para a fonte que propria ‘mente esti ameagada ~ uma solidariedade social a ser recuperada conservada em estruturas juridicas. Nas atuais sociedades ocidentai, a politica perde sua autocons- ‘igneiae a orientagao perante o desafio iminente de uma delimitago ‘ecol6gica iminente do crescimento econémico e da disparidade cres- ccente entre as condigdes de vida no Norte e no Sul; perante a tarefa historicamente peculiar da reorganizagio de sociedades onde impera- ‘va socialismo de Estado; perante a pressio das correntes migratrias oriundas das regides empobrecidas do Sul e do Oriente; perante os riscos de novas guetras éinicas, nacionais e religiosas, de chantagens atémicas e de lutas intemacionais de parila. Aquém dos floteios retdricos, predomina a pusilanimidade. Nas proprias democracias cestabelecidas, as instituigdes existentes da liberdade nio sio mais ‘nataciveis, mesmo que a democracia aparentemente continue sendo © ideal das populagées. Suponho, todavia, que a inquietagio possul ‘uma razao mais profunda: ela deriva do pressentimentode que, numa época de politica interamente secularizada, mio se pode ter nem ‘manger um Estado de diteto sem democracia radical. A. presente pesquisa pretende transformar esse pressentimento num saber expli cito. Finalmente, convém ter em mente que os sujeitas juridicas privados nao podem chegarao gozo das mesmnasliberdadessubjetivas, seeles mesmos -noexereicio comum de sua autonomnia politica ~ io tiverem clareza sobre interesses e padres justficadose nao chegarem. ‘um consenso sobre aspectos relevantes, sob os quais © que € igual deve ser trtado como igual e o que é diferente deve ser tratado como diferente. ‘Nao me iludo sobre os problemas e os estados de pprovocados por nossa situagéo, Todavia, estados de animo ~ e filesofias de estados de dnimo melanediicos ~ no conseguem n Justificar o abandono derrotista dos conteiidos radicais do Estado “democritico de diteto; eu proponho, inclusive, um novo modo de ler esses conteiidos, mais apropriado as circunstincias de uma sociedade complexa. Caso contriti, eu deveria escolher um outro género literirio - talvez 0 do diitio de um eseritor helenista, ppreocupado apenas em documentar para a posteridade as promes- sas nio cumpridas de sua cultura decadente. Emanexo aparecem dois trabalhos, publicados anteriormente ‘em alemio, O primeiro introduz 0 conceito procedimental de ‘democracia num contexto histérico mais amplo; 0 outro esclarece trés aspectes diferentes do conceito de patrictismo constitucional, uase sempre mal interpretado. As Tanner Lectures, ministradas eis anos, na Harvard University, foram publicadas em inglés, holandés e italiano. Elas nasceram em Frankfurt, durante 0 ano académico de 1985/86, de prelegdes sobre filosofia do direito. "Na mesina época, 0 “Programa-Leibniz”, da Comunidade Ale- ‘ma de Pesquisa (Deutsche Forschungsgemeinschaft), surpreendeu- ‘me com a possbilidade de escolher e de executar um projeto de ‘pesquisa com a duragio de cinco anos. Tal casualidade propicia ensejou a instauragéo de uma comunidade de trabalho voltada para a teoria do dieito, Ela constituiu o contexto excepcionalmente estinn- lantee instrtivo, no qual consegui desenvolvera linha entao iniciada, ‘Senti essa cooperagiio como excepcionalmente feliz'®; dela resultaram ‘muitas publicages e uma série de monografiss. Sem o auxilio produ- tivo de colaboradores competentes, eu no teria tido a coragem de assumir © projeto de uma filosofia do direitos nem teria conseguido apropriar-me dos conhecimentas e argumentos necessérios para sua cexecugio, Além disso, sou grato aos membros permanentes do grupo de trabalho: Inge Maus, Rainer Forst, Ginter Frankenberg, Klaus 10 GONTHER, K. Der Sinn fir Angemessenheit. Frankfurt a/M. 1991; PETERS, B. Rational, Recht und Geselischaft. Frankfurt a/M.. 1991; MAUS, L Zur Aufkldrung der Demokratietheorie. Frankfurt M., 1992; PETERS, B. Die Integration moderner Gesellschaften. Frankfurt yM., 1993; WINGERT, L. Gemeinsinn lund Moral. Frankfurt afM., 1983; FORST, R. Konexte der Gerechtigkeit, Frankfurt M., 1994. Giinther, Bemhard Peters ¢ Lutz Wingert, por seus comentirios valiosos as primeiras versées de meu manuscrito. Também agra dego a Thomas A. MacCarthy por sugestées. Devo tantos ensina- :mentos a pericia jurdica de Klaus Giinther, que quase hesitaria em eximi-lo, como também os outros, da responsebilidade pelos meus ertos ~ © que, no entanto, fago expressamente, Frankfurt, julho de 1992. I. 0 DIREITO COMO CATEGORIA DA MEDIACAO SOCIAL ENTRE FACTICIDADE E VALIDADE ‘A modernidade inventou 0 eonecito de razio pritica como faculdade subjetiva. Transpondo conceitos aristotéicos par. je missas da filosofia do sujeito, ela produziu um desenraizamento dda razio pritica, desligando-a de suas enearagoes nas formas de vida culturais e nas ordens da vida politica. Isso tomou possivel referir a razio pritica a felicidade, entendida de modo individua- lista e & autonomia do individio, moralmente agudizada - liberdade do homem tido como um sujeito privado, que também pode assumir os papeis de um memiro da sociedade civil, do Estado e do mundo. No papel de cidadio do mundo, o individuo confunde-se com o do homem em gral - passando a ser simulta- neamente um eu singular e geral. O século XIX acrescenta a esse repertério de conceitos, oriundo do séeulo XVIM, a dimensio histérica: © sujeito singular comega a ser valotizado em sua histéria de Vida, ¢ os Estados - enquanto sujeitos do direito internacional - passam a ser considerados na tessitura da hist6ria, das nagdes. Coctente com essa linha, Hegel constréi o conceito “espirito objetivo”. Sem divida, tanto Hegel como Aristoteles estio convencids de que asociedade encontra sua unidade na vida politica na organizagéo do Estado; a filosofia pritica da moder- nidade parte da idéia de que os individuos pertencem a sociedade ‘como os membros a uma coletividade ou como as partes urn todo ‘que se constitu através da igagio de suas partes. Entrementes, as sociedades modemas tomaram-se tio com- plexas, ao ponto de essas duas figuras de pensamento ~ a de uma sociedade centtada no Estado ¢ a da sociedade composta de 7 individuos ~ nao poderem mais ser utlizadas indistintamente. A propria eoria marxista da sociedade convencera-se da necessidade de renunciar a uma teoria normativa do Estado. Aqui, no entanto, tazio pritica deixa seus vestigios filoséfico-histéricos no con- ceito de uma sociedade que se administra democraticamente a si ‘mestna, na qual o poder burocritico do Estado deve fundir-se com ‘a economia capitalista. O enfogue sistémico, no entanto, renun~ ‘iando.a qualquer tipo de contetido normativo da razio pratica, nao ‘repida em apagar até esses derradeiros vestigios. O Estado passa ‘a formar um subsistema ao lado de outros subsistemas sociais funcionalmente especificados; estes, por sua vez, encontr ‘numa relagio configurada como “sistema-mundo circundante”, © ‘mesmo acontecendo com as pessoas ¢ sua sociedade. Partindo da idéia hobbesiana da auto-afirmagio naturalista dos individuos, Luhmann elimina conseqiientemente a razio pritica através da ‘autopoiesis de sistemas dirigidos auto-referencialmente. E tudo Teva a crer que os esforgos de reabilitagdo e as formas empiristas retraidas nao conseguem devolver ao conceito de razio pritica a forga explanatéria que ele tivera no ambito da ética e da politica, do direito racional e da teoria moral, da filosofia da histéria e da teoria da sociedade. 'A filosofia da historia pode decifrar, é verdade, elementos de racionalidade nos processos histéricos, porém, somente os que el ‘mesma neles introduzira, servindo-se de conceitos teleologicos; tampouco é possivel extrair da constituigao histérica e natural do hhomem imperatives normativos para uma conduta racional da vida, Nao menos que a filosofia da historia, uma antropologia nos moldes de Scheler ou de Gehlen ¢alvo da critica das ciéncias que ‘ antropologia tenta em vo tomar a seu servigo - as fraquezas de ‘uma so simétricas em relaglo as da outra. A reniincia contextua~ lista fundamentagéo também no convence, uma vez que se limita a responder as fracassadas tentativas de fundamentagao da “antropologiae da filosofia da histéra, eimando em invocara forga normativa do fitico. A enaltecida linha de desenvolvimento do Estado democritico de direito do Atlintico Norte” certamente nos proporcionou resultados que merecem ser preservados; todavia, os {que castalmente ndo se encontram entre os felizes herdeiros dos fundadores da consttuigao americana no conseguem encontrar, em sua propria tradigio, boas razbes que aconselhem a separar 0 que € digno de ser conservado daquilo que merece critica (Os vestigios do normativismo do direito racional perdem-se, pois, no trilema: apes a implosio da figura da razao prtica pela filosofia do sujeit, nao tems mais condigées de fundamentar os seus contetdos na teleologia dahistria,na constituigao do homem, ‘ou no fundo casual de tradigdes bern-sucedidas. Isso explica os arativos da tinica opgio que ainda parece estar aberta: a do desmentido intrépido da razao em geral nas formas dramaticas de uma critica da razio pés-nictascheana, ou & maneira sSbria do funcionalismo das cfgneias sociais, que neutraiza qualquer cle- mento de obrigatoriedade ou de significado na perspectiva dos participantes. Ora, todo pesquisador na drea das cigncias sociais ue nio deseja apostar tudo em algo contra-intuitivo, no sera atraido por tal solugio. Por esta ra2io, eu resolvi encetar um ceaminho diferente, langando mao da teoria do agir comunicativo: substituo a razio pritica pela comunicativa. E tal mudanga vai ‘muito além de uma simples troca de etiqueta. [Nas tradigses culturas da velha Europe, havia uma ligagao demasiado direta entre razao priticae pritica Social. Isso fez.com ‘que essa iltima fasse abordada unicamente pelo angulo de ques- ‘onamentos normatives ou criptonorma:ivos- filtrados através de uma filosofia da historia. Ate Hegel, a razac pritica pretendia otientaro individuo em seu agir, eo direito natural devie configu rar normativamente a tinica e ‘correta ordem politica ¢ social. Todavia, se transportarmos 0 conceito de razao para o medium lingtistico e o aliviarmos da ligagio exclusiva com o elemento moral, ele adquiriré outros contornos teéricos, podendo servir aos objetives descritivos da reconstrugio de estrturas da competéncia da consciéncia, além de possibilitar a conexio com modos de ver funcionais e com explicagdes empiricas' 9 ‘A razio comunicativa distingue-se da razio pritica por no estar adscrita a nenhum ator singular nem a um macrossujeito sociopolitico. © que toma a razio comunicativa possivel ¢ 0 ‘medium lingiistico, através do qual as interagbes se interligam © 1s formas de vida se estruturam. Tal racionalidade esta inseita no ‘clos lingiistico do entendimento, formando um ensemble de condigdes possibilitadoras e, o mesmo tempo, limitadoras. Qual- quer um que se utilize de uma linguagem natural, a fim de enten- der-se com un destinatirio sobre algo no mundo, vé-se forgado a adotar um enfoque performativo e a aceitar determinados pressu- postos. Entre outras coisas, ele tem que tomar como ponto de partida que os participantes perseguem sem reservas seus fins Hlocucionsrios,Higam seu consenso ao reconhecimento intersubje~ tivo de pretenses de validade eriticdveis, evelando a disposigao de aceitar obrigatoriedades relevantes para as conseqiiéncias da interago € que resultam de um consenso. E o que esté embutido na base de validade da fla também se comunica as formas de vida reproduzidas pela via do agir comunicativo. A racionalidade co- ‘munjeativa manifesta-se num contexto descentrado de condigoes {ue impregnam ¢ formam estruturas, transeendentalmente possi- bilitadoras; porém, ela propria no pode ser vista como uma ‘eapacidade subjetiva capaz de dizer aos atores o que devem fazer. ‘Arazio comunicativa, 20 contrivio da figura clssica da razao pritica, nio é uma fonte de normasdo agi. Ela possui um contetido rormativo, porém somente na medida em que o que age comnuni- cativamente 6 obrigado a apoiar-se em pressupostos pragmiticos de tipo contrafactual. Ou sea, ele ¢ obrigado a empreender idea zagées, por exemplo, a atrbuir significado idéntico a enunciados, a levantar uma pretensio de validade em relagao aos proferimentos © a considerar os destinatirios imputiveis, isto é, auténomos € vverazes consigo mesmos e com os outros. B, ao fazer isso, © que age comunicativamente nao'se defronta com. “ter que” prescitivo de uina regra de agio e, sim, com o “ter que de uma eoergio transcendental fraca ~ derivado da validade deoniolégica de um ‘mandamento moral, da validade axioldgica de uma constelagio de Valores preferidos ou da eficdcia empirica de uma regra técnica Um leque de idealizagées inevitiveis forma a base contrafactual 20 de uma pritica de entendimento factual, a qual pode voltar-se criticamente contra seus proprios resultados, ou transcender-se a propria facticidade de formas de vida estrturadas lingisticamen- te. Os pressupostos idealizadores sobrecarregam, sem dvida, a pritica comunicativa cotidiana porém, sem essa transcendéncia {nttamundana, nio pode haver processos de aprendizagem. ‘A razio comunicativa possibilita, pois, uma orientagdo na base de pretensies de validade; no entanto, ela mesma nao fornece rnenhum tipo de indicagio conereta para o desempenho de tarefas priticas, pois nao é informativa, nem imediatamente pritica. De tum lado, ela abrange todo o espectro de pretensdes de validade da verdade’proposicional, da veracidade subjetiva e da corregio normativa, indo além do imbito exclusivamente moral e pritico. De outro lado, ela se refere apenas as inteleegdes e assergdes criticveise abertas a um esclarecimento argumentativo ~ perma- necendo neste sentido aquém de uma razio pritiea, que visa a motivagio e & condugio da vontade. A normatividade no sentido da orientagio obrigaoria do agir no coincide com a racionalidade {do agirorientado pelo entendimento em seu todo. Nommatividade ‘etacionalidade crizant-se no campo da fundamentagao de intelec- {98es mors, obtidas num enfoque hipottico, as quais detém uma ‘era forga de motivagio raconal, ndo sendo eapazes, no entanto, de garantir por si mesma a transposigo das idéas para um agit motivado?. E preciso levar em conta tais diferengas, ao considerar 0 conceito de razo comunicativa, que sito no ambito de uma teoria reconstrutiva da soiedade. Nesse contexto moifieado,o proprio conceit tradicional de razao pritica adquire um novo valor heu- istic, Nio funeiona mais como orientagao dieta para una teoria ‘normativa do direitoe da moral. Mesino assim, ele se transforma num fio condutor para a reconstrugio do emaraihado de discursos formadores da opiniso e preparadores da decisio, na qual est embutido 0 poder democrtico exercitado conform 0 direito 2 Id, Erldwcerungen zur Diskursethik, Frankfurt s/M., 1991 (a). a [Nessa perspectiva, as formas de comunicagio da formagao poli- tica da vontade no Estado de direto, da legislagio e da jurispra~ dncia, aparecem como partes de um proceso mais amplo de tacionalizagio dos mundes da vida de sociedades modemas pressionadas pelos imperatives sistémicos. Tal reconstrugo co Joca-nos nas maos uma medida critica que permite julgar as praticas de uma realidade constitucional intransparente. distancia em relagio aos conceitos tradicionais da razio pritica, nao é trivial constatar que uma teoria contem- porinea do direito ¢ da democracia continua buscando um engate na coneeituagio clissica. Ela toma como ponto de par- tida a forga social integradora de processos de entendimento nio violentos, racionalmente motivadores, eapazes de salva- guardar distancias e diferengas reconhecidas, na base da manu- tengio de uma comunhao de conviegdes. Ha muitos fildsofos da moral e do diteito conduzindo seus discursos normativos nesta diregao, de uma forma até mais animada do que anti- gamente. Ao se especializarem em questdes de validade normativa, no enfoque performativo de participantes e atin- sridos, eles caem certamente na tentagio de permanecer no interior do horizonte limitado de mundos da vida ha muito tempo exoreizado pelos observadores das ci i Teorias notmativas expdem-se & suspeita de néo levarem na devida conta os duros fatos que desmentiram, faz tempo, a autocompreensio do moderno Estado de direito, inspirada no diteito racional. Pelo angulo da objetivizagao das ciéncias sociais, uma conceituagao filoséfica que insiste em operar com a alternativa: ordem estabilizada através da forga © cordem legitimada racionalmente, remonta a seméntica de iransigéo da baixa modernidade, que se tornou obsoleta a partir do momento em que se passou de uma sociedade estratificada para sociedades funcionalmente diferenciadas. Ea propria estratégia tedrica que privilegia um conceito comu- nicativo capaz de substituir a “razio pritica” é obrigada a sublinhar uma forma especialmente e do Esado Estado de dreito deveria garantiraautonomia privada © a igual- dade juridica dos civis. Contrapondo-se a isso, a fundamentagao do sistema dos direitos pela via da teoria do dseurso eselarece © exo interno que existe entre autonomia privada © publica. © ‘irito nao consegue o seu sentido normative pleno per se através ddesus forma, ou attavésdeum conte mora dado a priori, mas através de un procedimento que instaura 0 dreto, gerando leg timidade. Nesta medida, o conceit material de lel, da velha ‘outing liberal do dieito do Estado, de Mohl, Roteck, Weleker € outos,ofeece uma chave melhor pars aidein democritica do Baado de divito. Por "ki" esses autores entendiam uma regra feral eabstata que se colo a partir do assentimento da tepte- Sentagio do voto, num procedimento caraterizado pela discussio @ pels publiidade. A Hela do Estado de dieto exige que as detisdes coletivamente obrgatias do poder politico organizado, aque o direito precisa tomar para a Tealizagao de suas fungSes propras, no revstam apenas a forma d dreto, como tarnbéi se Fegitimem pelo direito corretamenteestatuido. Nao éa forma do dipeto,enquanto tal, qu legitima o exereicio do poder politic, sim, aligagdo com o dieitolegtimamenteestatuido.E, no nivel poe tradicional dejstfieasio, 5 vale como legitmo o direto que Eonseguiu acitagdo racional por pate de todos os membros do direto, numa formagao dscursiva da opinio eda vontade ‘Eso traz como conseqizneia uma icorporagio do exericio da autonomia politica dos cidadios no Esado ~ a legislagio onsti-se como um poder no Estado. Ao pasar da socalizagao horizontal dos cvis, que se atribuer reciprocamente direitos, pare formas vertieais de organizagaosocalizadora, a pritica de autode- 1 BOCKENPORDE, EW. “Bntschung und Wandel des Rechistantsbegriffe’, In: id. Recht, Stat, Fredhet. Frankfurt 3M, 1991, 143-169; MAUS, |. “Entwicklung und Funktionswandel det ‘Theotie des birgtlichen Rechtsstaats", in: id. Rechistheorie und Polische Theorie im Industriekapitalismus. Munique, 1986, 11-2. . patna co fru oe Pap Str me tite wes mes clone li ome prt chest sn eet iesema gee Steptoe dcr Seyenemns Une oti 7p nega como per policamente opines, dematoageereiers sume ate nin dma aaieo ps as pe pla ra Soren ¢ omen re oe eerie lc epi va No fa te eens etn cae. hia ata cee mt gu emo lei nen culties Som beans eg ear ect rg dt en Saoirse coset ieee pt re snc sect “ak Suge Vege Bn inde SEAR titi tee pot emir sar, rms ache dope noes sl i pr io peril mech ost cs sie a econ nan sae Caml ion stad det ee ae sey, ome neni ei er tinge a de mons do nox ee sos Seta aod ie Pros dv cacti A pen ene dee ror re pn Terrence lpn ol is seats Aes ed a si i ane ro is, Eo Eines seals fo Si 2 KRIELE, M. Einfirung in die Staatslehre. Opladen, 1981, 2245s. im no interior do sistema de direitos - como a (tensio) entre autono~ ‘mia publica e privada. Com aidéia do Estado de direito, amplia-se 1 perspectiva. A partir dos direitos, nds passamos para uma domi~ nagio organizada juridieamente, cujo exercicio deve ficarligado ‘am direito legtimo. Com a aplicagdo reflexiva do direito a0 poder politico, pressuposto por ele, @tensio entre facticidade e Yalidade desloca-se para uma outra dimensio, reaparecendo no ‘proprio poder politico constituido conforme o Estado de direito. A Gominagio politica apdia-se num potencial de ameaga, garantido pelos meios coercitivos da casera: simultaneamente, porém, ela pode ser autorizada através de um direito legitimo. Na validade Juridica e na obrigatoriedade coletiva das decisdes politicas, hi dois momentos que se ligam, ou seja, a coergao e a pretensio & validade deontoldgica, havendo, porém, uma inversio dos Iados. Enquanto odireto, independentemente de sua positividade, revela naturalinente uma pretensio natural & validade deontol6gica, © poder, independentemente de sua autorizaglo,esté&disposigao de lima vontade politica como meio para a obtengdo de objetivos coletivos. E porisso que, se o consideratmos apenas empiticamen- te, 0 poder funciona quase sempre como uma simples forma da qual o poder politico se serve. Ora, tal facticidade ~ invertida do onto de vista normativo - de um poder ilegitimo e externo a0 Gireito, que apenas instrumentaliza 0 dieito, ndo seré nosso tema por enquanto. A anilise conceitual consegue explorar a tensio entre facticidade e validade que sobrecartega poder politico fenquanto tal, porque este mantém una telagao interna com © direito, através do qual ele precisa legitimarse. Essa relagao conceitual nao pode ser confundida com a oposigio entre norma e realidade, a qual, como iremos ver no capitulo VIII, 55 ¢ acessivel ‘uma andlise empitica. 2 © complexe formado pelo diteito e pelo poder politico cara terizaa passagem das sociedades organizadas pelo parentesco para 1s sociedades primitivas ja organizadas politicamente, das quais ‘surgiram os velhos impérias com suas culturas evoluidas. O entrela- m8 arn cds ies i ata tena a SR eee ahaa i a rte Hoel cate ‘ety ns Mena rrr de Nope eee ee, ican om ce eae Sean mpi «sce sine Mac fs ol ks eons eg alan Samet sons moo sec, fe tc emo oe snitira Cn imeem fone nn a i inmates cos gh oe ge Sem c Gte de lEe¢o ce rare Has a wm Spe eter aa eae enchant a a dotninagéo, consttu-seentéo um poder do Estado, segundo o esque ‘ma: a vontade soberana assume fungSes de legislagao, revestindo suas dish eet espe eet terrain emai Peo sn ee on ok sin de cet ere aks mic mena amine a ec eng een reap ee Mcincne Samsara yt deans speeches cr ae mein ee i ei ne, Nem e t Reua a a er aide eee eres aimee dee eeceeneycrntnoes eet gree mrarr cmeeenpeerers Fatt amas Ret ie eo te ‘impenetrivel da politica, no qual se separam o direito ea moral?. "Sena lala stds aja enn odo ion esa sect seceaene rier eso ica sa a ome esas aa 3 LANGER, C. Reform nach Prinzipien. Zur politischen Theorie Immanuel Kants, Satigart, 1986, us ‘emgatado de ato ¢ hi muito tempo, Os fendmenos que se acurmu- lam na modemidade - a concentragao do poder administrative, a positivasio do direito e o surgimento de um poder legal ~ enco- brem as condigaes iniciais, a dominagao em formas tradicionais, sob as quais o poder do Estado tinka surgide. Nas sdciedades tribais, o pader social, apoiado no prestigio de caciques, sacerdo~ tes, membros de familias privilegiadas, etc, jétinha formado uma sindrome com normas de ago reconhecidas, que devernasua forga ‘obrigatoria a forgas miticas, portanto a um consenso de fundo sagrado, a qual (sindrome) possbiltara instituigdes para arbitra ‘gem dos litigios e da formagio coletiva da vontade. © complexo estat formado pelo direitoe pela politica podia, pois, evantar-se sobre uma base areaica de integragao social, a qual no foi levada fem conta nas construgées racionaise juriieas do estado natural. Pata uma reconstrugéo conceitual da génese do direito e da politi- ca, eu escolho a forma de apresentagio de um modelo abstrato, 0 qual sublinha apenas elementos pariculares, porém relevantes, encontriveis em meio a0 abundante material antropologico. ‘8) Inicialmente eu construo dois tipos de arbitragem de lit sos ¢ de formagio coletiva da vontade, os quais néo tém a pretensio de fazer valer um dieito sancionado pelo Estado, nem © poder politico juridico, uma vez que formatn apenas a base sobre 1 qual o diteto e o poder politico podem constituir-se reciproca- mente. Com Parsons, eu parto da idéia de que interagdes sociais inteligadas no espago e no tempo encontram-se sob condigses de ‘uma dupla contingéneiat, Os atores esperam uns dos outros que ‘les decidam, em principio, desta ou daquela maneira. Por isso, toda ordem social, dotada de padrées de comportamento até certo Ponto estiveis, precisa apoiarse sobre mecanistos de coordena~ G40 da agio ~ via de regra sobre a influenciagéo ou sobre 0 fentendimento. E quando a coordenagio nao se efetua, surgem ‘conseqjiéncias naagéo, quesioexperimentadas como problemticas ‘pelos proprios participants. Problemas de coordenagio desse tipo 4 PARSONS,T,, BALES, R. F.e SHILS, D. Working Papers inthe Theorie of Action. Nova Torque, 1953, 63s. 176 ‘aparecem em duas manifestages tipicas. Ouse trata de regular umn ern apne on use lara lisveis, ou esta em jogo a escolha de uma realizagao cooperstiva de fins coletivas (egulamentagio de confit interpessonis versus persecugio de objetivos e programas coletivos)s. No caso mais simples, virios ators Iutam entre si pela posse do mesmo bem, tentando resolver esse cnflito de modo consensual; ou um grupo de atores vse abragas com um desafio que eles desejariam dominar cooperativamente. No primeiro caso, os envelvides encontram-se dante da seguinte questi: “Quai sio as regras de nossa convivé ia?" no segundo caso, enfrentama pergunta: “que tipo de objetives {quetemos atingit e por qual caminho?" A arbitragem do litigio refere-se estabilizag de expectativas decomportamento, no caso ) ‘Com esta proposta, Owen Fiss tem em mente especialmente os princi pics do prooesso ¢ as maximas de interpretagao consttutives para © papel e a pritica de uma jurstigéo imparcial, e que devem garantir a independéneia da jusiga, a limitagio do arbitro subjetivo, 0 respeito pela integridade das parts ltigantes, a fundamentagio por escrito © a claboragao do juizn, sua neutralidade, ec. Os standards comprovades na projissdo devem garantr a cbjtividadee a controlabilidade inter- subjetiva do juizo. IE verdade que o status dessas regras nao deixa de ser proble- Iitico. De um lado, elas servem para a justificagdo procedimental xsdes exist ‘enciais sobre metapreferéncias e “higher order volitions™2°, Na diseussio paralela que core entre os constitueionl mericanos, distingue-se claramente ~ mais do que no debate alemio = ents impulsos tedricos que definem os direitos Finda. mentais como prineipios do direfo © os que os definem como orientagses valoativas P. Brest, por exerpl, marca claramente 8 oposigao ente as “Rights Theories” eos principio do "Moral Conventionalis"2”. Em sua controversia com una jurispradéncia ‘qe entrelaga morale dteito, J. H. Ely faz una ingio entre a compreensio deontolégica dos direitos funda- ‘mentais, de um lado, que recorea direitos suprapositves, rao 8 prncipios processinis neutos, ea interpretaso da teoria dos valores, de te lado, que se refere & tradico € a0 consenso consuetudinirio®™. ‘Nos Estados Unidos, Michael J. Perry defende uma varante neovarstotelica da hierarquia de valores. Ele entende 0 texto constitcional como documento de Fundagaoe expresso da ato ‘compreensio ica de uma comunidade histric, pondo asim em cheque as caratristicas empiticas do conveneionalisme mora, ‘que vé os valores fundamentals da constitigao entaizados no consenso da maioria da populagio sobre valores dominantes. Como se fora um texto sagrado, a constituigao funda novas idéias, em cia Iz @comunidade pode reeonhecer suas aspiragses mais 26 FRANKFURT, H. “Freedom of the Will and the Concept of the Person, in: id, The Importance of whut we know about ‘Cambridge, Mass. 1988, 11-25 27 BREST, P. “The Fundamental Rights Controversy”, in: Yale Law Journal, 9, 1981, 28 ELY,J.H. Democracy and Distrust. Theory of Judicial Review. Cambridge, Mass. 1980 319 profunda e seus verdadeins interes: “On this view, our political life includes ongoing moral discourse with one another in an effort to ‘achieve ever more insightful answers othe question of what are our ‘real interests, as opposed to our actual preferencesand thus what sort ‘of persons with what projets, goals, ideals ought we tobe. Delibe- rrative politics is an essential instrument of selflnowledge”®?. O dis- curso de autorentendimento étco politico des cidadiios eneontra sua ‘manifestagio eoncentrada numa jurisprudéneia consituional orien- tada por valores, que se apropria hermeneutiamente do sentido crginiro da constiigio, na medida em que stalin criativamente desfioshistrces canbianes, opend-se a sztid orig Al da mais ousado do que a nossa hermenéutica juridica apoiada em Gadamer, Pery vé o juiz consttvcional no papel de um profesor ‘rofético que procur garantira contnuidade de uma tradi constita- tiva para a vida da cominidede,interpretando a palavea divine dos fundadores. E, ao fazer isso, ele nao deve fixar-se no teor estrito, nem_ tomarse dependente de conve majoras: “To “interpret” some provision of the Constitutions, inthe main tascertainthe aspirational ‘meaning and then o bring that meaning to ear ~ that sto answer the 4question...what hataspiration meansfor the conflictat hand, and what ‘that aspiration, if accepted, requires the court to do™®, Tal jurisprudencia de valores levanta realmente o problema da legitimidade, que Maus ¢ BéckenfSrde analisam, tomando como referéncia a pratica de deisio do Tribunal Consttucional Federal. Pois ela implica um tipo de conertizagio de normas que coloca a jursprudénciaconsiucional no esado de uma lepslago concoren- te, Pery chega a essa conclusio, reinterpretando arroadamnente os direitos fundamentais, que deixar de ser prineipics deontoldgicos do dlireito para se tomarem bens teleolgicas do direit, formando uma cordem objetiva de valores, que liga a justiga eo lepislador a eticidade substancial de uma determinada forma de vida: “fudicial review is a deliberately countermajoritarian institution”?!, 29. PERRY, M.J. Morality, Poliies and Law. Oxford, 1988, 152. 30 PERRY (1988), 1355. 31 PERRY (1988), 149, 320 ‘Ao deixar-se condurir pela idéia da realizagio de valores imateriais, dados preliminarmente no diteito constitucional, 0 tri- ‘bunal constitucional transforma-se numa instincia autoritria. No caso de una colisio, rodas as razBes podem assumir o cariter de argumentos de colccagao de objtivos, o que faz ruira viga mestra introduzida no discurso juridico pela compreensio deontologica de normas e principios do diteto. A partir do momento em que direitos individuals sio trans- formados em bens e valotes, passam a concorrer em pé de igual- dade, tentando conseguir a primazia em cada caso singular. Cada valor ¢ tio particular como qualquer outro, a0 passo que norma deve sa aldade atest denvereng, Nes alvin de Denninger: “Valores sé posiem serrelativizados através de valores, pporéi o processo através do qual valores sio prferidos ou rejei- tados eseapa & conceituagao ldgica”™. Iso leva Dworkin a enten- der direitos como “trunfos” a serem usados contra argumentos de colocagio de objetivos. E verdade que nem sempre 0 dircito cconsegue impor-se contra qualquer bem coletivo no armbito con- creto da argumentagdo que visa decisio de um caso singular, principalmente quando a primazia de um objetivo coletivo pode ser jusificada a Inz de principios. Normas e prineipios possuem ‘uma forga de justficagao maior do que a de valores, uma vez que podem pretender, além de uma especial dignidade de preferéncia, ‘uma obrigaroriedade geral, devido ao seu sentido deontologico de validade; valores tém que ser inseidos, caso a caso, numa ordem transitivade valores. E,uma vez que nc hi medidas rcionais para ‘sso, a avaliagio realiaa-se de modo arbitrrio ou jrrefletido, se- lindo ordens de precedéncia e padres consuetudinsrios™. Na medida em que um tribunal consttucional adota adoutrina da ordem de valores ea toma como base de sua pritica de decisio, 32. DENNINGER (1990), 147 2 Uima ver que no i uniades de mea inoquivoss,aplives tin chads brs do dt to oct findamentaga, proposto por Alexy (985, 14-153) ‘conseg levara dictate GONTHER (1988), 268. aa ceresce © perigo dos juizos iracionais, porque, neste caso, os treumeniceTencinalsas prevalence os norma, No caso de uma colisio de normas, cettos principios, tais como, por exemplo, a “capacidade funcional” do exércitoslemio, ocuidado do direito, a "paz" especfica de certs esferas, a “seguranga do Estado como poder de ordem e de paz”, o comportamento fel & federagio ou a “fidelidade a federagio", fomecem certamente ‘pontos de vista que permitem introduzir argumentos num discurso Juridico; todavia, esses argumentos néo “conta” mais do que os ;rincipios juridicos, luz dos quais esses bens e prineipios podem Ser justificados. Ora, esse limiar é nivelado a partir do momento ‘em que, contra toda intuigao, prineipios do dieito sio equiparados ‘a bens; finalidades e valores: “Garantias consttucionais da liber- ddade concorrem neste caso com ‘principios’ contraditrios, ndo ssomente em seu conteido, mas também em toda a sua estrutura, como, porexemplo, a capacidade funcional do exército federal ou ‘acapacidade funcional dos empresérios na economia global... Tribunal Constitucional Federal transforma esses bens coletivos (como também os outras) em encargos constitucionais imediatos, {que olegislador éobrigado a cumprir, tendo em vista certascustos ‘para os direitos da liberdade,inerentes a certas situacaes"™*, (Os direitos fundamentais, a0 contritio, ao setem levados a sério em seu sentido deontoldgico, no caem sob una analise dos ceustos ¢ vantagens. Isso também vale para normas “abertas”, nio referidas a casos exemplares faclmente identificéveis - como € 0 «aso dos programas condicionais - formuladas sem um sentido cespecifico de aplicagio, necessitando de uma “coneretizagao” ‘metodicamente inofensiva. Tais normas encontram a sua determi nagio clara num discurso de aplicagao. No caso de colidirem com ‘outras prescrigdes juridieas, nao ha necessidade de uma decisio para saber em que medida valores concorrentes sio realizados. ‘Como foi mostrado, atarefa consist a0 invés disso, em encontrar entre as normas aplicaveis prima facie aquela que se adapta melhor A situagio de aplicagdo descrita de modo possivelmente exaustivo 34 MAUS (1988), 197s, 32 «sob todos os pontos de vista relevantes.E preciso estabelecer um nexo racional entre a norma pertinente e as normas que passam para o pano de fund, de tal modo que a coeréncia do sistema de regras permanega intocada em seu todo. As normas pertinentes © as retroativas nao se relacionam entre si como valores concorten- tes, os quais,na qualidade de mandamentos de otimizagao,seriam realizados em diferentes niveis: prem, como normas “adequadas” ‘04 nio-"adequadas”. Ora, adequagio significa a validade de um juiao deduzido de uma norma valida, através do qual a norma ‘subjacente ésatsfeita, ‘Uma jurisprudéneia orientada por principios precisa definir qual pretensio e qual agio deve ser exigida num determinado conflito ~ e no atbitrar sobre 0 equilibrio de bens ou sobre © relacionamento entre valores. E certo que normas validas formam uma estrtura relacionalflexive, na qual as elagSes poder des locar-se segundo as cireunstineias de cada caso; porém esse des- locamento est soba reservada coeréncia, a qual garante que todas normas se ajuntamn nur «aso uma tnica solugao correta. A validade juridiea do juizo tem co sentido deontolégico de um mandamento, nao o sentido teleold- ico daquilo que ¢atingivel no horizonte das nossos desejos, sob circunstincias dadas. Aquilo que é0 melhor para cada um de nds no coincide eo ipso com aquile que é igualmente bom para todos. 2 No tocante a0 problema da legitimidade do controle judicial da constitucionalidade, esta consideragio metodoldgicatraz con- seqilénciaspritica eerticas em relagao a uma autocompreensio falsa e suas conseqiéncias, nio para a possbilidade de uma decisio racional de recursos consiticionais em geral. Pois @ interpretagio de principio do dreto nao se dstingue fundamen- talmente da interpretagio de norma simples (na medida em que a sua aplcagio néo estécondicionada previamente a stuagées deli- rmitadas). No processo de aplicagio, nem sempre surgem lacunas de racionalidade em ambos os tipos de interpretasio. Certamente fs passes complexos de uma interpretagao construtiva nto se 223 to assume their ow moral completion as they mow are nd thus to den to themseves the plurality on which heir capacity for transformative self-renewal depends". ‘A descrigéo excepeionalista da pritica politica ideal sugere a necessidade de um lugar-tenente pedagosico; © esse regente 56 é necessrio durante fempo em que o soberano se devia para 0 privado, ao inves de asurare| acequadament ohgar que The compete na esters pblicapoliea. A tadio republicara sugere um tal excepeonalsmo, una vez que liga a ptca politica dos eivis 20 ethos de una eomunidade naturale itegrada. A politica comets pode se fita por ivi vituosos, Bsa imputagao de virtude ji levou Rousseau a separgio ente o cidadio orientado pelo bern ‘comume o homei pivadoeicamentesobrecaregados a wanimida- Gedo legisladorpolico deveria er garantda prevamente ara de tumconsenso eto dosinimos: “For Roussea, the basis for lesitima- les notin the ree individual capable of making up his mind by Sreighing reasons, but rather in the individual whose is already determined, one who has made his choice”. ‘Contrapondo-s asso, uma interpretagloapoiada numa teo- ria do discufvo insite em afirmnar que a formasio demoeritica da \ontade notina sua orga legtimadora da convergenca pretiminar de conviogbes sicas consuetudiniias, © sim de pressupostos omunicativos eprocedimentos, os qual permitem que, durante o processo dliberavo, veham tona os melhores arguimentos. A teoria do discurso rompe com uma concepeio etic da autonomia da cidadio; por iss, ela no precisa reservar o modo da politica detibertvas um estado de excegio, Eum tribunal constituconal {ue se deixa conduzir por uma compreensio contiticional enal nio precisa dinar a descoberio seu crédito de legitima~ Dpodendo’movimentarse no inferior das competéncias da 66 MICHELMAN, Law's Republic, (1988), 1532. 67 MANIN, B. “On Legitimacy and Political Deliberation”, in: Political Theory, 1S, 1987, 347; ef. minha eitica « Roussea, in: HABERMAS, J. Siukturwandel der Oyfentlichkeit, (1962), 1990, pani 12; ft. prefcio, p. 38 aus aplicagao do direito - claramente determinadas na logica da argu- Ientagio - quando oprocesso democratico, que ele deve proteger, no € deserito como um estado de excesio. Ascarteristicasexcepeionaisdo 9 democritico,detinea-

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