Você está na página 1de 3

A Mãe Boa

0tweetsretweet

A Mãe Boa
A mãe é sempre boa? Todas as mães são boas?
Estas perguntas devem pautar o existir de todo o ser humano nascido de uma mãe…
pois ainda não vimos alguém nascer de um útero artificial.
Sabemos que uma mãe não é sempre boa, pois se assim for, estará incorrendo na
tentação do amor perfeito ou do mito do amor materno. Ser bom e ser mau, é condição
humana, assim como é condição de todo ser vivo. Assim como o sol é bom quando em
uma manhã de verão podemos fazer um delicioso lazer na praia; o mesmo sol poderá ser
mau, na medida que queima e castiga plantações em períodos longos de seca. Por que
não, a mãe ser boa e ser má?
Porém, a mãe boa, dentro de uma perspectiva de estabilidade do vínculo materno/filial,
é aquela que consegue estabelecer critérios de um permanente estado de vínculo com o
filho em relação à manutenção do afeto. É o que Winnicott, psicanalista inglês na qual
pauto meu trabalho em ludoterapia, estabelece como “mãe suficientemente boa”, em
que proporciona o encontro do vínculo afetivo pelas necessidades fisiológicas desde a
amamentação até os processos de seperação, gerando confiança na criança que o peito
que está sendo oferecido pela mãe é um gesto de querer, do desejo de nutrir. Também,
já nas fases de independência do crescimento infantil, a motivação da mãe para ver o
filho andar, e se desapegar na conquista do mundo, é uma motivação movida pela
vontade de ver o filho crescer. É o processo de desapego para que o bebê passe à criança
versátil e autônoma. Assim, quando uma criança consegue sentir que aquela mãe que o
nutre e que posteriormente o estimula provida de um profundo amor, levará a criança
a não temer a sua própria solidão.
A “mãe suficientemente boa” cria condições de separação gradual, oferecendo
elementos de suporte ao filho em processo de crescimento. Outro elemento forte na
teoria e Winnicott, é o “objeto transicional” utilizado pela criança como um mecanismo
utilizado no processo de separação, em que nomeia um objeto externo ao vínculo, para
aos poucos reparar as perdas na separação com a mãe. Consideramos “objeto
transicional”: chupeta; fraudinha; bichos de estimação, etc., que são colocados no
mundo da criança, de forma sábia, para que a mesma vá elaborando os lutos da
separação. “Luto” ou “melancolia” são conceitos muito bem traçados pela psicanalista
Melanie Klein, a qual também utilizamos em nosso processo estruturante para a terapia
infantil.
Para o leitor visualizar melhor o que estou elaborando como mãe boa, trago uma cena
muito comum para as mães em processo de amamentação do filho: - o recém nascido,
absorto em seu sono profundo, cujas principais atividades é mamar e dormir, aos
berros, acorda pedindo peito (leite). A “mãe suficientemente boa”, ao despertar-se com
os berros do bebê, imediatamente prepara seus seios, higieniza-os para oferecer ao filho
ganancioso pelo alimento, sugando desesperadamente os seios. Nos primeiros meses,
para o bebê, os seios é como se fosse parte do corpo dele, onde mãe e filho se fundem
como se fosse um, estabelecendo uma relação de plena simbiose materno/filial. Após
ser gratificada, a criança ainda no peito, volta a dormir para uma nova empreitada
quando a fome lhe bater. A mãe, por sua vez, aguarda o próximo turno nutricional,
plenamente satisfeita pelo papel de nutrir e ver seu filho crescer saudável e sereno.
Entre perdas de sonos, trabalhos domésticos ou profissionais, cotidiano corrido, etc.; a
mãe suficientemente boa assume seu papel, não se estressa e ao contrário, fica feliz por
vivenciar esta fase magnífica de pleno vínculo de amor.
Com o passar dos meses, a criança já descobre que aqueles seios pertencem a outra
pessoa – sua mãe –. Inicia a fase onde além de buscar alimento, brinca com os seios da
mãe. Morde-os, finge que está mamando mas só está brincando – sorri –, a mãe boa
observa, intui e entende este movimento e no processo de separação, beija, abraça, fala,
canta e sorri ao filho. Na sua sabedoria materna (pois isto é vivido quase que
intuitamente), oferece como elemento de suporte de separação, bico, fraudas, bichinhos,
etc. De forma afetiva e complementar leva a criança a ir se apegando a brinquedos para
superar a ausência do peito, do não afeto. Promove em seu filho a potencialização para
o brincar – nasce aqui a grande capacidade criativa – onde a criança precisa elaborar o
seu mundo por ela mesma. O filho, ao observar e constatar a seguridade de afeto e
proteção da mãe suficientemente boa, vai se entregar aos seus brinquedos sabendo que
dentre em breve terá a presença afetiva e vitalizante da mãe. Assim estará protegido dos
sintomas de angustias e ansiedades prevalecidas pela ausência real da mãe, pois
nomeará nos brinquedos, seu campo de proteção. Como Winnicott bem esboçou: mãe –
objeto transicional – filho. A mãe suficientemente boa torna-se a primeira e principal
agente promotora da linguagem infantil – o brincar-.
Voltando à segunda pergunta inicial do texto – todas as mães são boas? Não, pois
muitas não conseguem se estabelecer na condição materna, porque ao gerarem um filho,
ainda estão na posição de espera pelo colo perdido delas mesmas, dificultando a maior
vocação do exercício materno que é ser fonte de vida e amor – um amar sem distinção -,
sem necessidade de ser retribuída, um amor gratuito.
A conquista pelo perfil de mãe boa é um aprendizado que se polariza entre altos e
baixos, bom e ruim, vida e morte. A mãe ao entender a polaridade do sentimento
humano, saberá se superar e polarizar-se no amor quando perceber-se no ódio ou no
desejo de fugir de sua vocação materna. Este exercício é nos dias de hoje, ainda mais
exigente, pois a sociedade de consumo preconiza a idéia do dar para receber, e a mãe
boa na sua essência, só recebe se primeiro der.
Gerson Abarca
É psicólogo. Especialista em Psicologia Clínica onde atua com ludoterapia. É Diretor do
Instituto Pensamento.
http://blog.cancaonova.com/pensandobem/2007/06/04/a-mae-boa/

Você também pode gostar