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V de poesia
De naturezas opostas, mas seminais para a literatura
francesa, Valéry e Verlaine têm coletâneas lançadas
LEONARDO FRÓES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Voz de Verlaine
Dois livrinhos de peso, dois camafeus para catar entre livrões
vazios, nos trazem ótimos exemplos da produção desses
mestres.
As traduções de Verlaine por Guilherme de Almeida [escritor
modernista], ora reeditadas como "A Voz dos Botequins e
Outros Poemas", datam de 1944. Foi o ano do centenário de
nascimento do poeta, que era então, desde muito, um dos
mais traduzidos no Brasil.
No título original que deu à coletânea, "Paralelamente a
Verlaine", Almeida, de certa forma, indicava o modo de
composição que adotou, transpondo linha por linha com a
mais sutil fidelidade.
"Quantas vezes, nas minhas noites boêmias,/ sentindo nossas
almas irmãs gêmeas", afirma Guilherme de Almeida numa
carta-prefácio dirigida a Verlaine. A irmandade na raiz foi tão
forte que estabeleceu entre os dois uma fusão de vozes muito
rara.
O poeta brasileiro, como seu modelo francês, é simples no
vocabulário, rico nas rimas e versátil nos efeitos sonoros,
qualidades que exibe a cada passo nas traduções enfocadas.
Por conta disso, o resultado são primores no português dessas
almas, como se vê no poema-título da coletânea atual: "A voz
dos botequins, a lama das sarjetas,/ Os plátanos largando no
ar as folhas pretas,/ O ônibus, furacão de ferragens e lodo,/
Que entre as rodas se empina e desengonça todo...".
Como esse, os poemas traduzidos por Guilherme de Almeida
estão entre os mais famosos que Verlaine escreveu. Em
destaque, "Canção de Outono" e "Arte Poética", ambos
orações veneradas por sucessivas gerações de poetas, dos
antigos simbolistas aos que voltaram mais tarde, já em pleno
modernismo, ao emprego da rima e das formas fixas.
Alfabeto de Valéry
"Dividido, como orar? Como orar quando um outro si mesmo
escutaria a oração?" Paul Valéry, na letra C do seu cifrado
"Alfabeto", faz a pergunta que o separa das orações em
tropel.
Ele é metódico na dúvida.
Observa-se, decompõe-se nos seus possíveis, evita as
impressões de certeza.
Porém, nos leva, ante o impasse de orar com o testemunho do
ouvido, a uma aceitável solução de poeta: "É por isso que não
se deve orar senão com palavras desconhecidas".
Encomendado por um editor em 1924, concluído em 1938 e
somente publicado pela primeira vez em 1976, "Alfabeto"
celebra o mais comum dos mistérios: a vivência do corpo na
passagem de um dia.
Da letra A, em que sai do sono, à letra V, hora da noite em
que sucumbe a um encontro carnal, "pelo contato do único
com o único, na partilha e na troca, na busca do íntimo no
íntimo", o corpo é fotografado com espanto nas suas
operações de rotina: pôr-se de pé, comer, banhar-se, auscultar
o silêncio ou ter ideias.
Na diluição do mistério que assim será obtida, o corpo acaba
por tornar-se "um sonho agradável que o pensamento sonha
vagamente". É bela aqui, como ao longo do livro, a tradução
de Tomaz Tadeu.
Dois poetas tão opostos, em leitura simultânea, mostram que
os rumos da poesia são tantos quanto os que a gama dos
temperamentos dispõe. Poesia pede cortesia, não dissensão.
O jovem Valéry nunca falou com Verlaine, nunca sentou-se à
sua mesa de bar. Mas não deixou de comparecer ao enterro
do grande velho maldito.
ALFABETO
Autor: Paul Valéry
Organizador: Michel Jarrety
Tradução: Tomaz Tadeu
Editora: Autêntica (tel. 0/ xx/31/ 3222-6819)
Quanto: R$ 29 (160 págs.)