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Mulher
e Trabalho
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Apresentação

A o longo de sua história, o Brasil tem enfrentado o problema da exclusão social que
gerou grande impacto nos sistemas educacionais. Hoje, milhões de brasileiros ainda
não se beneficiam do ingresso e da permanência na escola, ou seja, não têm acesso a um
sistema de educação que os acolha.
Educação de qualidade é um direito de todos os cidadãos e dever do Estado; garantir o
exercício desse direito é um desafio que impõe decisões inovadoras.
Para enfrentar esse desafio, o Ministério da Educação criou a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade – Secad, cuja tarefa é criar as estruturas necessárias
para formular, implementar, fomentar e avaliar as políticas públicas voltadas para os grupos
tradicionalmente excluídos de seus direitos, como as pessoas com 15 anos ou mais que não
completaram o Ensino Fundamental.
Efetivar o direito à educação dos jovens e dos adultos ultrapassa a ampliação da oferta
de vagas nos sistemas públicos de ensino. É necessário que o ensino seja adequado aos que
ingressam na escola ou retornam a ela fora do tempo regular: que ele prime pela qualidade,
valorizando e respeitando as experiências e os conhecimentos dos alunos.
Com esse intuito, a Secad apresenta os Cadernos de EJA: materiais pedagógicos para o
1.º e o 2.º segmentos do ensino fundamental de jovens e adultos. “Trabalho” será o tema da
abordagem dos cadernos, pela importância que tem no cotidiano dos alunos.
A coleção é composta de 27 cadernos: 13 para o aluno, 13 para o professor e um com
a concepção metodológica e pedagógica do material. O caderno do aluno é uma coletânea
de textos de diferentes gêneros e diversas fontes; o do professor é um catálogo de ativi-
dades, com sugestões para o trabalho com esses textos.
A Secad não espera que este material seja o único utilizado nas salas de aula. Ao con-
trário, com ele busca ampliar o rol do que pode ser selecionado pelo educador, incentivan-
do a articulação e a integração das diversas áreas do conhecimento.

Bom trabalho!

Secretaria de Educação Continuada,


Alfabetização e Diversidade – Secad/MEC
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Sumário

TEXTO Subtema

1. Mulheres em desvantagem Relicostumes 6


2. O caso Esmeralda 8
3. Vida nova aos 60 Diversidades regionais 10
4. Novos tempos Maturidade social 11
5. Conceição das crioulasMiscigenação 14
6. Um desenho Crítica social 16
7. A carregadora de pedras Trabalhadores 17
8. Aviso da lua que menstrua Cultura suburbana 18
9. Mulheres da terraa luta dos negros 20
10. A arte da guerra para mulheres Ambiente de trabalho 22
11. “Acreditaram nele” Identidade nacional 23
12. Dupla jornada 24
13. O inevitável trabalho feminino 26
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14. Cuidado: mulheres trabalhandoImigração e culinária 28


15. O poder: masculino ou feminino? Direitos civis 30
16. Afinal, o que faz um primeiro-damo? Origens dos trabalhadores 32
17. BobagemÍndios do Brasil 34
18. Salários mais equiparados com os dos homens 35
19. Em busca de emprego Olhos da alma 36
20. Rendimentos desiguais Arte culinária 44
21. Homenagem a quem fazArte culinária 46
22. Mulheres e trabalho na história do BrasilArte culinária 48
23. A life of charity Arte culinária 51
24. “Ellas” Arte culinária 52
25. Um pouco da história do dia internacional da mulher Arte culinária 54
26. Fazem mais e ganham menos Arte culinária 56
27. Mensagem da baixa verde Arte culinária 63
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Desigualdade
TEXTO 1

MULHERES EM
DESVANTAGEMElas são a metade da população brasileira, ainda assim
ganham menos do que os homens

D
entre os brasileiros que trabalham, as ta, se levarmos em conta a raça das
mulheres são quase a metade (42%). pessoas. Dentre todas as mulheres, 44% se
E são responsáveis pelo sustento de consideram negras. Desse contingente, as
aproximadamente um terço das famílias no que são chefes de família estão entre as
Brasil. Mas também são as mais atingidas mais pobres (muitas, inclusive, abaixo da
pelo desemprego. Entre a demissão de um linha da pobreza). A renda dessas famílias
homem e de uma mulher, geralmente a chefiadas por mulheres negras chega a ser
mulher é a demitida. 74% inferior à renda dos domicílios chefia-
As mulheres que trabalham e têm suas dos por homens brancos. Ou seja, enquan-
carteiras assinadas ocupam cargos ou pos- to a família do homem branco ganha 300
tos de trabalho mais desqualificados do que reais por mês, a família da mulher negra
os homens e nas funções de menor prestí- recebe somente 78 reais.
gio social. E, pior, mesmo que ocupem as Na maioria dos casos, as trabalhadoras
mesmas funções e com mais instrução, estão no setor de serviços, sem carteira assi-
recebem salários menores do que os ho- nada e, portanto, sem direitos garantidos
mens, enfrentam barreiras imensas na hora pelas leis. As mulheres negras estão forte-
da contratação, ficam menos tempo num mente no trabalho doméstico, igualmente,
determinado cargo, têm dificuldades para não registrado.
serem promovidas e custam a chegar aos
postos de chefia.
Segundo as últimas pesquisas do IBGE, Baseado em texto de Antonio Carlos Spis – secretário nacional de
Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Publicado
a discriminação contra as mulheres aumen- em 8 de março de 2004.

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— Precisamos reduzir os salários em


50%. Infelizmente, vamos ter que
despedir um de vocês...

Foto: Monica Zarattini / AE

Fila de desempregados no centro de São Paulo (SP): mulheres são maioria.

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Risco social
TEXTO 2

O CASO ESMERALDA
E
u estava a fim de sair da vida da rua e
das drogas, mas aquela vida tinha as
coisas que me ligavam. É como al-
guém que mora há trinta anos na Vila
Madalena e de repente, do nada, vai morar
na Freguesia do Ó. No começo vai se sentir
mal pra caramba. Eu sabia que tinha que
abrir mão dos meus amigos, tinha que arru-
mar pessoas diferentes, e aquilo me doía
pra caramba. Então entrava numa depres-
são, ficava direto na depressão, e comecei
a tomar remédio.
O terapeuta falava que eu estava viven-
do coisas novas, que o tempo ia conseguir
mudar. Eu sentia muita vontade de usar
droga, de roubar. Ficava fissurada e falava,
falava, era muito nervosa.
Eu falava da minha mãe, que eu tinha
muito ressentimento. Tinha muita raiva de
tudo, de todos. Era como uma bola dentro
de mim e um vazio do caramba. O Rafik
falava para eu mostrar os meus sentimen-
tos, botar as coisas para fora. Na terapia e
Foto: Vidal Cavalcante / AE

São Paulo, 23/5/2006 18h26. no Travessia, comecei a aprender a lidar


Meninos de rua são cataloga-
dos por assistentes da prefeitu- com os meus sentimentos, a lidar com o
ra no centro da cidade. Na passado.
foto, crianças na Praça da Sé.

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O Rafik se parece com o Enéas, aquele belo liso até os ombros. Ela era inteligente,
político do “Meu nome é Enéas”. É barbu- nem usava drogas. Nem sei por que ela
do, careca, nariz igual ao dele, alto, magro. estava na Febem. Eu cheguei a gostar da
Mas, no primeiro dia que eu o vi, ele esta- Nani. Ela me ajudou bastante, ela me disse:
va todo sério. Ele tem uma fisionomia séria “Você vai ter que sair da rua e vai largar
e eu pensei: “Esse homem deve ser mó das drogas”. E foi por isso que, quando fui
estranho, mó esquisito”. Mas conversei pra Casa de Passagem, eu não fugi.
com ele e comecei a me identificar. Depois
comecei a me identificar com as idéias dele.
No começo eu não falei quase nada Fundação Projeto Travessia
com ele. Falei que era menor de rua, que
A fundação é uma organização social que
tinha ido pra Febem, falei meu nome, falei existe em São Paulo desde 1995 e traba-
minhas idéias, que eu não estava gostando lha com adolescentes e crianças em situa-
nada que o pessoal estava fazendo pra ção de risco, oferecendo nova perspecti-
mim, que eu queria mesmo era ir ficando va de vida ao buscar a garantia de seus
direitos fundamentais. Seus educadores
na Febem, ou na rua, em qualquer lugar.
(psicólogos, médicos, professores e out-
Porque eu estava estranhando tudo. Falei ros profissionais especializados) promo-
que eu era mais feliz na frente do Rafik. Às vem, junto a cada menino e menina, uma
vezes eu xingava, mas sem violência, não auto-reflexão sobre os riscos constantes a
chutava as coisas. Quando eu estava louca que estão sujeitos, para reconstruir coleti-
vamente o sonho de um futuro melhor e
de crack, eu dormia na sala dele.
a capacidade de transformar suas históri-
A gente tocava no assunto de “ficar” as pessoais. Todo atendimento tem como
com as meninas quando eu estava na rua e missão promover o retorno desses jovens
na Febem. Eu não me apaixonava por elas. e crianças à escola regular, acompanhan-
Só uma vez eu me apaixonei por uma do-os – e também aos seus familiares –
na reintegração ao convívio familiar e
menina e fiz uma promessa pra ela: eu não
comunitário.
voltaria mais pra rua. E não voltei mais. O
nome dela era Roselaine, o apelido era
Nani. Eu falava só dela pro Rafik. Acho que
ela tinha 16 anos, eu tinha 17. Ela era Trecho extraído do livro Esmeralda, por que não dancei, de auto-
pequena, tinha 1,50 m mais ou menos, ca- ria de Esmeralda do Carmo Ortiz (Editora Senac).

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Conquistas trabalhistas
TEXTO 3

VIDA NOVA AOS


60
Na terceira idade,
mulheres procuram
emprego que dê
estabilidade

C
ansada de vender produtos de casa
em casa, ela foi à procura de estabili-
dade aos 60 anos de idade. Mas, pas-
sados os 45, não é fácil encontrar trabalho.
Segundo o Dieese (Departamento In-
tersindical de Estatística e Estudos Sócio-
Econômicos), profissionais na faixa de 25 a
34 anos passam, em média, treze meses
desempregados, aos 45 anos ou mais dedi-
Ilustração: Alcy

cam dezoito meses em busca de uma vaga.


Odette Pohl Caneloi, 66, há três anos
trabalha em uma loja do supermercado
Barateiro, do Grupo Pão de Açúcar.
“Sei pelas minhas amigas que o precon-
ceito contra o idoso é grande, acho que tive
sorte. Fui muito bem recebida por aqui”,
diz ela, que atua como atendente e dá
informações para os clientes.
“Confesso que me achava improdutiva
e fiquei com medo no começo. Mas hoje
virei a conselheira da turma e fiz amigos
de outras idades, coisa que já não passava
mais pela minha cabeça”, comemora.

Trecho adaptado de matéria publicada no Caderno Equilíbrio, Folha


de S. Paulo, em 11/3/2004. Adaptação: Página Viva.

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Conquistas trabalhistas
TEXTO 4

NOVOS TEMPOS
Empresas contratam mulheres durante a gravidez

Patrícia Cavalheiro, controller da Marketing


Store, de São Paulo, trabalhou até o oitavo
mês da gravidez.

A
o saber que está grávida, a mulher em seu imposto de renda – ou diretamente
Foto: Clayton de Souza / AE

não pode mais ser demitida arbitra- nas agências da Previdência Social. Em
riamente ou sem justa causa e tem qualquer um dos casos, o período de
seus direitos garantidos pela lei desde a con- repouso pode ser aumentado em mais qua-
firmação da gravidez até cinco meses após tro semanas – duas antes e duas depois do
o parto. O salário-maternidade é pago inte- parto – por razões médicas.
gralmente, pelo empregador – ressarcido

Mulheres, Trabalho
Caderno Trabalho e Meioe Ambiente
Vida • • 11
11
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Te x t o 4 / Conquistas trabalhistas

Licença-maternidade, a lei em vigor tem e o tempo de acordo com a idade da


Empregada registrada – A lei garante à criança adotada.
mulher o direito de não trabalhar quatro Trabalhadora autônoma ou contribuin-
semanas antes do parto e oito semanas te facultativa – Nesses casos de contribui-
depois. O salário-maternidade, equivalente ção em períodos alternados, a contribuinte
ao último valor recebido pela empregada, é deve pagar a Previdência por dez meses
pago durante todo esse período de licença. para voltar a ter direito ao salário-mater-
Empregada doméstica – Possui direitos nidade e à licença.
semelhantes à empregada registrada, com O valor recebido é equivalente à média
a diferença de ter que ir até uma agência dos últimos doze salários (em um período
da Previdência Social requerer o salário e a máximo de quinze meses).
licença. O valor recebido é equivalente ao Parto prematuro – A mulher passa a
último salário em que houve contribuição ter direito à licença e ao salário-mater-
previdenciária. nidade no momento do parto e por mais
Mães adotivas – Ao adotar uma criança doze semanas.
ou ganhar sua guarda judicialmente, a Aborto espontâneo ou previsto em lei
mulher adquire direitos iguais aos das – risco de vida para a mãe ou estupro de-
grávidas. O valor recebido varia de acordo vem ser comprovados por atestado médico
com o vínculo empregatício que essa mãe e o salário-maternidade é pago por duas

O que dizem os pediatras até os seis meses com o leite materno ganha imu-
nidade e terá menos riscos de ficar doente. Quando o
É importante que a mulher esteja com o bebê até os bebê deixa de mamar tanto porque a mulher precisa
seis meses, porque o leite materno é recomendado voltar a trabalhar, diminui o estímulo para formação
até esta idade, apesar de não haver um período de leite. A mulher que trabalha fora, o tempo todo,
específico para a mãe deixar de amamentar. Há perde a oportunidade de dar melhor alimento para o
crianças, por exemplo, que mamam até um ano de seu bebê, indispensável no começo da vida. A
idade. O leite materno é o alimento ideal para o bebê Sociedade de Pediatria está apoiando a ampliação da
porque não há risco de contaminação, como existe licença-maternidade por considerar que será um
com a mamadeira. Além disso, o custo é zero, e o importante ganho para as mães e para seus bebês.
bebê pode aproveitar, ainda, o aconchego de contato
com a mãe. O leite materno é, com certeza, o melhor
alimento para o bebê, e não aquelas mamadeiras de Extraído de matéria publicada no Jornal A Gazeta, Vitória (ES)
leite de vaca com maisena. O bebê que se alimenta *Dr. Ronaldo Edwaldo Martins

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semanas, mesmo período em que a mulher se de seu emprego por cinco dias, período
pode ficar em repouso. que não pode ser descontado de seu salário.
Licença-paternidade – A licença-pater- Essa licença também serve para o pai regis-
nidade entrou em vigor na Constituição de trar seu filho.
1988 e representa, além de um conforto a
mais para os pais, um alívio para as mães.
Com essa lei, o trabalhador pode ausentar- Texto adaptado de matéria publicada no Caderno Equilíbrio, Folha
de S. Paulo, em 11/3/2004. Adaptação: Página Viva.

Licença-maternidade no mundo
Mães ficam mais tempo ao lado dos filhos recém-nascidos
• África do Sul: 12 semanas • Estados Unidos: 12 semanas
• Alemanha: 14 semanas • Itália: 5 meses
• Argentina: 90 dias • Líbano: 40 dias
• Canadá: até 18 semanas • Portugal: 98 dias
• Chile: 18 semanas • Reino Unido: até 18 semanas
• Cuba: 18 semanas • Suécia: até 450 dias

Saiba Mais
• A senadora Patrícia Saboya (PSDB – CE) apresen- maternidade das funcionárias para seis meses.
tou o projeto da Sociedade Brasileira de Pediatria Somente aquelas que quiserem se inscrever no
(SBP) no Senado, em agosto de 2005, estendendo Programa Empresa Cidadã. Como incentivo, vão
para seis meses a licença-maternidade. O projeto receber descontos em tributos federais”, explica
agora tramita na Comissão de Direitos Humanos Ana Maria Ramos, presidente da SBP.
da casa e o relator, senador Paulo Paim (PT – RS)
já declarou que vai dar parecer favorável. Arrecadação:
• Uma vez votado na comissão, segue para a 500 MILHÕES: É quanto a União deixaria de arreca-
Câmara, e, se for aprovado, vai depender de dar se todas as empresas aderissem à proposta –
sanção presidencial. em caráter facultativo e mediante incentivos fiscais.
• “A aprovação da lei não significa que todas as Esse é quase o valor gasto com o tratamento de
empresas serão obrigadas a estender a licença- pneumonia de crianças até 1 ano.

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Discriminação racial
TEXTO 5

CONCEIÇÃO DAS CRIOULAS Andreína Afonsina dos Santos


Da Comunidade Conceição
A vocês quero falar
Onde o povo descobriu Não sabiam que assim estavam
Um jeito novo de trabalhar Fazendo do seu artesanato
Povo simples de pequena cultura
Fugindo da escravidão O ofício que sempre desempenharam
As crioulas aqui chegaram
Fiaram aquele algodão Se antes alguém viu como insignificantes
E seu patrimônio compraram Vejam agora um povo vitorioso
Que se assumem como negros
Bem felizes e importantes

Conceição das Crioulas mo e do machismo atinge em cheio a mulher negra, tor-


A Comunidade Quilombola de Conceição das Crioulas nando sua situação particularmente dramática.
fica no sertão central pernambucano, a 550 quilôme- O contingente de mulheres negras em atividades
tros de Recife. De acordo com o relato dos seus mais domésticas é sempre muito grande em todas as capitais
antigos moradores, a comunidade se estabeleceu no pesquisadas. Em Belo Horizonte, por exemplo, o percen-
início do século 19, por iniciativa de seis negras livres. tual de negras em emprego doméstico (31%) é mais que
Hoje, em parceria com a Universidade Federal de o dobro do percentual de brancas (14,2%).
Pernambuco e o Sebrae, seus moradores desenvolvem No Distrito Federal, cerca de 45% das negras
o Projeto Imaginário Pernambucano: produção de encontram-se ocupadas em atividades consideradas
peças artesanais de barro, caroá, palha e imbira, que, vulneráveis.
além de gerar renda, reafirmam a identidade étnica Em Salvador, 36,2% das mulheres brancas concluí-
da população. ram o ensino universitário, contra apenas 10,9% de
negras que conseguiram alcançar esse nível de ensino.
A trabalhadora negra Na escala da discriminação, a mulher negra ocupa
“Na escala da discriminação, a mulher negra ocupa posição ainda pior do que aquela ocupada pela mulher
posição ainda pior do que aquela ocupada pela mulher branca e pelo homem negro.
branca e pelo homem negro.”
A somatória das discriminações resultantes do racis- Extraído do Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho

14 • Mulheres,Trabalho
Mulheres, Trabalho eeVida
Vida
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Outros Quilombolas

Mulheres debulhando feijão na


comunidade do Mangal, município
de Sítio do Mato, na Bahia.

Foto: Ricardo Teles / AE – Mapa: Infografe

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Feminino x masculino
TEXTO 6

UM DESENHO Guto Lacaz

Extraído da revista Caros Amigos

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Direitos trabalhistas
TEXTO 7

A CARREGADORA
DE PEDRAS
Sonia Biondo

D
esde que conquistou o direito à jor- casa, a mulher dificilmente se livra da carga

Ilustração : Alcy
nada dupla de trabalho, a chamada das tarefas domésticas, mesmo que não se
mulher moderna ainda parece estar envolva pessoalmente. Costuma ser dela a
longe de conseguir desfazer o mal-entendi- responsabilidade pela arregimentação das
do que provocou a briga pela igualdade empregadas, faxineiras, babás, jardineiros,
profissional com os homens. Não era bem lavadeiras, passadeiras, prestadores de
isso o que desejava. Mas, no afã de se libe- serviço em geral, sem falar no abasteci-
rar de outras opressões, ela acabou partin- mento da casa. (...)
do para o mercado de trabalho como se ele Depois, com o desaparecimento gra-
fosse a solução de todos os problemas finan- dual da parceria patroa/empregada do-
ceiros, conjugais, maternais e muitos outros méstica, homens e mulheres terão, mais
“ais”. E pagou o preço da precipitação, cedo do que se pensam, que lidar com a
claro. Agora não adianta chorar sobre o leite administração do caos doméstico. Sem pri-
derramado – até porque a maior parte das vilégios. E a primeira providência para esse
vezes continua sendo ela que vai limpar, ah, futuro cor-de-rosa começa com a educação
ah! Falando sério, todas nós sabemos que progressista dos filhos, os novos maridos e
há muito a fazer para promover alguns esposas que contarão com uma boa ajuda
ajustes e atualizações nessa relação de de um arsenal de maravilhas eletrônicas –
direitos e deveres de homens e mulheres. entre elas, a de empregada-robô. Que não
Como falar sobre isso ajuda, vamos lá. enguiça. Porque, se enguiçar, já sabem
Em primeiro lugar, a questão do tempo quem vai mandar consertar. Ou não?
livre. Que não existe, de fato. Aquele dita-
do “descansa carregando pedras” foi feito
para ela. Trabalhando fora ou dentro de Sonia Biondo é jornalista e escritora. Texto extraído do Jornal do Brasil.

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O que é ser mulher


TEXTO 8

AVISO DA LUA QUE MENSTRUA


Elisa Lucinda

Moço, cuidado com ela!


Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita.
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado, moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na “vera”
conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado

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ou sem os devidos cortejos.


Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a “cidade secreta”
a Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente.
Ela é uma cobra de avental.
Não despreze a meditação doméstica.
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofando
cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem. Elisa Lucinda é poeta, jornalista e atriz capixaba.
Tá citando o princípio do mundo! Do livro O Semelhante, Editora Record, 1998

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Trabalho no campo
TEXTO 9

ENSAIO Xandra Stefanel

MULHERES DA TERRA

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Foto: Oslaim Brito / AE


E
ste ensaio fotográfico com mulheres
do Acampamento Terra sem Males, do
MST, foi feito dutante a gravação do
documentário Mulheres da Terra – da Lona
ao Concreto, que retrata de maneira poética
a vida daquelas que, ao lado dos homens,
lutam pela tão sonhada reforma agrária.
O objetivo do vídeo-documetário é
mostrar que as mulheres do Movimento
desempenham os mesmos papéis que os
homens: trabalham na roça, cuidam do
barraco, dos filhos e participam das decisões
do MST. Sob esse prisma, acampadas e
assentadas contam seus sonhos e histórias
que comovem e mostram como é difícil
morar debaixo de lonas para conquistar um
pedaço de chão para seus filhos.
O ensaio e o documentário foram
produzidos em Cajamar e Sumaré (São
Paulo), de março a setembro de 2003.

Xandra Stefanel é jornalista e locutora.


Publicado na revista Caros Amigos.

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Conquistas femininas
TEXTO 10

A ARTE DA
GUERRA
PARA MULHERES
Chin-Ning Chu Depois da batalha dos sexos travada no
século anterior, as mulheres estão mais
seguras do que nunca em seu eu feminino.

P
or mais que os homens pensem no
quanto sabem a respeito das mu- Recentemente eu estava em Sydney,
lheres, só uma mulher sabe como é na Austrália, e tive a atenção despertada
difícil ser mulher. Além da complexidade por um anúncio que dizia: “Antes, eu
de nossa compleição física e emocional, queria me casar com um milionário.
como trabalhadoras, somos também prove- Agora, quero ser milionária”. Esta não é
doras que exercem múltiplos papéis na uma atitude expressa apenas na
família: esposa, mãe, cozinheira, faxineira, Austrália e nos Estados Unidos; tornou-
gerenciadora de crises, contadora, profes- se um fenômeno internacional – uma
sora, lavadeira, jardineira, motorista, enfer- corrente de feminilidade universal que
meira, psiquiatra, médica, lavadora de atravessa e ultrapassa culturas e fron-
louças e coletora de lixo. teiras internacionais.
Para competir nesse mundo dominado
por homens, nós, mulheres, sempre tive-
mos de ser duplamente boas em nossas
tarefas e ver homens com a mesma
competência que nós receberem salários A escritora Chin-Ning Chu nasceu na China, mas vive desde 1969
nos Estados Unidos. Trecho do livro A Arte da Guerra para
três vezes mais altos. Mulheres, tradução de Venuza Capilo.

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Assédio sexual
xxxxxxxxxxxxxx
TEXTO
TEXTO 11
XX

“ACREDITARAM NELE”
Desemprego e humilhação rondam as
vítimas, que muitas vezes preferem o
silêncio por causa da dificuldade em
provar a conduta criminosa do chefe

Vanessa Pessoa e Alfredo Luís Dolci

“Trabalhei seis anos como operadora de telemarketing e, depois de ficar um


mês afastada por um problema de tendinite, fui transferida para a área
administrativa, em novembro do ano passado. Foi aí que minha vida no
trabalho se transformou num inferno.”

O
gerente do setor em que eu traba- história acabou chegando até a diretoria
lhava me chamou um dia na sala do banco e fomos chamados para falar
dele e disse: ‘Você está prestes a ser sobre o assédio. Ele negou, disse inclusive
mandada embora, porque não serve mais que era muito religioso, casado e que
para a empresa. Se quiser manter o empre- jamais faria uma coisa dessas. Como eu
go, tem que dar uma saidinha comigo, não tive como provar o assédio, ele come-
senão vai para o olho da rua’. Saí choran- çou a me ameaçar, dizendo que faria de
do da sala dele e fui falar com um colega. tudo para me demitir. Ele conseguiu que
Em seguida, ele me viu contando a esse eu fosse demitida em maio deste ano. Com
colega que fui assediada. Ele pegou com dez anos de trabalho, o banco preferiu
força no meu braço e disse que eu ia pagar acreditar nele do que em mim.
caro por ter contado o que aconteceu. Os
meus colegas de trabalho viram, mas por
medo de represália não fizeram nada. A Fonte P Extraído do Diário de S. Paulo - 12 de outubro de 2003.

Mulheres, Trabalho e Vida • 23


12•CA05T12P5.qxd 12/13/06 2:41 PM Page 24

Trabalho e família
TEXTO 12

DUPLA
Estudo mostra que
administrar o tempo
hoje é a maior
preocupação da mulher

O
dilema feminino deixou de ser a clássica
escolha entre dedicação à carreira ou à
família. O objetivo agora é encontrar a fór-
mula de se organizar para dar conta, e bem, das
duas funções. Esse é o resultado de uma pesquisa
realizada pela SEC, Secretary Search & Traininig,
empresa especializada no recrutamento de profis-
sionais de secretariado, com 270 executivas e
secretárias de todo o país.
Realizada via Internet, durante o mês de
fevereiro de 2002, a pesquisa mostrou que 71%
das entrevistadas tentariam organizar melhor o
seu tempo se a vida pessoal interferisse e causas-
se prejuízos à sua ascensão profissional; 19% se
preocupariam somente com a carreira; e apenas 1%
jogaria tudo para o alto e apostaria na família, casamento e filhos. Nove
por cento não saberiam o que fazer ou buscariam outras soluções.
A pesquisa mostrou também que 59% das mulheres acreditam ter pos-
sibilidade de administrar quase sempre as jornadas de trabalho na empre-
sa e em casa, enquanto 35% afirmam conseguir sempre. Somente 2,5%
admitem não conseguir. A maior parte das entrevistadas, 67%, diz receber
em todas as ocasiões o apoio de sua família (marido, filhos, pais), estimu-
lando novas conquistas profissionais.
Ilustração: Alcy

24 • Mulheres, Trabalho e Vida


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JORNADA
E os filhos? – A última pergunta propõe
uma opção com apelo emocional; entre ir à
tradicional apresentação de final de ano do
filho na escola e comparecer a uma reunião
na empresa, 71% responderam que iriam à
reunião, 23% iriam à apresentação e 6% não
responderam.
“Não há como recuar diante das imposições
que o mercado de trabalho apresenta e das exi-
gências que a própria carreira tem estabelecido
à mulher executiva nestas últimas décadas”,
diz a headhunter Stefi Maerker, coordenadora
da pesquisa. “Os resultados apresentados pela
nossa enquete demonstram que as mulheres che-
garam a um ponto em que precisam mudar rotinas e se adaptar àqueles
que convivem ao seu lado se não quiserem abrir mão de suas conquistas.”
[...]
Para Stefi, na nova estrutura, a mãe não pode ser a única responsável
pelas tarefas familiares. “Sem a divisão de responsabilidades, a mulher
não consegue trabalhar.”

Adaptado de texto de Maura Campanilli publicado


no jornal Estado de S. Paulo, 9/5/2002

Mulheres, Trabalho e Vida • 25


13•CA05T13P5.qxd 12/13/06 2:42 PM Page 26

Desigualdade
TEXTO 13

O INEVITÁVEL TRABALHO FEMININO

A
mulher pobre, cercada por uma mo- esposa trabalhasse numa fábrica”. As

Acerva Iconographia
ralidade oficial completamente des- mulheres que trabalhavam nas tarefas
ligada de sua realidade, vivia entre caseiras tradicionalmente femininas, lava-
a cruz e a espada. O salário miúdo e regu- deiras, engomadeiras, pareciam correr
lar de seu marido chegaria a suprir as menos perigo moral do que as operárias
necessidades do mês só por um milagre. industriais, mas, mesmo nesses casos, sem-
Mas a dona de casa, que tentava escapar à pre as ameaçava a acusação de serem mães
miséria por seu próprio trabalho, arriscava relapsas. Vide a crítica insinuada por um
sofrer o pejo da “mulher pública”. depoente: “para a requerente trabalhar, era
Em vez de ser admirada por ser “boa necessário que o menor ficasse em casa da
trabalhadora”, como o homem em avó paterna ou outras pessoas, não
situação parecida, a mulher com receber assim uma educação como
trabalho assalariado tinha de devia...”.
defender sua reputação contra a A norma oficial ditava que a
poluição moral, uma vez que o mulher devia ser resguardada em
assédio sexual era lendário. Uma casa, se ocupando dos afazeres
moça de 19 anos apresentou a quei- domésticos, enquanto os homens as-
xa de que na casa de sua madrasta era seguravam o sustento da família trabalhan-
muito maltratada: “até para comer [...] do no espaço da rua. Longe de retratar a
concorria, pois trabalhava em uma fábrica realidade, tratava-se de um estereótipo
de louças”. Outra mulher, empregada calcado nos valores da elite colonial, e às
durante quatro anos em uma fábrica de vezes espelhado nos relatos de viajantes
fiação de tecidos, foi obrigada a chamar europeus, que serviam de instrumento
amigos para atestar que “tinha se compor- ideológico para marcar a distinção entre as
tado muito bem na aludida fábrica” – nesse burguesas e as pobres. Basta aproximar-se
caso, a situação virou contra seu marido, da realidade de outrora para constatar que
pois o curador-geral perguntou “a razão mulheres pobres sempre trabalharam fora
pela qual o requerido permitiu que sua de casa. Com a industriali- zação, chega-

26 • Mulheres, Trabalho e Vida


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ram, junto com as crianças, a compor mais lias operárias acharam outras vias para
da metade da força de trabalho em certas resolver disputas conjugais. Mas não faltam
indústrias, notadamente nas de tecidos. As exemplos de trabalho feminino: lavadeira,
estatísticas sobre o Rio Grande do Sul em engomadeira, ama-de-leite, cartomante.
1900 mostram que cerca de 42% da popu- Uma mulher vivia de sua banquinha no
lação economicamente ativa era feminina: mercado público, outra “fornecia comida
as mulheres trabalhavam principalmente para fora a pessoas na zona” junto ao seu
em “serviços domésticos”, mas sua atuação amásio que distribuía as viandas (marmi-
era também importante nas “artes e ofíci- tas). Ironicamente, apesar de ser evidente
os” (41,6%), na indústria manufatureira que em muitos casos a mulher trazia o
(46,8%), e no setor agrícola. No censo de sustento principal da casa, o trabalho femi-
1920, tanto “artes e ofícios” como “serviços nino continuava a ser apresentado pelos
domésticos” tinham sido absorvidos dentro advogados e até pelas mulheres como um
da rubrica “diversas” – pessoas que vivem mero suplemento à renda masculina. Sem
de suas rendas, serviços domésticos, profis- ser encarado como profissão, seu trabalho,
sões mal definidas –, mas ainda 49,4% da em muitos casos, nem nome merecia. Era
população economicamente ativa (PEA) do ocultado, minimizado em conceitos gerais
Estado e 50,8% da PEA em Porto Alegre como “serviços domésticos” e “trabalho
constavam como feminina. Na indústria, as honesto”.
mulheres ocupavam 28,4% das vagas no
Estado, e 29,95% na capital.
Em nossos dossiês, apareceram poucas
Trecho extraído do livro História das Mulheres no Brasil, de Mary
operárias industriais, talvez porque as famí- del Priore. Editora Contexto, 2004

Mulheres, Trabalho e Vida • 27


14•CA05T14P5.qxd 12/13/06 2:43 PM Page 28

Competição profissional
TEXTO 14

CUIDADO: MULHERES
TRABALHANDO Pesquisa conclui que é mais difícil trabalhar com elas
Renato Pompeu mente da mão-de-obra intelectualizada, é
hoje feminina. Elas, porém, ainda não são
representadas na proporção adequada nos

A
s mulheres sempre trabalharam, em
casa, na agropecuária e nas fábricas quadros de chefia e, embora seja crescen-
– mas foi só no último século que elas te, ainda não é grande a presença de
entraram para valer nas profissões que exi- mulheres em cargos políticos, e, mais
gem formação intelectualizada, até então ainda, em cargos militares.
domínio exclusivo dos homens. Essa situa- Mas, principalmente, o campo em que
ção gerou, no campo da realidade concre- as mulheres estão menos avançadas é o da
ta, movimentos pelo direito das mulheres igualdade salarial. Em todos os países e em
ao voto nas eleições, pela igualdade nos todas as profissões as mulheres na mesma
salários (a função igual deveria correspon- função ganham menos do que os homens.
der a salário igual) e pela liberação da mu- Essa situação é atribuída por muitas mulhe-
lher adulta em relação ao pai, da mulher res ao preconceito contra sua suposta
casada em relação ao marido, com o esta- menor assiduidade por causa da menstrua-
belecimento da igualdade no direito de ção, da gravidez, da amamentação e outras
família, já consagrada em grande parte dos características femininas. Mas na verdade
países. As mulheres, com o precioso auxílio a desigualdade do salário entre os gêneros
dos anticoncepcionais, alcançaram também tem origens materiais e históricas. Durante
uma liberdade sexual nunca vista. Em milênios o homem foi considerado o
suma, essa situação gerou, na realidade responsável pelo sustento da mulher e
concreta, diferentes ondas de movimentos filhos. Então, o salário a ele atribuído era o
feministas. necessário para sustentar, não apenas a si
Em praticamente todos os campos os próprio, mas também à mulher e os filhos.
movimentos feministas foram sendo vitori- Se alguma mulher se candidatasse a um
osos, a maioria da mão-de-obra, particular- emprego, se supunha que ela já tinha um

28 • Mulheres, Trabalho e Vida


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pai ou marido que entre os homens. É


garantia a sua sobre- preciso levar em
Ilustração Alcy

vivência básica e que conta essas diferenças


assim ela só necessitaria de para as mulheres, como os
uma renda suplementar para homens, se darem melhor em
outras despesas que quisesse fazer. seus trabalhos.
Isso se mantém até hoje: quando No livro In the Company of Women:
a mulher procura um emprego, se supõe Turning Workplace Conflict into Powerful
que já haja homens na sua família traba- Alliances (Na Companhia Das Mulheres:
lhando e garantindo a renda familiar e que Transformando Conflitos No Trabalho Em
ela precise apenas de um complemento. A Alianças Poderosas) as autoras Pat Heim e
prova de que este raciocínio é correto está Susan Murphy sugerem que as mulheres
na aceitação, por parte da mulher, de um cultivam o hábito de torturar umas às
salário menor do que o atribuído ao outras no ambiente de trabalho. Para
homem na mesma função, salário que o chegar a essa conclusão, elas pesquisaram
homem não aceita e que, portanto, a a rotina de cem das maiores multinacionais
mulher também poderia não aceitar. Mas dos Estados Unidos e entrevistaram mais
ela aceita o salário menor exatamente de mil homens e mulheres. Concluíram que
porque a situação pressuposta de fato refle- as mulheres são menos transparentes e
te uma situação concreta que, se já foi mais mais ardilosas que os homens, e não supor-
real no passado, continua a ser real no tam ver o sucesso de uma colega de equi-
presente: a mulher de fato, na maioria dos pe. Dizem ainda que as mulheres não estão
casos, precisa de uma renda menor do que satisfeitas com alguma coisa, têm mais difi-
a do homem, ainda considerado como culdades que os homens de dizer às claras
esteio da família. o que as está incomodando e acabam
Mas há quem diga que a carga emoti- apelando para táticas ou subterfúgios
va feminina tanto pode ser positiva como obscuros. Ficam maquiando, articulando,
negativa: tanto pode gerar uma competiti- jogando verde e agredindo indiretamente.
vidade destrutiva maior do que entre os São artíficios tipicamente femininos.
homens como pode gerar colaboração
construtiva em grau maior, também, do que Renato Pompeu é escritor e jornalista.

Mulheres, Trabalho e Vida • 29


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Feminino x masculino
TEXTO 15

O PODER:
MASCULINO OU FEMININO?

Moacyr Scliar da presidenta do Chile, Michelle Bache-

Ilustração: Alcy
let: 50% são mulheres. Afinal, as mulhe-
res são metade, ou mais, da população.

J
á tivemos e temos, no Brasil, vereado-
ras, deputadas, prefeitas, governado- No passado, contudo, a realidade demo-
ras, ministras. Mas nunca tivemos, gráfica era sacrificada por causa de uma
como no Chile, uma mulher na presidên- suposta divisão de tarefas. Mulheres
cia. Faria diferença? tinham de ficar em casa, cuidando dos
Quando eu entrei na Faculdade de filhos. Isso mudou. O casamento ocorre
Medicina de Porto Alegre, as moças repre- mais tarde, quando ocorre, o número de
sentavam menos que 10% da turma. filhos é menor (em média 2,1 no Brasil)
Naquela época, havia um hino, popular e, muito importante, as mulheres entra-
entre os alunos, que dizia: “Medicina, ram no mercado de trabalho, o que cor-
papa-fina/ não é coisa pra menina”. Hoje, responde tanto a uma necessidade pesso-
metade das turmas de estudantes de al como ao achatamento salarial que
medicina para as quais dou aula são do tornou a renda familiar insuficiente.
sexo feminino. É uma proporção justa, Resultado: há mulheres em todas as pro-
como é justa a composição do ministério fissões, inclusive nas militares.

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Mas a política resiste. Já tivemos e


temos, no Brasil, vereadoras, deputadas,
prefeitas, governadoras, ministras. Mas
nunca tivemos, como no Chile, uma mu-
lher na presidência. Faria diferença?
A resposta não é tão óbvia, como mos-
tra o caso de Margaret Thatcher, a “Dama
de Ferro”. Aliás, só este apelido já é meio
amedrontador. Que homem namoraria

Foto: Beto Barata / AE


uma mulher feita deste duro metal? Só o
Superman, talvez, o Homem de Aço, e
mesmo assim do contato entre os dois sai-
ria muita faísca. A senhora Thatcher foi
A presidenta do Chile, Michelle Bachelet,
duríssima no governo. Pôde ser duríssima, na foto durante a revista à guarda
porque o poder lhe permitia. Aí está a presidencial brasileira, em 11 de abril de
coisa: o poder não é masculino nem femi- 2006, é a primeira mulher no cargo,
no país andino.
nino. O poder – aquele poder consolidado
ao longo de séculos, aquele poder que se
traduz em uma verdadeira cultura – tem mou. Não se trata de substituir o poder
seus mecanismos próprios, como o desco- masculino por poder feminino; trata-se de
brem todos aqueles que, eleitos, chegam ao modificar o poder mediante as lições que
governo. Porque o poder não se exerce no as mulheres, à custa de muito sofrimento,
vazio e sim em estruturas preexistentes, aprenderam. Mulheres aprenderam a cui-
que têm a tendência a se perpetuar. Como dar, e cuidar é a principal obrigação de
dizem os americanos, “you think by the seat quem governa. Michelle Bachelet tem vá-
of your pants”, você pensa conforme a rias credenciais para isso: é mulher, é uma
cadeira sobre a qual estão as suas calças política experiente. Ah, sim, é médica, espe-
(notem o machismo: saia ou vestido não cializada em saúde pública. Na faculdade,
são mencionados). É isso, a propósito, que deve ter ouvido dizer que medicina não é
faz mudar a conversa de palanque. coisa pra menina. Provou que é. E provará
Estamos falando de uma coisa que exis- também, assim o esperamos, que política
te, mas não estamos falando de inevitabili- pode ser coisa para mulheres.
dade. O poder é assim, mas ele pode ser
Moacyr Scliar é escritor gaúcho. Coluna do jornal Zero Hora
transformado, como o mundo se transfor- de Porto Alegre

Mulheres, Trabalho e Vida • 31


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Feminino x masculino
TEXTO 16

AFINAL, O QUE FAZ UM


“PRIMEIRO-DAMO”?
I
magine a cena: um presidente eleito pelo deu-se com o interesse em saber como era
povo concede uma entrevista coletiva. seu marido, o economista Carlos Crusius.
Chega pronto para falar dos planos de No dia da posse, ciente de que onde ia os
governo, mas uma das primeiras perguntas jornalistas o seguiam, ele brincou com um
foge completamente do assunto. amigo:
– Presidente, como o senhor pretende – Nasci para primeiro-damo.
governar sem ter um amor a seu lado? No outro dia, a expressão estava cunha-
Parece improvável, não é? Mas, em se da nos jornais. Na ficção, a situação gerou
tratando de uma presidenta separada, os uma divertida saia-justa: no seriado Com-
limites entre público e privado são outros. mander in Chief (exibido no Brasil pelo
Tanto que a presidenta eleita do Chile, canal pago Sony), o marido da presidenta
Michelle Bachelet, ouviu exatamente essa americana Mackenzie Allen (personagem
pergunta. E saiu-se bem: encarnada por Geena Davis) levou um cho-
– Espero que você faça a mesma per- que quando conheceu seu gabinete, todo
gunta aos meus ministros solteiros. rosa e feminino.
Para a deputada federal Yeda Crusius Mas a discussão vai além dos comen-
(PSDB), essa possibilidade é remota: tários bem-humorados e da ficção. No
– O homem não é inquirido, porque Chile, debateu-se seriamente como ficaria
normalmente ele é casado, e se tem um ou o cerimonial de eventos oficiais, já que a
mais amores, isso é muito aceito (risos). A presidenta é separada. Quando o marido
mulher é mais transparente: casa se quer, existe também se pergunta: afinal, o que
não casa se não quer. faz um “primeiro-damo”? No caso dos
A vida amorosa das casadas também maridos das chefes de Estado hoje, o estri-
atiça a curiosidade. Quando era ministra tamente necessário. Limitam-se a acompa-
do Planejamento, em 1993, Yeda surpreen- nhar as mulheres em solenidades e algu-

32 • Mulheres, Trabalho e Vida


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Ilustração: Alcy

mas viagens e seguem com sua rotina de tou dos próprios colegas, geralmente numa
trabalho normalmente. atitude exageradamente protetora.
– Quem sabe esse não é o primeiro – Muitas vezes, quando colegas
passo para libertar as primeiras-damas, querem discordar de mim, dizem “Mariazi-
para que elas possam manter seu trabalho, nha...”. Não é preciso falar no diminutivo
seguir suas vidas? – especula a deputada com as mulheres – diz Maria do Rosário,
federal Maria do Rosário (PT). que não descarta a hipótese de disputar a
Quando os papéis se invertem na polí- prefeitura da Capital em 2008. – Queremos
tica, não é o marido que causa constrangi- respeito e gentileza, mas também ser trata-
mentos. Em casa, Maria do Rosário conta das como iguais.
com o apoio do marido para cuidar da fi-
lha, Maria Laura, 6 anos, quando está em
Brasília. Nas ruas, quem se aproxima são os Adaptado de texto publicado pelo Jornal Zero Hora, Porto Alegre (RS).
simpatizantes. Machismo mesmo só enfren- Caderno Donna, 5 de março de 2006. Adaptação: Página Viva.

Trabalho e Meio Ambiente • 33


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O que é ser mulher


TEXTO 17

BOBAGEM
Céu A compositora se apresenta,
orgulhosa do que a faz um
ser ímpar
minha beleza
não é efêmera
como o que eu vejo
em bancas por aí
minha natureza
é mais que estampa
é um belo samba
que ainda está por vir
bobagem pouca
– besteira
recíproca nula
– a gente espera
mero incidente
– corriqueiro
ser mulher
– a vida inteira

34 • Mulheres, Trabalho e Vida


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Conquistas trabalhistas
TEXTO 18

SALÁRIOS Mulher está


assumindo liderança no
mercado de trabalho
MAIS
A
diferença a mais da média salarial
nos homens do Brasil, em relação à

EQUIPARADOS das mulheres, tem diminuído cada


vez mais rapidamente nas últimas déca-
das. A vantagem masculina no País era de

COM OS DOS 50% nos anos 1990, mas em março de


2006 o Fundo de Desenvolvimento das

HOMENS Nações Unidas para a Mulher lançou o


relatório “O Progresso das Mulheres no
Brasil”, segundo o qual a diferença se tinha
Renato Pompeu reduzido para 30%.
Além disso, já faz alguns anos que as
mulheres constituem a maioria dos alunos
e dos formados nos cursos de todos os
níveis no País, fundamental, secundário e
superior. No ensino superior, os homens só
têm constituído maioria nos ramos de
Exatas, mas mesmo assim é crescente o
número de mulheres nessas disciplinas. De
acordo com o IBGE, 28% dos domicílios
são chefiados por mulheres.
Renato Pompeu é jornalista e escritor.
Ilustração: Alcy

Mulheres, Trabalho e Vida • 35


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Mulher e desemprego
TEXTO 19

EM BUSCA DE
EMPREGO
Foto: Filipe Araujo / AE

A saga das mulheres


que procuram
subemprego

Plim-plim. Vassoura e pano nas mãos, toda terça-feira aparece a Marinete na


telinha esfregando um pouco, lavando um pouco, ao som da música-tema que
repete “ela é dona do jogo”, a personagem da Rede Globo: uma diarista. Daí a
idéia. Ver como é a rotina das mais de 5,3 milhões de pessoas, 93% mulheres,
que vivem de organizar, varrer, limpar, esfregar o que outros deixam pra trás.
Fui procurar trabalho.

1o Dia tas de papelão aos pés, onde todo dia

O
templo sagrado da peregrinação centenas de pessoas, homens e mulhe-
pelo emprego de baixa renda, res, atiram seus currículos. Eu, desavi-
em São Paulo, é a rua Barão de sada, não tenho o que oferecer. A solu-
Itapetininga, Centrão da cidade. Chego ção vem em pouquíssimo tempo:
de manhã cedo. Cerca de vinte ho- “Fazemos currículo a 1,50” “Fazemos
mens-sanduíche exibem anúncios de currículo com foto”, são muitas placas,
trabalho, muitos deles com caixas aber- um enxame, de todas as cores.

36 • Mulheres, Trabalho e Vida


19•CA05T19P5.qxd 12/13/06 3:18 PM Page 37

A s agências de emprego, das mais picare-


tas às mais sérias, se espremem nas ruas
que cercam a Barão junto com oficinas de
– Então eu vô junto. Não é trabalho de
faxinera? Eu também tô procurando.
Ele se afasta resmungando, e ela diz:
xerox e “composição” de currículo, fotos “Tá te enganando!” E estava. Desapareceu
3x4, médicos laborais, advogados trabalhis- na multidão.
tas e agências de empréstimo (“Sem dinhei- “Todo mundo qué se aproveitá, fia,
ro? Resolva já o seu problema! Não precisa olho aberto!” Agradeço demais e ela se
de fiador”). Paro diante de uma parede for- despede: “A gente se cruza por aqui”.
rada de anúncios de emprego, a maioria “Tomara que não, né?”
escrita a mão, pedindo vendedoras, opera-
doras de telemarketing, secretárias bilín- 2o Dia
gües, motoristas. Faxineira, nada.
Um senhor, aparentemente o “guarda- C oloco um anúncio no Estadão, mais por
fidelidade à verdade do que por exibi-
cionismo: “Diarista bilíngüe com experiên-
dor dos cartazes”, calvo e barrigudinho,
anda de um lado para outro, dizendo: “Tem cia internacional. Preço a combinar. Tel. ...”.
muita coisa aí que não é séria, eles cobram Afinal, na abertura de A Diarista não é atra-
para pegar seu currículo, vai nessa que é vés de um classificado que a Marinete ofe-
séria, vai nessa, eu conheço”. Confio no rece sua força de trabalho?
homem quando ele vem perguntar o que Chovem ligações.
estou procurando. Só mulheres, algumas desesperadas,
– Faxineira. procurando trabalho. Os recados não param
– Eu tenho um trabalho pra você. Um de chegar na caixa postal, e o que bate à
amigo meu tem um escritório aqui perto, porta não é trabalho, mas o desemprego.
mas é só pra o fim de semana, tudo bem? Não, essa reportagem não será sobre “a vida
– Tudo bem, eu preciso trabalhar. de uma diarista”. Será sobre desemprego.
– Então espera aqui que eu vou pegar Segunda-feira volto à Barão, não sem
a chave com ele, te levo lá pra você ver... antes ligar para dezenas de agências de
Vou? Não vou? Ele volta já pegando no serviço doméstico para ouvir que não há
meu braço: trabalho de diarista. Todo mundo quer
– Vamos? empregada para dormir na casa. Em uma
É quando aparece, não sei de onde, delas recebo um tiquinho de esperança.
uma negra corpulenta, elegante. Pula na “...aparece aqui com currículo, RG, CPF,
minha frente. comprovante de residência e atestado de
antecedentes criminais”. É assim: se quiser

Mulheres, Trabalho e Vida • 37


19•CA05T19P5.qxd 12/13/06 3:18 PM Page 38

Te x t o 1 9 / Mulher e desemprego

ser uma empregada “empregável”, tem de – Claro que topo!


provar que não é bandida, o que é no míni- – Bom, você foi selecionada. Agora é só
mo humilhante (o Congresso Nacional trazer amanhã o seu RG, CPF, carteira de
aprovou em dezembro projeto de lei do trabalho, comprovante de residência e a
deputado federal Luiz Alberto, do PT da primeira parcela para o curso de treina-
Bahia, proibindo a exigência; agora está no mento, no valor de 49 reais.
Senado). – Como assim, primeira
Na Barão atiro currículos “Agora sei, pelo parcela?
em todas as caixas e começo menos, para onde – É para o curso, que
a peregrinação nas salinhas, vão os currículos dura cinco dias, e o valor é
uma por uma, para ouvir jo- atirados nas caixas de duas parcelas de 49 reais.
vens recepcionistas repetindo: de papelão” Olha, a vaga já está garanti-
“Mora onde? Fuma? É casa- da, mas o curso vai estar
da? Tem filhos?”, até os pés doerem. Seis dando todas a ferramentas...
horas, volto para casa. Arrasada. O cansaço – Esquece.
é físico e mental. – Certeza?
Não tenho muita simpatia por estatísti- Certeza. Pensando bem, nunca estive
cas. Elas tentam colocar um sem-número na tal agência. Agora sei, pelo menos, para
de angústias, vergonhas, desesperos, em onde vão os currículos atirados nas caixas
números. Em junho, uma pesquisa do de papelão na Barão. Toca o telefone de
Ibope apontou que a maior preocupação novo: currículo selecionado, auxiliar de
dos eleitores paulistanos, 66% deles, era o cozinha, amanhã às 9 com documentos.
desemprego. Viviane Forrester, uma france-
sa que nem botou os pés por aqui, em seu 3o Dia
livro O Horror Econômico, coloca de forma
melhor: pesa sobre os ombros de cada N o bufê, uma moça loira, gordinha e
decidida diz que não precisa ter expe-
riência, basta vontade de aprender e dis-
desempregado a vergonha pelo próprio
desemprego. posição de ficar até tarde, porque no fim
Toca o celular: é de uma agência de do ano as encomendas dobram. O esque-
empregos. ma é 6 x 1, o que significa que só folgamos
– Você se interessa por uma vaga de no domingo, enquanto as horas extras são
operadora de telemarketing? São mais de amontoadas num “banco de horas” que dá
cem vagas, pagam de 380 a 600 reais, direito a folga, depois. O salário, 400 reais
dependendo da firma. – 330 com os descontos.

38 • Mulheres, Trabalho e Vida


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Visto avental e touca branca no banhei- podemos comer nenhum. Nosso almoço é
ro dos empregados, um pardieiro: roupas uma marmita fria e murcha – arroz, feijão,
penduradas, o chão lodoso, a privada suja, frango, polenta.
o armário de ferro entulhado de aventais. Nem vinte minutos de- pois, retoma-
Tudo fede a mofo, urina, umidade. Desto- mos o serviço. Quando afinal batem 6
ando do nosso “cantinho”, a cozinha é horas, já não me agüento em pé e mal
linda e limpíssima, toda azulejos brancos e consigo disfarçar. Mas a supervisora diz que
mesas de madeira, pilhas e eu posso voltar amanhã, é
pilhas de fôrmas de bolo, “Um cartaz escrito a só antes passar na agência e
assadeiras, potes, panelas, mão: Precisa-se moças assinar contrato, levando a
mais fornos e geladeiras in- com ou sem experiên- minha carteira de trabalho.
dustriais. Cinco mulheres ves- cia. Ligo para o Não volto.
tidas exatamente como eu. número, e um carioca
Entretidas em sovar a massa, me explica que é pra 4o Dia
conversam pouco. Me atrapa-
lho na primeira tarefa, penei-
fazer bijuteria”
D e novo na rua, chama a
atenção um cartaz escri-
rar uma bacia enorme de farinha de rosca, to a mão: “Precisa-se moças com ou sem
que leva duas horas e algumas câimbras experiência”. Ligo para o número, e um
para terminar. O suor escorre pelo rosto, os carioca me explica que é pra fazer bijute-
braços doem e as histórias da simpática ria. É na Liberdade, a “Chinatown” paulis-
Néia me embalam. O filho de 3 anos, cujo tana. O tal me recebe de camisa aberta e
pai “assumiu e sumiu”, fica com a mãe corrente no pescoço, olha de cima a baixo
enquanto ela trabalha até as 10 horas, às e chama o menino: “Leva ela até a monta-
vezes até perde o trem. Mas ficar longe do gem”. E pra mim: “Diz pra patroa que eu
filho tão pequeno dói. As outras, também, mandei ela pegar você”. Atravessamos a
cada uma dá um jeito com os filhos – são rua até um predinho baixo, de corredor
cunhadas, avós, tias, parentes, os filhos escuro, pintura descascando e lixo por todo
mais velhos cuidando dos mais novos – e a canto. A “patroa” vem me receber, os cabe-
saudade é unânime naquela cozinha. los desgrenhados, baforando um cigarro.
Em pouco tempo, a mesa central vai “O trabalho é fácil, começa às 8 da manhã
sendo coberta por travessas cheias de enro- e eu vou precisar que fique até tarde.
lados, esfihas, folhados, docinhos, salga- Domingo tem folga...” As janelas fechadas,
dos, pães, tudo douradinho e cheirando um tacos soltos no chão, as paredes rabiscadas
absurdo, e a fome é maior porque não por lápis de cor, e entramos num quartinho

Mulheres, Trabalho e Vida • 39


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Te x t o 1 9 / Mulher e desemprego

onde seis rostos de meninas me olham, “Você sabe o que é caviar? Nunca vi nem
curiosos. É onde vou trabalhar. Elas são comi, eu só ouço falar”. O menu: arroz,
negras, mulatas, as mãos rápidas. A janela feijão e macarrão, tudo misturado. Vou
que dá para a rua está coberta por um fazendo meus colares, rosa, vermelho,
papelão e a fumaça de muitos cigarros azul... Naiara, a cabeça cheia de cachaça e
nubla o ambiente. vinho San Tomé, fala sem parar:
A patroa explica que paga condução, – Mó brisa, mano, tô brisada!
mas tem de levar marmita. Pra cada dúzia Conta que a mãe costumava bater sua
de conjunto (doze colares e 24 brincos), ela cabeça na parede quando ela dedurava ao
paga 1,50 real. pai as escapadas noturnas – a mãe se pros-
Dia seguinte chego cedo. Quem me tituía escondido. Como naquela noite em
ensina o serviço é Shirley, com que entregou a filha a um
dois brincos enormes de A janela que dá homem: “Faz o que ele
semente, camiseta justinha, para a rua mandar”. Naiara tinha 8 anos.
batom, uma princesa de 21 está coberta por Na lembrança, ela grita, ri,
anos. Cortar os fios de seloni- um papelão e gesticula nervosamente.
te, amolecer em água quente, a fumaça Promete que vai matar a mãe.
prender o fecho com alicate, de muitos cigarros Está “brisada”.
e seguir a ordem, bolinha nubla o ambiente. No terceiro dia decido ir
prateada, pedrinha verde, embora, quando a patroa chega
caninho verde, mais uma pedrinha, mais e avisa que seremos todas revistadas diaria-
um caninho, pingente, pedrinha, caninho, mente, além de que trabalharemos “de
bolinha. Vou seguindo como posso, é verda- domingo a domingo”. A patroa me diz para
de que sou bem mais devagar que as outras voltar outro dia, buscar meu dinheiro. O
e minha mesa é uma bagunça. Ao som dos total: 22,50 reais, que no terceiro dia
berros da patroa: consegui fazer cinco dúzias. Jamais foi
– Suas lerdas! resgatado, e é com pena que digo que ficou
Quando termino a primeira dúzia de com ela.
colares e brincos verdes, já são 10 e meia:
1 real e 50 ganhos. 5o Dia
Dia seguinte é tudo diferente. A patroa
não está e a casa fica nas nossas mãos. N ão parei de procurar, aqui e ali, um tra-
balho temporário para o Natal. O
Ouvimos volume máximo, a Rádio Suces- comércio fervia e me sorria com um cartaz
so, que repete o refrão de Zeca Pagodinho: que dizia: “Você quer vencer na vida?

40 • Mulheres, Trabalho e Vida


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Venha fazer parte da nossa Chego na loja, onde couberem, o cheiro de


equipe!” A loja de sapatos da marmita na mão, sapato novo ardendo o nariz. O
Teodoro Sampaio, agitada rua mas sou barrada. desafio, aqui, é saber onde está
comercial da cidade, pagava 5 O gerente me cada sapato, e pegar rápido o
por cento sobre o que eu ven- chama de canto: lá número certo antes que o clien-
desse, e mais nada. Nem o no escritório não te se aborreça. Por isso, ficamos
transporte. aprovaram meus horas ali, decorando a posição
Começo numa sexta-feira documentos. Por de cada marca. Antes de ir
de sol. Chego à vitrine cheia quê? Nada. A única embora, nossas bolsas são
de variados sapatos, tênis, resposta é que eles, revistadas.
chinelos, botas, e sou manda- no escritório, são Segunda-feira. Chego na
da para o fundo da loja, espe- assim mesmo. loja, marmita na mão, mas sou
rar ao lado de duas meninas barrada. O gerente me chama
tão ansiosas como eu, que o supervisor vai de canto: lá no escritório não aprovaram
falar com a gente, já está a caminho. meus documentos. Como assim, se estão
Dentro da loja é um corre-corre, dezenas todos em dia? Por quê? Nada. A única
de vendedores com a camiseta verde, resposta repetida e repetida era que eles,
uniforme da loja. Esperamos. Esperamos. no escritório, são assim mesmo.
Esperamos. É verdade que nem tudo estava negro
Horas. Finalmente o tal supervisor dá naqueles dias. Afinal, eu dispensara um
o ar da graça. Explica tudo de novo – 5 por promissor posto de trabalho, numa clínica
cento, das 8 às 18, marmita, temporário, de massoterapia onde a recepcionista,
entusiasmo etc. – em cinco minutos, e nos educada, me explicou com a maior ciência:
manda para o estoque. Que é um pesade- – Trabalhamos com massagem tera-
lo. Na sobreloja, uma estreita sala, com pêutica, em que você vai estar massagean-
uma mesa de madeira, serve de refeitório, do o corpo do cliente. Ela é antiestresse,
enquanto o banheiro sujo com só um vaso relaxante, antinervosismo. E também faze-
é a área privativa onde os vendedores se mos a massagem tailandesa, conhece?
trocam. Um grande filtro fornece água – – Não.
que é descontada dos salários, 2 reais de – Também é massagem no corpo do
cada vendedor por semana. Nas salas ao cliente, só que na tailandesa você vai estar
lado, o estoque: um enorme labirinto escu- usando partes do seu corpo, coxas, náde-
ro de caixas, amassadas, abertas, coloridas, gas, seios, para a massagem. Só de calci-
velhas, novas, empilhadas pelo caminho, nha.

Mulheres, Trabalho e Vida • 41


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Te x t o 1 9 / Mulher e desemprego

Diante do meu constran- “Nossa tarefa, vez ou outra se vira para o


gimento, ela avisa que a descubro com grupo assustado e aponta:
tailandesa é obrigatória, não surpresa, vai ser – Você, você, você e
pode fazer só da outra. Não vigiar um banner. você.
paga condução, mas dá refei- Ficamos o dia todo, O silêncio é total. Elas
ção. uma em cada esquina, evitam olhar para o homem:
– Ah, e no final da massa- olhando uma placa. a possibilidade de não ser
gem nós trabalhamos com Para a fiscalização escolhida é terrível, significa
relaxamento manual. não levar, já que é 20 reais a menos no fim do
– Como assim? – não proibido pendurar mês. Não demoro a ser
consegui segurar. banners naquela chamada, vou formar fila
Ela faz o gesto: punheta. cidade.” junto às outras para receber
O pagamento, por sessão, é o uniforme – calça justa
de 10 reais por meia hora (o cliente paga azul, camisa branca de gola, boné azul. Sigo
80) e 20 reais para uma hora (o cliente para outra salinha onde pilhas e pilhas de
paga 110). Digo que vou ligar depois. Sem folhetos se misturam a outra dezena de
perspectivas, sigo para a última alternati- meninas, atrapalhadas, tentando vestir o
va: empresa de promoções. uniforme. Como a porta não fecha de tanta
gente, nos trocamos sob os olhares dos
6o Dia motoristas.

S ento às 7 da manhã na frente de um Na perua, nove meninas entre 14 e 16


sobrado branco, junto a uma centena de anos se espremem nos bancos de trás.
meninas, sonolentas, na calçada. Elas vêm Quarenta minutos depois chegamos a São
de todos os cantos da cidade para aguar- Bernardo, município que faz fronteira ao
dar a sua vez de serem chamadas. Gisele, a sul de São Paulo. Nossa tarefa, descubro
coordenadora, explica que o trabalho é só com surpresa, vai ser vigiar um banner. Isso
para os fins de semana, e o pagamento, 20 mesmo: ficamos o dia todo, cada uma em
reais, sai no dia 15 do mês seguinte. uma esquina, paradas, olhando uma placa.
– Topa? Para a fiscalização não levar, já que é proi-
– Topo. bido pendurar banners naquela cidade.
Subo a escada até uma pequena sala Sozinhas, o sol forte na cabeça, de pé.
onde quarenta meninas se espremem de Sentar, nem pensar, nem ao menos encos-
frente para um homem de meia-idade. Ele tar num muro: são as regras.
anda, impaciente, de um lado para outro,

42 • Mulheres, Trabalho e Vida


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– Se você passar mal, liga pra central nos escondemos no banheiro do Sam’s
– avisa o motorista antes de me deixar, Club, e é ali que eu descubro que as duas
abandonada, na minha esquina, e ali fico. são evangélicas – Tatiane é da Assembléia
Reparo que ninguém me olha. Os olha- de Deus e Thaís, da Comunidade Evangéli-
res passeiam pela placa, param no número ca Pleno – quando gritam, emocionadas,
de telefone, e simplesmente me pulam. Sem “aleluia!” para a chuva que lava tudo à
exceção. Na paisagem urba- nossa volta.
na, não existo; o uniforme “Chove Na perua de volta elas
me torna, de fato, invisível torrencialmente, dormem, cansadas. Eu segu-
– é a “invisibilidade públi- e na cidade centenas ro: quero ouvir Maria, 15
ca”, fenômeno que o psicó- de meninas como nós anos, muito empolgada,
logo Fernando Braga obser- não se aguentam contar como se divertiu com
vou ao trabalhar junto com de felicidade porque os meninos que faziam mala-
os garis da USP. podem parar para barismo no farol.
descansar em – Eles ganharam tanta
7 Dia
o
algum abrigo.” coisa, bolacha, pão, pirulito,

D omingo subo na Kombi


para o último dia dessa jornada. Vou tudo com a gente!
distribuir panfletos com duas alegres meni-
refrigerante... e dividiram

Só isso pra melhorar o dia, depois de


nas, ambas de 17 anos. ela ter dado de cara com a professora de
Paramos numa esquina da avenida matemática.
Rudge e nos dividimos por faixa. Vez ou – Nem sei a cor que fiquei, não sabia
outra passa o supervisor na Kombi. Ali, no onde enfiar a cara. Que vergonha!
farol, quem faz a propaganda dos condo-
mínios de luxo é a Thaís, do Capão Redon-
do, que dorme num cômodo com os sete S
aindo da Kombi, as pernas bambas,
volto para casa devagar, na cabeça a
irmãos mais novos; é a Tatiane, de Paraisó- música-chiclete do programa de televisão:
polis, que também divide o quarto com os “ela é dona do jogo...”. Ela, ela quem?
irmãos, quatro, num andar erguido sobre a
laje da casa da mãe.
Chove torrencialmente, e na cidade
centenas de meninas como nós nem se
agüentam de felicidade porque podem
Natália Viana é jornalista. Extraído da reportagem “Os trabalhos e
parar para descansar em algum abrigo. Nós os dias”, publicado na revista Caros Amigos, jan/2005.

Mulheres, Trabalho e Vida • 43


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Desigualdade
TEXTO 20

RENDIMENTOS
DESIGUAIS
Mulheres ganham,
em média, 60% do que
recebem os homens, pela
mesma tarefa.

Foto: Heitor Hui / AE

Trabalhadores e trabalhadoras
em linha de montagem na
indústria automotiva.

44 • Mulheres, Trabalho e Vida


20•CA05T20P5.qxd 21.01.07 19:25 Page 45

Infografe

E
m 1996, o rendimento médio das mar de remuneração verificado para elas
mulheres brasileiras, de 585 reais não pode ser atribuído apenas, como se
correspondia a 60% do obtido pelos poderia supor, a uma jornada menor de
homens que era de 995 reais. Apesar da trabalho (39 horas para mulheres e 46
recuperação observada após a contenção horas semanais para homens).
da inflação, ainda não foi alcançado o As diferenças de rendimentos entre
valor real de 1989, quando era apenas homens e mulheres verificam-se em
30% inferior. todos os setores de atividade econômica,
Se for considerado o rendimento por por posição na ocupação e, inclusive, em
hora trabalhada, esse diferencial também grupos de ocupações semelhantes.
persiste. Em 1996, as mulheres recebiam,
em média, 3,50 reais por hora e os homens,
5 reais. Isso demonstra que o menor pata- Adaptado de texto publicado no site do Dieese (www.dieese.org.br).

Mulheres, Trabalho e Vida • 45


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Trabalho doméstico
TEXTO 21

HOMENAGEM
A QUEM FAZ
Ana Miranda

A escritora

B
enditos sejam os que fazem os trabalhos do cotidiano, o que
lembra, seria de mim se não tivesse o padeiro que assa o meu pão e o
minuciosa, caminhoneiro que traz o meu leite até o mercado, e o gari que
cada pessoa varreu a rua na frente da minha casa e o ciclista que traz o meu jor-
que a nal, o que seria de mim sem a minha faxineira e o lavador de meu
carro, e o japonês que cultivou as orquídeas da minha varanda, o
homenageia
que seria de mim sem o marceneiro que fabricou esta mesa, o
com seu
operário que girou os parafusos da minha geladeira, o carteiro que
trabalho
traz as minhas cartas, o balconista da loja de informática onde com-
prei esta tela, e a minha manicure e o sapateiro da esquina que tro-
cou a sola de meu sapato de estimação, o que teria sido de mim
sem a minha Irene, dona Irene acordava antes de todo mundo em
casa, vestia seu uniforme e avental, prendia os cabelos, pendurava
seus brincos de pingentes, passava batom, pintava as sobrancelhas
com lápis e ia para a cozinha, tomava seu cafezinho, preparava o
café da manhã, punha a mesa, ia buscar o jornal no portão, dava
comida aos cachorros, varria as varandas, parava a olhar uma flor-
zinha, aguava as plantas e gramados, sempre cantando, rindo, arru-
mava a casa varria limpava arrumava as camas, ia para a cozinha,
cantando, cozinhava, uma comida caseira dos deuses, se eu estava
fechada no escritório escrevendo e pensava Ah que vontade de
tomar um café, chegava nesse instante a Irene com um café fresco,
cantando, rindo, à uma e meia ela me chamava para um almoço

46 • Mulheres, Trabalho e Vida


21•CA05T21P5.qxd 12/15/06 5:27 PM Page 47

dos deuses, depois Irene lavava a louça, sempre alegre, enxugava


e guardava, limpava a cozinha, lavava roupa a maioria a mão, e
passava a ferro, as camisas engomadinhas, guardava as roupas,
preparava um lanche, engraxava os sapatos, pregava os botões,
depois fazia um jantar dos deuses, lavava a louça enxugava guar-
dava, cantava cantava, pano de chão na cozinha, vidros limpos,
um trabalho incessante, valioso, precioso, cada dia uma em-
preitada, uma ordenação profunda do mundo, da sociedade, um
trabalho generoso, que me deu asas até a delicadeza dos confins,
me libertava deste mundo para ir em busca de outros, me liberta-
va do tempo e do espaço, de todo um emaranhado de vestígios
da minha memória, e minhas lágrimas não eram de cebola, mas
nessa liberdade eu deixava de viver algumas das coisas mais har-
moniosas e calmantes da vida, como por exemplo lavar folhas de
alface em água fria, no verão, ou derramar vinho no corpo de um
peru para a ceia de Natal.

Publicado na revista Caros Amigos.

Trabalho e Meio Ambiente • 47


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História do trabalho feminino


TEXTO
TEXTO 22
XX

Iconographia
MULHERES E (...) A presença feminina foi sempre
destacada no exercício do pequeno comér-
cio em vilas e cidades do Brasil Colonial.

TRABALHO Desde os primeiros tempos, em lugares co-


mo Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo,
estabeleceu-se uma divisão de trabalho

NA HISTÓRIA assentada em critérios sexuais, em que o


comércio ambulante representava uma
ocupação preponderantemente feminina.

DO BRASIL A quase exclusiva presença de mulheres


num mercado onde se consumiam gêneros
a varejo, produzidos muitas vezes na
Um mercado feminino própria região colonial, resultou da conver-
nas Minas Gerais gência de duas referências culturais deter-
minantes no Brasil. A primeira delas está
Mary del Priore relacionada à influência africana, uma vez

48 • Mulheres, Trabalho e Vida


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que nessas sociedades tradicionais as dade faziam chegar às populações traba-


mulheres desempenhavam tarefas de lhadoras das vilas e das áreas de minera-
alimentação e distribuição de gêneros de ção aquilo que importava ao seu consumo
primeira necessidade. O segundo tipo de imediato: toda sorte de secos (tecidos, arti-
influência deriva da transposição para o gos de armarinho, instrumentos de traba-
mundo colonial da divisão de papéis sexu- lho) e molhados (bebidas e comestíveis em
ais vigentes em Portugal, onde a legislação geral). As vendas eram quase sempre o lar
amparava de maneira incisiva a participa- de mulheres alforriadas ou escravas que
ção feminina. Às mulheres era reservado o nelas trabalhavam no trato com o público.
comércio de “doces, bolos, frutos, melaço, O destaque da presença feminina no
hortaliças, queijos, leite, marisco, alho, comércio concentrava-se nas mulheres que
polvilhos, hóstias, agulhas, alfinetes, eram chamadas de “negras de tabuleiro”.
roupas usadas. Dessa forma, conjugam-se Elas infernizaram autoridades de aquém e
dois padrões que irão atuar na definição do de além-mar. Todos os rios de tinta despe-
lugar das mulheres no Brasil. jados na legislação persecutória e punitiva
não foram capazes de diminuir seu ânimo
• em Minas Gerais e pelo Brasil afora.
Pintores como o bávaro Rugendas e o
francês Debret captaram em vários de seus •
desenhos e aquarelas nas viagens pelo “Negras de tabuleiro” foi a designação
Brasil da primeira metade do século 19 a que acompanhou pelo Brasil colonial aque-
presença das negras em torno de vendas, las mulheres dedicadas ao comércio ambu-
em atividades ambulantes ou sob tendas lante. Se aqui e ali há registros de que in-
onde vendiam gêneros de consumo. Seus comodavam as autoridades, seja porque
pequenos utensílios, a presença das crian- fugiam com facilidades às medidas fiscali-
ças, formas de convívio, modalidades de zadoras, seja porque sua conduta moral
produtos estariam evidenciadas nessa desagradava, foi nas Minas do século 18
iconografia da vida urbana de algumas que sua atuação alcançou dimensões mais
cidades brasileiras desse tempo. graves. (...) Este expressivo espaço da parti-
cipação feminina representou enormes
• inconvenientes diante dos poderes ordena-
As vendas se multiplicariam indiscrimi- dores da capitania. Sua mobilidade e a
nadamente pelo território. Estabelecimen- rapidez com que se multiplicavam como
tos comerciais dotados de grande mobili- opção de vida (uma vez que se exigiam

Mulheres, Trabalho e Vida • 49


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Te x t o 2 2 / História do trabalho feminino

Acervo Iconographia
para o negócio pouco capital e alguma cora-
gem) ameaçavam comprometer considera-
velmente os rendimentos da faina espera-
dos pela fazenda real e pelos proprietários
de minas.

(...)
A prostituição parece ter sido adotada
como prática complementar ao comércio
ambulante. No entanto, constituía atributo
das escravas, empurradas muitas vezes a
esse caminho pelos seus proprietários. Um
dos casos que se conhece aparece na denún-
cia feita pelo visitador episcopal contra Cata-
rina de Sousa, preta alforriada, acusada de
obrigar com castigo a suas escravas (...) que
lhe dêem jornal todos os dias de serviço e
domingos e dias santos dobrado jornal (...)
Se a prática do uso do sistema de jornais (o
escravo dispunha de relativa autonomia
para angariar rendimentos a serem pagos ao
seu senhor) regulando as relações entre
senhores e escravas pode sugerir uma situa-
ção mais amena, em se tratando das mulhe-
res escravas elas suportariam uma dupla
exploração: sexual e econômica. A escravi-
dão revelaria então uma de suas faces mais
perversas.

As “negras de tabuleiro” marcam a presença femi-


nina no pequeno comércio das vilas e cidades do
Brasil colonial. A distribuição de gêneros e alimen-
tos a varejo, feita por mulheres, tornou-se vital
para o abastecimento da zona mineradora. Extraído e adaptado do livro História das Mulheres no Brasil,
Editora Contexto, São Paulo, 2000.

50 • Mulheres, Trabalho e Vida


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Mulheres famosas
TEXTO
TEXTO23
XX

A LIFE FOR CHARITY


If we really want to love we must learn
how to forgive. (words by Mother Teresa)
Foto: Algiberto Lima / AE

S
he was born Agnes Gonxha Bojaxhiu the world, particularly those in India. Her
in 1910 in Skopie, Yugoslavia. Since selfless work with the needy brought her
her father was a co-owner of a cons- much acclaim and many awards, including
truction firm, her family lived comfortably the Nobel Peace Prize in 1979.
while she was growing up. In 1928 she Mother Teresa died of a heart attack
suddenly decided to become a nun and on September 5th, 1997.
traveled to Dublin, Ireland, to join the Extraído de www.ewtn.com/motherteresawords.htm
Sisters of Loreto, a religious order founded
in the 17th century. After studying at the
convent for less than a year, she left to
join the Loreto convent in the city of
Darjeeling in northeast India. On May GLOSSARY
24th, 1931, she took the name of Teresa Among. entre.
in honor of St. Teresa of Lisieux. Co-owner. segundo dono / sócio.
Dying. moribundo.
Mother Teresa is among the most
Highly. altamente.
well-known and highly respected women Latter. último, mais recente.
in the world in the latter half of the 20th Needy. necessitado.
century. In 1948 she founded a religious Nun. freira.
order of nuns in Calcutta, India, called Selfless. generoso, não egoísta.
Sick. doente.
the Missionaries of Charity. Through this
Suddenly. de repente.
order, she dedicated her life to helping Well-known. conhecido.
the poor, the sick, and the dying around

Mulheres, Trabalho e Vida • 51


24•CA05T25P4.qxd 12/13/06 3:13 PM Page 52

o que é ser mulher


TEXTO
TEXTO XX
24
XX

“ELLAS”
Nadie sabe cómo hacen con el tiempo
trabajan y trabajan
lavan planchan cosen barren limpian cocinan
bañan
peinan sacan piojos hacen camas buscan precios
Nancy Slupsky
amasan
educan llevan los chicos a la escuela van al
trueque,
buscan los chicos de la escuela, compran amasan
cocinan lavan planchan y
trabajan y trabajan
Ilustrações: Alcy

el día se convierte en noche sin parar de


trabajar.
Ellas sueñan con otro mundo para sus hijos
sueñan algo mejor
mucho mejor
sueñan
para ellos
y con ellos
No se quedan…
saben que el hambre no tiene espera
y salen
tímidamente porque creen que no saben que no
pueden
que no deben
con miedo
porque presienten que si les pasa algo nadie va a
poder hacer todo lo que hacen ellas
Ellas con los sueños escondidos
Ellas con las ganas apretadas
con los permisos contados
con las prisiones de los mandatos
Les han dicho que en la casa es donde deben
estar

52 • Mulheres, Trabalho e Vida


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Ilustrações: Alcy
pero nadie les ha regalado nada como para seguir
aguardando ahí sentadas
Mientras las panzas de sus hijos aúllan de
hambre
los sueños están
Pero hay que escarbarlos detrás de tanto
cotidiano
Primero el ahora
el ahora urgente
el ahora presente
y por eso salen
porque sus hijos les ponen alas
Motores
sus hijos impulsan las pocas fuerzas que el
escaso
alimento les socava.
Pero esas fuerzas se juntan
un sueño despierta al otro.
Salen a la calle
a reclamar
a decir presente
a marcar que no son fantasmas ni cifras ni seres
perdidos en lugares perdidos
a descubrir que valen y a aprender a gritarlo
a mostrar que la dignidad es una actitud de vida
Y salen
Y se juntan y se juntan
en los barrios en las calles en las rutas.
Y construyen…
esos sueños que tanto sueñan para ellas
Y para sus hijos.

Nancy Slupsky es poeta y activista argentina.

Mulheres, Trabalho e Vida • 53


25•CA05T28P5.qxd 12/13/06 3:14 PM Page 54

Conquistas femininas
TEXTO 25

Primeiro congresso feminista


realizado no Brasil, 1922.

UM POUCO DA HISTÓRIA DO
DIA INTERNACIONAL DA MULHER
Renato Pompeu lher para marcar um calendário de lutas.
Em 1911, em Nova York, dezoito dias de-
pois do Dia da Mulher, em março, houve
um grande incêndio numa conhecida in-

O
Dia Internacional da Mulher, come-
morado desde o início do século dústria têxtil, a Triangle Schirwaist Com-
XX, é uma data que remete a todo pany, cujo patrão, como era comum fazer
um período de lutas por melhores condi- à época, trancou a porta de saída à chave,
ções de trabalho, diminuição da jornada de o que num andar alto e num ambiente sem
trabalho, principalmente das trabalhadoras ventilação e com materiais inflamáveis, tor-
americanas, pelo direito à educação e ao nou-se fatal. Quando os bombeiros chega-
voto feminino. As trabalhadoras america- ram 147 operárias já haviam morrido. Após
nas vinham comemorando um Dia da Mu- essa tragédia a solidariedade entre as tra-

54 • Mulheres, Trabalho e Vida


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Comício feminista
realizado na Esplanada
do Castelo, RJ, em 1933.
Acervo Iconographia

balhadoras estreitou-se e suas


lutas deram origem às primei-
ras leis de proteção à vida e
aos direitos das trabalhadoras.
Mas, já em 1910, Clara
Zetkin, socialista alemã, pro-
pôs que o Dia da Mulher se
tornasse “uma jornada especi-
al, uma comemoração anual de
mulheres, seguindo o exemplo
das companheiras americanas”.
Sugeria ainda que o tema principal fosse a Depois das grandes guerras, na década
conquista do direito ao voto. Surge, então, de 1960, os movimentos de libertação das
o Dia Internacional da Mulher. A partir daí, mulheres em todo o mundo retomaram
as operárias européias e russas assumiram essas comemorações. No Brasil, em plena
essa data que, em 1914, foi comemorada ditadura, a partir dos anos 1970 o movi-
no dia 8 de março. Consolidando essa data, mento de mulheres ressurge colado às lutas
em 1917, no dia 23/02 no calendário pela democracia e em 1975, quando a ONU
gregoriano (ou 8 de março) as operárias organizou uma Conferência Mundial de
russas desencadearam uma greve geral, Mulheres, o movimento de mulheres reto-
cujas manifestações precipitaram a Revolu- ma as lutas coletivas mais abertamente.
ção Russa. Renato Pompeu é jornalista e escritor.

Calendário oficial
Em reconhecimento dessas lutas, o dia 8 de enfrentar as desigualdades de gênero, ou seja,
março foi instituído pela ONU, em 1977, como entre homens e mulheres, em diversas áreas, e
Dia Internacional da Mulher o que nos dá a elaborarem políticas públicas anti-discrimina-
oportunidade de fazer um balanço dos pro- tórias, além de promover ações para a conquis-
gressos e conquistas a respeito do lugar ocu- ta da cidadania plena das mulheres, melhoran-
pado pelas mulheres e dos obstáculos à sua do a qualidade de vida de todas e todos e
cidadania e levar o conjunto da sociedade e construindo uma sociedade mais justa.
dos governos a refletirem sobre as formas de

Mulheres, Trabalho e Vida • 55


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Desigualdade
TEXTO 26

FAZEM MAIS
E GANHAM MENOS

Ilustração: Alcy

56 • Mulheres, Trabalho e Vida


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A situação das mulheres


em mercados metropolitanos

A
conquista do espaço feminino no ainda que seja necessário desdobrar-se
mercado de trabalho fez com que as para conciliar ambas as atividades.
mulheres hoje representem uma par-
cela superior a 45% da população economi- Dificuldades iguais
camente ativa em cada uma das regiões pes- Homens e mulheres enfrentam, atual-
quisadas. Embora uma parte significativa mente, dificuldades para obter uma ocupa-
dos trabalhadores de ambos os sexos te- ção, tanto que as taxas de desemprego são
nham baixo nível de escolaridade, as elevadas para ambos. No entanto, embora
mulheres têm um perfil educacional mais ainda estejam em menor quantidade no
elevado que a parcela masculina e a propor- mercado de trabalho, as taxas de desem-
ção daquelas que concluíram o 2o grau ou prego feminino são sempre superiores às
alcançaram o ensino superior é maior que a registradas para os homens. Assim,
verificada entre os homens. enquanto entre as mulheres as taxas de
A presença da mulher no mercado de desemprego ultrapassam o patamar de
trabalho reproduz o padrão de incorpora- 18,2%, para os homens esse percentual cai
ção que se registra entre os homens. A para 12,3%. As peculiaridades de cada
mais intensa participação ocorre na faixa região determinam grandes diferenças
etária entre 25 e 39 anos, quando percen- entre o nível de desemprego de homens e
tuais que viriam entre 65% e 78% das mulheres: a taxa de desemprego feminino
mulheres estão ocupadas ou mostram chega a ser 48% superior à registrada entre
disponibilidade para trabalhar. Essa parti- os homens e, mesmo onde essa diferença
cipação demonstra que os papéis de mãe e se reduz, ainda é de 21%.
de principal responsável pelos afazeres Ao se combinar sexo e idade, verifi-
domésticos não têm sido impedimento ca-se que as maiores dificuldades para
para parcela significativa das mulheres, obtenção de um emprego ocorrem para

Mulheres, Trabalho e Vida • 57


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Te x t o 2 6 / Desigualdade

as mulheres jovens. Mais de 30% destas cílio, tais como serviços pessoais, educa-
mulheres, com idade entre 16 e 24 anos, ção, alimentação e saúde, que, juntos,
em todas as regiões analisadas, encontram- ocupam mais de 22% do total das mulhe-
se desempregadas. Entre os rapazes na res que trabalham nas diversas regiões
mesma faixa etária o patamar reduz-se metropolitanas estudadas. Além disso,
para 22,4%. No entanto, a mais intensa entre 16% e 21% do total das ocupadas
presença de homens e mulheres com idade nessas regiões estão diretamente ligadas
entre 25 e 39 anos na força de trabalho faz aos serviços domésticos, como emprega-
com que sejam maiores os diferenciais das mensalistas e diaristas.
entre as taxas de desemprego de ambos os
sexos para essa faixa etária, justamente a Terra dos homens
mais produtiva. Os empregos na indústria e na constru-
Maior nível de escolaridade costuma ção civil são essencialmente masculinos,
ser um fator que aumenta a possibilidade sendo insignificante o percentual das vagas
de obter um trabalho, tanto que as taxas de ocupadas pelas mulheres, em particular,
desemprego tendem a diminuir para ho- neste último setor. No setor industrial, a
mens e mulheres que têm mais anos de presença feminina é bem menor que a
estudo. No caso das mulheres, porém, a masculina e apenas no ramo têxtil – onde
importância desse fator precisa ser relativi- a presença da mulher é, historicamente,
zada, uma vez que o maior grau de instru- significativa – há relativamente mais mu-
ção do sexo feminino – as mulheres, em lheres que homens trabalhando. A partici-
todo o país, tendem a estudar mais que os pação da mulher no setor industrial,
homens – não implica menor taxa de de- porém, cresce e se diversifica na medida em
semprego que para os homens. Dessa for- que a indústria tem mais peso econômico
ma, as taxas de desemprego para as mulhe- para a região. Nesse caso, há inclusive
res com nível universitário são, no mínimo, redução das diferenças entre os gêneros.
30% superiores às dos homens com esse A absorção de trabalhadores de ambos
nível de instrução. os sexos é bem mais equilibrada no comér-
O mercado de trabalho, aparentemen- cio. A proporção de mulheres ocupadas
te, define determinadas funções como neste setor é, em geral, levemente menor
mais femininas. Assim, os postos de traba- que as respectivas parcelas observadas
lho ocupados pelas mulheres estão, em entre os homens, diminuindo essas diferen-
grande parte, relacionados às atividades ças naquelas regiões onde esse setor tem
antes desempenhadas no interior do domi- maior peso relativo.

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Linha de montagem de
Foto: Monica Zaratini / AE

fábrica de chuveiros.

não remunerado em negócio de parentes.


A atuação como empregadora, porém, é
uma alternativa bastante restrita para as
mulheres.
O detalhamento das formas de contra-
tação do trabalho assalariado mostra que a
concentração pelo setor público é muito
mais importante entre as mulheres que
entre os homens, embora o setor privado
seja o principal empregador para ambos os
sexos. A contratação com carteira assinada
representa a maior parcela dos assalaria-
dos de ambos os sexos nas empresas priva-
No que se refere à forma de relação das, ainda que exista uma proporção não
de trabalho, as mulheres, da mesma forma desprezível de homens e mulheres contra-
que os homens, trabalham, em sua maio- tados sem carteira, e portanto sem as
ria, como assalariadas. A proporção, po- garantias trabalhistas mínimas contempla-
rém, é menor. Apenas o emprego domés- das pela CLT. Essa forma de desproteção
tico é uma forma de relação de trabalho afeta mais relativamente o trabalhador
preenchida quase exclusivamente por assalariado do sexo masculino.
mulheres. Só na região metropolitana de Um outro aspecto importante, que
Recife o percentual de mulheres que evidencia as desigualdades entre gêneros,
trabalham no serviço doméstico é inferior são as ocupações exercidas como assala-
ao de autônomas, em geral a segunda riados por ambos os sexos. As mulheres e
forma de relação de trabalho mais encon- os homens assalariados exercem ocupa-
trada nas diferentes regiões metropolita- ções com diferentes níveis de qualificação
nas, quando não se leva em consideração e hierarquia, e a maior parte desses ocupa-
o sexo. Entre as mulheres também é rele- dos está em funções semiqualificadas na
vante – ao menos em parte das regiões execução, isto é, são trabalhadores direta-
pesquisadas – a participação do trabalho mente vinculados a atividades-fim da em-

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Te x t o 2 6 / Desigualdade
Foto: Fábio Motta / AE

Trabalhadoras
no Estaleiro
Barcas-Rodriquez,
em Niterói – RJ

presa, mas que exercem funções repetiti- acesso a postos de trabalho mais qualifica-
vas e de pouca complexidade. dos, ainda têm menores possibilidades de
As diferenças entre os gêneros se mani- ocupar posições hierarquicamente superio-
festam quando se levam em consideração res (direção e gerência), situação que
os diversos subgrupos de ocupações. Entre também é refletida na sua pouca expressão
as mulheres, o peso das ocupações qualifi- como empregadora.
cadas na execução das atividades de escri- As jornadas médias de trabalho, embo-
tório e serviços gerais, nas áreas de apoio, ra altas, são bem menores que as executa-
e das atividades de planejamento e organi- das pelos homens, tanto para o total de
zação, dentre as funções de direção e ocupados como entre os assalariados. Entre
planejamento, é maior que entre os home- estes últimos, porém, as distâncias entre o
ns. Para estes são relativamente mais reser- tempo de trabalho de homens e mulheres
vadas ocupações de direção e gerência, tendem a diminuir. As jornadas médias de
ocupações de execução semiqualificadas e trabalho das mulheres, em todas as re-
não-qualificadas, bem como atividades de giões, estão próximas a quarenta horas
apoio classificadas como não-operacionais. semanais e cerca de 30% das ocupadas e
Essas diferenças evidenciam que, se de de 20% a 32% das assalariadas trabalham
um lado as mulheres assalariadas têm tido mais que 44 horas por semana.

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MAIS POR MENOS

O
rendimento médio das trabalhado-
ras é, em todas as regiões analisa-
das, menor que o dos homens, quer
atuem como ocupadas, quer como assala-
riadas. Esse dado resulta das diferenças nas
características dos postos de trabalho
ocupados por ambos os sexos e de possíveis
discriminações de gênero na hora da fixa-
ção dos rendimentos.
Além de diferenças entre o desempre-
go, a ocupação e os rendimentos de homens
e mulheres, os dados evidenciam a desi-
gualdade existente no mercado de traba-

Ilustração: Alcy
lho das seis regiões pesquisadas. De manei-
ra sintética, os principais aspectos a serem
destacados são:

1 2
Os maiores diferenciais, entre ambos Quanto maior o peso das ocupações
os sexos, do acesso às ocupações industriais nos mercados metropolita-
segundo níveis de qualificação e nos, maiores são os percentuais de
hierarquia são verificados em São Paulo e mulheres ocupadas no setor, bem como
Porto Alegre, regiões onde o setor indus- mais diversificadas suas funções. Com isso,
trial e o trabalho assalariado no segmen- as diferenças entre gêneros se reduzem. Nos
to privado têm maior peso, enquanto as mercados de trabalho metropolitanos de
menores desigualdades estão em Recife e São Paulo e Porto Alegre, 15% das mulhe-
Salvador, onde o mercado de trabalho é res estão ocupadas na indústria, o que
menos diversificado. A situação do Distri- corresponde a, aproximadamente, 60% do
to Federal aproxima-se da registrada nas percentual de homens que trabalham no
duas primeiras regiões, mas em conse- setor. Já em Recife, Salvador e Distrito Fede-
qüência do peso do setor público; e Belo ral, essa proporção entre as mulheres cai
Horizonte registra pontos assemelhados para 2% a 6% e não chega nem à metade
aos encontrados em Salvador e Recife. do total de homens ocupados neste setor.

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Te x t o 2 6 / Desigualdade

3
A crescente precariedade dos postos dades das taxas de desemprego de homens
de trabalho é denominador comum a e mulheres, enquanto em Salvador e Belo
ambos os gêneros em todas as regiões Horizonte estão as menores diferenças. O
metropolitanas, da mesma forma que as Distrito Federal apresenta-se numa situa-
altas taxas de desemprego. Nos mercados ção intermediária.
menos estruturados (Recife e Salvador) são Os rendimentos também apresentam,
verificados os maiores percentuais de homens ao lado da disparidade encontrada entre os
e mulheres em postos de trabalho conside- dois sexos, acentuadas diferenças inter-
rados mais vulneráveis, e ocorrem as maio- regionais. Mulheres e homens, nas regiões
res diferenças entre os gêneros. Nessas duas metropolitanas de Recife e Salvador, têm
regiões, o patamar de mulheres em situa- rendimentos significativamente menores
ções vulneráveis está em torno de 50%, que os registrados para os trabalhadores de
enquanto entre os homens situa-se em 35%, São Paulo e do Distrito Federal.
o que representa uma diferença acima de

4
14 pontos percentuais. Nas regiões de Porto Finalmente, apesar das diferenças
Alegre e Distrito Federal, o patamar de indicadas por este estudo, fica claro
vulnerabilidade para cada sexo é bem que existem denominadores comuns
menor, bem como se reduz a diferença entre a ambos os gêneros, uma vez que,
eles. Entre as mulheres este patamar está enquanto força de trabalho, estão inseri-
em torno de 35% a 36%, e entre os homens dos em mercados marcados pela falta de
oportunidades de emprego, pela desestru-
vai de 24% a 27%. Para São Paulo e Belo
turação e pela crescente precariedade dos
Horizonte verifica-se uma situação interme-
postos de trabalho ocupados.
diária com proporções de 42% entre as
mulheres e de 30% para os homens.
Em Recife e Salvador, entre 25% e 30%
das mulheres estão desempregadas, en-
quanto para os homens estas taxas perma-
necem em torno de 18% e 25%. Nas de-
mais regiões, as taxas de desemprego das
mulheres, ainda que altas, caem para valo-
res entre 18% a 23%. Porto Alegre, Recife
Texto publicado no Boletim Dieese – Edição Especial Março/2006 –
e São Paulo registram as maiores desigual- A situação das mulheres em mercados de trabalho metropolitanos.

62 • Mulheres, Trabalho e Vida


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Trabalho no campo
TEXTO 27
Foto: Cláudio Facchini

MENSAGEM DA BAIXA VERDE


“Nós, mulheres do grupo Baixa Verde,
Queremos em nosso livro uma mensagem deixar.
Contar como vivem as mulheres da família Reca,
Lutando, trabalhando, os filhos educando, cozinhando e lavando,
No roçado plantando sementes e árvores,
Para que, onde uma mata morre, outra irá crescer.
Plantando o SAF para nos alimentar e também para vender
E, assim, podermos viver.
Preservar as matas para respirar um ar mais puro.
Sem falar nos remédios naturais que a mata nos oferece.
O cantar dos pássaros, o perfume das flores, esta tranqüilidade,
Tudo isso e muito mais que segura a gente longe do agito da cidade.
As mulheres do nosso Reca e as de todo o nosso Brasil lutam pelos direitos iguais.
Mulheres simples, de um coração bondoso,
de uma simplicidade no olhar, com mente administradora,
Mas que, por ser caipira, muitas vezes não consegue se expressar.”

Grupo Mulheres da Baixa Verde

Do livro Nosso Jeito de Caminhar – projeto RECA - 2003

Mulheres, Trabalho e Vida • 63


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Expediente
Comitê Gestor do Projeto
Timothy Denis Ireland (Secad – Diretor do Departamento da EJA)
Cláudia Veloso Torres Guimarães (Secad – Coordenadora Geral da EJA)
Francisco José Carvalho Mazzeu (Unitrabalho) – UNESP/Unitrabalho
Diogo Joel Demarco (Unitrabalho)

Coordenação do Projeto
Francisco José Carvalho Mazzeu (Coordenador Geral)
Diogo Joel Demarco (Coordenador Executivo)
Luna Kalil (Coordenadora de Produção)

Equipe de Apoio Técnico


Adan Luca Parisi
Adriana Cristina Schwengber
Andreas Santos de Almeida
Jacqueline Brizida
Kelly Markovic
Solange de Oliveira

Equipe Pedagógica
Cleide Lourdes da Silva Araújo
Douglas Aparecido de Campos
Eunice Rittmeister
Francisco José Carvalho Mazzeu
Maria Aparecida Mello
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Equipe de Consultores (Câmara Brasileira do Livro. SP, Brasil)
Ana Maria Roman – SP Mulher e trabalho / [coordenação do projeto
Antonia Terra de Calazans Fernandes – PUC-SP Francisco José Carvalho Mazzeu, Diogo Joel Demarco,
Armando Lírio de Souza – UFPA – PA Luna Kalil]. -- São Paulo : Unitrabalho-Fundação
Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho ;
Célia Regina Pereira do Nascimento – Unicamp – SP Brasília, DF : Ministério da Educação. SECAD-Secretraria de
Eloisa Helena Santos – UFMG – MG Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2007,
Eugenio Maria de França Ramos – UNESP Rio Claro – SP -- (Coleção Cadernos de EJA)

Giuliete Aymard Ramos Siqueira – SP Vários colaboradores.


Lia Vargas Tiriba – UFF – RJ Bibliografia.
ISBN 85-296-0061-4 (Unitrabalho)
Lucillo de Souza Junior – UFES – ES
ISBN 978-85-296-0061-1 (Unitrabalho)
Luiz Antônio Ferreira – PUC-SP
Maria Aparecida de Mello – UFSCar – SP 1. Livros-texto (Ensino Fundamental) 2. Mulheres -
Trabalho I. Mazzeu, Francisco José Carvalho.
Maria Conceição Almeida Vasconcelos – UFS – SP II. Demarco, Diogo Joel. III. Kalil, Luna. IV. Série.
Maria Márcia Murta – UNB – DF 07-0417 CDD-372.19
Maria Nezilda Culti – UEM – PR Índices para catálogo sistemático:
Ocsana Sonia Danylyk – UPF – RS 1. Ensino integrado : Livros-texto :
Osmar Sá Pontes Júnior – UFC – CE Ensino fundamental 372.19

Ricardo Alvarez – Fundação Santo André – SP


Rita de Cássia Pacheco Gonçalves – UDESC – SC
Selva Guimarães Fonseca – UFU – MG
Vera Cecilia Achatkin – PUC-SP

Equipe editorial
Preparação, edição e adaptação de texto: Pesquisa iconográfica e direitos autorais:
Editora Página Viva Companhia da Memória

Revisão: Fotografias não creditadas:


Ivana Alves Costa, Marilu Tassetto, iStockphoto.com
Mônica Rodrigues de Lima,
Apoio
Sandra Regina de Souza e Solange Scattolini
Editora Casa Amarela
Edição de arte, diagramação e projeto gráfico:
A+ Desenho Gráfico e Comunicação

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