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Aula 02 – JURISDIÇÃO

1. Acepções da palavra jurisdição:


a) como PODER – manifestação da soberania do Estado;
b) como FUNÇÃO – função de aplicar o direito ao caso concreto, de maneira definitiva;
c) como ATIVIDADE – é impossível imaginar o seu exercício mediante um só ato, razão
pela qual precisa do processo.
“Jurisdição é uma palavra que abrange diversos sentidos: poder, função e atividade.”

2. Equivalentes jurisdicionais.
Os equivalentes jurisdicionais se traduzem em formas de solução de conflito que não
são jurisdicionais. Vejamos.
a) ARBITRAGEM: no Brasil, prevalece que a arbitragem é jurisdição. Alguns
doutrinadores, porém, ainda a classificam como equivalente jurisdicional. E é
jurisdição, para a maioria, pelos seguintes motivos:

1º a sentença arbitral não pode ser revista pelo Poder Judiciário. Não se pode decidir
de novo. O Judiciário nem a homologa nem pode revê-la. Não existe recurso da
decisão do árbitro para o Judicário.

2º a sentença arbitral é título executivo judicial, sendo assim, com ele, já é possível
promover a execução.

No entanto, vai-se ao Judiciário para:


1) executar a decisão arbitral (o árbitro não pode executá-la);
2) caso seja necessária providências de urgência;
3) se, por defeito de validade, for necessário ANULAR a sentença arbitral: “ação
anulatória de decisão arbitral”.

Quem pode ser árbitro?


→ qualquer pessoa capaz pode ser árbitro.
Quem pode constituir a arbitragem?
→ qualquer pessoa capaz pode constituí-la.
Qual o seu objeto?
→ apenas os direitos disponíveis.

LEMBRE-SE !!! O árbitro é juiz de FATO e de DIREITO (inclusive para fins penais). A
investidura do árbitro na Jurisdição se dá por escolha dos litigantes. Não é o “curso de
arbitragem”, tão comum no Brasil, que torna alguém árbitro. É sempre pela escolha de
um terceiro capaz. O tal curso é absolutamente desnecessário.
As partes podem escolher o direito aplicável e, ainda, podem permitir que o árbitro
decida por eqüidade.

A arbitragem é opção que só pessoas capazes podem decidir, sendo inteiramente


constitucional. Para constituí-la, é necessário fazer a CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM,
que, por sua vez, possui duas espécies a saber:

1ª espécie: CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA → A Cláusula Compromissória é uma


convenção de arbitragem PRÉVIA, anterior ao conflito, e ABSTRATA:
“Se surgir um problema, nós queremos que seja resolvido por um árbitro”.

2ª espécie: COMPROMISSO ARBITRAL → O Compromisso Arbitral é sempre


POSTERIOR e CONCRETO: “Um determinado conflito surge e as partes decidem resolve-lo por
Compromisso Arbitral”.

ATENÇÃO! É possível fazer um Compromisso Arbitral sem que antes houvesse Cláusula
Compromissória. A existência de Compromisso Arbitral NÃO PODE ser conhecida de ofício
pelo juiz. A de Cláusula Compromissória, pode. Ver art. 301, §4º,CPC.

b) AUTOTUTELA: na autotutela, a solução sempre será egoísta. Um dos conflitantes


impõe a solução do conflito ao outro. Em regra, é vedada pelo ordenamento jurídico
brasileiro.

Casos de admissão:
1. o desforço imediato da posse;
2. a guerra;
3. a legítima defesa;
4. o poder da Administração de executar suas prórpias decisões.

c) AUTOCOMPOSIÇÃO: os próprios litigantes põem fim ao litígio, chegando a uma


solução. O ordenamento jurídico estimula a autocomposição dos litígios.
EUA → ADR “Alternative dispute resolution”, meio de solução alternativa do litígio. Pode ser:

1. Extrajudicial ou Judicial;
2. por transação ou por submissão voluntária.
Sendo por transação, as partes fazem concessões recíprocas. Quando por submissão
voluntária, uma das partes abdica de suas intenções, reconhecendo que a outra parte
tem razão, pondo fim ao conflito.

d) MEDIAÇÃO: é “filhote” da transação. Existe, até, um Projeto de Lei em trâmite no


Congresso Nacional para regulamentá-la. Na mediação, um tereceiro desinteressado,
envolve-se entre os conflitantes para AJUDA-LOS a resolver o conflito. Este terceiro
age como um agente de estímulo !

Dica Fredie Didier → “O terceiro está para a conciliação assim como as ENZIMAS está para a
REAÇÂO QUÍMICA”.

3. Escopos da Jurisdição.

a) fim jurídico:
• “aplicar o direito ao caso concreto”;
• “tutelar direitos”.
Formas:
- certificando direitos → processo de conhecimento;
- protegendo direitos → processo cautelar;
- efetivando direitos → processo de execução;
- integrando direitos → jurisdição voluntária.

b) fim social:
• a jurisdição TEM de pacificar conflitos;
• o conflito PRECISA ser resolvido.

c) fim político:

• formas:
1ª: pela jurisdição, o Estado reafirma a sua soberania. E, ao reafirmá-la, o
Estado está cumprindo um fim político;
2ª: pela jurisdição, permite-se a participação da sociedade civil no exercício de um
poder. Pode ser, assim ,um instrumento de participação política da sociedade civil.
Exerce-se o “controle de políticas públicas”. Ex.: Ação Civil Pública proposta por
associações e a Ação Popular.
3ª: pelo controle de constitucionalidade. Quando o Poder Judiciário exerce o controle
constitucional, está, em verdade, controlando outro Poder: A jurisdição constitucional é
o elo, ficando a Constituição Federal no limbo entre o sistema político e o sistema jurídico.
4ª: a tutela das liberdades públicas, os direitos fundamentais. Quando se tutelam os direitos
fundamentais está se reafirmando os VALORES MÍNIMOS que aquela sociedade
escolheu. Valores básicos, indispensáveis, sobre os quais a sociedade se ergue. É a
opção política daquela sociedade.
4. Características da Jurisdição.

1ª “Substitutividade”: o Estado-juiz se coloca entre os litigantes e impõe a sua vontade


para substituir a vontade deles. Característica desenvolvida na doutrina por G.
Chiovenda.
SISTEMA
POLÍTICO
SISTEMA
JURÍDICO
CF

2ª “Definitividade”: é a aptidão de fazer coisa julgada. A jurisdição é a única das funções


estatais que pode ficar imune à discussão. É a decisão estatal que se torna indiscutível.
Ora, uma lei pode ser revista, um ato administrativo também. As decisões do Poder
Judiciário são dele – apenas. “SÓ A JURISDIÇÃO GERA COISA JULGADA”

3ª “Imparcialidade”: a jurisdição é exercida por um terceiro desinteressado no litígio. A


imparcialidade do juiz é decorrência do princípio do juiz natural.Existem 02 (dois) graus de
parcialidade: impedimento e suspeição. No impedimento, a parcialidade é presumida de
forma ABSOLUTA. Na suspeição, a parcialidade é presumida de forma RELATIVA.
Dica de Fredie: Não confunda “imparcialidade” com “neutralidade”. Neutro, só o
detergente químico. Gente não pode ser neutra. Lembre-se das palavras de Terêncio:
“Nada do que é humano me é estranho”.

4ª “Monopólio do Estado”: a existência de arbitragem já demonstra que o “monopólio” não


existe. Só é válida esta característica para quem afirma que a arbitragem não é
jurisdição.

5ª “Lide”: é o conflito de interesses, de pretensões. “Só há jurisdição quando houver


lide” (F. Carnelutti). Essa característica não explica as ações preventivas anteriores à
lide. Não explica o processo objetivo (ADI, ADPF, ADC). Também não explica a
jurisdição voluntária.

6ª “Unidade”: a Jurisdição é UMA. Cada Estado tem a sua jurisdição, a sua SOBERANIA.
Embora única, pode ser divisível.

7ª “ Inércia”: a Jurisdição, em regra, precisa ser provocada. No entanto, verifica-se que o


juiz tem uma série de poderes que pode exercer sem provocação alguma. Ver, por
exemplo, o art. 114, inciso VIII, da CF/88.

5. Princípios da Jurisdição.
I. Da investidura.
A jurisdição só pode ser exercida por quem foi devidamente investido na função
jurisdicional.

II. Da inafastabilidade.
- XXXV, art. 5º, CF/88, tutela efetiva e preventiva;
- direito de acesso ao Judiciário;
- com exceção das matérias que a CF reservou ao Senado, qualquer outra alegação
pode ser levada ao Poder Judiciário para a sua apreciação.
LEMBRE-SE: o devido processo legal controla os abusos do poder, mesmo na
discricionariedade administrativa. Sobre a matéria ver no site do STF, www.stf.gov.br,
em “bingos”, a posição do Min. Celso de Melo em seu voto como relator no julgamento
do Mand. de Segurança.

Exceção: as questões desportivas.


→ de maneira indevida, a lei de Habeas Data exige o esgotamento da via administrativa.
O STJ, contraditoriamente, entendeu que a lei é constitucional.

III. Do juiz natural.


Princípio corolário do Devido Processo Legal.
- art. 5º, XXXVII e LII, CF/88;
- Juiz competente: critérios GERAIS, PRÉVIOS, ABSTRATOS e IMPESSOAIS;
- Juiz imparcial;
- vedação ao juiz “ad hoc”;
- vedação ao Poder de Comissão (poder que o rei tinha de determinar que ‘comissário’
julgasse tal causa) e ao Poder de Avocação (alterava, ao mero talante, as regras de
competência).
→ as regras de competência são INDISPONÍVEIS !

IV. Da indelegabilidade.
A jurisdição não pode ser delegada. Mitigação ao princípio: art. 102, I, “m”, CF/88.

V. Da inevitabilidade.
Não há como a pessoa escapar da jurisdição. A submissão é inevitável. A jurisdição é
poder !

VI. Da territorialidade.
Sempre há um limite territorial para o exercício da jurisdição. atente-se ao caso de
extraterritorialidade do art. 107 do CPC.
LEIA: art. 16 da lei n. 7.347/85 (Ação Civil Pública) e verifique o absurdo cometido
pelo legislador, que confundiu “competência” com “jurisdição”.

6. Jurisdição Voluntária.
6.1. Características INCONFUNDÍVEIS da jurisdição voluntária.

1. Integrativa e fiscalizadora → “para integrar, deve o juiz-Estado fiscalizar”;

2. Necessária → em regra, é necessária. Exceção: pedir homologação de acordo em juízo;

3. Constitutiva → é basicamente constitutiva, gerando situações jurídicas novas;

4. incidem todos os princípios da jurisdição contenciosa. Lembre-se: “os interessados têm que ser citados
para se manifestar em 10 dias”.

5. o juiz decide por sentença que é apelável;

6. divide-se em proc. comum (art. 1,103 a 1.112 do CPC) e em proc. especiais;

7. Inquisitoriedade → é o que prevalece, tendo o juiz pleno poderes - art. 1.109 do CPC
(proporcionalidade);

8. Intervenção do MP→ art. 1.105 do CPC (apesar da redação do artigo, o Ministério


Público não intervém sempre: só haverá intervenção do MP se direitos indisponíveis
estiverem sendo discutidos). Sobre a matéria, ver o que decidiu o STJ, 4ª T, no REsp n.
4.6770-RJ, publicado no DJ de 17.03.1997, p. 7.505.
Ministério Público e jurisdição voluntária.
STJ, 4a T., RESP 46770-RJ, DJ de 17/03/1997, p. 7505, rel. Min. SÁLVIO DE
FIGUEIREDO TEIXEIRA: “PROCESSO CIVIL – PROCEDIMENTOS ESPECIAIS DE
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. EXTINÇÃO DE CONDOMINIO PELA VENDA DE COISAS
COMUNS. NÃO OBRIGATORIEDADE DA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART.
1.105, CPC. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA COM O ART. 82, CPC.
PRECEDENTE DA TURMA. RECURSO PROVIDO”.

6.2. Natureza jurídica da Jurisdição Voluntária.

1. Para uma corrente, a atividade de jurisdição voluntária tem natureza de atividade


administrativa. “Administração pública de interesses privados” – essa concepção é majoritária.
Defendem assim que:
a) na jurisdição voluntária não há lide e, se não há lide, não é jurisdição. É mera
atividade administrativa;
b) não existe ação, só requerimento;
c) ora, se não há ação nem jurisdição, não há processo, só procedimento;
d) só há interessados;
e) não há coisa julgada, só preclusão.

2. Para outra corrente, a jurisdição voluntária é jurisdição. E sendo assim:

a) a alegação de lide é desnecessária. Não é preciso haver dedução de lide. Mas ela
pode existir. Exemplo: a interdição, que é jurisdição voluntária e pode, sim, haver
lide. Além disto, mesmo quem defende que a Jurisdição Voluntária é meramente
atividade administrativa, não se pode afirmar que não existe processo,
afinal,não existe o processo administrativo ?

b) a sentença é indiscutível, gerando “coisa julgada”, sim. Ver: art. 1.111 –CPC.
Qualquer sentença pode ser alterada por fatos supervenientes. Afinal, toda sentença
nasce de uma cláusula “rebus sic stantibus”. Este artigo confirma que há coisa
julgada na jurisdição voluntária, apesar da doutrina majoritária entender
diversamente.

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