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Os novos hábitos de estudo

Publicado em: Qui, 14 de Outubro de 2010 14:12


Esqueça o que você sabe sobre bons hábitos de estudo
BENEDICT CAREY
New York Times, 6/9/2010

Todo mês de setembro [início do ano letivo nos EUA], milhões de pais e mães apelam
para uma espécie de feitiçaria psicológica: transformar suas crianças bronzeadas do
verão em estudantes do outono, seus videomaníacos em leitores ávidos. Os conselhos
são bem conhecidos: reserve um local tranquilo para os estudos, estabeleça horários
para o dever de casa, defina metas, defina limites, não faça chantagem (a não ser em
emergências). E dê uma olhada na sala de aula. O estilo de aprendizado do Júnior se
encaixa com a abordagem do novo professor? Ou com a filosofia da escola? Talvez a
criança não seja “adequada” à escola.

Tais teorias se desenvolveram, em parte, devido a pesquisas incompletas na área de


educação, que não dão orientações claras. Os traços pessoais dos alunos e os métodos
de ensino realmente interagem, assim como as personalidades e as regras domésticas.
O problema é que ninguém pode prever como essa interação vai acontecer.

Mesmo assim, há abordagens eficazes ao aprendizado, pelo menos para quem está
motivado. Nos últimos anos, cientistas cognitivos vêm demonstrando que algumas
técnicas simples podem melhorar de forma significativa o que realmente importa: o
quanto se aprende estudando.

As descobertas podem ser úteis para qualquer um, desde alunos de quarta série que
aprendem longas operações de divisão até o aposentado que começa a aprender uma
nova língua. Mas elas contradizem diretamente boa parte da sabedoria convencional
sobre bons hábitos de estudos, e ainda não caíram no gosto do público.

Por exemplo: em vez de se fixar num único lugar de estudos, o simples fato de alternar
locais melhora a retenção do conhecimento. O mesmo acontece com o estudo de
habilidades distintas, mas relacionadas, numa sentada só, em vez da concentração
intensiva num único ponto.

“Já conhecemos esses princípios há algum tempo, e é curioso que as escolas não os
adotem, ou que as pessoas não os aprendam por tentativa e erro”, diz Robert A. Bjork,
psicólogo da Universidade da Califórnia em Los Angeles. “Em vez disso, seguimos
um monte de crenças não comprovadas e errôneas.”
Tomemos a ideia de que as crianças têm estilos específicos de aprendizagem - umas
são “visuais”, outras auditivas; umas usam o lado esquerdo do cérebro, outras o
direito. Numa revisão recente de uma pesquisa relevante neste sentido, publicada na
revista Psychological Science in the Public Interest [Ciência Psicológica no Interesse
Público], uma equipe de psicólogos não encontrou praticamente nenhum suporte para
tais ideias. “O contraste entre a enorme popularidade da teoria dos estilos de
aprendizado dentro da educação e a falta de evidência confiável sobre sua utilidade é
impressionante e perturbadora, em nossa opinião”, concluíram.

O mesmo se aplica às formas de ensinar. Há ótimos professores que fazem piruetas em


frente ao quadro, como personagens de comédias em montagens amadoras; outros são
reservados, quase tímidos. “Ainda temos de identificar os pontos em comum entre
professores que criam uma atmosfera construtiva de aprendizagem”, diz Daniel T.
Willingham, psicólogo da Universidade de Virgínia e autor do livro “Por que os
Alunos Não Gostam da Escola?”

Mas a aprendizagem individual é outra história. Aqui, os psicólogos descobriram que


alguns dos conselhos mais consagrados em relação aos hábitos de estudo estão
totalmente errados. Por exemplo: muitos cursos sobre habilidades de estudo insistem
que o estudante deve encontrar um local específico, uma sala de estudos ou um canto
silencioso da biblioteca, para fazer seu trabalho. A pesquisa mostra justamente o
contrário.  Uma experiência clássica em 1978 verificou que estudantes
universitários que estudaram uma lista de 40 palavras de vocabulário em duas salas
diferentes – uma sem janelas e bagunçada, outra moderna, com vista para um jardim –
se saíram muito melhor em testes do que alunos que estudaram as 40 palavras duas
vezes, numa mesma sala. Estudos posteriores confirmaram o resultado, para uma
variedade de tópicos.

O cérebro faz associações sutis entre o que está estudando e as sensações à sua volta
naquele momento, ainda que inconscientes. Elas tingem os termos do Tratado de
Versalhes com a luz fluorescente da sala de estudos, digamos; ou os pontos do Plano
Marshall com a sombra verde da árvore do quintal. Forçar o cérebro a fazer associações
múltiplas com o mesmo material pode, na verdade, dar mais suporte neural àquela
informação. “Achamos que o que acontece é que, quando o contexto externo é variado,
a informação é enriquecida, e isso torna o esquecimento mais lento”, disse Bjork,
principal autor da experiência das duas salas.

Variar o tipo de material estudado numa única sentada – alternar, por exemplo, entre
vocabulário, leitura e conversação numa nova língua – parece deixar uma impressão
mais profunda no cérebro do que a concentração em apenas uma habilidade de cada
vez. Os músicos sabem disso há anos, e suas sessões de prática geralmente incluem
uma mistura de escalas, peças musicais e trabalho rítmico. Vários atletas também têm
uma rotina de treinamento que combina exercícios de força, velocidade e técnica.
As vantagens dessa abordagem dos estudos podem ser notáveis, em algumas áreas.
Num estudo recente, publicado na internet pela revista Applied Cognitive Psychology
[Psicologia Cognitiva Aplicada], Doug Rohrer e Kelli Taylor, da Universidade do Sul
da Flórida, ensinaram quatro equações a um grupo de alunos da quarta série, cada
uma para calcular uma dimensão diferente de um prisma. Metade das crianças
estudou a partir de exemplos repetidos de uma mesma equação – calcular o número de
faces do prisma a partir do número de lados da base, por exemplo -, passando depois
para a equação seguinte, estudando repetidos exemplos dela. A outra metade estudou
conjuntos combinados de problemas, com exemplos dos quatro tipos de equações
agrupadas. Os dois grupos resolviam amostras do problema enquanto estudavam.

No dia seguinte, aplicou-se um teste a todos os alunos, com novos problemas do


mesmo tipo. As crianças que estudaram conjuntos misturados se saíram duas vezes
melhor que as outras, acertando 77% das questões, contra 38% do outro grupo. Os
pesquisadores chegaram ao mesmo resultado em experiências com adultos e com
crianças menores.

“Diante de uma lista de problemas do mesmo tipo, os alunos sabem qual estratégia
usar antes mesmo de ler o problema”, diz Rohrer. “É como andar de bicicleta com
rodinhas.” Com a prática mista, “cada problema é diferente do anterior, ou seja, as
crianças têm de saber escolher o procedimento adequado – exatamente como tiveram
de fazer no teste.”

Essas conclusões vão muito além da matemática, e vão até a aprendizagem estética
intuitiva. Numa experiência publicada no mês passado na revista Psychology and
Aging [Psicologia e Envelhecimento], os pesquisadores verificaram que estudantes
universitários e adultos da terceira idade eram mais capazes de distinguir os estilos de
pintura de 12 artistas pouco conhecidos depois de ver coleções mistas (sortidas, com
trabalhos de todos os 12) do que depois de ver uma dúzia de trabalhos de um só
artista, todos juntos, passando depois ao seguinte.

A conclusão enfraquece o pressuposto comum de que a imersão intensiva é a melhor


forma de realmente dominar um estilo em particular, ou tipo de trabalho criativo,
afirma Nate Kornell, psicólogo do Williams College e principal autor do estudo. “O
que parece acontecer neste caso é que o cérebro assimila padrões mais profundos
quando vê pinturas sortidas: ele assimila o que é familiar e o que é diferente sobre
elas”, muitas vezes de forma subconsciente.

Os cientistas cognitivos não negam que o bom e velho afinco pode levar a uma nota
melhor num determinado exame. Mas abarrotar o cérebro às pressas é como encher
correndo uma mala vagabunda: o conteúdo fica ali um tempo, mas logo a maior parte
se perde. “Com vários alunos, não é que eles não consigam lembrar a matéria” quando
passam para uma turma mais avançada, diz Henry Roediger III, psicólogo da
Universidade de Washington em St. Louis. “É como se eles nunca tivessem visto aquilo
antes.”

Quando é arrumada com cuidado e de forma gradual, a mala neural retém seu
conteúdo por muito mais tempo. Uma hora de estudo à noite, uma hora no fim de
semana, outra sessão daqui a uma semana: esses espaçamentos melhoram a memória
de longo, sem desperdício de esforços ou necessidade de excesso de atenção: esta é a
conclusão de muitas pesquisas. Ninguém sabe ao certo por que isso acontece. Pode ser
que o cérebro, ao voltar à matéria mais tarde, tenha de reaprender alguma coisa
daquilo que foi absorvido, antes de acrescentar coisas novas – e que esse processo
permita, por si mesmo, o autorreforço. “A ideia é que o esquecimento é amigo da
aprendizagem”, diz Kornell. “Esquecer uma coisa permite que você a reaprenda, e o
faça de forma efetiva da próxima vez.”

Esta é uma das razões pelas quais os cientistas cognitivos veem os testes, as provas
práticas e os “quizzes” como ferramenta poderosa de aprendizagem, e não apenas de
avaliação. O processo de retenção de uma ideia não é como o de tirar um livro de uma
estante: ele parece alterar fundamentalmente a forma pela qual a informação é
posteriormente armazenada, tornando-a muito mais acessível no futuro.

Roediger usa a analogia do princípio da incerteza de Heisenberg, na física, que afirma


que o ato de medir uma propriedade de uma partícula (sua posição, por exemplo),
reduz a precisão com a qual se pode conhecer outra propriedade (força, por exemplo):
“Fazer testes não apenas mede o conhecimento, mas o altera”, afirma – e, felizmente,
no sentido de ter mais certezas, não menos.

Numa de suas próprias experiências, Roediger e Jeffrey Karpicke, também da


Universidade de Washington, puseram alunos para estudar tópicos de ciências a partir
da leitura de textos, em períodos curtos de estudo. Quando estudaram a mesma
matéria duas vezes, em sessões sucessivas, eles se saíram muito bem num teste
aplicado imediatamente, e depois esqueciam a matéria. Mas se estudavam os tópicos
apenas uma vez, saíam-se muito bem num teste dois dias depois, e em outro, duas
semanas mais tarde. “Os testes têm essa má conotação: as pessoas pensam em testes
padronizados ou em ensinar para testes”, diz Roediger. “Talvez seja o caso de dar
outro nome, mas trata-se de uma das ferramentas de ensino mais poderosas que
temos.”

Uma razão pela qual pensar em testes causa dor de barriga, é claro, é que eles são em
geral difíceis. Paradoxalmente, é justamente essa dificuldade que os torna uma
ferramenta de estudo tão eficiente, segundo as pesquisas. Quanto mais difícil lembrar
alguma coisa, mais difícil é esquecê-la depois. O nome do ator que fez o papel de Linc
em “Mod Squad”? O irmão de Francie em “Laços Humanos”? O nome da pessoa que
descobriu o cálculo junto com Newton? Quanto mais o cérebro tiver de suar para
desenterrar essas informações, mais seguramente elas ficarão ancoradas mais tarde.

Nada disso, porém, é para sugerir que essas técnicas – alternar ambientes de estudos,
misturar conteúdos, espaçar as sessões de estudos, aplicar autotestes ou todas as
demais coisas acima – vão transformar um preguiçoso num bom aluno. A motivação
tem sua parte, assim como impressionar os amigos, entrar para o time da escola e
tomar coragem de manter um torpedo para a gatinha das ciências sociais. “Em
experiências laboratoriais, você pode controlar todos os fatores, exceto aquilo que está
estudando”, diz Willingham. “Mas isso não vale na sala de aula, na vida real. Todas
essas coisas interagem ao mesmo tempo.”

Mas, pelo menos, as técnicas cognitivas dão aos pais e aos alunos, jovens e velhos, algo
que muitos não tinham antes: um plano de estudos baseado em evidências, e não em
sabedoria popular de pátio de escola, ou teorizações vazias.

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