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Xamanismo

Entre os Asurini, os rituais xamanísticos, conhecidos como "pajelança", realizam-se


com muita freqüência, mobilizando todo grupo. A maioria dos homens participa como
pajé nestes rituais, auxiliados pelos assistentes e pelas cantadoras, encarregadas também
de preparar o mingau ritual. A "pajelança" compreende dois tipos de rituais: o maraká
(canto e dança) e o petymwo (massagem e defumações), executados para invocar os
espíritos com os quais os xamãs entram em contato, assim como para tirar a causa da
doença do corpo do paciente e lhe transmitir o "remédio" (muynga) que recebem, então,
através do estado de transe (rituais terapêuticos). Nesses rituais, o "xamã" passa também
para o paciente e as crianças da aldeia o ynga, algo como "força vital", traduzido em
asurini como "coração", isto é, o que bate, que tem vida. O maraká é realizado também
como o ritual propiciatório para espíritos identificados como animais da floresta, como
porco-do-mato (ta(*z)aho) e veado (arapoá).

Os xamãs entram em contato com espíritos que se enquadram em categorias de seres


que podem ser chamados de "espíritos guardiões", subdivididos em espécies que
compreendem indivíduos identificados por nomes próprios. Esses seres, que
reproduzem o mundo dos humanos, habitam certas regiões do cosmo. Eles são
intermediários entre os xamãs e outra categoria de seres não identificados
individualmente e que não entram em contato direto com os xamãs, podendo ser
chamados de "categoria única".

Os espíritos guardiões fazem mediação entre os xamãs e as categorias únicas, e os


xamãs entre os espíritos e os homens. De acordo com a hierarquia existente entre seres
que povoam o cosmo asurini, os humanos estão subordinados às criaturas classificadas
como categorias únicas e que ficam num plano superior, assim como as anhynga, que
ficam num plano inferior e que convivem com os Asurini, podendo prejudicá-los, pois
representam forças negativas, como a alma dos mortos.

Como os xamãs, os espíritos guardiões são intermediários entre homens e as categorias


únicas e auxiliam seus colegas humanos a combaterem os males dos anhynga. Para
tornar-se familiar aos espíritos e participar de seu mundo, o xamã asurini passa por uma
iniciação, isto é, um treinamento para obter e controlar, através do exercício da dança e
da aspiração da fumaça do tabaco, o estado de transe, interpretado como "morte" do
pajé, pelos ataques do espírito. Para suportar estes ataques, o pajé manipula substâncias
(ka´a) que entram em seu corpo. O treinamento do xamã consiste em "tomá-las" do
espírito em questão. Deve aprender também a manejar certos instrumentos, como
apitos, que fazem o som dos espíritos e têm procedência sobrenatural.

A outra interpretação da doença, esta mais comum, é o resultado da ação dos espíritos
frente à transgressão de prescrições relacionadas ao sobrenatural, por exemplo, falar o
nome dos espíritos Karowara próximo aos rios e igarapés, ou ter contato com anhynga.
A doença também pode ser entendida como manifestação da predisposição de um
indivíduo a se tornar xamã. Do ponto de vista da medicina ocidental, os casos tratados
pelos xamã são de gripe, malária, tuberculose etc.

Além dos rituais realizados para a saúde dos habitantes da aldeia, os xamãs executam
rituais propiciatórios para garantir a subsistência, como o Tazaho (porco-do-mato) para
atrair e localizar, na mata, os bandos desse animal. Outro ritual propiciatório, realizado
em conjunto com o do porco-do-mato, é o do Arapoá (veado) que lembra o mito no qual
se conta a doação por esse animal dos produtos da roça à mulher, numa época em que o
Asurini não os conheciam.

Aos rituais terapêuticos e propiciatórios somam-se ainda os dedicados aos recém-


nascidos e os rituais xamanísticos do Toré (complexo cerimonial das flautas), nos quais
se invoca espíritos como Tau e Kawara. O xamã asurini é a figura central no
desempenho da vida social do grupo. Seu livre trânsito pelos diversos domínios do
cosmo lhe permite o controle de forças que asseguram a resistência da sociedade. Com
o contato e suas conseqüências depopulativas, ter-se-ia desenvolvido de maneira
exacerbada a tendência de enfatizar-se o xamanismo, latente entre os Asurini e
recorrente entre os demais grupos Tupi-Guarani

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