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A TITULARIDADE DO PODER CONSTITUINTE

Uma das maiores indagações a respeito do poder constituinte seria saber a


quem ele pertence por direito, se retornarmos aos fatos históricos, ou conhecimento
popular, muitos o designarão a Deus, outros a um gestor, tais como reis, monarcas e
muitas vezes até o próprio povo ou a determinada classe social. Acreditamos que a
resposta para a pergunta sobre quem deve ser o titular do poder constituinte por
muitas vezes é confusa para os cidadãos. Entretanto para inicio das discussões
devemos responder a indagação sobre quem é o encarregado deste poder em suas
inúmeras manifestações históricas.
Ao retornar a concepção política da Idade Média, tudo girava ao redor de
Deus, todos deviam obediência a uma força superior que tinha toda sabedoria e
poderes para comandar seus subordinados, sendo a igreja católica representante
principal deste período, delimitando e colocando ordens “divinas” para a sociedade
em questão. Partindo para outro período o poder veio a cair nas mãos dos
monarcas, usando como desculpa um poder atribuído a Deus. Com o ganho de mais
consciência política e quebrando de certa forma esses paradigmas abstratos, diante
de revoluções de camadas sociais, tais como a Revolução Francesa o poder vem a
emanar de uma classe, a burguesia. Já dizia Sanches Viamonte “o titular do poder
constituinte é produto das circunstâncias históricas e aparece sempre condicionado
por elas.”
Tendo por base esses pressupostos, parece que sempre o poder
constituinte tem que ser passado para alguém, grupo ou nação. Burdeau afirma:
“Não existe um poder constituinte abstrato.”
A visão clássica do estudo da teoria constituição, respaldada no
revolucionário SIÈYES1 a afirmação de que “a nação existe antes de tudo, é a
origem de tudo. Sua vontade é invariavelmente legal é a própria lei”. Demonstrando
que a titularidade do poder se une à ideia de soberania do Estado. Foi com SIEYES
que surge a idéia de poder constituinte, diferenciando este poder constituído, que
não pode, na sua ação autônoma, atingir as leis fundamentais contidas na
Constituição, criada por um poder constituinte, que, por sua vez, é produto da
1
Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836) é autor do livro Qu’est-ce que Le tiers État? (O que é o terceiro Estado?)
demonstra as manifestações da Revolução Francesa, reivindicações da burguesia, afirmando-a como nação e
detentora do poder constituinte.
vontade da nação. Em se tratando de uma visão mais moderna a titularidade do
poder constituinte emana do Povo, por afirmar que o Estado decorre da soberania
popular, sendo um conceito maior e mais completo do que o de nação. A vontade
constituinte é a vontade do povo, é a maior e suprema.
Este assunto é carregado de algumas doutrinas, Celso de Mello afirma
contribui no sentido em que o povo é detentor dos direitos e vontades, mas esse
mesmo povo não legitima o poder, ele tem que ser passado para representantes
legais.
Assim dizia Manoel Gonçalves Ferreira Filho

[...]o povo pode ser reconhecido como o titular do Poder


Constituinte, mas não é jamais quem o exerce.

Para Pinto Ferreira2 existem dois tipos principais de organização do poder


constituinte. Um será o modelo da convenção constitucional, que é o tipo primitivo
onde existe uma assembléia eleita pelo povo para elaborar a Constituição, e não há
necessidade de ratificação popular. O segundo modelo é o sistema popular direto,
onde a Constituição é votada pela convenção nacional e posteriormente é submetida
à aprovação popular através do referendo. Para o autor, este segundo modelo está
mais próximo do espírito democrático. Na história do Estado constitucional, o sujeito
do poder constituinte, o seu titular, pode ser individual ou coletivo, capacitado para
criar ou revisar a Constituição. O discurso esconde a real fonte do poder, ou mais, o
discurso constitui uma fonte do poder ao disfarçar, encobrir sua origem. Entretanto
encontramos também, exemplos que poderes constituintes que de forma diferentes,
em graus diferentes, expressam a vontade de parcelas expressivas do povo
nacional.
Toda essa vontade institucional do povo deve ser regida de maneira
democrática, através de processos limpos e imparciais para que o Poder
Constituinte tenha verdadeiro sentido social e justo, sempre privilegiando as grandes
questões nacionais de relevância para a maioria da população. É fundamental para
isto a transparência do poder de manipulação da política, da propaganda, pressão

2
PINTO FERREIRA, Luis. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno, 6 edição, revista e ampliada e
atualizada, São Paulo, Editora Saraiva, 1983.
econômica seja destruída ao máximo. A vontade da maioria tem sempre que
prevalecer.

Poder Constituinte Legitimado (normatizado).

Ao se retirar todas as formas abstratas do Poder Constituinte, no sentido de


legitimação do mesmo, esse poder é capar de criar ou alterar a ordem
constitucional, podendo também criar todas as instituições básicas de uma
determinada sociedade, normatizando essa ordem.
Toda atividade normativa, que o titular do poder constituinte põe em prática,
só adquire legitimidade se a mesma responder perfeitamente aos anseios do próprio
povo que fez depositário da soberania de sua vontade aquele poder. Os valores
morais, éticos e sociais são de extrema relevância nessa abordagem, a doutrina do
poder constituinte não surge do fato, mas do valor anexo ao fato. Assim a doutrina é
passível d varias criticas filosóficas ou sociologias, pois fica quase que inviável um
poder que é emanado do povo ficar a ser tratado de forma extremamente racional.
Aristóteles afirmava que.

[...] O Estado que assegura a total afinidade com os


interesses comuns e a vontade do
povo, sustentando sua legislação na amizade recíproca que mantém com a
comunidade, seguramente garante sua persistência.

A legitimidade de um poder constituinte, assegurado pela democracia nas


palavras de Paulo Bonavides3 apresenta: “extensões tanto vertical como horizontal,
que permite estabelecer a força e intensidade com que ele escora e ampara o
exercício da autoridade, sendo a extensão vertical da legitimidade aquela que
permite mensurar os distintos graus de participação dos governados, segundo três
3
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 13ª edição, Malheiros Editores, 2003.
passos: primeiro, o poder decisório da Constituição mediante referendum ou
distintos meios plebiscitários; segundo, a incumbência de escolher os membros da
Assembléia Constituinte e, terceiro, a faculdade de eleger um Congresso ordinário,
dotado de competência constituinte latente, que é a forma mais branda, menos
política e mais jurídica, indireta e arredada de participação do elemento popular”.

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