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Definição

A Revolução Mexicana consistiu em um movimento multifacetado. Pode-se até


falar em “revoluções mexicanas”, devido à diversidade de forças políticas e sociais
envolvidas no episódio. Existiu uma revolução agrária e popular com base camponesa e
de pequenos proprietários, liderada por chefes como Francisco Villa e Emiliano Zapata
e outra burguesa, com base nas elites, liderada por homens como Francisco Madero,
Venustiano Carrana e Álvaro Obregón. Pode-se ainda considerar a existência de uma
incipiente revolução operária de tendência anarco-sindicalista. Entre 1910 e 1924, essas
diversas correntes revolucionárias interagiram de diversas formas, às vezes alternando a
condição de aliadas à de ferrenhas adversárias.
Uma das questões com que se depara ao estudar a Revolução Mexicana é como
defini-la. Ela não pode ser considerada nem uma revolução burguesa nem uma
revolução socialista. A interpretação hoje mais aceita é a estipulada por Arnaldo
Córdova, que a classifica de “revolução populista”, pois não acha possível utilizar-se de
material teórico europeu para qualificá-la. Ela pode ser considerada populista porque
todos os grupos que se digladiavam lutavam pela hegemonia da liderança sobre as
massas, todos os grupos em conflito apelavam constantemente para elas, para que elas
decidissem a favor de um ou de outro. Ela é populista também pelo seu grau de
compromissos assumidos pelos dirigentes políticos: compromissos que ocorriam entre a
classe emergida da revolução e o povo. Nesse sentido, ela anunciava ao resto da
América Latina, uma terceira via, entre o regime oligárquico puro e simples e a
revolução socialista, que passa a ser uma alternativa considerada especialmente a partir
de 1917. O Populismo seria uma síntese entre o regime oligárquico e o avanço
socialista. Neste tipo de sistema, havia um forte cunho paternalista, mas a participação
popular se fazia sentir através das eleições, da organização sindical e da legislação
social. Ele serviu de modelo para os demais movimentos populistas que despontaram
em outros países da América Latina, como o Varguismo (Brasil), o Peronismo
(Argentina) e o Aprismo (Peru).
As ideologias na Revolução

A análise da Revolução Mexicana do ponto de vista das ideologias que a


inspiraram é bastante controversa. O tema é abordado por AVELAR, que compara a
linha defendida pro Octávio Paz, em sua obra “O labirinto da solidão e post scriptum”
com a de Arnaldo Córdova (no livro La revolución y el Estado en México).
A linha defendida por Paz é de que a Revolução Mexicana foi carente de idéias,
isto é, de construções ideológicas que aparelhassem os revolucionários na conquista do
poder. O autor retrata a revolução como carente de precursores e destaca que os seus
grandes líderes não eram intelectuais, o que lhe dava certa singularidade. Assim, a
revolução não teria sido mais que uma resposta à situação mexicana do início do século
XX: a crise social, inquietações na classe média e na nascente classe operária e crise nas
relações internacionais. Ela se apresenta mais como um movimento social do que o
resultado de uma série de discussões ideológicas. Para Octávio Paz, a falta de uma
corrente ideológica clara impossibilitou o atendimento às diferentes aspirações
populares. Isto acabou tendo um preço alto: a adoção de um programa liberal, pela
simples falta de qualquer outra proposta compatível com a Revolução. Paz vê a
revolução como uma tentativa de resgate de um passado que o México conheceu antes
de Porfírio Diaz, um movimento espontâneo, quase “natural”, sem preparação prévia e
sem planos futuros.
Essa idéia de revolução sem planos e sem objetivos é criticada por Arnaldo
Córdova. Para ele, a Revolução Mexicana foi um grande debate ideológico em que não
só se pôs em discussão o sentido de nacionalidade mexicana, no sentido de sua história,
a organização e composição de sua sociedade, a idéia do governo, o tipo de
desenvolvimento econômico como também os próprios valores de que deviam se
utilizar os mexicanos para consumar a formação nacional.
A linha ideológica começou a ser traçada com a crítica ao Estado criado por
Porfírio Diaz. Esse movimento começou com os jornalistas, que cada vez mais
passaram a criticar o regime porfiriano. Os grandes ideólogos da revolução foram
Molina Henríquez, que pensou a relação do Estado com o desenvolvimento da
economia camponesa, Ricardo Flores Magón, que defendia a liberdade, o fim do
autoritarismo e a democracia e Madero, que em sua obra “La sucesión presidencial en
1910” fez uma série de observações sobre o governo porfiriano e obteve grande impacto
na sociedade. Na opinião de Córdova, Madero era o homem que faltava para que a
Revolução se desencadeasse. Para ele, o povo deveria tomar as rédeas do seu destino,
lutar pela divisão dos latifúndios, democratizar a posse da terra, não defendendo uma
solução autoritária para a crise social, mesmo se tratando de uma autoritarismo de
esquerda. Nesse ponto, ele discorda de Molina, que defendia uma ação violenta do
Estado nos sentido de destruir os grandes latifúndios e distribuir as propriedades.

Os atores sociais da Revolução

No momento inicial, o movimento reformador de Madero tem seus antecedentes


em um dos personagens mais radicais do período: Ricardo Flores Magón. O magonismo
é uma mostra clara do anarquismo que contava com idéias radicais como a da
aniquilação do governo e se consideravam anticlericais. Seus principais inimigos eram o
Capital, o Estado e o Clero, a quem consideravam uma ameaça à liberdade individual
do homem. Os magonistas eram os únicos que realmente queriam uma mudança a fundo
e formularam um Programa do Partido Liberal. Deste programa, foram retirados alguns
pontos para a Constituição de 1917. Em princípio, o magonismo representava a classe
trabalhadora. A partir de 1911, o movimento se torna camponês. Mediante as idéias de
Magón e seus adeptos, a classe operária faz uma tentativa de se destacar em um país
onde a maior parte de sua população era camponesa. Através de seu periódico
“Regeneración” pretendia transformar o país mediante proclamas, manifestos e
programas. O documento mais importante desse grupo, conforme já foi citado, foi o
Programa do Partido Liberal. Propunha a desaparição da vice-presidência e a não-
reeleição, a abolição da pena de morte, exceto para os traidores da pátria, a abertura de
mais escolas primárias e a educação laica, jornada de trabalho de oito horas, um salário
mínimo suficiente para que uma família pudesse viver, condições higiênicas e medidas
de segurança no trabalho. Também propunha que se declarassem nulas as dívidas dos
camponeses junto às “tiendas de raya” (espécie de estabelecimentos comerciais de
propriedade do patrão, onde os camponeses ou operários eram obrigados a fazer suas
compras), a devolução e partilha de terras, assim como a obrigatoriedade do descanso
dominical. Como se vê, o programa levava em conta as demandas das diferentes classes
em luta, excetuando as burguesas. Os magonistas, como atores modernos,
representavam as classes sociais, parte do novo povo, porém suas intenções se viram
frustradas quando chegou ao poder o representante das elites provinciais – Francisco
Madero. A partir de 1911, Magón rompe com Madero e desconhece seu governo,
porque este não se dispôs a levar a cabo uma mudança com a profundidade que ele
acreditava necessária.
Madero provinha de uma das famílias mais ricas de Coahuila e formava parte da
elite. Era um reformista moderado que instigava os mexicanos a trabalhar pelo
progresso da humanidade. Era a favor da Educação. Desde o início, seu plano era
remover os obstáculos que travavam o progresso do México, por isso, ao iniciar sua
campanha, sempre se guiou pela frase “sufrágio eletivo, não reeleição”. Sendo
proprietário de terras, não concordava seriamente com a linha de Zapata e, em setembro
de 1911, tinha pouco interesse na reforma agrária. Tampouco, estava de acordo com as
rebeliões camponesas em Morelos. Ao que parece, não soube, porém conduzir bem a
situação, já que algum tempo depois, passou a ter a oposição de Zapata. Enquanto isso,
com os operários, Madero conseguia uma relação muito mais cordial, já que estava de
acordo com algumas de suas idéias e propostas de reformas trabalhistas, reconhecia as
greves e as longas jornadas de trabalho, assim como também os baixos salários. Com o
passar do tempo, muitos de seus seguidores começaram a se voltar contra ele por não
cumprir todos os pontos do Plano de San Luis Potosí, sobretudo no que dizia respeito à
repartição das terras. Esta situação não deveria surpreender, já que ele era representante
das elites provinciais. Assim, Madero foi acumulando inimigos, como Zapata,
representante dos camponeses e Flores Magón, representante dos operários.
Madero tinha o apoio de muitos membros das elites, já que sustentava a idéia de
um governo democrático, federalista e que abrisse espaço político para as elites
provinciais. As massas, formadas por operários e, em sua maioria por camponeses,
combateram para obter benefícios como o melhoramento das condições de trabalho e a
divisão de terras, assim como muitas outras promessas encampadas por Madero no
Plano de San Luís de Potosí. Com o triunfo deste, grupos camponeses armados
passaram a se apossar da terra e a enfrentar as autoridades locais, invocando o nome da
Revolução e o de Madero para justificar seus atos. Como resultado, logo se estabeleceu
uma crise entre o líder revolucionário e chefe das elites provinciais e os zapatistas
agrários do Sul. Zapata publicou o Plano de Ayala, em que não reconhecia o governo de
Madero, a quem considerava traidor. A luta do governo Madero contra Zapata se
intensificou.
Antes de morrer, Madero teve de enfrentar também a oposição de outros
representantes das massas, como Pascual Orozco e Pancho Villa. Villa esteve a frente
da maior força militar produzida pela revolução, a Divisão do Norte, composta por
peões, camponeses, desempregados, bandoleiros, vaqueiros, artesãos e pequenos
agricultores. Os villistas tinham um desejo em comum: ganhar as terras para seu povo,
acabar com o poder político e econômico dos grandes fazendeiros, dos representantes
das minerações (em poder do capital norte-americano), das estradas de ferro e das
companhias madeireiras. No entanto, a chefia da Divisão do Norte não tinha um
programa agrário tão preciso, quando comparado com os zapatistas.
Após a queda de Madero, as forças principais da revolução se uniram para
derrotar ao usurpador que havia conseguido tomar o poder – Huerta. Nesse novo
contexto, entra em cena outro líder revolucionário – Venustiano Carranza, que será
nomeado Primeiro Chefe da Revolução. Carranza era profundamente anti-
norteamericano. Assim, uma vez investido no poder, procurou implementar o controle
estatal das fontes econômicas de riqueza para maior benefício do proletariado urbano e
rural empobrecidos e da classe média. Carranza reduziu o controle estrangeiro da
economia (àquela época, sobretudo, sob domínio dos EUA). Em troca, procurou manter
boas relações diplomáticas com outros países como Alemanha e Japão e buscou novos
investimentos para o país. Da mesma forma que Madero, também não desejava que o
México caísse em mãos de um grupo de camponeses, de zapatistas ou de villistas.
Carranza se deu conta de que essas duas facções se fortaleciam e tentou chegar a um
acordo na chamada Convención de Aguascalientes, que não resultou em sucesso. O
governo então intensificou a luta contra Zapata e Villa. Em paralelo a essa luta,
Carranza editou uma lei de Reforma Agrária em 1915 e promulgou a Constituição de
1917, que, à época, foi uma das mais avançadas do mundo. Esses dois fatos elevaram o
seu apoio. Conseguiu também notáveis vitórias contra as tropas camponesas de Villa
(que, enfraquecido, se retirou da luta em 1920) e de Zapata ( que foi morto em uma
emboscada em 1919).
Os operários tiveram um papel importante na Revolução, embora inferior ao dos
camponeses. Em 1914, a Casa do Operário Mundial iniciou um intenso esforço por
organizar-se. Os líderes nacionais se reuniam na Casa para estruturar os sindicatos e as
milícias, para, assim, poder ajudar-se mutuamente nas greves, além de contarem com
instrução e educação ideológica. A retórica da Casa tinha orientação classista e
internacionalista, porém suas táticas eram nacionalistas. Os alvos de suas greves eram
normalmente companhias estrangeiras. Durante o período carrancista, os operários
ligados à Casa se aliaram ao governo e combateram, junto às forças governistas, os
exércitos de Villa, obtendo vitórias decisivas. Ao mesmo tempo, outros setores
operários solidarizaram-se com os camponeses, sobretudo com o movimento zapatista.
A classe operária não foi um aliado estável de Carranza na sua luta contra os
camponeses armados, porém tampouco foi capaz de apoiar o campesinato e muito
menos de colocar-se à sua cabeça. O proletariado possuía uma grande vitalidade, porém
jamais conseguiu colocar uma alternativa à direção burguesa da revolução.
Posteriormente, a Casa do Operário Mundial se transformaria na CROM (Confederação
Regional Operária Mexicana) e depois na CTM (Confederação dos Trabalhadores
Mexicanos).
Os intelectuais também tiveram sua participação no conflito. De certa forma,
foram eles os que iniciaram a conflagração. Intelectuais como Soto y Gama, Arriaga,
Sarabia, Rivera e Flores Magón foram peças chaves durante este período histórico.
Embora alguns não tivessem tido uma ação direta nas armas, destacaram-se na função
de criar, discutir e difundir idéias, e, às vezes, dar aos movimentos rebeldes um certo
grau de expressão e publicidade que de outra forma não o teriam. Os intelectuais foram
os que motivaram as massas ignorantes a sublevarem-se e lhes deram uma consciência
acerca da situação. Os caudilhos revolucionários contaram com o apoio de algum
intelectual, gente com conhecimentos, educação e cultura. Zapata e Villa necessitaram
deles para fazer seus planos de reformas agrárias.
Os antirevolucionários, aqueles que se consideravam bem situados dentro do
sistema porfiriano e que criam ter muito a perder com a sua destruição, podem ser
divididos em seis grupos: a classe governante urbana, rural, os estrangeiros, o clero, o
exército e as classes médias baixas. Representavam a velha ordem. Tinham muito a
perder com o êxito da conflagração. Talvez uma das marcas mais comuns entre os
revolucionários, fossem pertencentes à elite ou os pertencentes às massas, era o
nacionalismo. Assim, os estrangeiros eram alvo de ódio, sobretudo os norte-americanos,
espanhóis e chineses. A igreja não sabia o que esperar do conflito, mas não queria
perder os privilégios que ainda detinha no período porfirista, como o monopólio da
educação e da vida cultural de uma forma geral. Uma das reações conservadoras mais
intensas foi a protagonizada pela Igreja na conhecida rebelião dos cristeros. Sem armas,
sem dinheiro e sem chefes, os defensores do clero ou “cristeros” (assim chamados,
pejorativamente, devido ao seu grito de “Viva Cristo Rei”), empreenderam uma guerra
de guerrilha que se estendeu por três anos (1923-1926) e pôs em perigo o governo de
Calles. O exército estava mal treinado e não representava uma grande ameaça para as
forças revolucionárias. As classes médias baixas não representaram muita hostilidade,
mas se preocupavam com seus ganhos, empregos e segurança, as quais se achavam em
risco.

Referências Bibliográficas:

1 - SCHILLING, Voltaire. A Revolução Mexicana. Disponível em


http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/rev_mexicana15.htm. Acesso em
02/10/2007.

2 - AQUINO, R.S.L., LEMOS, N.J.F., LOPES, O.G.P.C., História das Sociedades


Americanas. 7 ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.

3 – LÓPEZ, Alma Cecília Pérez. Los actores sociales de la revolución. Disponível em


http://www.publicaciones.cucsh.udg.mx/vuelolibre/pdf/vlibre01/27.pdf. Acesso em
05/10/2007.

4 – AVELAR, Fabiano Goecking. Duas interpretações sobre a Revolução Mexicana.


Disponível em http://apostilas.netsaber.com.br/apostilas/838.doc. Acesso em
02/10/2007.

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