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A aplicação da pena é, certamente, a parte da sentença penal condenatória mais

corrigida pelos Tribunais, por ocasião dos julgamentos recursais. Esse fato se deve,
basicamente, à inobservância – ou ao desconhecimento – de critérios limitadores e
garantistas, previstos, principalmente, pela Constituição Federal. São inúmeros os casos
em que o decreto condenatório apresenta erros na dosimetria da pena. O maior
prejudicado é sempre o condenado: os erros dosimétricos na decisão penal significam,
em regra, acréscimo em anos de cumprimento de pena. Esse plus não só aumenta a
justa quantidade de pena que deveria ser aplicada, mas, ainda, pode vir a impossibilitar:
a fixação de regime prisional menos gravoso; a substituição, prevista no artigo 44, do
Código Penal; a concessão de suspensão condicional da pena; ou, até mesmo, a extinção
da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva estatal. Na execução da pena
exageradamente aplicada, maior também será seu tempo de cumprimento efetivo, para a
obtenção de progressão de regime, de livramento condicional, de comutação.

A maior concentração de erros, neste tocante, ocorre na primeira etapa do


sistema dosimétrico, onde o Juiz prolator da condenação deve analisar,
criteriosamente, cada uma das oito circunstâncias judiciais constantes do artigo 59 do
Código Penal, individualizando-a para cada réu e para cada infração penal
praticada.Visando a indicar um critério justo de análise dessas circunstâncias judiciais,
que possibilite ao acadêmico e ao profissional do Direito conhecer os limites dessa
valoração, de forma prática e objetiva, tendo como norte os princípios constitucionais,
apresenta-se o presente escrito, sem, contudo, objetivar-se o exaurimento do assunto.

É bem verdade que a lei traz, expressamente, os passos para calcular a


reprimenda. Contudo, fica a critério do magistrado estabelecer os critérios de valoração
dessas diretrizes. Essa subjetividade que possui o julgador, no momento do cálculo da
pena, poderia até converter-se em arbitrariedade, se não houvesse parâmetros de
interpretação e aplicação da lei. Felizmente, a Constituição Federal não se omitiu de
trazê-los.

Do Sistema Trifásico

A aplicação da pena pelo Juiz ocorre, conforme determina o art. 68, do Código Penal (a
partir de sua reforma, em 1984), em três etapas.

Na primeira delas, avaliam-se as circunstâncias chamadas "judiciais", constantes do


caput, do artigo 59, do Código Penal: culpabilidade, antecedentes, conduta social e
personalidade do sentenciado; motivos, circunstâncias e conseqüências da infração
penal; e, ainda, comportamento da vítima. Fixa-se, assim, com alicerce nessa
apreciação, a pena-base, que servirá de ponto de partida para a próxima fase.

Por ocasião da segunda etapa, o Juiz aumenta ou diminui a pena-base, conforme exista,
in casu, alguma(s) circunstância(s) agravante(s), prevista(s) nos artigos 61 e 62 do
Código Penal, ou atenuante(s), prenunciada(s) nos artigos 65 e 66 do mesmo codex,
chegando, dessa forma, a uma pena provisória.

Finalmente, na terceira fase dosimétrica, partindo o Magistrado dessa pena provisória,


aumenta-a ou a diminui, de acordo com a constatação da ocorrência de causa(s)
especial(is) de aumento ou de diminuição da pena, previstas em diversos dispositivos da
Parte Geral do Código Penal, e, ainda, nos próprios tipos penais. Determina, assim, a
pena definitiva a ser cumprida pelo condenado.

Levando-se em conta que, no caso concreto, pode não haver circunstâncias agravantes
ou atenuantes, nem causas especiais de aumento ou de diminuição; mas, que, em todas
as sentenças penais condenatórias, sem exceções, haverá que se analisar cada uma
das oito circunstâncias judiciais (sob pena de nulidade da decisão), urge estabelecer
quais os melhores critérios para examiná-las e, por conseguinte, obter-se a pena-base da
forma mais justa possível.

Da Fixação da Pena-Base

Constam expressamente do artigo 59 do CP (ao qual remete o artigo 68, caput, do


mesmo diploma legal) as diretrizes para a fixação da chamada pena-base: "O Juiz,
atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do
agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao
comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para
reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a
quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;…"

Assim, verificando o julgador que as circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP são


todas favoráveis ao agente, deve fixar a pena-base no mínimo legal, já que o próprio
dispositivo em comento, em seu inciso II, enfatiza os limites da pena-base, dentro dos
parâmetros legais. Dessa forma, à cada circunstância judicial valorada
desfavoravelmente ao condenado, o magistrado acrescenta um quantum ao mínimo
cominado no tipo penal, sem extrapolar, jamais, a pena máxima prevista para a infração.

A questão que se pretende solucionar é: quais critérios pode (e quais não pode) o Juiz
utilizar para bem valorar uma circunstância judicial como desfavorável ou favorável ao
agente, no caso concreto? É o que se busca, no presente trabalho, sem divagações
históricas, responder nas próximas publicações, com fundamento em doutrina e
jurisprudência; e, sempre, sob a ótica constitucional.

Da culpabilidade do sentenciado

A culpabilidade aparece no Direito Penal brasileiro como limitador à responsabilização


criminal. Somente será censurado o indivíduo que praticar um injusto penal, possuindo
a capacidade – ainda que genérica – de querer e de entender e a possibilidade de, nas
circunstâncias do momento, agir de outra forma (lícita). Mais do que isso: a pena a ele
aplicada ficará limitada ao grau de sua culpabilidade.

Assim, em um primeiro momento, depara-se o magistrado criminal com a verificação da


ocorrência dos elementos da culpabilidade, para concluir se houve ou não prática
delitiva. Após, quando da dosimetria da pena, necessita, mais uma vez, recorrer ao
exame da culpabilidade, agora, como circunstância judicial. Dessa vez, a análise da
culpabilidade exige maior esforço do julgador: não se trata mais de um estudo de
constatação (haja vista já ter restado evidente, in casu, a sua presença) e, sim, de um
exame de valoração, de graduação.

Portanto, deve o juiz, nessa oportunidade, dimensionar a culpabilidade pelo grau de


intensidade da reprovação penal, expondo sempre os fundamentos que lhe formaram
o convencimento.1

A graduação da reprovação da conduta sancionada pode auferir-se a partir de dois dos


elementos da culpabilidade: o potencial conhecimento da ilicitude e a exigibilidade
de conduta diversa. Exclui-se a análise do grau de imputabilidade, pois, quando
reduzido, implicará a incidência de causa de diminuição da pena (art. 26, parágrafo
único, do Código Penal), cujo cômputo dar-se-á na terceira etapa da dosimetria.

Já, quanto à análise da consciência ou do potencial conhecimento da ilicitude, impende


destacar a ressalva de que, se o agente estiver prejudicado por um erro de proibição
evitável (artigo 21, in fine, do Código Penal), este será sopesado somente na terceira
etapa dosimétrica por constituir causa de diminuição.2 Nos demais casos, pode-se
avaliar o grau de maior ou menor consciência ou potencial conhecimento do ilícito pelo
agente, no caso concreto.

Ademais, o magistrado, na valoração da culpabilidade, deve dispensar especial atenção


à verificação do maior ou menor grau de exigibilidade de outra conduta, considerando,
neste tocante, as características pessoais do agente dentro do exato contexto de
circunstâncias fáticas em que o crime ocorreu. Este é, sem dúvida, o melhor critério
de exame da intensidade de reprovação do crime3. Quanto mais exigível a conduta
diversa, maior é a reprovação do agir do sentenciado.

Para alguns, a apreciação da "intensidade do dolo" ou do "grau de culpa", expressões


utilizadas na redação antiga da lei, seria plenamente cabível por constituírem ambos
indicativos da censurabilidade da conduta sancionada4.

Existe, ainda, o entendimento de que a culpabilidade não é critério para medir o juízo
de reprovação e, sim, é o próprio juízo de reprovação. Defensor dessa corrente, o
Professor Juarez Cirino dos Santos5, percebe que: "a inclusão da culpabilidade como
elemento de orientação na formulação do juízo de reprovação (medido pela pena)
representa uma impropriedade metodológica: constitui a conclusão do processo
analítico fundado na metodologia jurídica do crime"

O magistrado paranaense Gilberto Ferreira 6 reforça essa opinião, afirmando que o


legislador deveria ter estabelecido que, para se determinar o grau de culpabilidade,
examinar-se-iam os antecedentes, conduta social e personalidade do agente; os motivos,
circunstâncias e conseqüências do crime e o comportamento da vítima, deixando que
tais elementos indicassem o quanto mais ou menos culpável seria o agente.

Cezar Bitencourt7 alerta para o grave e bastante freqüente desacerto dos magistrados ao
analisarem a circunstância judicial da culpabilidade afirmando que: "o agente agiu com
culpabilidade, pois tinha a consciência da ilicitude do que fazia". Ora, se o agente não
tivesse agido com culpabilidade não teria sido condenado; ou, da mesma forma, se não
tivesse a consciência da ilicitude do que fazia. É errado, portanto, na dosimetria da
pena, repetir-se o juízo de constatação da culpabilidade e de seus elementos. De
igual forma, não se pode fundamentar o exame da culpabilidade na alegação de que o
acusado tenha agido de forma livre e consciente, pois: "o fato de o acusado ter agido
livre e conscientemente não pode fundamentar a exasperação da pena-base, pois, se a
ação não fosse consciente e deliberada, inexistiria dolo".8

Cumpre relevar, ainda, que o exame da graduação da culpabilidade é trabalho


complexo, sendo, por conseguinte, inadmissíveis "as afirmações monossilábicas que
encontramos em algumas sentenças, do tipo ‘a culpabilidade é mínima’, ou ‘grave’,
‘intensa’, etc".9

Cabe registrar, também, a proibição ao Juiz de que avalie a culpabilidade como


desfavorável com o(s) mesmo(s) fundamento(s) que alicerçará a análise negativa de
outra(s) das sete circunstâncias seguintes. Tal incidência caracterizaria, sem dúvida,
violação ao princípio "non bis in idem", que proíbe a consideração de uma mesma
situação, por mais de uma vez, para o agravamento da pena que está sendo aplicada.

De igual modo, é vedado ao juiz que considere, na valoração da culpabilidade (e das


demais circunstâncias judiciais) fatores que constituam ou qualifiquem o crime, ou,
ainda, que caracterizem circunstância agravante ou causa especial de aumento de pena
(a serem sopesadas nas etapas subseqüentes).

Assim sendo, não pode ser considerado elevado o grau de culpabilidade, por exemplo,
no delito de estelionato, pelo fato de "o agente ter agido de má-fé, sem importar-se com
seu semelhante que sofreu o prejuízo", porque a má-fé do agente e o prejuízo (e a
indiferença para com a vítima, por conseguinte) são circunstâncias que já constituem o
próprio delito e que, portanto, já estão devidamente "sancionadas" pela pena abstrata,
ainda que no mínimo legal.

Às vezes, a circunstância que se quer analisar não está expressa de forma "escancarada"
no tipo penal. É preciso, neste tocante, fazer uma interpretação mais apurada do
tipo e de suas freqüentes circunstâncias, para não incorrer em erro. Dessa forma,
em se tratando da prática de crime de omissão de recolhimento de contribuições
previdenciárias: "a condição de empresário revelada pelo acusado não pode acentuar a
sua culpabilidade, exigindo-lhe maior consciência da ilicitude de sua conduta e
fundamentando a exasperação da pena-base, tendo em vista que, no crime em exame, a
responsabilidade normalmente recai sobre empresários. Nem mesmo o fato de
centralizar as decisões da empresa pode ser considerada desfavorável, pois consiste em
pressuposto para o reconhecimento da própria autoria delitiva".10

No mesmo entendimento equivocado encontram-se os que fundamentam a


culpabilidade como "elevada" ao agente, em razão da "reiteração criminosa", quando, a
seguir, aumentam a pena pela continuidade delitiva (art. 71, do CP). Esquecem-se de
que "os atos delituosos de prolongarem no tempo, configurando a continuidade
delitiva, não podem ser considerados também nas circunstâncias do art. 59, sob pena
de incidir-se em ‘bis in idem’".11 Nesses casos, só se deve considerar o aumento do art.
71 do CP, pois "a continuação dimensiona a reiteração"12.
Dos antecedentes do condenado

No que tange à circunstância judicial que perquire a vita anteacta do sentenciado,


cumpre verificar, preliminarmente, que a doutrina e a jurisprudência divergem quanto às
situações que podem ser consideradas como "maus antecedentes". Contudo, é preciso
lembrar que "a pena há de ter critérios e limites para a sua aplicação, em respeito
mesmo à dignidade da pessoa humana" 13 e que, portanto, a valoração das circunstâncias
judiciais não deve fugir à regra de que as leis, sobretudo as penais, devem ser
interpretadas sob o prisma das garantias individuais asseguradas pela Carta Magna.

Inicialmente, há que se considerar que somente fatos anteriores14 à prática do delito


que se está punindo podem caracterizar antecedentes, pois os demais configurariam
impuníveis "conseqüentes". Superada esta questão, impende registrar que, por
"antecedentes", devem entender-se apenas os judiciais. Caso exista, nos autos, notícia
de antecedentes "desabonadores" que digam respeito à vida privada do condenado,
poderá ela, quando pertinente, ser sopesada na análise da "conduta social15", ou, talvez,
da "personalidade" do apenado; porém, nunca, dos antecedentes. Apesar disso, há os
que confundem as circunstâncias, conforme alertam Salo de Carvalho16 e Fragoso17.

Não se pode sopesar, por ocasião da análise dos antecedentes, a condição de reincidente
do sentenciado. Como é cediço, a reincidência deve ser sopesada na segunda etapa
dosimétrica, por constituir circunstância agravante (art. 61, I, do CP). O Código de
Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná alerta para esta distinção,
verbis:"A reincidência não deve ser considerada na análise dos antecedentes do
condenado na fase de individualização da pena, mas tão-somente como agravante." 18

Será reincidente aquele que, na data em que praticou o crime que se está julgando, já
possuía condenação definitiva (transitada em julgado) por outro crime anterior (art.63,
do CP). Todos aqueles em situação diversa desta podem ser considerados não
reincidentes. Também serão não reincidentes aqueles que possuírem, na data do
delito, condenação definitiva por crime militar próprio ou politico (art. 64, II, do CP) e
aqueles em que decorreu lapso de tempo superior a cinco anos entre a data do
cumprimento ou extinção da pena e a infração que se está julgando (em razão do
período qüinqüenal depurador da reincidência, art. 64, I, do CP).

Já sabendo que se excluem do conceito: os "antecedentes" não judiciais, os fatos


subseqüentes ao delito e a condição de reincidente, cabe, agora, descobrir a quem se
pode chamar "possuidor de maus antecedentes". Recorre-se, para tanto, ao processo de
eliminação de possibilidades ensinado por Maria Fernanda Podval19, acrescentando-se,
a ele, ainda, outras hipóteses de exclusão ao conceito.

Com muita propriedade, a autora percebe que, em respeito ao princípio constitucional


da presunção de inocência20, não se podem considerar como maus antecedentes: a mera
instauração de inquérito policial, nem a existência de ações penais em andamento, nem
mesmo quando há sentença penal condenatória que ainda não transitou em julgado.

Esse entendimento, contudo, não é pacífico nos Tribunais, o que constitui fato
lamentável. Se a própria Carta Magna estabelece que ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, não pode o juiz, aumentar a
pena de alguém com base na existência de uma ação penal que ainda não se concluiu,
sob pena de um cidadão cumprir tempo maior de pena pela simples possibilidade de
condenação (que também representa possibilidade de absolvição), em outro processo.
Mais do que irracional, esse posicionamento é inconstitucional, violador das garantias
individuais do cidadão. É realmente triste constatar que, mesmo o Supremo Tribunal
Federal, guardião da Constituição Federal, tem violado esta garantia na maioria dos
julgamentos que envolvem o tema, restando expresso, em alguns deles, sem qualquer
pudor, o verdadeiro desprezo à Lei Maior, como no caso do RHC nº 80.071/RS, em que
constou do voto do Min. Maurício Corrêa que "pouco importa se se cumpriu o inciso
LVII do artigo 5º da Constituição, ou não, quer dizer, aguardar-se o trânsito em
julgado da decisão para que se levassem em conta os maus antecedentes" 21. A ordem
para reformar a pena, naquela ocasião, só foi concedida, por empate, constando do
brilhante voto do Min. Celso de Mello que:"o ato judicial de fixação da pena não
poderá emprestar relevo jurídico-legal a circunstancias que meramente evidenciem
haver sido, o réu, submetido a procedimento penal-persecutório, sem que deste haja
resultado, com definitivo trânsito em julgado, qualquer condenação de índole penal
(…) Tolerar-se o contrário implicaria admitir grave e inaceitável lesão ao princípio
constitucional que consagra a presunção juris tantum de não-culpabilidade dos réus ou
dos indiciados".

Não podem, ainda, ser consideradas como maus antecedentes as condenações anteriores
por crimes militares próprios e por crimes políticos, porque a lei as exclui do conceito
de reincidência, e não o fez por acaso. As excluiu ora porque puniam condutas
administrativas, ora porque a motivação do agente o diferenciava do criminoso comum.

Não caracterizam, ainda, maus antecedentes os fatos ocorridos antes da maioridade


penal do condenado22, por não poderem, graças à anterior inimputabilidade do agente,
constituir qualquer gravame na culpabilidade. Exacerbar a pena por fatos praticados
quando o agente estava fora do alcance da norma penal contraria a lógica e o bom
senso23.

Também não se consideram maus antecedentes as condenações cuja pena foi cumprida
ou extinta há mais de cinco anos da prática delitiva, decorrendo essa proibição, por
lógica24, do prazo qüinqüenal depurador da reincidência, previsto no artigo 64, inciso I
do Código Penal, garantidor de que o cidadão não será eternamente discriminado. A
jurisprudência, no entanto, diverge: ora está neste sentido25, ora contra26.

Ainda, excluem-se dos maus antecedentes: as propostas aceitas de suspensão


condicional do processo27 e de transação penal e, ainda, os acordos civis extintivos da
punibilidade, pois todas essas medidas trazidas pela Lei nº 9099/95 não possuem
natureza condenatória nem há, nelas, qualquer admissão de culpa pelo "beneficiado".

Finalmente, ao contrário do que prega parte da jurisprudência28, a ocorrência da


prescrição da pretensão punitiva do Estado, em outra ação penal, não pode gerar
antecedentes29, por respeito também ao princípio da presunção de inocência, já que,
tanto quando ocorre a prescrição pela pena em abstrato, quanto pela pena em concreto,
resta prejudicada a análise do mérito (pelo Juízo sentenciante ou pelo Tribunal a quo,
respectivamente).

Pelo processo de eliminação da Professora Podval (ao qual se acrescentaram mais


algumas situações de não caracterização de maus antecedentes), "deve-se concluir que
por maus antecedentes entendem-se apenas as condenações anteriores por
contravenção e as condenações com trânsito em julgado após a segunda conduta30".

A primeira das hipóteses, deve-se ao fato de que, apesar de constituírem infrações


penais, as contravenções (Decreto-Lei nº 3688/41) quando implicam condenação
definitiva, não geram reincidência porque a lei se refere expressamente à condenação
anterior por crime. Exceção a essa regra, é o caso do agente que está sendo julgado por
prática de contravenção penal e que já possuía anterior condenação por contravenção: aí
será considerado reincidente, como dispõe o artigo 7º da LCP.

Na segunda das situações, o agente, quando praticou a conduta que se está punindo, já
havia praticado outro crime, contudo, só veio a ser condenado definitivamente por este
após praticar aquele. Tal situação não se enquadra no conceito de reincidência, mas, por
haver trânsito em julgado da condenação, é justo que se recrudesça a reprimenda ao
agente, tendo em vista que, ao praticar o delito, já havia praticado outro, o que indica
maior reprovação à conduta.

No que diz respeito à prova dos antecedentes, há que se considerar a certidão


cartorária de antecedentes criminais, com explícita referência à data do trânsito em
julgado da eventual condenação31. Portanto, o magistrado deve, sempre, indicar os
elementos constantes dos autos que caracterizam os maus antecedentes, não podendo,
simplesmente, afirmar que o acusado os possui, sob pena de nulidade.

Da conduta social do sentenciado

A terceira circunstância do artigo 59, do Código Penal que, antes da reforma de 1984,
era abrangida pelos antecedentes, diz respeito ao comportamento do sentenciado em
relação à comunidade em que vive.

Esse exame traduz verdadeira "culpabilidade pelos fatos da vida" (ao invés da
"culpabilidade pelo fato praticado"), tão criticada pelos penalistas, mas que tem, por
escopo, auxiliar o Juiz na busca da perfeita graduação da censura penal.

Devem ser examinados, nessa ocasião, os elementos indicativos da inadaptação ou do


bom relacionamento do agente perante a sociedade em que está integrado (e não na
sociedade que o Magistrado considera saudável ou ideal) 32.Vale dizer: quando o
ambiente em que o agente se inserir for, por exemplo, uma favela, não poderá o Juiz
exigir-lhe comportamento típico das classes sociais mais abastadas.

É preciso haver uma circunstancialização para que se entenda a forma como o agente
se comporta em seu meio.

Aufere-se a conduta social do apenado, basicamente, da análise de três fatores que


fazem parte da vida do cidadão comum: família, trabalho e religião33.

Nestes três campos da vida (familiar, laborativo e religioso), pode-se analisar: o modo
de agir do agente nas suas ocupações, sua cordialidade ou agressividade, egocentrismo
ou prestatividade, rispidez ou finura de trato 34, seu estilo de vida honesto ou
reprovável35.

José Eulálio de Almeida36 leciona que o juiz deve colher da prova produzida nos autos:
"...a vocação do acusado para o trabalho ou para a ociosidade; a afetividade do
mesmo para com os membros que integram a sua família, ou o desprezo e indiferença
que nutre por seus parentes; o prestígio e a respeitabilidade de que goza perante as
pessoas do seu bairro ou da sua cidade, bem como o índice de rejeição de que desfruta
entre os que o conhecem socialmente; o seu entretenimento predileto (…) ou se prefere
a companhia constante de pessoas de comportamento suspeito e freqüenta, com
habitualidade, locais de concentração de delinqüentes, casas de tolerância, lupanares
ou congêneres; o seu grau de escolaridade, tal como a assiduidade e a abnegação pelo
estudo ou o desinteresse pelo mesmo, assim como o respeito e o relacionamento com
funcionários, professores e diretores do estabelecimento escolar."

No seu dizer, também pode o julgador considerar o trabalho social realizado pelo agente
em favor de determinado grupo comunitário, contudo, desde que essa atividade tenha
fins sinceramente filantrópicos.

Gilberto Ferreira37 adota, como critério para a valoração da conduta social, a caminhada
de vida percorrida pelo agente. Avalia, com esmero, como comportava-se o agente na
condição de estudante, de pai, de trabalhador, de componente da vida social: "...um mau
aluno, um pai irresponsável, que deu causa à separação e não paga alimentos aos
filhos, ou que se entrega constantemente à embriaguez ou a uma vida desregrada. Um
empregado que vive encrencando com seus colegas de trabalho. Uma pessoa insensível
que não tem a menor consideração para com o próximo, vivendo à margem da
sociedade."

Deve-se ponderar, todavia, que o uso freqüente de bebida alcoólica, por si só, não
justifica valoração negativa da conduta social do agente, pois o alcoólatra é um doente
que carece de tratamento38.

A breve justificativa do Magistrado de que o apenado tem má conduta social porque "se
revela perigoso" à sociedade também não é acertada, pois ao agente que se apresenta
perigoso, pela probabilidade de voltar a delinqüir, a legislação estabelece a aplicação de
medida de segurança39.

A valoração da conduta social também não se confunde com o exame dos antecedentes.
Pode haver casos em que o sujeito com registro de antecedentes criminais tenha conduta
social elogiável40, assim como é possível encontrar situações em que o sujeito com um
passado judicial imaculado seja temido na comunidade em que vive.

No enfoque da conduta social, não pode o Magistrado restringir-se a afirmar que o réu
"aparentemente não possui boa conduta social", sem tomar por base minimamente os
elementos probatórios dos autos41. Não bastam meras conjecturas42, é necessário que se
ponderem as provas, geralmente orais, produzidas nos autos: a palavra das testemunhas
que conviveram com réu (inclusive das abonatórias), eventuais declarações, atestados,
abaixo-assinados, etc43, que demonstrem um comportamento habitual. A constatação de
um fato isolado na vida do condenado não revela sua conduta social, que é sempre
permanente.
Da personalidade do sentenciado

A personalidade é definida pela doutrina como a índole do agente, sua maneira de agir e
de sentir, seu grau de senso moral44, ou seja, a totalidade de traços emocionais e
comportamentais do indivíduo45, elemento estável de sua conduta, formado por
inúmeros fatores endógenos ou exógenos46.

A missão do Magistrado na valoração desta circunstância não é nada simples. Exige, em


primeiro lugar, que ele tenha conhecimentos de psicologia e de psiquiatria. É preciso,
ainda, que o processo esteja instruído com todos os elementos necessários a essa
valoração. E, finalmente, que ao Magistrado tenha sido oportunizado o contato pessoal
com o réu.

A realidade, no Brasil, conforme assevera Gilberto Ferreira 47, é a de que o Juiz não tem
condições de avaliar cientificamente a personalidade do criminoso, por quatro principais
motivos: "Primeiro, porque ele não tem um preparo técnico em caráter institucional.
As noções sobre psicologia e psiquiatria as adquire como autodidata. Segundo, porque
não dispõe de tempo para se dedicar a tão profundo estudo. Como se sabe, o juiz
brasileiro vive assoberbado de trabalho. Terceiro, porque como não vige no processo
penal a identidade física, muitas vezes a sentença é dada sem ter o juiz qualquer
contato com o réu. Quarto, porque em razão das deficiências materiais do Poder
Judiciário e da polícia, o processo nunca vem suficientemente instruído de modo a
permitir uma rigorosa análise da personalidade"

Fernando Galvão48 confirma esse entendimento, manifestando que o exame da


personalidade é tarefa que supera as forças do Magistrado "padrão". Na obrigação legal
de valorar tal circunstância, o Juiz acaba por fazê-lo de forma precária, imprecisa,
incompleta, superficial, limitada, no dizer de Paganella Boschi49, a afirmações como
"personalidade desajustada", "ajustada", "agressiva", "impulsiva", "boa" ou "má", que,
tecnicamente, nada informam.

Por um lado, conforme consta do Acórdão da lavra do ilustre Juiz paranaense José
Maurício Pinto de Almeida, "o dever de individualizar a pena fundamentadamente
pode ser cumprido de forma concisa, desde que se apontem elementos de
convencimento judicial das conclusões emitidas pelo julgador. De outro lado, não se
pode confundir, na motivação da aplicação da pena, fundamentação concisa com
frases abertas e genéricas que enfeixam demasiada concisão, a qual acaba por gerar
carência de motivação, ferindo-se assim o inc. IX do art. 93 da Constituição Federal,
que contém princípio de ordem pública." 50

Cumpre destacar que a personalidade do agente é característica individual. Praticamente


impossível, portanto, repetir-se em terceiros, com igual forma e intensidade. Assim, é
temerário considerar a personalidade de co-réus como idênticas.

Também não pode o Magistrado julgar o agente pelo que seus ancestrais praticaram
nem pelo que pratica o agrupamento ou grupo social do qual participa51.
Salo de Carvalho52, ao tratar do tema, conclui pela verdadeira "impossibilidade técnica
de o jurista proceder tal averiguação e, conseqüentemente dela retirar os efeitos
legais". Defende, também, que essa circunstância judicial, por evidente consagração ao
"direito penal de autor", fere o pensamento penalístico atual, citando julgado nesse
sentido53.

Valem, também, aqui, as anotações sobre o especial cuidado que deve ter o Juiz para
não incidir em bis in idem, ou seja, para não considerar, na análise da personalidade,
fatores: que já foram utilizados na valoração negativa de outra circunstância judicial; ou
que constituam ou qualifiquem o delito; ou, ainda, que caracterizem agravante ou causa
especial de aumento de pena.

Destarte, é proibido, por exemplo, que utilize a justificativa da "personalidade deturpada


em razão da reiteração criminosa" quando for considerar o aumento de pena relativo ao
crime continuado54, para não incidir em bis in idem.

Geralmente são considerados na valoração da personalidade os seguintes elementos:


laudos psiquiátricos, informações trazidas pelos depoimentos testemunhais e, ainda, a
própria experiência do Magistrado em seu contato pessoal com o réu.

Não havendo, contudo, nos autos, elementos suficientes para o exame da personalidade,
ou, ainda, tendo o Juiz a consciência de sua inaptidão para julgá-la, não deve hesitar em
declarar que não há como valorar essa circunstância e em abster-se de qualquer aumento
de pena relativo a ela. Melhor será reconhecer a carência de elementos ou a própria
inaptidão profissional do que acabar agravando a pena do sentenciado por uma
valoração equivocada, pobre de provas ou injusta.

Dos motivos da infração penal

Não há dúvidas de que, conforme a motivação que levou o agente a delinqüir, sua
conduta poderá ser bem mais ou bem menos reprovável. No dizer de Bitencourt e de
Regis Prado, os motivos "constituem a fonte propulsora da vontade criminosa"55, sendo
esta, para Magalhães Noronha56, a mais importante de todas as circunstâncias para se
auferir a quantidade de pena.

Não existe conduta humana desprovida de motivos. Se fosse possível, na prática


forense, encontrar um caso de crime sem motivo, dever-se-ia desconfiar das faculdades
mentais do acusado57.

No exame dessa circunstância judicial, o magistrado deve indagar: qual a natureza e a


qualidade dos motivos que levaram o agente a praticar a infração penal?58.

Não se trata, portanto, de analisar a intensidade de dolo ou culpa59, mas de descobrir se a


qualidade da motivação do agir do agente merece mais ou menos reprovação.

Assim, o agente que furta para satisfazer a necessidade alimentar o filho tem motivação
menos reprovável (porque nobre) do que aquele que furta para prejudicar o desafeto
(por inveja ou por vingança).
O médico que facilita a morte do paciente, diante de seu desmedido e incombatível
sofrimento, possui motivo menos reprovável do que o agente que mata o irmão, para
que seja o único sucessor do patrimônio do ascendente.

Nélson Hungria, citado por Gilberto Ferreira60, indica alguns dos motivos que devem ser
sopesados nesta fase dosimétrica: "Motivos imorais ou anti-sociais e motivos morais ou
sociais, conforme sejam, ou não, contrários às condições ético-jurídicas da vida em
sociedade. O amor à família, o sentimento de honra, a gratidão, a revolta contra a
injustiça, as paixões nobres em geral podem levar ao crime; mas o juiz terá de
distinguir entre esses casos e aqueles outros em que o ‘movens’ é o egoísmo feroz, a
cólera má, a prepotência, a malvadez, a improbidade, a luxúria, a cobiça, a ‘auri sacra
fames’, o espírito de vingança, a empolgadura de vícios."

O motivo da infração, assim como as demais circunstâncias judiciais, não pode ser
valorado negativamente quando integrar a definição típica, nem quando caracterizar
circunstância agravante ou causa especial de aumento de pena.

De igual modo, quando o motivo do agente é o normal à espécie delitiva, não pode o
Juiz aumentar a reprimenda, tendo em vista que aquele, por ser inerente ao tipo, já
possui a necessária censura, prevista, até mesmo, na pena mínima abstrata.

Exemplificando: num caso de furto praticado pelo desejo de obtenção de lucro fácil, o
Juiz deve entender pelo não recrudescimento da pena em razão desta circunstância
judicial pois, freqüentemente, este é o motivo dos crimes de furto (assim como a
satisfação da lascívia, nos crimes de estupro; o enriquecimento, nos crimes fiscais…).
Os motivos diversos dos normais à espécie delitiva, portanto, é que devem ser valorados
pelo Magistrado.

Assim, reprise-se, deve o Juiz agir com a máxima cautela para, no exame dos motivos,
não incorrer em dupla valoração (bis in idem).

O motivo fútil e o motivo torpe, por exemplo, aparecem como agravante genérica no
art. 61, inciso II, alínea a, do Código Penal. Portanto, se o motivo do agente, ao cometer
uma infração, foi fútil ou torpe, não poderá sopesá-lo o Magistrado como circunstância
judicial desfavorável, haja vista que é agravante, portanto, computada apenas na
segunda fase da dosimetria.

Da mesma forma, se o crime cometido por motivo torpe ou fútil for o homicídio, a
motivação caracterizará qualificadora, prevista no art. 121, §2º, inciso I ou II,
respectivamente, do Código Penal, não podendo, também, ser valorada como
circunstância judicial negativa.

É possível, ainda, citar o exemplo do motivo de relevante valor social ou moral que, em
regra, será atenuante (art. 65, III, alínea a, do Código Penal); e, excepcionalmente,
poderá caracterizar causa de diminuição da pena no crime de homicídio (art. 121, §1º,
do CP) e de lesão corporal (art. 129, §4º, do mesmo codex). Nestes casos, por evidente,
a motivação jamais poderá ser valorada em desfavor do condenado.
Das circunstâncias da infração penal

Por circunstâncias da infração penal, indicadas no artigo 59, do Código Penal,


entendem-se todos os elementos do fato delitivo, acessórios ou acidentais, não definidos
na lei penal61.

Compreendem, portanto, "as singularidades propriamente ditas do fato e que ao juiz


cabe ponderar" 62.

Alberto Silva Franco sugere que, na análise das circunstâncias do delito, o Juiz analise:
"o lugar do crime, o tempo de sua duração, o relacionamento existente entre autor e
vítima, a atitude assumida pelo delinqüente no decorrer da realização do fato
criminoso"63 e Gilberto Ferreira acrescenta a esses fatores a maior ou menor
insensibilidade do agente e o seu arrependimento64.

Com base nessa definição, é mais censurável a conduta do agente que matou alguém na
igreja ou na casa da vítima do que aquele que a matou em sua própria casa. Por outro
lado, é menos censurável o agente que se demonstrou sinceramente arrependido da
prática delitiva do que aquele que comemorou o evento embriagando-se65.

Mister destacar que, para fins de fixação da pena-base, as circunstâncias, no concurso de


pessoas, só se comunicam ao co-autor no caso de ele conhecer a sua ocorrência 66. Isso
se deve à determinação do art. 29, do Código Penal que reza que o indivíduo só pode
responder pelo crime, na medida de sua culpabilidade.

Não se pode esquecer, também aqui, de evitar o bis in idem pela valoração das
circunstâncias que integram o tipo ou qualificam o crime, ou, ainda, caracterizam
agravante ou causa especial de aumento de pena.

Assim, o número de tiros ou golpes de faca, no homicídio simples, pode ser avaliado
como circunstância. Já, o fato de o agente ter assassinado a vítima com o emprego de
veneno, não; pois configura qualificadora do crime nos termos do art. 121, §2º, III, do
CP.

Algumas vezes, a constatação de que determinada circunstância já é inerente ao tipo


penal não decorrerá da simples leitura do dispositivo legal e o Magistrado necessitará
um pouco mais de cuidado nesse estudo.

Por exemplo, no crime de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias


(art. 168-A, do CP), não poderá o Juiz aumentar a pena pela circunstância de contar o
réu com assessoria contábil, posto que, de um estudo mais criterioso, esse fato é normal
ao tipo penal67.

Se assim pudesse ocorrer, a sentença nada mais estaria fazendo do que reafirmando a
ocorrência do crime. Nesse norte, o STJ reformou a pena aplicada ao advogado
condenado pelo crime de apropriação indébita em razão da profissão (art. 168, §1º, III,
do CP), que teve a sua pena-base fixada acima do mínimo legal porque a análise dos
motivos e das circunstâncias do crime como desfavoráveis ocorreu com fundamento em
elementos comuns ao próprio tipo penal. O Acórdão, da lavra do eminente Ministro
Gilson Dipp e publicado recentemente, corrigiu o lapso daquela sentença monocrática:
"As circunstâncias judiciais relativas aos motivos (‘desejo de possuir mais do que lhe
pertence por direito’) e às circunstâncias do crime (‘recebimento do numerário, na
condição de advogado da vítima, sem o correspondente repasse’) não podem ser
consideradas para aumentar a pena-base, pois se encontram ínsitas ao próprio tipo
penal" 68.

Não basta, no entanto, que a circunstância não esteja prevista na lei. Ela deve ser
relevante e indicar uma maior censurabilidade à conduta praticada pelo condenado.

Não atendem a essa finalidade as justificativas imprecisas, na sentença, do tipo: "agiu de


modo bárbaro", "agiu com exagero", etc...

Faz-se necessário precisar os fatos concretos, provados nos autos, que caracterizem as
circunstâncias do crime, valoradas positiva ou negativamente.

A sentença que não fundamenta sua valoração das circunstâncias do crime ou que não
indica os elementos dos autos que formaram o convencimento do Juiz quanto a essa
valoração padece de nulidade.

Das conseqüências da infração penal

O dano causado pela infração penal, na lição de Gilberto Ferreira, pode ser material ou
moral. Será material quando causar diminuição no patrimônio da vítima, sendo
suscetível de avaliação econômica. Por outra banda, o dano moral implicará dor,
abrangendo tanto os sofrimentos físicos quanto os morais69.

No exame das conseqüências da infração penal, o Juiz avalia a maior ou menor


intensidade da lesão jurídica causada à vítima ou a seus familiares70.

No entanto, cumpre lembrar o ensinamento de Paganella Boschi de que devem ser


sopesadas apenas as conseqüências que se projetam "para além do fato típico", sob pena
de incorrer-se em dupla valoração71.

Dessa forma, não se pode considerar como conseqüência desfavorável do crime de


homicídio, a perda de uma vida, posto que inerente ao tipo penal. Contudo, pode-se
utilizar, nesta etapa da dosimetria, o fato de o agente ter ceifado a vida de um pai de
família numerosa, o que é mais censurável do que a conduta daquele que assassinou
uma pessoa solteira.

De igual modo, no crime de omissão de recolhimento de contribuição previdenciária, o


prejuízo causado à Previdência Social integra o tipo e já está devidamente censurado
pela pena cominada72, até mesmo no mínimo legal.

O Supremo Tribunal Federal também já decidiu que, em crime de responsabilidade de


prefeito, a justificativa de que o crime "causou prejuízos que dificilmente serão
recompostos" configura característica inerente a todo dano dessa espécie, assim como o
"prejuízo de monta", já que "não reveladores de conseqüência específica do crime,
diversa dos efeitos produzidos pela lesão patrimonial que constitui a materialidade do
delito punido" 73.

José Eulálio de Almeida74 e Adalto Dias Tristão75 referem-se, ainda, ao clamor público
causado pela infração penal na ponderação das conseqüências. Todavia, há que se
considerar o fato de que o clamor público nem sempre se dá em razão da gravidade do
delito, mas, por outros motivos como, por exemplo, o prestígio ou a posição social do
agente ou da vítima; ou, ainda, o interesse circunstancial da imprensa na divulgação do
delito. Portanto, o clamor público, por si só, não pode ser considerado como
conseqüência desfavorável ao agente, porque não traduz, necessariamente, um juízo de
maior reprovação da conduta. Ocorrem muitos delitos merecedores de grande censura
que só não causam clamor público por um fator "de sorte". Por isso, melhor é o
entendimento da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná,
manifestado no julgamento da Apelação Criminal nº 63286-0. Consta da ementa do v.
Acórdão, da lavra do i. Desembargador Nunes do Nascimento:

"…Sem obstância, a mesma sentença torna-se claramente inadequada no tópico em que


aplica a reprimenda equivalente ao dobro do mínimo para a ocultação de cadáver,
justificando a exacerbação com a repercussão que o crime causou na sociedade e na
mídia, pois é certo que esse fundamento não está elencado no rol do art. 59" 76

Já, no que tange aos crimes de perigo, o exame das conseqüências deve ser feito a partir
da intensidade do perigo de dano77.

Finalmente, não pode o Magistrado, simplesmente, utilizar-se de singelos argumentos,


como, por exemplo, a ocorrência de "conseqüências de monta". Deve, também aqui,
tomar o máximo cuidado para deixar muito bem fundamentada a análise das
conseqüências, embasando sua valoração em fatos concretos e provados (não
presumidos) nos autos.

Do comportamento da vítima

Inovação trazida com a Reforma da Parte Geral do Código Penal, em 1984, esta
circunstância judicial reafirma a crescente importância da vitimologia no Direito Penal
atual.

Na valoração da última circunstância judicial "é preciso perquirir em que medida a


vítima, com a sua atuação, contribuiu para a ação delituosa. Muito embora o crime
não possa de modo algum ser justificado, não há dúvida de que em alguns casos a
vítima, com o seu agir, contribui ou facilita o agir criminoso, devendo essa
circunstância refletir favoravelmente ao agente na dosimetria da pena" 78.

Quando a vítima instiga, provoca, desafia ou facilita a conduta delitiva do agente, diz-
se, portanto, que a oitava circunstância judicial está favorável ao réu. Nesses casos, a
vítima teve participação efetiva na culpabilidade do autor, posto que enfraqueceu a sua
determinação de agir conforme o Direito. Logo, por conseqüência, merece o agente,
nessa situação, uma censura penal mais branda do que a que lhe caberia nos casos de
ausência total de provocação da vítima79.
Nos crimes patrimoniais, por exemplo, tem diminuída a sua capacidade de se comportar
de acordo com o ordenamento jurídico o agente que pratica furto de veículo, cujo
proprietário adentrou a um estabelecimento comercial próximo para fazer compras,
deixando seu carro estacionado em via pública, com as janelas abertas, as portas
destravadas e a chave na ignição, numa região onde isso não costuma ocorrer. A
censurabilidade, portanto, de sua conduta é menor do que a do ladrão que premedita o
furto de um automóvel.

Fernando Galvão assevera que "juridicamente, não se pode reprovar a conduta do


proprietário que deixa a porta de sua casa aberta" e que, no entanto, quando este
comportamento da vítima resultar em estímulo à prática da infração, deve ser sopesado
para minorar a resposta penal ao autor do fato80.

Nos crimes contra os costumes, por sua vez, conforme leciona o Professor Túlio Lima
Vianna, não será considerado favorável ao agente o comportamento da vítima pela
"mera roupa provocante com a qual desfila a moça em local ermo, pois ninguém é
obrigado a trajar-se com recato" 81. Por outro lado, a moça que aceita ir ao motel com
um rapaz e lá, desiste da relação no último momento, certamente contribui para a prática
do estupro, concluindo o autor que: "a clara diferença entre os dois comportamentos
das vítimas está na absoluta passividade do primeiro e na atividade do segundo". Aliás,
o pouco recato da vítima nos crimes contra os costumes mereceu expressa referência na
Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal (item 50).

Desse modo, quando o comportamento da vítima contribuiu para a prática do delito,


esta circunstância será valorada, pelo Juiz, a favor do condenado. Ao revés, se não
contribuiu, lhe será desfavorável.

Contudo, deve o Magistrado ficar atento, pois há espécies de delitos em que, por sua
natureza, a vítima nunca poderá provocar o agente, e, nesses casos, deve ser ignorada
essa circunstância judicial para fins de recrudescimento da pena.

Exemplo disso ocorre nos delitos de sonegação fiscal e de uso de substância


entorpecente, onde a vítima (Fazenda Pública e coletividade, respectivamente) não tem
qualquer possibilidade fática de provocar ou facilitar a conduta do agente.

Finalmente, há que se observar que provocação da vítima não se confunde com


agressão. A agressão da vítima, na maioria das vezes, poderá gerar situação de legítima
defesa, o que ocasionará a exclusão da ilicitude, sem que se chegue, portanto, à
aplicação de uma pena.

Haverá casos, ainda, em que a injusta provocação da vítima caracterizará causa de


diminuição de pena, a ser sopesada somente na terceira etapa da dosimetria, como
ocorre no homicídio (art. 121, §1º, do CP) e nas lesões corporais (art. 129, §4º, do CP).

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