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Colegio QUESTOES DA NOSSA EPOCA Volume 52 Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Repensando o ensino de histéria/ Sonia M. Leite Nikitiuk (org.). - 4. ed — Sao Paulo, Cortez, 2001. — (Colegio questées da nossa época ; v. 52) Varios autores ISBN 85-249-0608-1 1. Hist6ria - Estudo e ensino 1. Nikitiuk, Sonia M. Leite Il. Série. CDD-907 indices para catdlogo sistematico: 1. Historia : Ensino 907 2. Histéria : Estudo ¢ ensino 907 Sonia. Niktuk (Org, REPENSANDO O ENSINO DE HISTORIA # edigdo Mss DA NOSSA EPOG CORTEZ SPavirel ta REPENSANDO O ENSINO DE HISTORIA Sonia M. Leite Niktiuk (Org.) Capa: DAC Preparacdo de originais: Carmen Teresa da Costa Revisdo: Maria de Lourdes de Almeida, Eliana Martins Composigdo: Dany Editora Ltda. Coordenagao Editorial: Danilo A. Q. Morales Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorizacio expressa dos autores e do editor. © 1996 by Autores Direitos para esta edigdo CORTEZ EDITORA Rua Bartira, 317 — Perdizes 05009-000 — Sao Paulo - SP Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 E-mail: cortez@cortezeditora.com.br www.cortezeditora.com.br Impresso no Brasil - novembro de 2001 SUMARIO Apresentagdo ... 6... ee te eee 7 1. Ensino de Histéria: algumas reflexdes sobre a apropriagdo do saber Sonia Maria Leite Nikitiuk ........ 9 Sobre a norma e o 6bvio: a sala de aula como lugar de pesquisa Paulo Knauss... 602 ee eee 26 Reconstruindo a Histéria a partir do imagindrio do aluno Ubiratan Rocha ........-.04-- 47 O ensino de Histéria no contexto das transigdes paradigmaticas da Histéria e da Educa¢io Martlia Beatriz Azevedo Cruz ......- 67 Construindo um novo currfculo de Histéria Arlette Medeiros Gasparello ....... 77 APRESENTACAO Repensar 0 ensino, Repensar a Historia, Repensar o ensino da Historia, Repensar as relag6es entre ensino e Histéria, Repensar as relagdes entre quem ensina e quem uprende, Repensar no ensino 0 que aprender e como ensinar, i © que, neste conjunto de textos, os diferentes autores vém levantar. No texto “Ensino de Histéria: algumas reflexdes sobre a apropriagao do saber”, procuro destacar alguns desafios por que passa a Histéria e suas implicages no ensino. €onsiderando que o saber é apropriado e construido, iio hé como nfo se preocupar com as questées sobre wentidade, linguagem, registros, pluralidade. A transfor- magio qualitativa que se almeja, no ensino de Histéria, passa pelo professor que se abre ao diferente, que ousa abric espagos, que incentiva os diversos olhares sobre «1 objeto. Ja Paulo Knauss, no texto “Sobre a norma e o 6bvio: a sala de aula como lugar de pesquisa”, apresenta, a partir de situagdes concretas, o espago da sala de aula como normatizagéo do saber. Os conceitos produzidos coletivamente, por meio de pesquisas, tornam a Histéria instrumento de leitura do mundo. © texto “Reconstruindo a Histéria a partir do ima- pindrio do aluno”, de Ubiratan Rocha, aborda os riscos de uma Histéria fragmentada que conduz a um relativismo |crigoso e aponta para a necessidade de se refletir sobre 7 © processo de conhecimento cientifico e de senso comum, na Histéria. Marilia Beatriz A. Cruz, no artigo “O ensino de’ Histéria no contexto das transigées paradigmaticas d Historia e da Educagdo”, situa a crise do ensino e d: educagdo explorando, a partir da mesma, a necessidad de formulag&o de novas bases para a producao cientific: da narrativa histérica e da formacao de conceitos n processo ensino-aprendizagem. O iiltimo artigo, “Construindo um novo curriculo de’ Histéria”, de Arlette Gasparello, situa a questéo do ensino de Histéria no campo do curriculo, destacan a abordagem da Histéria local no ensino. O enfoqu regionalista é apresentado como referencial analitico par: a compreensao da dinamica social e como contribuiga para a percepc4o das continuidades e descontinuidade: do processo histérico. Esta coleténea espera ser um espago para que pro- fessores de Histéria abram outros espagos de discussa sobre o seu mister. Acreditamos que sé ensina Histéria quem ousa des- Cortinar horizontes. Sonia Nikitiuk Niteréi, fevereiro de 199 ENSINO DE HISTORIA: algumas reflexGes sobre a apropriacéo do saber Sonia Maria Leite Nikitiuk Nescortinando horizontes Hist6ria narrativa, ciéncia, disciplina... Professor Jeitor, historiador, decodificador... Ensino reproducdo, produgdo, inovagao... Passado, presente, futuro... Que horizontes descortinar? Historia nova, novas formas, Novos objetos, novos sujeitos, Novas linguagens, novos papéis. Serio novos os saberes? Espacgos, limites, fronteiras, Infinito, olhares, barreiras. Observam, procuram, exploram. E o imagindrio se torna real. Mas o que é o real? © Real simbélico, © Real mediado, © Real imaginado, © Real vivenciado, © Real historicizado. ©) Real é meu? é seu? € nosso? é€ de ninguém? f. descobrira estruturas diversas para sua leitura de Em Chartier, um espago de investigagao mundo. E o alerta para o texto e para a produgao. Em Burke, o real é historicamente produzido, Chega-se & Histéria total E morre a iluséo dos documentos Que falam por si s6. lintre no mundo, arrisque-se, invente! | verd que todos, ao seu redor, tém papel nessa historia. Releia 0 que sempre leu E sentiré necessidade de novas leituras e documentos. Procure explicar os fatos fazendo outras questdes E descobrira as agées coletivas. Conscientize-se de que o real é relativo E verdé como outros sujeitos o ajudario A descortinar horizontes e a ler evidéncias. O universo do historiador esté em franca expansao, O universo da Histéria parece indeterminado. E como fica 0 universo da Academia? E © universo do professor? E 0 aluno, tem universo? S6 uma coisa é certa: é preciso buscar. Buscar é saber olhar pela janela. Buscar é descobrir horizontes. Buscar é saber ler as fontes. Buscar é também narrar, registrar. E assim que se faz a Historia. I, vocé poderd repetir Paul Veyne (1971) dizendo: “A historia 6 uma narrativa de acontecimentos ver- iadeiros. Nos termos desta definigéo, um fato deve }icencher uma s6 condigio para ter a dignidade da lustoria: ter acontecido realmente”. | assim, 14 longe, no horizonte, Voce poder entao responder: () que ensinar? (umo apropriar-se do saber histérico? Talvez ai, nesse horizonte expandido, Comece a busca da identidade... Afinal, professor, Vocé também escreve a Hist6ria! E seu aluno, pode escrever? (ma janela aberta para o mundo do saber Olhe o mais longe que puder, Vera que a janela néo comporta todo o horizonte. Por isso corra-o risco de pular no horizonte E assim encontrar rumos, saberes e fazeres. Individuos diferentes, Vises diferentes, Fatos... os mesmos. Conhecer € construir. A Hist6ria € construgio? O ensino € produg&o ou reprodugio? Saber € apropriagao? Veja a totalidade das atividades humanas E saberd que a Historia nao é imutavel. Arrisque-se a sair das narrativas 10 11 Saber e nao saber é a relagdo do ensino. Saber é poder. Saber € também apropriar-se. De qué? . Saber, saberes universais? Populares? Saber que se faz na Academia? Ou, quem sabe, no cotidiano, no dia-a-dia? Saber comum, saber novidade. Saber relativo, saber verdade. so, para a Histéria Nova, documentos de primeira ordem” (Le Goff, 1990:28). Como € necessdrio questionar 0 documento! “Um tnico documento nao basta para estabelecer um filo”, “a escrita nado pode provar nenhum fato; mostra-nos apenas as probabilidades de certeza, uma vez que 0 yiu de veracidade depende do grau de adequagao da Imagem do real construida metodicamente pelo historiador vomo o ocorrido” (Langlois & Seignobos, 1940:148). Saber: histéria “vista de cima”. Saber: Historia “vista de baixo”. A escola tem papel: sistematizar 0 saber. Nessa sistematizag&o, janelas se abrem. Olhando pelas janelas vemos homens que fazem, praticam, Que registram, e léem a Historia. O que discutir? O que ensinar? Para aonde deslocar-se? Saber fixado nos documentos. Ah! Um problema! Os documentos-fonte se ampliaram. Hoje, como saber’... Tantos registros, tantos depoimentos!... tantas imagen: Pode-se saber sem iconografia, sem festa? Sem corpo, sem linguagem, sem técnica? APT gt | ry 4, 4S i! E assim, refletindo sobre Histéria, ensino, nado como ndo falar em documento. O campo conceitual de documentos aqui utilizado do contexto da Histéria Nova, que substitui a Histéri de Langlois e Seignobos, fundada essencialmente ni textos, por uma Hist6ria baseada numa multiplicidai de documentos; escritos de todos os tipos, document figurados, produtos de escavagées arqueolégicas, doc mentos orais etc. “Uma estatfstica, uma curva de preco uma fotografia, um filme, ou para um passado mai distante, um pélen féssil, uma ferramenta, um ex-vo' Vocé também olhou? Vocé também viu? Qual a sua interpretagao? 12 13 “Se € verdade que a organizaco da histéria é relati a um lugar e a um tempo, inicialmente o é por s técnicas de produgdo” (Le Goff & Nora, 1979:28). } Produgio pressupde pesquisa. E esta se desenvolve com base na fronteira Entre o dado e o criado, Entre a natureza e a cultura. E Historia das mentalidades! No descortinar horizontes. Contetidos e objetos se identificam E nas relagées se estabelecem Discurso e técnica de produgao, No descortinar horizontes, Traduzem-se linguagens culturais, Toma-se consciéncia de que nao existe Texto sem suporte E que seu sentido é construfdo Num tempo e espacgo determinado, Numa comunidade especifica. “Willis desenvolve a idéia de que as pessoas ni recebem simplesmente os materiais simbélicos e cultw tais como sao transmitidos, Existe um espaco cultui no qual elementos e materiais simbélicos sao transfe mados, reelaborados e traduzidos de acordo com pi metros que pertencem ao préprio nivel cultural di pessoas envolvidas. Nao existe nunca reprodugao pu: (Silva, 1992:68). Olhando através das janelas descobre-se que “i teorias da reproducdo fazem como um retrato instantan da realidade, sendo portanto incapazes de verem dinamica social em movimento, operag4o somente torn: 14 poxsivel com uma perspectiva histérica de longa duragao. Av estruturas se modificam para dar lugar a outras, mas exe movimento sé é visivel se examinamos a histéria fun perfodo suficientemente longo” (Silva, 1992:69). infim, aquilo que é definido como saber ou conhe- vimento escolar, na verdade, constitui uma relagdo par- (ular e arbitraria de um universo muito mais amplo de possibilidades. Now escritos e leituras, diferentes apropriagdes “A Historia é feita pelos homens, mas também é twrita pelos homens”. (Zhuboa, C.) Ne cscrita, pressupde um trabalho especffico. Ke cscrita, pode ser narrativa, Mis também pode ser estrutural. A Histéria escrita: Apreende o que é vivo, Carrega visdes do mundo, Configura expresses dos individuos, Carrega aspiragGes de grupos sociais, Organiza e faz sinteses, Nunca sera neutra. Autyem, por isso, indagagdes: f possivel escrever sem que leituras diversas sejam feitas? fi possivel escrever o fato concreto, real? Como estabelecer relagdes entre acontecimentos e estruturas? 15 {. Transmite conceitos ¢ visdes que introduzem 4 uceitagéo do modo presente de organizagio econdmica ¢ social (processo de legitimagao); 2. Produz pessoas com as caracteristicas cognitivas e utitudinais apropriadas ao processo de trabalho capi- lulista (processo de acumulacao); 3. Envolve-se no processo de produgio de conheci- mento cientifico e técnico necessério para a continua trunsformagéo do processo de produgdo capitalista. Desempenham, também, papel importante na repro- ugao: o livro diddtico, os elementos estruturais da excola, a definigfo do espago, a arquitetura, a adminis- tragio do tempo, a diviséo e classificagéo do conheci- mento, a linguagem etc. “A histéria cultural, tal como a entendemos, tem p principal objeto identificar no mundo como, em diferent lugares e momentos, uma determinada realidade soci € construfda, pensada, dada a ler’ (Chartier, 1982:16) Paul Veyne diz que “por esséncia a histéria é c nhecimento através de documentos. A narrativa histéric! coloca-se para além de todos os documentos, visto qu nenhum deles pode ser 0 acontecimento” (1971:15). Também Iembra que nenhum “acontecimento po ser agarrado direta e inteiramente mas o é semp! incompleto e lateralmente, através dos documentos dos testemunhos, dos vestigios” (id., ibid.: 14). Verdades subjetivadas, relativizadas, Busca de evidéncias nos acontecimentos que nado se repete! Obrigam o historiador a leituras contextualizadas E a compreensao de que o imaginério na histéria, E uma narrativa de acontecimentos verdadeiros. “Se nao compreendermos melhor a histéria material da escola (em oposigéo a uma histéria das idéias pe- dupégicas) estaremos condenados a permanecer prisio- neiros das tradigdes e invengdes que nos legaram e, portanto, de sua dindmica mais reprodutiva” (Silva, 1992:65). “O conhecimento escolar na sua forma codificada, o eurriculo, e€ as formas pelas quais ele é transmitido esta também estratificado e é através dessa estratificagao que ele volta a reproduzir aquelas desigualdades com que «w diferentes grupos sociais chegam ao processo escolar. A estratificagao do conhecimento escolar é ao mesmo tempo resultado e causa da estratificagio social” (id., thid.: 62). “O poder socializador da escola nao deve ser buscado (dc-somente naquilo que € oficialmente proclamado como sendo seu curriculo explicito, mas também (e talvez principalmente) no curriculo oculto expresso pelas pré- Micus ¢ experiéncias que ela propicia” (id., ibid.: 80). Representagées, interpretagdes Embutidas nas leituras E nas apropriagGes do saber. O contetido de Histéria ndo € o passado, mas tempo ou, mais exatamente, os procedimentos de andli € 0S conceitos capazes de levar em conta o moviment das sociedades, de compreender seus mecanismos, r constituir seus processos e comparar suas evolucées. A educagao institucionalizada trabalha basicamen com 0 escrito, direciona “leitura’ e interfere no proces: de apropriagéo do saber. Por isso a escola € a mai responsdvel pelo processo de reprodugio, principalmen porque, conforme lembra Tomaz Tadeu Silva: 16 17 Segundo Rojas, as trés atitudes de leitura (hist6ri boa para narrar e passar o tempo; hist6ria para memoriz: lugares-comuns e frases feitas e leitura plural, que cap © texto em sua totalidade) propiciam a diversidade interpretagdes e levantam questdes sobre a pratica eri dora e produto dos textos apontando para a necessid: de reunir duas perspectivas freqiientemente separadas: estudo da maneira como os textos e Os impressos q' Thes servem de suporte organizam a leitura que del deve ser feita e, por outro lado, a recolha das leitur efetivas, captadas nas confinagdes individuais ou recon: trufdas a escolha das comunidades de leitores. Enfi “aponta para as sociabilidades da leitura como contrapon para a privatizagao do ler e para a andlise das relag entre textualidade e oralidade” (Rojas, 1980:116-9). Ler, escrever, apropriar-se Da Histéria escrita, Histéria narrada, Contributo para a educagdo geral e cultural, E procura de verdade e inicia¢éo ao pensament hist6rico, Da Hist6ria texto, pretexto, contexto. Por que ensin4-la? Talvez para legitimar a identidade Na recordagio histérica da comunidade. J& que a Historia € escrita com e/ou a partir documentos, nio importa quais, a critica aos mesm representa a primeira etapa de uma Historia cientffic Fazendo o documento adquirir sentido, deixar de exis’ sozinho, assumir valor relativo. Chega-se até a leitura das lacunas e vazios, contexto e de propésitos de produgdo e transmissao. 18 Nonhos sonhados, saberes aflorados Professor, aquele que ensina. Ensina o qué? Professor, aquele que produz. Produgao-reprodu¢io? Professor, aquele que sonha. O vivido é sonho sonhado? Professor, aquele que detém o saber. Mas que saber? Professor, aquele que faz Histéria. Hist6ria apropriada? Construfda? Memorizada? Professor, aquele que abre caminhos. Mas que caminho tomar? winlquer que seja o caminho, ve levar ao processo do pensamento histérico, “umo via para o saber. 19 Interrogar € pesquisar, Ler os vestfgios histéricos, Multiplicar as situagdes de interrogagao do passado. Conscientizar sobre a insuficiéncia das fontes naturais, Sobre a relatividade dos documentos escritos, Privilegiando construgao de esquemas cognitivo: Desenvolvendo competéncias em vez de memoriza¢ao, Discutindo os problemas dos valores, Tudo isto faz parte da arte de ensinar. Nos sonhos sonhados, uma utopia; Histéria, disciplina-cidada. Nos sonhos sonhados, a busca, A identidade da Histéria. Nos sonhos sonhados, saberes; Cientfficos, académicos e populares. Sao saberes que circulam e se interpenetram. Gerados em diferentes culturas ¢ ideologias, Se desenvolvem no seio das sociedades Que os definem e organizam. Histéria, quantos conceitos! Quantas experiéncias Na espiral de sua Escrita! Coniclusdes nossas, suas ou deles? Reflexdes finais, a quem compete fazé-las? Acreditamos que a mim, a vocé, a eles € a tod Por qué? Porque ensino e Histéria dizem respeito a todos 20 Histéria tem identidade e tem memoria. Que homem vive fora da Historia? Que homem deixa de ensinar? Ficam entéo as questdes. Mas por que. Nem sempre se tem a consciéncia da pertenga? Nem sempre se consegue ler os acontecimentos? Nem todos se apropriam do saber? Nem sempre se divulga o saber? Nem sempre se facilita a circulagio do saber? Nem sempre se define o que € Hist6ria? © que leva a reproduzir? Por que a produgao é restrita a alguns? Por que leituras diferentes do mesmo produto? Vor que € téo dificil ensinar Histéria? Por que a Histéria incomoda, aliena, revoluciona? Qual o sentido da Histéria? Ensinar Histéria € caminhar numa linha de tempo, Com duragées e cortes diversos. Ensinar Histéria € estruturar identidades. Ensinar Historia é também produzir conhecimento. Ensinar Histéria € processo de alteridade. Ensinar Hist6ria é aprender com o plural e o singular. Ensinar Histéria € conceber absolutos e relativos. Wintdria, saberes em constru¢ao. Mupturas, lugar de utopias e reconstrugGes. Husca de semelhangas e diferengas. Vida, lugar de produgio. “H4 a realidade do ensino da Histéria, e ha aquilo que cla representa para os adultos. Por um lado, num quadro instituido e em situagdes vividas, meninos e 21 adolescentes encontram professores, livros ¢ exercicio: aprendem conhecimentos que, para eles, poem ou ni poem coisas em jogo. Ocorrem operacées intelectuais processos efetivos, de que se alimenta eventualmen' seu desconhecimento cognitivo, sua identidade, sua cializagdo. Na idéia que reside nos adultos sao ou’ assuntos que estéo em questao, a relagao de uma s ciedade com a sua juventude, as continuidades culturai alguns exorcismos verbais com essas duas justificativ 0s conflitos ideolégicos e os projetos politicos, a posi¢a do professor. (...) vron escolares e histérias em quadrinhos, filmes e wgramas de televisdo. Cada vez mais entregam a cada mc a todos um passado uniforme. E surge a revolta ire uqueles cuja Hist6ria é proibida” (Ferro, 1983). Cuda vez mais fica claro que o rompimento com a Ivisdo do trabalho intelectual, com a hierarquizacao de ngdes e tarefas e com uma concepgao de saber e de Wwxlugdio de saber enraizada na tradicdo académica, é wndigdo essencial para o aflorar de saberes — enfim, wri se ensinar Histéria. Uma das principais referéncias da reflexo didéti Historia € necessidade social. consiste, no entanto, na natureza, no dominio e exercicio dos saberes invocados, e no préprio trabal do historiador encontraria, em troca, uma preciosa pro de verdade no exame das condigdes de exposigao, demonstratividade e de reapropriagao dos conheciment que produz” (Moniot, in Burguiére, A. (org.), 1993:225) O professor lida com tudo isto € faz do seu mist um sonho: formar consciéncia, formar 0 cidadao. Professor-historiador, aquele que produz A partir de marcas e vestigios. Praticas discursivas Cortadas cronologicamente Com destinagdo determinada e apropriagées. ctlexdes nossas, suas ou deles us levam a ver a circularidade da Hist6ria, Mopiciam o dar sentido ao vivido. cllexdes, a respeito do ensino, os levam ao compromisso de escrever Histéria aw esquecendo seus objetivos sua forma scus contetidos scus rituais de produgao sua linguagem scus limites seu lugar cultural sua historicidade as relagdes entre fontes e autores. Como ingredientes desse ensino os fatos “verdadeiro: mas construidos, a consciéncia das facetas verdade-ficga o referencial dos saberes a serem apropriados e con: trufdos dentro das continuidades e rupturas da Histéri A mesma observacio que levou Marc Ferro a examin: a elaboragio do discurso histérico torna-se preocupagal para a efetivacio do sonho sonhado. “Controlar 0 passado ajuda a dominar o presente, legitimar tanto as dominagGes como as rebeldias. os poderosos dominantes: Estados, Igrejas, partidos liticos, interesses privados que possuem ¢€ financi veiculos de comunicagio e aparelhos de reproduga 22 23 Em sintese: A Histéria é, principalmente, o lugar do outro q se projeta e resiste, 0 sempre imprevisfvel. Nas relagdes de ensino-aprendizagem nao se p portanto, descurar do registro lido e/ou produzido. responsabilidade do professor abrir as janelas desse sal OJAS, F. (1980). La Célestine ou Tracomédia de Calixte et Melibee. Paris, Ambier-Flammarion. ILVA, T. T. da. (1992), O que produz e 0 que reproduz em educacdo, Porto Alegre, Artes Médicas. 1] — LABORATORIO DE ENSINO E APRENDIZAGEM UM HISTORIA. (1991). Cadernos de Histéria. Uberlandia, aio 2, n° 2, jan. HYNE, P. (1971). Como se escreve a Histéria. Lisboa, Edigdes 70 [trad. Alda Bastos e Maria A. Kneipp. Brasflia, Referéncias bibliograficas UINB, 1982]. BALDIN, N. (1989). A Histéria dentro e fora da esc Florianépolis, Ed. da UFSC. BURGUIERE, A. (org.) (1993). Dictondrio das ciéncias toricas. Rio de Janeiro, Imago. BURKE, P. (org.) (1992). A escrita da Histéria. So UNESP. CHAFFER, J. & TAYLOR, L. (1984). A Histéria e o profes. de Histéria. Lisboa, Livros Horizonte. CHARTIER, R. (1982). A Histéria cultural, entre pratic representagées. Lisboa, Ed. Difel; Rio de Janeiro, Bertrand [trad. M. Manuela Galhardo]. FERRO, M. (1983). A manipulagéo da Histéria no ensii nos meios de comunicagéo. Sio Paulo, IBRASA. FONSECA, S. G. (1993). Caminhos da Histéria ensii Sao Paulo, Papirus. LANGLOIS, Ch. & SEIGNOBOS, Ch. (1949). Introdugao estudos histéricos. So Paulo, Renascenga. LE GOFF, J. (1990). A Histéria nova. In: LE GOFF, J. ( A Historia nova. Sao Paulo, Martins Fontes. LE GOFF, J. & NORA, P. (1979). Histéria: novos problei Rio de Janeiro, Francisco Alves. MONIOT, H. (1993). Diddtica da histéria. In: BURGUII A. (org.). Diciondrio das ciéncias histéricas. Rio de Jane Imago. PROENGA. M. C. (1990). Ensinar, aprender Histéria, ques! de diddtica aplicada. Lisboa, Livros Horizonte. 24 25 2 SOBRE A NORMA E O OBVIO: a sala de aula como lugar de pesquisa* Paulo Knauss** Nao sdo as lendas que investigo, é a mim mesmo que examino. Platio, Fedro Conhecimento como leitura de mundo A escola tem sido o lugar de exercfcio do papel social do professor, identificado com uma concepgado de * Este texto foi apresentado em versio preliminar no | Encontro de Professores Pesquisadores na Area do Ensino da Histéria, realizado na Universidade Federal de Uberlindia, em setembro de 1993, com 0 titulo de: Documentos histéricos na sala de aula, Sob forma impressa 0 texto circulou ainda em: Primeiros Escritos, cadernos do Laboratorio de Histéria Oral e Iconografia, n° !. Niteréi, UFF-Depto. Histéria- LABHOI, 1994. As reflexées esbocgadas tém como fonte a minha experiéncia individual como professor de Histéria nos nfveis esco- lares. De resto, a elaboracio das idéias apresentadas contou com a colaboragio e amizade de interlocutores fundamentais o0s quais devo agradecimentos: a Ana Lagéa, com quem compartlho o carinho pela educagio; a Maria Paulo Graner, que me convidou ¢ incentivou a fazer as anotagdes para participar do Encontro em Uberldndia; as minhas colegas de laboratério, Ana Maria Mauad, Mariza C. Soares e Isménia de L. Martins, que sempre me encorajaram a produzir, ¢ aos meus auxiliares de pesquisa, Fabio P. Pantalefio, Hugo Bellucco e Marcelo S. Abreu, que compartilham o cotidiano do trabalho comigo. ** Professor do Departamento de Histéria da Universidade Federal Fluminense. 26 saber pronto, acabado e localizado, cujo desdobramento é a aversdo a reflexZo e o acriticismo, sem falar na falta de comunicagao. A escola e a sala de aula surgem, assim, como lugar social de interiorizagdo de normas, em que 0 livro didatico € o ponto comum entre professor e aluno, sendo todos elos de uma cadeia de transferéncia disciplinadora do cotidiano e ratificadora das estruturas sociais vigentes. O “bom” aluno nos surge como aquele que bem se adapta a essa concepgao de conhecimento, produto da postura normatizadora de base autoritdria (Vesentini, 1984). Definir nossas escolas como autoritérias pode soar estranho, pois, na atualidade, a disciplina dos inspetores a moda antiga deixou de existir quase que por toda parte. Além disso, a participag&o coletiva nas esferas de diregao das escolas tornou-se conquista de algumas comunidades. As opgdes de trabalho nao so mais téo controladas como em outros tempos. Nesse sentido, uma evidéncia sempre lembrada é a indicagio do dinamismo do mercado editorial de fins diddticos. De fato, estou convencido de que poucos foram os avangos no que se refere ao cardter autoritério do conhecimento. Isso porque os elos da normatizagdo do saber perduram, mesmo que dentro de um clima de liberalidade que ainda nao produziu condigdes para se lidar com as dimensdes da sua face conservadora. Cabe indicar que o fendmeno do conhecimento ocorre a partir da experiéncia dos homens na relacio com o mundo em que vivem..£ a partir de sua existéncia, portanto, que os homens constroem sua viséo e com- preensio de mundo. Isto representa a sua tomada de posigio como sujeitos da propria existéncia, resultado do’seu processo de hominizagao demarcando a histori- cidade da razdo (Vieira Pinto, 1979). 27 Ortega y Gasset j4 nos advertia que “a realidade nao | é dado, algo dado, oferecido — mas construgao que o homem faz com o material dado” (1989:26). Assim, toda produgdo de conhecimento deve ser entendida a partir da relagao do sujeito do conhecimento com os objetos do mundo que pretende apreender. O fendmeno do conhecimento, baseado na relag&o sujeito-objeto, en- contra sua resolugdo na produgao de conceitos — aquilo que retine as diferentes partes (como revela a etimologia da palavra), isto é, enquanto abstragdo daquilo que foi investigado (Hessen, 1978; Jaspers, 1989). Esses con- ceitos serio a base da linguagem do conhecimento. Nesse sentido, toda forma de conhecimento reside na | atitude de um sujeito que se posiciona no mundo e engendra a sua leitura particular acerca da sua circuns- tancia. Portanto, toda forma de conhecimento apresen- ta-se como uma leitura de mundo — e cada conceito ° produzido revela-se uma palavra “gravida de mundo”, para lembrarmos o mestre de todos nds, Paulo Freire (Freire, 1991), A Histéria, como forma de conhecimento, nado escapa | a essa caracterizagéo. Em conseqiiéncia, trata-se de en- fatizar que o conhecimento histérico deve ser orientado no sentido de indagar a relagéo dos sujeitos com os seus objetos de conhecimento, provocando seu posicio- namento, questionando as formas de existéncia humana e promovendo a redefinigéo de posicionamentos dos sujeitos no mundo em que vivem. A partir disso, é preciso considerar que a produgao do saber histérico evidencia-se como instrumento de leitura do mundo e nao mera disciplina. Todavia, impGe-se a superagdo dos limites do conhe- cimento comum, marcado pelas obviedades. Esse tipo de conhecimento apresenta uma objetividade ocasional, 28 sem profundidade subjetiva, sustentado em mero empi- rismo. Em contrapartida, impGe-se a instauragio do universo do conhecimento cientifico, ao qual corresponde o racionalismo e o aprofundamento racional da cons- ciéncia, além de uma iniciagdéo peculiar da linguagem e dos procedimentos préprios da ciéncia. Assim, enca- minha-se a transformagaio do fato natural — associado ‘ao empirismo do senso comum — em fato cientffico — identificado com um racionalismo aprofundado —, conforme nos indica Bachelard em que as verdades instauradas sao nao apenas verdades de fato, mas igualmente de direito — base da discusséo académica (Bachelard, 1972). Nesse instante, a comunicaco revela-se como a di- mensao determinante do processo de conhecimento cien- tifico, especialmente do processo de aprendizagem. Mais do que o “aprender”, ou “apreender”, ou, ainda, “‘apanhar” algo pronto — como sugere a etimologia —, a apren- dizagem deve identificar-se com o estudo, ou seja, conforme sua origem latina, “aplicagdo do esptrito para aprender’. Af deve residir a nova atitude que supera a cadeia normatizadora que nos serviu como ponto de partida. A habilidade de estudar necessita do despertar do sujeito, que “‘aplica o espirito” para tomar, ou “apren- der” um objeto de conhecimento. Trata-se, de fato, de confundir processo de aprendi- zagem com processo de construgdo do conhecimento. E Pprocesso de construgéo de conhecimento requer pesquisa — neste caso cientifica —, rompendo com as obviedades comuns e instaurando nfveis de aprofundamento racional da consciéncia. Disso resulta um sujeito do conhecimento que s6 pode ser investigador, ou pesquisador. Sintetica- mente o processo de aprendizagem confunde-se com a iniciagéo a investigagado, deslocando a problematica da 29 integra¢éo ensino-pesquisa para todos os niveis de co- nhecimento, mesmo o mais elementar. A pesquisa é | assim entendida como o caminho privilegiado para a construgdo de auténticos sujeitos do conhecimento que se propdem a construir sua leitura de mundo. Na escola, ou especificamente na sala de aula, isto significa produzir conhecimento de maneira coletiva. ' Nem sempre essa condig&o coletiva é instauradora de didlogo, uma vez que a fala pode ser pautada na norma. No entanto, submetidos 4 condig&o de investigadores do mundo e produtores de conceitos acerca dos objetos de conhecimento, o coletivo da sala de aula, no qual se ; incluem os professores, torna-se 0 espago da comunicagao | dialégica (Freire, 1987), por exceléncia. Com efeito, a partir desse rumo, o papel reservado 4 escola e ao corpo docente ganha matizes que redefinem suas bases. Trata-se af de proporcionar as condigdes para a comunicacgao entre sujeitos do conhecimento, de espfrito racional e investigador. Recoloca-se dessa forma os pressupostos de uma pedagogia da animagao (Mar- celino, 1990), recorrendo inclusive a formas iidicas, como instrumento para ensejar a integragiio ensino-pes- quisa, sob a condigdo da comunicagdo total (Gutierrez, 1988). O ensino passa a ser o lugar da animacio e a pesquisa o lugar da aprendizagem, sustentado em estru- turas dialégicas. Documento como ilustracgéo Em tempos nao muito distantes, contavamos com a edigdo de coletféneas de documentos histéricos para a Historia do Brasil, como, por exemplo, a organizada por Therezinha de Castro, professora do Colégio Pedro 30 II, e outra do MEC, organizada por professores do CAP da UFRJ (Castro, s.d.; Gasman, 1976). Na primeira obra, a insisténcia recai sobre o cardter ilustrativo e motivador do trabalho com as fontes histéricas. Na segunda, basta a referéncia dos autores Langlois & Seignobos — “sem documento nao ha histdéria” —- para definir a atitude em relagdo a defesa da utilizag&o de documentos no exercicio diddtico, apesar de reconhecidamente a obra possuir intengées mais abalizadas. Evidentemente, as duas obras lembradas possuem a marca do tempo em que foram produzidas. De qualquer forma, a reacgio a esse tipo de atitude em tempos posteriores levou-nos a um distanciamento do trabalho didético com fontes em favor do esforgo conceitual apurado — eliminando dos livros diddticos de Histéria a referéncia aos documentos de época. Sua sobrevivéncia limitou-se aos anexos, que, em geral, colocam no mesmo plano documentos histéricos de época e textos historio- grdficos, confundindo-os sem distingéo clara (p. ex. Arruda, 1977; Aquino et alii, 1980; e Nadai & Neves, 1990; lembro ainda de uma experiéncia registrada, mas que nao escapa ao mesmo condicionamento, cf. Paes, 1985). , De certa forma, a refer€ncia a documentos histéricos ganhou um espago prdéprio: as obras paradiddticas. Para os mais jovens, adaptagdes de documentos de época, enriquecidos de ilustragdes a-histéricas, para nao dizer anti-histéricas, e uma linguagem adaptada, que muitas vezes margeia o anacronismo, que tem como maior atributo a atitude dessacralizadora. Além disso, 0 mercado oferece inimeras colegdes especiais (p. ex. “Primeiros Passos”, “Tudo é Historia”, “Princfpios”, “Histéria Po- pular”, “Discutindo a Histéria”, “Repensando a Histéria”, “Histéria em Documentos”), que todos manuseamos — 31 em geral, mais os professores que os alunos, a quem de fato deveriam ser indicados os paradiddticos. Entre- tanto, essas colegdes ora sdéo produto da sintese de literatura académica estrangeira, ora se utilizam de fontes de época como ilustragio, fazendo, em geral, do do- cumento um aderego e n&o um problema. O que resulta desses movimentos editoriais é uma atitude ilustrativa e complementar em relagao a utilizagao _ dos documentos histéricos no processo de aprendizagem — como nos livros diddticos propriamente ditos —, ou ent&o extraordin4ria, de intengao paralela e suplementar - — como nos paradidaticos. Recentemente, surgiu uma outra postura, em uma | obra diddtica inovadora sustentada apenas em fontes. Ai também aparece a produgao historiografica, porém com 0 intuito de submeter a meméria do fato a uma avaliagdo | atualizada, revelando uma atitude sofisticada, mesmo | que nem sempre facilmente incorporada (Faria et alii, } 1988). Tenho noticias, inclusive, de que hd colégios particulares abastados que utilizam a obra como leitura : complementar — desvirtuando a concepgio original. De todas as maneiras, me parece que a referida obra retorna ao ambiente do livro didético em que o aluno encontra a matéria pronta. E fato que esta no é a intengao do livro, mas a condig&o a qual est4 submetido pela cadeia normatizadora que integra. Ainda nesse 4mbito, gostaria de citar o caso de duas coletaneas recentes de documentos que estao 4 disposi¢ao no mercado atual (cf. Ribeiro & Moreira Neto, 1992, e Indcio & Luca, 1993), porém sem grande repercussao, talvez por lhes faltar a marca do didatismo que ativa um mercado tao poderoso em capacidade disciplinadora. 32 (Para uma reflexdo acerca da relagao entre ensino de hist6ria e indistria cultural, vide Fonseca, 1993.) Documento como problema A partir das anotag6es anteriores, pretendo langar algumas idéias acerca de uma antiga pratica: a utilizacdo de documentos histéricos em sala de aula. Essa pratica caiu em desuso e por isso mesmo creio que sua defesa ganha em atualidade. Advirto, no entanto, que nao se trata de retomar os mesmos procedimentos de outrora, em uma atitude saudosista, mas, ao contrério, buscar novas soluges para problemas atuais, ampliando os horizontes do exercicio diddtico em Histéria, seja no 1° ou no 2° grau. Para tanto, a minha proposta sustenta-se na convic¢ao da necessidade de superar a cadeia normatizadora do conhecimento, pronto, acabado e localizado, desabsolu- tizando as formas de conhecimento, mesmo o cientifico. Nessa cadeia de inserem como sujeitos passivos profes- sores e alunos, sustentados pelo elo do livro didatico — contribuindo para a reprodug&o de estruturas de pensamento dominantes de maneira acritica, confundindo o dbvio com o saber. Trata-se, assim, de fazer da construgéo do conhecimento uma produg&o humana, em que se instale a ruptura com o senso comum, a partir de bases racionais e cientificas. . Dessa maneira, a metodologia implicita proposta para o ensino de Histéria deve ser encaminhada na diregao de indagar a construgéo do conhecimento de algum objeto particular, revelando a relagéo que os homens estabelecem entre si e 0 mundo que os circunstancia. 33 A metodologia deve se sustentar sob bases dialdgicas, ensejadas pela animagao docente, e na atividade de pesquisa e investigagao, identificada com o processo de aprendizagem. O objetivo deve ser a construgéo de 1 conceitos, possibilitadores da produgio de uma leitura de mundo. Dentro dessa orientacao, a construgdéo do conhecimento histérico se sustenta no processo indutivo de conheci- mento — partindo do nivel do particular e do sensfvel | para alcan¢car a conceituagao e a problematizagado abran- gente. Isto significa dizer que o ponto de referéncia sao | os documentos a serem trabalhados em sala de aula. Basicamente, trata-se de exercicios de leitura, ndo apenas de textos narrativos, mas privilegiando também os ico- nogrdéficos — mais adequados a faixas iniciais do pro- cesso de aprendizagem. Assim, propde-se que a meto- dologia adequada é aquela que perpassa as formas de assimilagio de conhecimento: percep¢do, intuigdo, critica e criag¢do — definidas por Francisco Gutierrez em seu . livro Linguagem total. : Desdobrando essa referéncia, entendo que a percepgao € a intuigéo pertencem a dimensio do imediato, do empirico. A primeira forma é o nivel em que o sujeito do conhecimento, sensivel no caso, se depara com o objeto “em sua maioria”, em condic¢do de distanciamento ou de estranhamento. A intuigdo por sua vez, € a forma em que a intersubjetividade se instala, provocando apro- ximagées variadas acerca do objeto. A partir dai, deve-se delimitar o terreno da critica, pois nem sempre a intuigaéo € a percep¢ao se colocarao em sintonia, da mesma forma como a sua identificagdo pode ser denunciadora de sua inconsisténcia. E a critica dos dados observados e das hipsteses intufdas que demarca a dimens&o racionaliza- dora ea superagdo das obviedades. O momento da 34 conceituagao corresponde a criagdo propriamente dita, pois tem de ser acompanhada da afirmagéo de uma palavra, ou expressao, sintetizadora. Daf por diante, a criatividade se liberta para algar véos, entendidos como desdobramentos problematizadores. Ora, esses instantes do processo proposto naturalmente sao conduzidos e condicionados pela atuagao docente. Como ja indicado, este se identifica com a animagao que deve estimular a produgao do conhecimento, o que significa discutir a relagao do sujeito com a circunstancia de sua existéncia. Assim, 0 objetivo da animagao didatica deve ser abastecer os alunos de informagGes e dados e, ao mesmo tempo, conduzi-los 4 problematizagio. O professor deve estabelecer como objetivo um problema que o nortear4 e que deve ser a meta a alcancar. Unidade programatica passa a ser entendida como um problema a ser trabalhado didaticamente. Para nao ficarmos somente no reino da abstragao, trago um exemplo construfido em minha prdtica docente, em torno de um campo classico da historiografia: a Expansio Maritima e Comercial. De inicio, o problema: a Expansiéo Maritima e Co- mercial, ou seja, a construgdo da percepgao européia do planeta, baseada na exploragao colonial (sei que possi- velmente o problema poderia ser outro, dependendo do enfoque a ser dado pelo entendimento e das op¢des programaticas e da animagdo docente). Clarificado o problema, resta lev4-lo 4 sala de aula e os documentos se apresentam como o lugar do problema proposto. O ponto de partida é uma obviedade do senso comum: “Vocé j4 viu o sol nascer?”. Creio que quase todos nds com rapidez dirfamos que sim. Mas sei também que todos nés sabemos, nos dias de hoje, que é a terra que gira em torno do Sol e n8o o contrario, o que significa dizer que 0 que vemos n&o corresponde aos fatos. Cabe 35

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