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COMPREENDENDO OS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS,

AS CONDIÇÕES DA AÇÃO E O MÉRITO


WILLIAM SANTOS FERREIRA
Professor dos Cursos de Graduação e Pós-graduação da PUC/SP
Advogado. Mestre e Doutorando pela PUC/SP
Membro Benemérito da Academia Brasileira de Direito Processual Civil
Sócio Efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual

1. INTRODUÇÃO

A análise do tema proposto deve iniciar-se pelo avanço das teorias


relacionadas à ação, ou como mais tecnicamente procura-se dizer, ao
exercício da ação 1. Esta imperiosidade deriva não só da adequada
conceituação dos institutos, mas também destina-se à compreensão da
trilogia - se é que de trilogia se trata - adotada por nosso sistema processual
civil> pressupostos processuais, condições da ação e mérito.
Não podemos olvidar que a sistemática de nosso Código de Processo
Civil não é a atualmente adotada por outros ordenamentos jurídicos, o que
levou CELSO NEVES a intitular um artigo de: Binômio, Trinômio ou
Quadrinômio? 2, transparecendo a crítica que se tem feito aos institutos
antes referidos.
SALVATORE SATTA, ao seu turno, profecia a inserção das condições
da ação no mérito, deixando claro que a separação anteriormente existente
não tem razão de se manter, já que realmente as condições da ação são
1 SALVATORE SATTA afirma que esta expressão não é senão a tradução, em termos modernos, da
definição romana jus persequendi judicio quod sibi debetur (Direito Processual Civil
, Vol. I, pp.
158/159).
mais simplesmente condições da sentença favorável, se ousamos manter
estes termos. 3.
2 In RT 517/11.
3 Ob. cit., p. 167.
4 ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil, Vol. I, p. 228.
5 ADA, CÂNDIDO e ARAÚJO CINTRA, Teoria Geral do Processo, p. 246.
6 Tratando com profundidade: ARRUDA ALVIM, Curso de Direito Processual Civil, Vo
l. I, n. 78.
A teoria imanentista da ação, também conhecida como teoria
clássica ou civilística, analisava o processo como um apêndice do direito
civil, ao qual se encontrava verdadeiramente subordinado.
Para os defensores da citada teoria era inconcebível se imaginar a
autonomia da ação; direito material e ação eram a mesma realidade,
apenas apresentadas sob formas diversas 4.
Este entendimento encerrava na definição de ação como o direito de
pedir em juízo o que nos é devido (ius quod sibi debeatur in iudicio
persequendi). 5
No último quarto do século XIX esta concepção passou a ser
questionada, efetivamente por não se admitir que ação e direito material
pudessem ser a mesma realidade, em outras palavras, duas faces da mesma
moeda.
A primeira ruptura com a teoria civilística é atribuída, por ARRUDA
ALVIM, a ADOLFO WACH, que embora não tendo criado uma autonomia
plena, demonstrou a diversidade entre a ação e o direito material6.
7 Ob. cit., p. 246.
Para ADA PELLEGRINI GRINOVER, CÂNDIDO DINAMARCO e ARAÚJO
CINTRA, a reelaboração do conceito de ação deve ser atribuída a
WINDSCHEID (1902) e MUTHER que distinguiram nitidamente direito lesado
e ação7.
Desta verdadeira separação entre o direito material e o direito de
ação surgiram as duas principais teorias objetivando explicar a natureza
jurídica do direito de ação:
a) teoria do direito concreto à tutela jurídica e
b) teoria do direito abstrato de agir.
Para ambas, o direito de ação era autônomo, divergiam (em
exagerada síntese) na análise do fenômeno.
Para a teoria concreta, de cujos adeptos se destacam WACH, BÜLOW
(1868 - Estudo Sobre As Exceções Dilatórias E Os Pressupostos
Processuais), SCHMIDT, HELLWIG, POHLE e especialmente CHIOVENDA
(1903), o direito de ação só existiria quando a sentença fosse favorável, isto
é, o direito de ação pertence a quem tem razão, contra quem não a tem.
Em que pese a importância desta teoria, principalmente dos
postulados de CHIOVENDA, não era ela capaz de explicar todo o curso do
processo (seus atos) até a decisão final que não acolhia o pedido do autor.
8 Ob. cit., p. 233. Denotando toda sua astúcia, Arruda Alvim compara o argumento d
a teoria concreta à
fotografia e o fotografado, afirmando que a fotografia não é o fotografado, da mesma
maneira que a
ação não é o direito subjetivo.
9 Embora divergências existiam entre eles, na essência eram adeptos da mesma teoria.

Se, para esta teoria, o não acolhimento do pedido era a negativa do


direito de ação do autor, como explicar ter-se admitido todo o movimento
da máquina judiciária?
Mais um argumento aclara o porquê de não ser aceita esta teoria: se
só se admitiria o direito de ação àqueles que fossem titulares de um direito
material, como se admitir a procedência de uma ação declaratória
negativa, na qual justamente se estará declarando que inexiste uma relação
jurídica entre o autor e o réu?
Como se vê, embora proclamasse a autonomia do direito de ação em
face do direito material, a teoria concreta não atingiu, in totum, seu escopo,
já que, ao final, não conseguia, por seus argumentos, desprender totalmente
o direito de ação do direito material, motivo pelo qual ARRUDA ALVIM
conclui que para esta teoria a ação seria existente, se existente o direito
material, havendo, em última análise, grande e inaceitável condicionamento
da ação ao direito material8.
Para os adeptos da teoria do direito abstrato de agir, dentre eles,
DEGENKOLB (1877), ALFREDO ROCCO, CARNELUTTI e COUTURE9, o direito
de ação era dissociado da constatação efetiva do direito material, não se
exigia para afirmar como existente o direito de ação, a sentença favorável,
daí classificar o direito de ação como abstrato por não exigir a constatação
10 Sumariando as duas teorias lançadas, apontando-lhes o ponto em comum, SALVATORE
SATTA afirma
que ação autônoma significa:
confirmação e reconhecimento de um dualismo no conceito de direito subjetivo; de um
lado o direito
substancial (propriedade, obrigação) que o sujeito tem contra o outro; um direito qu
e implica na
prestação do obrigado; de outro o direito de ação, que nada mais observa do outro sujeit
o, mas se lhe
impõe a atuação da lei, e que pode livremente conceber-se ou como um poder contra o ou
tro sujeito
[direito potestativo - Chiovenda], ou como um direito versus o juiz e o Estado [te
oria de
Calamandrei], (à prestação jurisdicional, seja abstrata [Degenkolb, Rocco e outros], i
sto é, ao mero
provimento, favorável ou não, seja concreta [teoria de mesma denominação], vale dizer ao
decisório
favorável). (Ob. cit., p. 160).
11 ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 235.
de uma circunstância concreta (para a teoria anteriormente citada este dado
concreto seria a sentença favorável)10.
No direito processual civil moderno predomina a teoria do direito
abstrato, tendo como um dos seus maiores expoentes LIEBMAN, que
concordava com a conclusão acima, acrescendo que o direito de ação
conquanto abstrato, não é vedado que se lhe condicione a existência ao
cumprimento de certos requisitos, estes são as condições da ação.
Estando presentes as condições da ação, haverá uma sentença de
mérito, caso contrário, o processo deverá ser extinto sem julgamento de
mérito por inexistir o próprio direito de ação, no sentido do nosso Código
de Processo Civil (artigo 267, VI)11.
Em síntese, para LIEBMAN (teoria abstrata)
existem três categorias:
a)pressupostos processuais,
b) condições da ação e
c) mérito.
12 Referido quadro é muito divulgado pela Professora TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER.
Para Chiovenda (teoria concreta) duas:
a) pressupostos processuais e
b) condições da ação ou mérito (porque, para este, se não houver
direito material não existirá o direito de ação).

2. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E CONDIÇÕES DA AÇÃO -


preliminares ao conhecimento do mérito

Como se pode constatar, mesmo não havendo o


direito de ação (em sua acepção exclusivamente processual), deverá existir
e ser válido o processo (já que não se extingue o que não existe), daí
existirem requisitos que precedem a análise das condições da ação, quais
sejam, os pressupostos processuais, que pode ser visualizado da seguinte
maneira12:
13 Direito Processual Civil, p. 88.
14 Também denominados na doutrina de pressupostos de admissibilidade do julgamento
do mérito, em
sintonia, embora distintos, aos requisitos de admissibilidade do recurso.
15 NELSON NERY JR. e ROSA NERY constatam que nosso CPC adotou o magistério de LIEB
MAN, para
quem a prescrição e a decadência são preliminares de mérito, quando o juiz pronuncia a dec
dência
e a prescrição, está julgando o mérito, mesmo quando não ingresse na análise das demais que
tões
agitadas no processo. Havendo recurso dessa sentença, poderá o tribunal examinar tod
as as matéria
suscitas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por int
eiro (CPC 515

Portanto, em nossa sistemática processual, para que seja possível a


análise do mérito, obrigatoriamente devemos constatar a presença dos
pressupostos processuais (artigo 267, IV), e posteriormente, das condições
da ação (artigo 267, VI), a estes requisitos BARBOSA MOREIRA denomina de
preliminares ao conhecimento do mérito 13 14, mas não de preliminares do
mérito.
A ressalva, embora nem sempre observada, é de todo procedente, já
que preliminares do mérito são questões prévias, mas que fazem parte do
próprio mérito, apenas são apreciadas em primeiro lugar, v.g., a prescrição
e a decadência (artigo 269, IV)15.
§§ 1º e 2º) . (Código de Processo Civil e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor
a 6
ao art. 269, IV, p. 482).
16 ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 270.
17 THEREZA ALVIM, Questões Prévias e os Limites Objetivos da Coisa Julgada, p. 23.
Os pressupostos processuais e as condições da ação são considerados
preliminares porque, em geral, um destes ausente, haverá o impedimento de
se ir além, isto é, de se analisar o meritum causae.
Não são questões prejudiciais, pois estas existirão quando a decisão
da questão subordinante influir de algum modo na questão subordinada e
não impedir sua análise, como exemplo temos a questão de filiação em
relação à petição de herança16.
Em síntese, questões preliminares e questões prejudiciais são espécie
do qual questão prévia é gênero.
Questões preliminares
QUESTÃO PRÉVIA
Questões prejudiciais
A questão prévia (questão subordinante) é aquela que antecede outra
(questão subordinada), por manterem entre si uma vinculação de
subordinação17.
As questões prévias podem ser preliminares ou prejudiciais, aquelas
devem ser decididas antes de outras, delas dependentes, sendo que as
soluções das preliminares tornarão ou não admissíveis o julgamento das
18 Idem, ibidem, p. 23.
19 Idem, ibidem, p. 24.
questões a elas vinculadas. 18, já as prejudiciais devem também anteceder
lógica e cronologicamente outras questões, porém diferem das preliminares
porque a decisão influenciará o próprio teor da questão vinculada. 19.
Diante deste quadro concluímos que os pressupostos processuais e as
condições da ação são preliminares ao conhecimento do mérito, já que
este só poderá ser apreciado se presentes os requisitos dos pressupostos
processuais e das condições da ação, uma vez inocorrentes um deles, será
inadmissível a análise do mérito.
Nem toda ausência de pressupostos processuais leva à extinção do
processo sem julgamento do mérito, como induz a leitura do art. 267 do
Código de Processo Civil, pois como são matérias de conhecimento ex
officio, mesmo que não haja pedido o juiz tem o poder-dever de
identificando o vício verificar se é passível de saneamento sem extinção do
processo, até em observância ao princípio da economia processual.
É o que ocorre no caso em que é identificada, no curso do processo, a
ausência de citação do réu (pressuposto processual de existência), já que o
processo não deve ser extinto mas sim ser determinada a citação ou se o réu
compareceu para alegá-la, deve dar-se oportunidade para manifestação (art.
214, §2º, CPC) , considerando prejudicados os atos realizados sem a prévia
comunicação ao réu (art. 214, caput e §2º, CPC), ou mesmo no caso de
incompetência absoluta em que não há a extinção do processo, mas sim o
encaminhamento ao juiz competente (art. 113, §2º, CPC).
Evidentemente que na hipótese da sentença de mérito ter sido
proferida sem a presença de um dos pressupostos processuais de existência,
tecnicamente, não havendo a formação da relação processual a sentença
considera-se juridicamente inexistente, motivo pelo qual não haverá coisa
julgada, por este motivo admitindo-se o reconhecimento de tal vício,
mesmo após o prazo de 2 anos para ação rescisória, é possível referido
vício ser denunciado pelo interessado por qualquer meio hábil, como:
petição na fase de execução, embargos à execução e ação declaratória de
inexistência.
Enfim, a inexistência jamais é saneada, até porque não se admitirá a
imutabilização do que não existe!
No caso da falta de um dos pressupostos processuais de validade,
tendo já sido prolatada sentença e esta tendo transitado em julgado, o
interessado terá 2 anos para ajuizamento da ação rescisória.
A invalidade converte-se em rescindibilidade, e após o prazo para
ação rescisória o vício não poderá mais ser suscitado, configurando-se
autêntico fenômeno saneador do vício pelo decurso do tempo, decaindo o
interessado do direito à rescisão da sentença.
Está é a função prática e operacional da classificação dos
pressupostos em existência e validade.
Segue um quadro, sem grandes pretensões sob o prisma científico,
mas que auxilia na visualização do objeto em estudo:
Pressuposto Processualde Existência
Pressuposto Processual
de Validade

Relação Processual

Inexistente
Inválida
Conseqüência

Processo em curso: a
partir do vício é
inexistente

Inexiste Sentença
Inexiste Coisa Julgada

Processo em curso: a
partir do vício é
Inválido

Processo com sentença


transitada em julgado:
Invalidade converte-se
em rescindibilidade

Meio para impugnação


petição na fase de
execução da sentença,
embargos à execução e
ação declaratória de
inexistência

Ação Rescisória
Prazo para impugnação
Não há prazo

Prazo previsto para


ação rescisória:
regra geral 2 anos

Possibilidade ou não de
saneamento pelo
decurso do tempo

Insanável
Sanável
20 Teresa Celina de Arruda Alvim, Nulidades da Sentença, p. 22.
21 Sobre os Pressupostos Processuais , in Temas de Direito Processual Civil, Quarta
Série, p. 90.
22 ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 319.
23 Direito Processual Civil, Vol. I, p. 270.
3. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Código de Processo Civil não utiliza exatamente a terminologia


pressupostos processuais, mas sim, pressupostos de constituição e de
desenvolvimento válido e regular do processo (artigo 267, IV).
O tema pressupostos processuais é o primeiro ponto a ser analisado
pelo juiz, sua constatação é imprescindível para a existência e a validade da
relação processual, e também deverá ser observada a ausência do que
parcela da doutrina denomina de pressupostos processuais negativos20.
Como mais adiante veremos uma série de críticas podem ser tecidas
a esta classificação. Parcela da doutrina alemã insurge-se contra esta
sucessão obrigatória de análise - pressupostos processuais, condições da
ação e mérito -, como constata BARBOSA MOREIRA citando
RIMMELSPACHER e GRUNSKY, embora o doutrinador reconheça que tal
concepção crítica não tem reflexo no direito brasileiro21.
Os estudos que acabaram por isolar a categoria dos pressupostos
processuais foram um dos mais relevantes pontos a justificar a autonomia
do processo22, sendo obra pioneira o Estudo Sobre As Exceções Dilatórias
E Os Pressupostos Processuais de OSKAR VON BÜLOW, do ano de 186823.
Este doutrinador em suas conclusões aponta que o processo pertence ao
24 Idem, Ibidem, p. 270.
25 Teresa Celina de Arruda Alvim, ob. cit., p. 21
direito público e consiste em uma relação jurídica pública24, portanto,
rompendo com a antiga concepção de direito civil (relação jurídica
privada).
Justamente por não possuírem ligação com a relação jurídica de
direito material, a doutrina denomina as sentenças que extinguem o
processo sem julgamento do mérito, por falta de um dos pressupostos
processuais, de sentenças processuais típicas 25.
Ao se falar em relação jurídica processual devemos ter em mente
uma relação trilateral formada por juiz, autor e réu, denominados de
sujeitos processuais, não devendo se olvidar que partes serão somente autor
e réu.
ESTADO (JUIZ)

AUTOR RÉU
Como dissemos linhas atrás, os pressupostos processuais podem ser:
a) de existência, b) de validade e, c) negativos

Vejamos cada um.


26 Para LIEBMAN a ausência dos pressupostos processuais não denotam hipótese de inexis
tência da
relação jurídica processual, para o Doutrinador os pressupostos processuais, que são as c
ondições
para a regular constituição da relação processual; a sua ausência não impede a existência d
processo, mas constitui óbice à preparação da causa [ trattazione] e ao exame do mérito, d
e cuja
cognição não fica o juiz validamente investido (em tal caso, limitar-se-á a declarar que
não pode
julgar o pedido). (Manual de Direito Processual Civil, Vol. I, p. 174).
3.1. Pressupostos processuais de existência
O exame dos pressupostos processuais de existência deve anteceder
ao dos de validade, estes últimos só serão aferíveis se os primeiros
estiverem presentes, pois só se pode tratar de relação jurídica válida se esta
existir. Trata-se de questão preliminar, inserida a questão subordinante e
subordinada dentro da mesma categoria genérica, pressupostos processuais.
Só existirá a relação jurídica processual se presentes os pressupostos
processuais de existência:
a) capacidade postulatória,
b) haver uma demanda,
c) órgão investido de jurisdição,
d) citação existente26.

3.1.1. A capacidade postulatória é a exigência de adequada


representação do autor por advogado munido de procuração, que é aquele
27 v. g., habeas corpus.
28 Ob. cit., p. 321
29 Mesma opinião externada por TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 25.
30 Ob. cit., p. 321.
31 Direito Processual Civil, pp. 83/84.
que está autorizado a representar a parte em juízo. Salvo exceções27, só
através de advogado poderá a parte postular.
ARRUDA ALVIM aponta que na verdade não se trata tecnicamente de
um pressuposto processual, seria um pré-pressuposto, porque sua ausência
implica na própria inexistência de todos os atos processuais (art. 37,
parágrafo único, CPC)28 29, com o que concordo.
Cabe ainda observar que esta exigência para a existência da relação
processual só deve ser vista em face da representação do autor e não do réu;
a não representação do réu por advogado não impede a formação da relação
processual porque o que aperfeiçoa a relação jurídica processual é sua
citação e não a representação do réu, esta última, se ausente, acarreta-lhe,
em regra, a revelia (art. 13, II, CPC).
ARRUDA ALVIM ainda aponta que a capacidade postulatória coloca-se
como prejudicial a todos os outros problemas do processo 30. Acredito
que a terminologia prejudicial esteja empregada no sentido de prejudicar
a análise, inclusive, dos demais pressupostos processuais.
Entendo, entretanto, que deveria ser denominada de questão
preliminar, uma vez que de sua ausência decorrerá a impossibilidade de
apreciação das demais questões, em sintonia com o que anteriormente
expusemos a respeito das questões prévias, que, aliás, podem existir, como
afirma Barbosa Moreira31, dentro de um mesmo grupo, aqui dos
32 Mister se faz observar que as Funções Essenciais à Justiça são um Capítulo do Título I
qual o
são o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário.
pressupostos processuais, tal qual ocorre com a prescrição e a decadência
que são preliminares do mérito, aqui a capacidade postulatória seria, por
assim dizer, preliminar dos pressupostos processuais de existência.
Esta constatação fica ainda mais cristalina quando observarmos o
princípio processual da inércia, pelo qual só através da petição inicial é que
o Poder Judiciário (que até então estava inerte) inicia sua atuação
jurisdicional, ora se esta peça vestibular é subscrita por indivíduo
desprovido de capacidade postulatória, sequer pode se cogitar, em sentido
técnico, de forma hábil de impulsionar a movimentação da máquina estatal.
Não sendo por outro motivo que a Constituição Federal determina que o
Ministério Público, a Advocacia-Geral da União, a Advocacia e a
Defensoria Pública são Funções Essenciais à Justiça (Capítulo IV do
Título IV que trata Da Organização dos Poderes )32, preconizando o
artigo 133: O advogado é indispensável à administração da Justiça... .

3.1.2. O segundo requisito é haver uma demanda, e não


propriamente um pedido, como ressalta BARBOSA MOREIRA, atualmente
tem se distinguido o que se pede (pedido) do ato de pedir (demanda)33.
Por demanda deve se entender o ato pelo qual alguém pede ao
Estado a prestação de atividade jurisdicional. Pela demanda começa a
exercer-se o direito de ação e dá-se causa à formação do processo (...)
através da demanda formula a parte um pedido, cujo teor determina o
33 Utilizando esta terminologia, Arruda Alvim, ob. cit., p. 321; Cândido Rangel Di
namarco,
Litisconsórcio, p. 44.
34 O Novo Processo Civil Brasileiro, pp. 11/12.
objeto do litígio e, conseqüentemente, o âmbito dentro do qual é lícito ao
órgão judicial decidir a lide (art. 128) (...) Instrumento da demanda é a
petição inicial. 34.
A hipótese de petição inicial inválida é causa de invalidade da
formação da relação jurídica processual e não de sua existência (para a qual
bastará haver demanda).
Para melhor se compreender demanda, podemos nos referir a um
pedido que nada mais será do que a exteriorização da demanda, embora
este pedido seja juridicamente impossível, aqui teremos o pressuposto
processual de existência, no entanto estará ausente uma das condições da
ação (possibilidade jurídica do pedido).
O pressuposto ora analisado tem raízes constitucionais ligadas ao
princípio do devido processo legal, e mais especificamente ao disposto nos
incisos XXXV, LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal: a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; ,
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal e aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes; , respectivamente.
35 TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM, p. 22.
36 ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 322.
37 Sobre os pressupostos Processuais , in Temas de Direito Processual Civil, Quarta
Série, p. 86.
38 Para um estudo mais profícuo: ADA PELLEGRINI GRINOVER, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO e
ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, Teoria Geral do Processo, especialmente páginas 125
e
seguintes.
39 Sobre os pressupostos Processuais , in Temas de Direito Processual Civil, Quarta
Série, p. 91.
3.1.3. O terceiro requisito, conforme relaciona a doutrina é a
jurisdição35 36, embora opto pela terminologia sugerida por Barbosa
Moreira citando BETTI, órgão investido de jurisdição 37.
Esta última denominação parece-me, inclusive, mais esclarecedora,
porque exprime a sua razão de ser, isto é, a necessidade de que para a
formação da relação processual constate-se a presença de um órgão
investido de jurisdição e não se constatar a presença da jurisdição, não é a
jurisdição que está presente, mas sim o órgão que dela deve estar investido.
Por órgão investido de jurisdição, devemos entender aquele que
segundo os ditames da lei tem o dever-poder de solucionar conflitos e por
conseqüência impor suas decisões às partes litigantes38.
Um juiz que por publicação no Diário Oficial foi aposentado e que,
por uma distração, não se apercebeu e continua atuando nos processos,
todos os seus atos serão tidos como inexistentes, por não se encontrar mais
investido de jurisdição39.
Da mesma maneira, que os pressupostos anteriormente referidos, o
ora em estudo tem origem constitucional, especialmente os incisos XXXV,
LIII, LIV e LVII do artigo 5º da Constituição Federal.
3.1.4. O último requisito é a citação existente (não há
que ser válida). Esta completa, aperfeiçoa, integraliza a relação jurídica
processual (autor - juiz - réu), é a citação existente que integra o pólo
passivo da ação à relação que anteriormente apresentava-se incompleta
(autor - juiz).
Seu embasamento constitucional pode ser encontrado
especificamente nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal.

3.2. Pressupostos processuais de validade


Verificada a presença dos itens anteriormente expostos, considera-se
formada a relação jurídica processual; mas após sua formação devemos
analisar se apesar de existente esta relação também é válida, para isso
temos que examinar os pressupostos processuais de validade, que nosso
Código de Processo Civil denomina de desenvolvimento válido e regular
do processo . São eles:

a) petição inicial válida,


b) competência (absoluta) do juiz,
c) imparcialidade do juiz (impedimento),
d) citação válida,
e) capacidade.
40 ARRUDA ALVIM, Direito Processual Civil, Vol. I, p. 288.
41 Ob. cit., pp. 325/326. Parece-nos que a razão da preocupação com a terminologia se
justifica, ainda
mais, quando observamos que ARRUDA ALVIM, antes do CPC/73 tratava a petição apta com
o
pressuposto de validade (Direito Processual Civil, Vol. I, pp. 288/289) e após o C
PC/73 afirma tratar-
se de petição válida (Manual de Direito Processual Civil, Vol. I, pp. 325/326).
3.2.1. Já vimos que haver demanda é pressuposto processual de
existência, não tendo relevância se a petição inicial é válida ou não. Agora
na análise dos pressupostos processuais de validade a questão envolvendo a
validade da petição inicial têm importância. Na doutrina alemã, a petição
inicial apta é considerada pressuposto processual40.
O parágrafo único do artigo 295 do Código de Processo Civil
enumera (numerus clausus) as situações em que deve uma petição inicial
ser considerada inepta: faltar pedido ou causa de pedir (I); da narração dos
fatos não decorrer logicamente a conclusão (II); o pedido for juridicamente
impossível (III); contiver pedidos incompatíveis entre si (IV).
Quanto a ausência da causa de pedir e das enumerações dos incisos II
e IV, não há maiores problemas. No entanto quanto as demais
enumerações, parece-nos que há uma certa generalidade adotada até na
praxis forense que se refere a petição apta como pressuposto processual de
validade, embora alguns doutrinadores, como ARRUDA ALVIM41 e TERESA
CELINA DE ARRUDA ALVIM42 utilizem a denominação correta petição inicial
válida.
O que se deve ter em mente é que a ausência de pedido, em sua
acepção de haver demanda, conduz à inexistência da relação processual e
não sua invalidade, motivo pelo qual não se poder dizer que petição apta é
pressuposto processual de validade, correto o entendimento dos
doutrinadores retro mencionados em afirmar que se trata de petição válida.
42 Ob. cit., p. 26.
43 Ob. cit., p. 37.
44 Para Calmon de Passos o disposto no artigo 284 do CPC não permite a emenda ou c
omplementação da
inicial quando estas se refiram aos fatos e os fundamentos jurídicos do pedido e s
uas especificações,
Por tais motivos é que divirjo, neste ponto, de TERESA CELINA DE ARRUDA
ALVIM quando aponta que, o fato da petição inicial ser inepta consiste em
vício de nulidade; a ausência, v. g., de pedido, não torna o processo (relação
processual) nulo, mas sim inexistente - apesar da enumeração de petição
inepta do parágrafo único do art. 295 do CPC constar a ausência de pedido.
A doutrina critica o artigo 295 afirmando que é uma verdadeira
miscelânea43.
A importância desta ressalva torna-se ainda mais explícita quando
analisado o inciso III do parágrafo único do artigo 295 que enumera a
impossibilidade jurídica do pedido, que é uma das condições da ação, ex vi
do disposto no Inciso VI do artigo 267.
Estando o juiz diante de hipóteses em que a petição inicial não
preenche os requisitos exigidos nos artigos 282 e 283 do CPC ou que
apresenta defeitos ou irregularidades capazes de dificultar o julgamento de
mérito, deve determinar que o autor a emende ou a complete, no prazo de
10 dias, sob pena de indeferimento da inicial (art. 284, CPC)44.

3.2.2. Analisemos agora a competência (absoluta) e imparcialidade


do juiz (impedimento), estes são requisitos subjetivos por ter relação com a
função do juiz. Não devem ser confundidos com órgão investido de
jurisdição (pressuposto processual de existência), pois todos os juízes são
por constituírem o próprio mérito da causa, sendo que o erro que os afete vício insanável
(Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. III, p. 288.
45 que aliás, é una.
investidos de jurisdição45, mas um órgão jurisdicional (juiz) embora sempre
possua respectiva investidura pode em relação a determinado processo ser
incompetente (§ 2º do artigo 113) ou impedido, estes dois casos conduzem
a invalidade da relação processual.
A ausência de órgão investido de jurisdição é pois vício gravíssimo
(que leva à inexistência), enquanto a incompetência (absoluta) e o
impedimento do juiz, pressupõe, antes de mais nada, a jurisdição , que a
relação processual exista , isto é, que um dos sujeitos processuais o juiz
esteja presente, contudo levando a invalidade da relação processual por
um vício que desqualifica juridicamente exatamente a sua presença.
A relação existe (p.p. existência), contudo há uma mácula,
um vício (p.p. de validade), p. ex. em razão de incompetência absoluta:

ESTADO (JUIZ)

AUTOR RÉU
A incompetência que está sendo tratada é a absoluta, porquanto na
incompetência relativa se o réu sobre ela não apresenta exceção o juiz que
era incompetente passa a ser competente (prorrogação de competência -
46 ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 328.
artigo 114, CPC), não sendo causa de invalidade do processo. O vício de
incompetência, quando relativa, é saneado pela ausência de impugnação
(rectius: exceção), enquanto que a incompetência absoluta, mesmo sem
impugnação não é sanável, podendo ser suscitada a qualquer tempo e grau
de jurisdição, como qualquer pressuposto processual ou mesmo condição
da ação (art. 267, § 3º, CPC).
A imparcialidade, como requisito de validade da relação processual,
é não haver nenhum caso de impedimento do juiz (art. 134). As causas
relativas à suspeição não invalidam a relação processual, não sendo
pressuposto processual de validade.
A incompetência absoluta e o impedimento do juiz podem ser
declarados ex officio, não havendo preclusão (art. 267, §3º, CPC) e dão azo,
após o trânsito em julgado, à ação rescisória (art. 485, II)46.

3.2.3. A citação válida é outro pressuposto processual, portanto não


basta que a citação tenha ocorrido, isto apenas cumpre um pressuposto
processual de existência, contudo para que a relação processual (que existe)
seja válida impõe-se também observar se não houve nenhum vício a
macular o ato citatório.
Exemplificativamente, alguém pode ter sido citado, porém se não
constava do mandado de citação o prazo para defesa, bem como os efeitos
da revelia, ofendeu-se expressamente o disposto no art. 285 do CPC. Neste
47 Ob. cit., p. 23.
48 Toda pessoa física, maior e capaz, que não se encontrar no rol do CC 5º e 6º, tem capa
cidade plena de
exercício, podendo praticar os atos da vida civil (NELSON NERY JR. e ROSA NERY, ob.
cit., nota 4 ao
art. 7º, CPC).
49 TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM, ob. cit., nota 18, p. 24.
caso se a sentença julgar a ação procedente justamente considerando os
efeitos da revelia, ter-se-á um vício que poderá ser suscitado a qualquer
tempo e grau de jurisdição enquanto a sentença não transitar em julgado, e,
posteriormente a este, a invalidade converter-se-á, como os demais
pressupostos de validade, em rescindibilidade.

3.2.4. Outro pressuposto processual de validade é a capacidade.


Normalmente a doutrina não estabelece com rigor diferenças entre
legitimidade processual, legitimidade para a causa, capacidade de ser
parte, capacidade processual e capacidade para estar em juízo, por vezes
até são utilizadas indistintamente, como adverte TERESA CELINA DE
ARRUDA ALVIM47.
Para a validade do processo há a necessidade de que a parte tenha
capacidade; será capaz para estar em juízo quando se acha no gozo dos
seus direitos (art. 7º). O sistema processual, neste ponto, encampa
disposições do Código Civil48, no entanto, apesar disto, a capacidade deve
ser vista sob o prisma processual, porque não é o fato de a norma citada
estar inserida no Código Civil que lhe altera a natureza. Trata-se de norma
de caráter processual 49.
Toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem
capacidade para estar em juízo; o menor impúbere não tem capacidade
50 NELSON NERY JR. e ROSA NERY, nota 3 ao art. 7º, CPC.
51 Ob. cit., p. 24.
52 ARRUDA ALVIM classifica a capacidade de ser parte como um pressuposto pré-proce
ssual. Interessante
comparação é: para este doutrinador, capacidade postulatória é pré-pressuposto processual,
omo já
vimos, mas porque agora a palavra pré é prefixo de processual ao contrário da outra qu
e o prefixo se
localiza no pressuposto. Sem capacidade postulatória do advogado do autor, sequer
há como
juridicamente se falar em processo, tecnicamente não há nem petição inicial; agora a cap
acidade é
pressuposto pré-processual porque aqui é empregada não no mesmo sentido do outro, mas
sim para
representar que capacidade processual é aferida com base não em questões de processo m
as sim de ter
a parte capacidade de ter direitos e obrigações, conceituação extra processual.
53 Legitimidade Para Agir no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 112.
para estar em juízo, somente representado (art. 8º), mas tem capacidade de
ser parte, porque para esta só se exige que a pessoa tenha aptidão para
adquirir direitos e contrair obrigações50.
Constata TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM que são empregadas
como sinônimas: capacidade processual, capacidade de agir e capacidade
para estar em juízo51.
Adoto, para melhor compreensão, a denominação capacidade para
estar em juízo, esta, na minha opinião, difere de capacidade de ser parte52,
nos termos do exemplo anteriormente referido.
O menor impúbere e até o nascituro podem ser parte, possuindo
capacidade de ser parte, o que não possuem é capacidade para estar em
juízo, o que é suprido pela representação (arts. 7º e 8º). Cremos, muito feliz
o posicionamento de DONALDO ARMELIN ao afirmar que a capacidade de
ser parte do menor púbere é uma capacidade processual mutilada
(sinônimo de capacidade para estar em juízo mutilada) diante da
necessidade de ser assistido, já o menor impúbere, que necessita ser
representado, não tem capacidade processual (capacidade para estar em
juízo)53.
54 TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 24.
55 Não iremos entrar no mérito da questão envolvendo a constitucionalidade ou não da dis
posição,
utilizada por bem expressar a diferença entre capacidade para estar em juízo (genérica
) e legitimatio
ad processum (capacidade para estar em juízo específica).
56 NELSON NERY JR. e ROSA NERY definem legitimatio ad causam, como conceito de d
ireito material,
sendo que a possui aquele que for o titular do direito material discutido em juízo
.
57 Ob. cit., p. 329.
Ainda resta-nos tratar da legitimidade processual (legitimatio ad
processum), que poderia ser denominada de capacidade para estar em
juízo específica, isto porque, a capacidade para estar em juízo é uma
condição genérica aferível pelos critérios anteriormente citados, já a
legitimidade ad processum esta ligada a verificação de quando a lei
processual outorga a alguém a possibilidade de exercer concretamente sua
capacidade processual, em relação a determinada situação 54. Exemplo,
tanto marido, como a mulher, têm capacidade para estar em juízo
(genérica), no entanto a mulher não tem legitimatio ad processum
(capacidade para estar em juízo específica) para litigar com relação aos
bens dotais (art. 289, III)55.
Não há razão para se confundir a legitimatio ad processum e a
legitimatio ad causam, esta última é condição da ação e relaciona-se ao
direito material56. Conclui ARRUDA ALVIM: Evidentemente, se alguém tem
plena capacidade de exercício de direitos, terá capacidade para estar em
juízo, mas nem por isso terá legitimação para qualquer causa, pois só
naquelas que lhe dizem respeito terá a titularidade de demandar
[legitimatio ad causam] 57.
58 Manual de Direito Processual Civil, Vol. I, pp. 330/331.
4. COISA JULGADA, LITISPENDÊNCIA E PEREMPÇÃO
O artigo 267, inciso V do CPC, determina que
deverá ser extinto o processo quando o juiz acolher a alegação de
perempção, litispendência ou de coisa julgada. .
ARRUDA ALVIM58 entende que este dispositivo enquadra-se no que
denomina de pressupostos processuais negativos ou extrínsecos, porque
impedem a eficácia e a validade da relação jurídica processuais, mas por se
encontrarem fora do processo, são denominados de extrínsecos. Mais
adiante procederemos a um estudo mais profícuo.
NELSON NERY JÚNIOR e ROSA NERY59 entendem que este dispositivo
encerra hipótese de pressupostos processuais de validade, uma vez
inexistentes o processo será válido, ou seja, apesar de não trazerem a
expressão literalmente, a forma como apresentam poder-se-ia denominar de
pressuposto processual de validade negativo (seria de validade, porém
devem não estar presentes).
Como se pode constatar, não diferem em conteúdo de ARRUDA
ALVIM, apenas não empregam a denominação específica pressupostos
processuais negativos.
THEREZA ALVIM, diversamente dos doutrinadores anteriores, não
aceita a inserção da litispendência, da coisa julgada e da perempção na
categoria dos pressupostos processuais, sustentando que na verdade uma
vez ocorrentes estes casos estar-se-á diante de falta de interesse, condição
59 Ob. cit., nota 5 ao art. 267, IV.
da ação, por não se poder admitir, já estando a lide em discussão, ou
transitada em julgado (coisa julgada) ou na hipótese de perempção, haver
interesse do autor na rediscussão da lide.
Todas as terminologias utilizadas possuem fundamentos capazes de
demonstrar sua plausibilidade, ocorre que as denominações empregadas
podem gerar uma série de conseqüências, dependendo de qual for utilizada,
v. g.:
Se admitido que a coisa julgada é pressuposto processual de validade
(desde que inocorrente), admitiremos que somente através de ação
rescisória (art. 485, V) poderá a segunda coisa julgada ser retirada do
mundo jurídico, o que nos faz concluir que após o decurso do biênio
decadencial ter-se-á de conviver com duas decisões imutáveis sobre a
mesma lide, até mesmo se antagônicas.
Não nos parece existir outro entendimento.
No entanto sensíveis à problemática ventilada, NELSON NERY JR. e
ROSA NERY afirmam que nesta hipótese de conflito entre duas coisas
julgadas antagônicas, prevalece a primeira sobre a segunda, porque esta
foi proferida em ofensa àquela (CPC 471) .
Acredito que a tomada de posição em afirmar-se que a coisa julgada
é pressuposto processual de validade não admite a solução final
preconizada, porque se analisarmos esta última solução veremos que seu
fundamento encontra-se na inexistência jurídica (e não fática!) da segunda
60 Teresa Celina de Arruda Alvim, ob. cit., p. 208, conclusão 35.
coisa julgada, o que aclararia a insurgência em face da classificação como
pressuposto processual de validade.
Não conseguimos vislumbrar justificativa para que apenas o
transcurso in albis do prazo de dois anos para propositura da ação
rescisória, possa converter a invalidade da segunda decisão em sua
inexistência. Uma relação processual só pode ser válida ou inválida se
existir; se não existir, de validade ou invalidade não se tratará.
Desta forma acreditamos que se lançar a coisa julgada como
pressuposto processual de validade não é possível, justamente pela
indissolubilidade da questão envolvendo a coexistência de duas coisas
julgadas antagônicas após o transcurso do prazo da ação rescisória.
A terminologia empregada por THEREZA ALVIM também é muito
feliz e com razões de difícil transposição.
Colecionando o mesmo caso a pouco mencionado, a barreira de
argumentação demonstrada aqui não existe, porque estaremos tratando de
condições da ação, que uma vez faltante uma delas a sentença que
erroneamente analisou o mérito é inexistente60, o que possibilita afirmar
que juridicamente não haverá duas coisas julgadas conflitantes porque, sob
este enfoque, a segunda sentença não existe (apenas haverá existência fática
e não jurídica!), sendo, portanto irrelevante ter transcorrido ou não o biênio
da rescisória.
Cumpre salientar-se que o disposto no artigo 485, IV que possibilita
a ação rescisória em caso de ofensa à coisa julgada é apenas uma forma de
se expurgar a mera aparência de segunda coisa julgada. Assim não fosse
compreendido, seriamos obrigados a entender que o disposto no artigo 495
(prazo de 2 anos para ação rescisória) c/c artigo 485, IV, do CPC são
inconstitucionais, porque determina o artigo 5º, XXXVI que a lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. .
A interpretação acima referida estaria nada mais, nada menos, do que
sustentando que a lei admite a existência da segunda decisão transitada em
julgado que, antes de tudo teria justamente ofendido decisão transitada em
julgado anteriormente!!! O que nos parece inadmissível.
Até aqui, em nossa opinião, a classificação correta seria a de que a
coisa julgada encerrará hipótese de falta de interesse, estando ausente uma
das condições da ação. Mesmo com todos os argumentos favoráveis
perguntaríamos: por que a coisa julgada, a litispendência e a perempção
estão lançadas justamente no inciso V, entre os pressupostos processuais
de existência e de validade (inciso IV) e as condições da ação (inciso VI)?
Se falta de interesse se considerar, por que então haver inciso específico
para elas, se já existia o inciso VI?
Duas explicações acreditamos para justificar a situação:
a) a coisa julgada, a litispendência e a perempção são enumeradas
antes das condições da ação porque são questões prejudiciais (questões
subordinantes) à análise das condições da ação (questão subordinada),
cuja decisão irá influenciar no julgamento justamente das condições da
61 A utilidade abarca a adequação, porque se a via eleita é inadequada, consequentemen
te será inútil (cf.
Teresa Celina de Arruda Alvim, ob. cit., p. 33.
62 No direito italiano a litispendência é inserida ao lado dos pressupostos processu
ais, como integrante de
uma categoria dos elementos que impedem a eficácia da relação jurídica processual (cf. A
rruda
Alvim, Direito Processual Civil, Vol. I, p. 296).
ação, mais especificamente no interesse, daí a razão de se encontrarem
enumeradas expressamente em momento imediatamente anterior às
condições da ação. Ora, se o juiz decidir que já existe coisa julgada
anterior, esta sua decisão irá influenciar na análise das condições da ação,
já que obrigatoriamente decidirá não haver interesse (utilidade61 +
necessidade) do autor na repropositura da ação;
b) a coisa julgada, a litispendência e a perempção, em relação ao
processo que está sendo analisado, são questões extraprocessuais,
extrínsecas, razão pela qual sua enumeração encontra-se em inciso
específico.
Por tudo que expus é que proponho que a coisa julgada, a
litispendência62 e a perempção sejam denominadas de questões prejudiciais
ao interesse (condição da ação).
E mais, toda a análise do fenômeno leva em conta principalmente as
questões envolvendo a aparente coexistência de duas coisas julgadas
antagônicas, porque se em curso ainda o segundo processo bastará ao juiz
apenas extinguir o processo com fundamento Inciso V do artigo 267,
porque todo o caminho percorrido tem por escopo sugerir a apreciação do
fenômeno em nossa sistemática processual, o que não impede que nosso
Código de Processo Civil estabeleça, por assim dizer, um atalho para que o
juiz não tenha que percorrer este longo caminho hermenêutico para ao final
extinguir o processo da mesma forma, sem julgamento de mérito.
63 Até com fundamento no princípio da economia processual (Para que se movimentar to
da máquina
judiciária para um julgamento que ao final inexistirá?).
64 Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, ob. cit., nota 2 ao parágrafo único do artigo 268, C
PC.
A conclusão é reforçada pelo disposto no § 3º do artigo 267 já que as
hipóteses em que cabe ao juiz conhecer de ofício tanto os pressupostos
processuais (Inciso IV), quanto as questões prejudiciais das condições da
ação (Inciso V), quanto as condições da ação (Inciso VI). Poder-se-ia ainda
questionar: Então por que o art. 268 veda apenas a repetição do inciso V,
justamente que trata da coisa julgada, da litispendência e da perempção?
Isto ocorre porque são questões prejudiciais e a falta de interesse é
logicamente uma conseqüência, portanto, em nossa sistemática processual e
na mens legis (e não mens legislatoris) do artigo 268 o que se objetiva é
evitar: a) o curso de um processo em que sua lide já foi decidida e encontra-
se transitada em julgado63 (coisa julgada); b) a coexistência de dois
processos em curso, no escopo de evitar duas decisões conflitantes
(litispendência); c) o curso de um processo no qual o direito de ação deixou
de existir pela desídia do próprio autor que ensejou a extinção do processo
por três vezes pelo mesmo fundamento - 267, III (abandono do processo
por mais de 30 dias) (perempção)64.
Poder-se-ia lançar ainda na questão anterior um aparente xeque-mate,
porque se realmente se trata de falta de interesse (condição da ação), por
que haver pelo disposto no art. 268 coisa julgada material? -
diferentemente do que ocorre justamente com as condições da ação.
Em primeiro lugar diríamos que se não fosse uma exceção não
estaria prevista em artigo excepcional; em segundo lugar se a
incongruência fosse admitida, ter-se-ia também que se admitir que a
inserção do inciso V do art. 267 por si só seria uma incongruência já que é
o único caso de extinção sem julgamento do mérito que faz coisa julgada
material, e mais, que admite ação rescisória, tal qual de julgamento do
mérito se tratasse (no caso de coisa julgada).
A situação, ao que nos parece, não é contraditória, mas sim
congruente levando-se em conta a sistemática, tudo porque com referência
às condições da ação, impossibilidade jurídica do pedido e legitimidade ad
causam são fenômenos passíveis de alteração, v.g., um pedido vedado por
lei (cobrança de dívida de jogo) que a lei passa a admitir. Mas quanto ao
interesse, embora na generalidade seja mutável, quanto as hipóteses do
inciso V do art. 267, por serem fenômenos extrínsecos ao processo serão
imutáveis, e por serem prejudiciais à condição da ação, se a questão
prejudicial é imutável (hipóteses do inciso V do artigo 267), imutável será
sua influência com referência ao interesse, razão pela qual, para estes
casos o sistema determina a imutabilidade de seu reconhecimento judicial,
aliás, o sistema nada mais realiza do que um expediente lógico, já que se
imutável a questão subordinante, a conclusão da questão subordinada
também será imutável, razão pela qual não se poderia permitir a repetição
da ação nestas hipóteses, já que exteriorizam a ausência inalterável do
direito de ação.

5. Condições da Ação
Para o ordenamento processual civil brasileiro sentença é o
pronunciamento judicial que põe fim ao processo em primeiro grau de
65 Para um estudo mais profundo: TERESA ARRUDA ALVIM, Agravo de Instrumento, pp.
56 e seguintes.
66 ARRUDA ALVIM, Sentença no Processo Civil , in REPRO 2/45.
67 ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil, Vol. I, p. 259.
68 NELSON NERY JR. e ROSA NERY, Código de Processo Civil..., nota 9 ao art. 267, V
I, p. 475.
69 Leciona ARRUDA ALVIM: pela circunstância de que, embora não se confundam as questões
processuais, com a das condições da ação, umas e outras fundem-se numa categoria mais am
pla, a que
se deve denominar de pressupostos de admissibilidade de julgamento do mérito. Dest
a forma, os
pressupostos ou requisitos suscetíveis de proporcionar o julgamento do mérito, coloc
am-se de um
lado, e, de outro lado, o mérito, que deve ser objeto da sentença de fundo ou de mérit
o, a qual
resolverá a questão básica do processo: qual das partes tem razão. (Curso de Direito Proc
essual
Civil, Vol. II, p. 158).
jurisdição (art. 162, § 1º, CPC), sendo que se prevê duas modalidades de
sentença: sem julgamento do mérito, prevista no artigo 267 do CPC,
decisão esta cujo conteúdo encarta-se em uma das hipóteses insertas nos
incisos do dispositivo citado, ou então, com julgamento do mérito, prevista
no artigo 269 do CPC, que terá como conteúdo uma das hipóteses
preconizadas nos incisos deste dispositivo65. A primeira modalidade é a
que os doutrinadores costumam denominar, na terminologia do CPC
revogado, de sentença terminativa, e a segunda é a sentença definitiva.
A decisão que extingue o processo sem julgamento do mérito é uma
sentença de conteúdo processual66. Dentre as hipóteses encartadas no artigo
267 do CPC estão os pressupostos processuais (inciso IV) e as condições
da ação (inciso VI). Estes dois inserem-se na categoria dos requisitos de
admissibilidade do julgamento de mérito67, sem estarem presentes não será
lícito ao magistrado adentrar no exame do mérito da ação.
Nesta ordem deverão ser analisados pelo juiz, porque o exame dos
pressupostos processuais antecede o exame das condições da ação, pois
dizem respeito à existência e à validade do processo e por seu turno a
análise das condições da ação antecede o exame do mérito porque são elas
questões preliminares que dizem respeito ao próprio exercício do direito de
ação68 69. Cumpre salientar-se que o direito constitucional de ação pertence
a todos, também conhecido como direito de petição, todavia a ausência de
uma das condições da ação veda a possibilidade de análise do mérito da
ação, o que em nada prejudica o direito constitucional citado, já que o
acesso ao órgão jurisdicional está garantido. Podemos figurar esta situação
da seguinte forma, o Poder Judiciário tem suas portas abertas a qualquer
requerimento solicitando a tutela jurisdicional (acesso à justiça - direito
constitucional), no entanto, após adentrar, para circular perante os
corredores do Poder Judiciário o autor deverá provar que estão presentes
certos requisitos, sob pena de não lhe ser lícita esta circulação, ou seja, não
demonstrar possuir o direito de ação, em sua acepção exclusivamente
processual.
Diferentemente, CHIOVENDA sustenta que Las condiciones de la
acción son las condiciones para una resolución favorable al actor 70, ou
seja, as condições da ação se integram ao mérito da ação, e mais, desde que
presentes as condições da ação o julgamento do mérito será
obrigatoriamente favorável ao autor. Este posicionamento externado por
Chiovenda foi adotado, sob a égide do CPC revogado de 1939, por parte da
doutrina e pela maior parte da jurisprudência, sendo que havia ainda parte
da doutrina, em especial a chamada Escola Paulista do Processo, embasada
nos ensinamentos de Liebman, que admitia que as condições da ação eram
requisitos extrínsecos ao mérito, portanto, o fato de estarem elas
presentes não dava ao autor, necessariamente, direito a uma sentença
favorável, mas, tão-somente, a uma sentença de mérito que, por sua vez,
poderia ser-lhe favorável ou desfavorável. 71. Estes fundamentos
encartam-se na denominada teoria do direito abstrato de agir, como já
tratamos anteriormente.
70 Instituciones de Derecho Procesal Civil, Vol. I, p. 79.
71 ARRUDA ALVIM, Sentença no Processo Civil , REPRO 2/45.
72 Não destoa deste entendimento, ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil
, Vol. I, p. 257.
73 ARRUDA ALVIM, Curso de Direito Processual Civil, Vol. II, p. 158.
74 Manual de Direito Processual Civil, Vol. I, p. 162.
Ao que parece, as condições da ação surgiram exatamente da
necessidade de se justificar a autonomia do direito de ação em relação ao
direito material, não sendo por outro motivo que as condições da ação estão
relacionadas com as questões envolvendo o direito material, embora não
possamos olvidar que em nossa sistemática processual civil as condições da
ação não se confundem com o mérito72.
O Inciso VI do artigo 267 do CPC enumera as condições da ação:
a) possibilidade jurídica do pedido;
b) legitimidade para a causa (legitimatio ad causam) e
c) interesse.
Ao analisar-se as condições da ação, como preliminares ao
conhecimento do mérito, estaremos justamente verificando se existe ou não
o direito de ação do autor.
A ausência do direito de ação do autor revela que a análise do mérito
é impossível ou inútil73, nas palavras de LIEBMAN, as condições da ação são
os requisitos constitutivos da ação, presentes, deverá haver o exame e a
decisão do mérito, se os resultados do processo serão favoráveis ou não ao
autor, aqui não interessa74.
75 NELSON NERY JÚNIOR, Condições da Ação , in REPRO 64, p. 34.
76 Nota 106 na obra de LIEBMAN Manual de Direito Processual Civil, Vol. I, pp. 1
60/161.
A falta de condições da ação pode ser alegada em preliminar de
contestação (art. 301, X, CPC) ou a qualquer momento e qualquer grau de
jurisdição, tendo-se presente que sobre esta questão não ocorre preclusão
(art. 267, § 3º, CPC e art. 301, § 4º, CPC), podendo ser inclusive conhecida
ex officio pelo juiz75.
Passemos à análise das condições da ação.

5.1. Possibilidade Jurídica do Pedido - Como aponta CÂNDIDO RANGEL


DINAMARCO76, o que levou LIEBMAN a criar a figura em análise era o
pedido de divórcio que na Itália era inadmissível até 1970, todavia com o
advento da Lei nº 898, de 1.12.70, o doutrinador italiano sentiu-se
desencorajado a manter a possibilidade jurídica do pedido no rol das
condições da ação, retirando-a, a partir da 3ª edição de seu Manuale.
Por ironia, no Brasil em 1973 o atual CPC acolheu sua trilogia
anterior, mencionando expressamente a possibilidade jurídica do pedido
(art. 267, VI, CPC).

A tendência moderna, ao que parece, é não considerar a possibilidade


jurídica do pedido como condição da ação, como sustenta LIEBMAN a partir
da 3ª edição de seu Manuale di Diritto Processuale Civile.
77 SALVATORE SATTA, ob. cit. p. 167.
78 Sentença no Processo Civil , in REPRO 2/45, p. 45.
79 Op. cit., 432.
80 Condições da Ação , in REPRO 64/37.
81 Idem, ibidem.
Ratificando esta tendência, a doutrina italiana só insere dentre as
condições da ação a legitimidade ad causam e o interesse de agir77. No
entanto, para o sistema processual brasileiro, trata-se de posicionamento de
lege ferenda, já que o disposto no artigo 267, VI do CPC não dá margem a
dúvida.
ARRUDA ALVIM sustenta este entendimento de forma efusiva78,
também sustenta esta posição MONIZ DE ARAGÃO afirmando que Toda a
construção desses autores é inaplicável e imprestável à compreensão deste
inciso, observação cuja necessidade parece inarredável para que juízes e
intérpretes desavisados não se ponham a querer analisar a lei com base em
lições de quem está situado em posição antagônica à do legislador ... Desde
que o Código firmou uma posição, cumpre ao intérprete aplicá-lo, mesmo
que possa discordar da teoria que a lei seguiu. 79.
Como veremos, a possibilidade jurídica do pedido deve ser entendida
como o pedido que é permitido ou, ao menos, não é proibido pela lei, como
acertadamente aponta NELSON NERY JR., o termo pedido não deve ser
entendido em seu sentido estrito de mérito, pretensão, mas sim conjugado a
causa de pedir80. O processualista exemplifica apontando que embora o
pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei
brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (art.
1477, caput , do Código Civil). 81.
82 Nulidades da Sentença, p. 29.
83 Na lição de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI: a causa petendi possui dupla finalidade advinda
dos fatos
que a integram, vale dizer, presta-se, em última análise, a individualizar a demanda
e, por via de
conseqüência, para identificar o pedido, inclusive quanto a possibilidade deste. (A C
ausa Petendi
no Processo Civil, p. 130.
84 In JTACSP-LEX 133/258.
85 Ver WILLIAM SANTOS FERREIRA, Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma proces
sual civil, 1ª
edição 2ª tiragem, Ed. Forense, pp. 99 e ss.
Como leciona TERESA ARRUDA ALVIM, todo o pedido deve estar
embasado em causa petendi não proscrita pelo sistema82 83.
Algumas vezes, na prática confunde-se a falta de uma condição da
ação com o mérito, como o fez acórdão que apesar do juiz de primeiro grau
ter extinto o processo sem julgamento de mérito por impossibilidade
jurídica do pedido, o Tribunal ad quem entendendo que não haveria dita
impossibilidade passou imediatamente a analisar o mérito, e não determinar
o retorno dos autos ao juízo a quo, sob o fundamento que apesar de
extinguir o processo sem julgamento do mérito acabou por analisar o
mérito84, o que desde a alteração do art. 515, §3º do CPC é admitido85.
A corrente perfilhada pelo V. Acórdão não se adequaria ao nosso
ordenamento jurídico vigente, bastando a leitura do artigo 267, inciso VI:
extingue-se o processo, sem julgamento do mérito: VI. quando não
concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica,
a legitimidade das partes e o interesse processual. . ]
Já defendi que o posicionamento de lege ferenda, era até sustentável
enquanto aplicação do princípio da economia processual, na aplicação do
ordenamento jurídico positivo, a tese sustentada apresentar-se-ia
prejudicada, até que com o novo art. 515, §3º do CPC a conclusão do
julgado agora é possível.
86 Situação admitida claramente por TERESA ARRUDA ALVIM, op. cit., p. 29.
87 ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil, Vol. II, nota 61, p. 163.
88 Arruda Alvim, Curso de Direito Processual Civil, Vol. II, p. 158.
No caso citado a causa de pedir era uma relação locatícia de natureza
não residencial cujo prazo contratual já havia terminado, todavia durante o
curso do feito constatou-se que a locação era mista o que gerou toda
discussão, justamente em face da causa de pedir.
A análise da impossibilidade jurídica do pedido, muitas vezes,
dificulta a divisão do que é condição da ação do que é mérito, justamente
porque a idéia de mérito está ligada a pedido e quando este for impossível
será o autor carecedor de ação. Esta dificuldade decorre do fato de que em
ambos os casos (mérito e impossibilidade jurídica do pedido) o elemento
pedido é considerado, não sendo por outro motivo que o juízo a quo ao
analisar a impossibilidade jurídica do pedido, necessariamente, teve que
analisar o mérito86, porque afirmar que o pedido é impossível, estar-se-á,
em última análise, negando a existência do direito subjetivo do autor87, o
que faz com que ARRUDA ALVIM conclua que estas sentenças são na
verdade de improcedência.
O acórdão não se equivocou quando afirmou que o mérito foi
analisado, isto porque as condições da ação só têm razão de existência
atualmente, para impedir-se todo um avanço do processo, inclusive sua
dilação probatória, tudo em observância do princípio da economia
processual. Em última análise, a ausência das condições da ação revela que
a análise do mérito é impossível ou inútil88.
Um processo em que ocorreu dilação probatória para se resolver uma
questão, não acredito que esta possa ser tida como mera condição da ação,
não propriamente pelo momento em que a decisão ocorreu, mas sim pela
dilação necessária à elucidação do tema.
A diferença entre momento da decisão e a dilação necessária para
elucidação é muito grande, exemplificamos: uma ação pode ter todo seu
curso, inclusive dilação probatória, e ao proferir a sentença o juiz analisa
que se encontra ausente uma das condições da ação, aqui a dilação não
ocorre para se aferir esta questão; já na segunda hipótese, que é a do
julgamento mencionado, a dilação ocorreu justamente para elucidar o ponto
controvertido, motivo pelo qual acreditamos que o próprio mérito da ação
foi analisado.
Pelo exposto, acreditamos que as condições da ação devem ser
estudadas, tendo como premissas os princípios da economia processual e da
instrumentalidade, sob pena de se assim não se proceder, esvaziar-se por
completo sua razão de existir.
Acreditamos que o V. Acórdão mencionado se equivocou apenas na
conclusão, na qual admitiu proferir um julgamento de mérito, pois pelo
sistema processual na época não era possível, agora, todavia, com o novo
§3º do art. 515 do CPC há esta possibilidade, desde que presentes os
pressupostos.
Em 1995 já defendia em monografia apresentada na matéria
ministrada na Pós-Graduação da PUC/SP pela Profa. Thereza Alvim que:
Em nossa opinião, o V. Acórdão não poderia ter proferido decisão
extintiva do processo com julgamento do mérito, deveria ter determinado
que o juízo a quo a proferisse. Mas não podemos deixar de externar que de
89 Como leciona CARLOS MAXIMILIANO: o intérprete não cria, reconhece o que existe; não
formula,
descobre e revela o preceito em vigor e adaptável à espécie... . Hermenêutica e Aplicação d
Direito, p. 80.
90 WILLIAM SANTOS FERREIRA, Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual
civil, 1ª
edição 2ª tiragem, Ed. Forense, p. 99.
lege ferenda o Acórdão coligiu para a moderna tendência do direito
processual civil, afastando a questão envolvendo a possibilidade jurídica do
pedido do rol das condições da ação e situando-a no mérito da ação, o que
uma vez adotado pelo ordenamento positivo, permitiria ao órgão ad quem o
julgamento do mérito da ação sem ter que propiciar ao órgão a quo novo
julgamento, em adequada observância ao princípio da economia
processual.
Se é certo que ao intérprete cabe dilatar o texto frígido da lei através
de uma interpretação hábil e esclarecedora embasada principalmente em
uma interpretação sistemática, não é menos certo se sustentar que não há
espaço para a habilidade no momento em que os argumentos não
conseguem afastar-se da contradição com texto expresso de lei89. Este
exercício é imprescindível, porém, de lege ferenda, no escopo de alterar-se,
pelos mecanismos próprios, um conjunto de normas que atualmente estão
dissociados do verdadeiro ideário de um acesso à ordem jurídica justa que
está intimamente ligada a maior agilidade da prestação jurisdicional.
E agora, em obra sobre a reforma do Código de Processo Civil
sustentei90:
Ora, isto não se relaciona ao efeito devolutivo, mas sim ao efeito
translativo dos recursos que, por se tratar de aplicação do princípio
inquisitório, tem regras próprias como: não ser aplicável, no julgamento do
mérito da ação pelo tribunal, a proibição da reformatio in pejus. Em suma,
91 Vale se ressaltar que se tem entendido que o artigo 516 ou não tem atualmente e
ficácia ou este se
refere a decisões interlocutórias (Por todos, BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de
Processo
Civil, vol. 5, pp. 442/446 e NELSON NERY JR., Princípios Fundamentais Teoria Geral
dos Recursos,
pp. 415 e seguintes e Comentário ao Código de Processo Civil, com Rosa Nery, p. 1003
,
especialmente nota 3 ao artigo 516). Em suma, a doutrina pouca ou nenhuma importân
cia dá ao artigo
516: Ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não deci
idas. .
Para BARBOSA MOREIRA (Ob. cit., p. 446) por anteriores à sentença , deve-se entender qu
estões
incidentes, que não apenas foram (ou poderiam ter sido) suscitadas, mas eram passíve
is de apreciação
(em decisão interlocutória). Já NELSON NERY JR. não concorda com BARBOSA MOREIRA e suste
nta
que o dispositivo não tem hoje qualquer eficácia e o importante é, do sistema, se conc
luir que existem
questões que não precluem (v.g. 267, §3º). Pelo exposto, o artigo 516 não parece ter qualq
uer vínculo
com a discussão em torno do novo §3º do artigo 515 do CPC.
o autor pode apelar de uma sentença que o julgou carecedor da ação, mas,
presentes os requisitos do §3º do artigo 515, o tribunal apreciará o mérito e
poderá julgar a ação improcedente, e este acórdão que nada mais é do que
uma sentença de mérito, fará coisa julgada material, o que impedirá a
repropositura da ação pelo autor; situação muito pior, e legalmente
possível, do que a sentença de extinção sem julgamento do mérito que
permitiria ao autor (cf. autoriza o art. 268) a repropor a ação. Neste caso, a
apelação do autor piorou sua situação e isto verdadeiramente poderá,
dependendo do caso concreto, ocorrer e sequer dependerá de pedido do
recorrido91.
É verdade que o dispositivo traz nas entrelinhas importantes
preocupações como com a demora causada ao processo pelo retorno à
primeira instância (não se incomodando com uma interpretação mais
rigorosa do princípio do duplo grau de jurisdição), sendo também digno de
nota a preocupação em permitir o julgamento pelo tribunal desde que esteja
em condições de imediato julgamento, pois, evidentemente, se necessidade
houver de produção de provas ou de citação do réu (p. ex., em casos de
indeferimento liminar da petição inicial), não é possível faticamente o
julgamento pelo tribunal, a impossibilidade aqui não seria sequer legal, mas
material.
92 ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 245.
93 Ob. cit., p. 170.
94 Idem, ibidem.
95 Ob. Cit., p. 157.

5.2. Legitimidade - O artigo 267, VI denomina-a de


legitimidade de parte, ou legitimatio ad causam. Se esta não é parte
integrante dos fundamentos da demanda, é, ao menos, definida em função
dos elementos fornecidos pelo direito material92, embora Salvatore Satta
afirme, citando D Allorio, que a legitimação é sempre decisão de mérito93,
conclusão inadmissível em nosso sistema processual civil.
Para ARRUDA ALVIM A legitimação ad causam é
a atribuição, pela lei ou pelo sistema, do direito de ação ao autor, possível
titular ativo de uma dada relação ou situação jurídica, bem como a sujeição
do réu aos efeitos jurídico-processuais e materiais da sentença.
Normalmente, a legitimação para a causa é do possível titular do direito
material (art. 6º). 94. Para LIEBMAN, a legitimatio ad causam é uma
condição para o pronunciamento sobre o mérito, indica, para cada processo,
as justas partes, as partes legítimas, ou seja, as pessoas que devem estar
presentes para que o juiz possa julgar sobre determinado objeto 95.
Em alguns casos, é difícil a análise de se tratar de ilegitimidade para
a causa ou mérito, v. g., na investigação de paternidade. No caso de se
constatar que o réu não é pai, na verdade estar-se-á afirmando que não há
relação jurídica material entre autor e réu; será que encerrará hipótese de
ilegitimidade ad causam?
O primeiro argumento, para uma resposta positiva, seria o de que se
a condição da ação é questão preliminar para o conhecimento do mérito,
portanto devendo ser analisada em primeiro lugar, aparentemente é óbvio
que o caso encerra hipótese de ilegitimidade ad causam.
Em primeira análise é realmente plausível o argumento, aliás,
sedutor; mas não sobrevive a um estudo mais profícuo, senão vejamos:
Invertamos o objeto em análise, passemos a estudar a declaratória
negativa de paternidade, em que o autor pedirá a declaração de
reconhecimento de inexistência de relação jurídica com o réu. Aqui, se
constatado na fase instrutória que o autor não é pai do réu,
inquestionavelmente teremos a procedência da ação, análise do mérito.
Façamos outra pergunta: Em uma declaratória negativa de paternidade em
que se objetiva justamente declaração de inexistência de relação jurídica,
como poder-se-ia falar em ilegitimidade ad causam, que leva em conta a
relação de direito material? O que se almeja é a inexistência desta relação,
logo não pode ser condição para o exercício do direito de ação.
Então, como para mesma situação pode se preconizar soluções
distintas? Ou seja, se for declaratória positiva de paternidade, ilegitimidade
para causa - não analisou o mérito - (se o réu não for pai) e se for
declaratória negativa de paternidade, procedência da ação - analisou o
mérito - (se o autor não for pai).
Ao se cotejar as duas hipóteses é claríssimo e inadmissível o contra-
senso. Reafirma-se este quando analisamos lição de ARRUDA ALVIM:
Devemos consignar, aliás, que a circunstância do autor utilizar-se da
96 Tratado de Direito Processual Civil, p. 397/398.
declaratória positiva, inviabiliza, pela produção de litispendência, o uso da
ação declaratória negativa por parte do réu. O que o réu objetivaria na ação
declaratória negativa seria a negação do crédito, finalidade esta que pode e
deve ser atingida pelo reconhecimento da juridicidade dos fundamento da
defesa. A admissão de ação declaratória negativa, por parte de tal réu,
implicaria bis in idem , pois aquilo que já é objeto da defesa, vira a ser
objeto de ação declaratória negativa (...) se o objeto litigioso (do ponto de
vista do Direito material) é exatamente o mesmo - existe ou não existe o
crédito - logicamente há que se considerar operante a litispendência
produzida... 96.
Não destoa deste entendimento GAUPP-STEIN ao pontificarem que
como com cada sentença se faz validamente a negação do seu
contraditório, a decisão pela qual a ação declaratória negativa é repelida
pela existência da relação jurídica negada, encerra também a declaração
positiva dessa existência, sem que seja necessário, para tanto, a propositura
de uma reconvenção. 97.
Se são processos idênticos, impossível admitir seu tratamento
diferenciado, pelo qual concluímos que na ação declaratória positiva (de
paternidade, de crédito, etc.) aferida a inexistência da relação jurídica, será
caso de extinção do processo com julgamento do mérito - improcedência.
Mas, ainda, poderia se formular uma última questão: e como fica a
legitimatio ad causam? Para a resposta citamos as oportunas palavras de
DONALDO ARMELIN, Numa ação declaratória da existência de um direito, a
legitimidade ordinária resultará da afirmação da titularidade desse mesmo
direito, cuja existência no mundo jurídico é questionada, e constitui,
97 Apud, ALFREDO BUZAID, A Ação Declaratória no Direito Brasileiro, p. 342.
98 Legitimidade para Agir no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 114.
99 NELSON NERY JÚNIOR e ROSA NERY, ob. cit., nota 11 ao art. 267, VI, CPC.
100 Apud, TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 32.
101 Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo VII, p. 196.
obviamente, o mérito da ação ajuizada. Neste caso, a legitimidade do autor
resultará da afirmação da titularidade desse direito e remanescerá indene,
quer essa titularidade venha a ser reconhecida ou não. 98.
Por último, sobre a legitimidade devemos apontar que quando há
coincidência entre a titularidade do direito material e a titularidade do
direito de ação estamos diante de legitimação ordinária, que é a regra geral
(art. 6º). Quando não houver esta coincidência estaremos diante de
legitimação extraordinária - litigar em nome próprio, direito de outrem -, na
sistemática processual brasileira só ocorre excepcionalmente e deverá estar
autorizada por lei, jamais decorrerá da vontade das partes (art. 6º)99.
5.3. Trataremos agora da última condição da ação -
Interesse. Para BARBOSA MOREIRA100 a noção de interesse repousa no
binômio necessidade + utilidade, porque em vista da teoria abstrata do
direito de ação, não há como se identificar interesse à idéia de lesão,
justamente por se negar a noção de CHIOVENDA, embasada na busca de
dados concretos (que acaba por desembocar na confusão com o direito
material). Apesar desta distinção, para PONTES DE MIRANDA, ao se referir, à
falta de interesse, afirma que quando se diz que alguém carece de ação ,
também se decide o mérito 101, com o que, não podemos concordar.
Alguns autores substituem a idéia de utilidade pela de adequação,
mas acreditamos procedente a crítica tecida por TERESA CELINA DE
ARRUDA ALVIM a esta corrente, pois como afirma a própria doutrinadora,
102 Condições da Ação , in REPRO 64, p. 37.
103 Grifos nossos.
104 NELSON NERY JÚNIOR, Condições da Ação , in REPRO 64, p. 37.
105 TERESA ARRUDA ALVIM, Nulidades da Sentença, p. 51.
se a via escolhida é inadequada, por conseguinte, é inútil, não existindo
razão para se negar o binômio necessidade + utilidade; como salienta
NELSON NERY JÚNIOR, existe interesse processual quando a parte tem
necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando
essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade, do ponto de vista
prático 102 103.
No caso do autor utilizar o procedimento errado, o provimento
jurisdicional não lhe será útil, encerrando hipótese de ausência de interesse,
v.g., quando o autor é credor de um cheque com eficácia executiva e ao
invés de ajuizar a execução, ajuíza ação de cobrança, processo de
conhecimento, ora, neste caso a sentença condenatória lhe seria inútil, pois
já possuía título executivo extrajudicial104.

6. MÉRITO
A lei considera como sentença de mérito as que possuam os
conteúdos encartáveis nos incisos do artigo 269 do Código de Processo
Civil. A apreciação do mérito só ocorrerá se forem verificadas as condições
da ação e os pressupostos processuais, bem como não ocorram nenhuma
das outras hipóteses previstas no artigo 267 do Código de Processo
Civil105.
106 Apud ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil, Vol. I, pp. 256/257.
107 Op. cit., p. 256.
108 Apud, ARRUDA ALVIM, ob. cit., p. 257.
109 Comentários..., p. 98.
110 Nota 108 inserta na obra de LIEBMAN, Manual de Direito Processual Civil, Vol
. I, p. 171.
Para LIEBMAN é o pedido do autor que fixa o mérito 106, portanto,
conforme explicita ARRUDA ALVIM o conceito de mérito é congruente ao
de lide, como ao de objeto litigioso, na terminologia alemã. 107.
Na doutrina germânica, em específico KARL HEINZ SCHWAB, se
esclarece que o pedido (utiliza a palavra pretensão: Anspruch) é o mesmo
que mérito (uso da palavra objeto litigioso: Streitgegenstand)108.
Logo, será através da análise da petição inicial que se encontrão os
elementos para identificar o objeto litigioso ou lide tal como delineado pelo
autor e sobre ele é que recairá a imutabilidade da coisa julgada. Na
definição de BARBOSA MOREIRA sentença de mérito aplica-se
precipuamente ao ato pelo qual, no processo de conhecimento, se acolhe ou
se rejeita o pedido, ou - o que é dizer o mesmo - se julga a lide, que
justamente por meio do pedido se submeteu à cognição judicial. 109.
Na exposição de motivos do vigente CPC, sob nº 6, afirma-se que a
lide constitui o objeto do processo, isto é, o mérito.
Ressalta CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO que na lei vários
dispositivos conduzem a esta afirmação, em especial o artigo 128 o juiz
decidirá a lide nos limites em que foi proposta , logo, o pedido é que aclara
a lide, que por sua vez esclarece o espectro que deve ser analisado pelo
magistrado. Aponta o doutrinador que na linguagem liebmaniana,
diríamos demanda, ou ação, está lide. 110. Portanto, a terminologia
empregada por nosso código afasta-se, neste ponto, dos postulados de
LIEBMAN, já que este não empregava a palavra lide.
Unificando as terminologias, BARBOSA MOREIRA111 constata que a)
chama-se demanda ao ato pelo qual alguém pede ao estado a prestação de
atividade jurisdicional , b) pela demanda começa a se exercer o direito de
ação, c) através da demanda a parte formula um pedido, d) sendo seu teor
que determina o objeto do litígio, e) consequentemente, o âmbito dentro do
qual é lícito ao órgão jurisdicional decidir a lide (art. 128).
Segundo NELSON NERY JR. É o autor quem, na petição inicial, fixa
os limites da lide (...). Por pedido deve ser entendido o conjunto formado
pela causa (ou causae) petendi e o pedido em sentido estrito. A decisão do
juiz fica vinculada à causa de pedir e ao pedido 112.
Na tentativa de conjugar as terminologias empregadas, embora
reconheçamos de difícil integração absoluta, acreditamos que:
a) demanda (ato de pedir) é empregada em um sentido genérico de pedido
de tutela jurisdicional; b) a formulação do pedido (o que se pede,
concretamente considerado) decorre justamente de seu antecedente lógico,
a demanda; c) o juiz não pode ultrapassar os limites do que nosso sistema
denomina de lide, que por sua vez, no Brasil, é aferível analisando-se o
pedido; d) portanto, o mérito (lide) da ação será constatado da análise do
pedido; para alguns, conjugado à causa petendi (ou, causae petendi).
111 O Novo Processo Civil Brasileiro, pp. 11/12.
7. ÚLTIMAS REFLEXÕES
Nestas breves linhas procurei esboçar uma série de pontos
envolvendo o tema Pressupostos Processuais, Condições da Ação e
Mérito. Nosso escopo era trazermos à baila o que acredito ser um dos mais
importantes temas relacionados com a tutela jurisdicional. O tema,
aparentemente, restringe-se a um debate eminentemente técnico e
acadêmico.
Digo aparência, por entender que a matéria é inquestionavelmente
técnica, todavia, é dotada de conseqüências práticas imensas e tal qual
mágica é a exploração dos oceanos, neste vasto campo cremos haver uma
vastidão inexplorada.
Durante estas linhas, dentre outras questões, analisamos:
As raízes constitucionais dos pressupostos processuais de existência;
Quanto às condições da ação questionamos sua mera aplicação
tecnicista, propugnando sua aplicação voltada a sua real importância que é
a sumarização do processo, conseqüência da aplicação dos princípios da
economia processual e da instrumentalidade;
Com referência ao disposto no inciso V do art. 267 do Código de
Processo Civil, procuramos adotar um posicionamento voltado a uma
interpretação sistemática, não apenas por uma questão meramente
terminológica, mas sim para que a denominação acolhida possa exprimir,
112 Código de Processo Civil...., notas 1 e 2 ao art. 128, CPC.
dentro do possível, a natureza jurídica do instituto, que, em última análise,
pode gerar uma série de reflexos no bojo de toda a sistemática processual.
Neste momento tão importante para o processo civil, em que grandes
alterações têm sido realizadas, acredito reafirmado o questionamento em
torno da verdadeira razão de existência do processo, se tal qual hoje
utilizado prestigia seu real ideário que é ser o meio, ou se está mais para o
percalço na obtenção da almejada tutela jurisdicional.
O processo inquestionavelmente clamava (e ainda clama!) por
profundas alterações, mas toda crítica deve ser feita como capítulo
introdutório, do tema central que deve tratar do que se fazer para melhorar,
sob pena de se for mera crítica, como tal, não animar a melhora, mas sim
amplificar a insatisfação, gerando séria comoção social.
Não podemos jamais olvidar que uma sociedade que não crê em sua
estrutura Judiciária, é uma sociedade sem esperança de Justiça, é uma
sociedade sem norte.
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3ª edição; Editora Saraiva; São Paulo; 1988.

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