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Universidade Federal Fluminense

Escola de Engenharia

Doutorado em Engenharia Civil

Curso: Técnicas de Gerenciamento de empresas e empreendimentos


Prof.: Wainer da Silveira e Silva, Ph. D.

Aluno: Antonio Fernando de Araujo Navarro Pereira, M. Sc.

Avaliação do artigo: Engenheiro das Américas: Solução ou Problema?, fornecido pelo Prof. Wainer, para
análise e comentários.

O artigo trata da opinião de um dos professores envolvidos na análise da integração dos curricula, aqui
entendido como o plural de curriculum, dos profissionais de engenharia, nas Américas, objetivando uma
padronização de conhecimentos, pelo que se pode depreender. O articulista traça sua linha de raciocínio
sobre o tema e, quando segue para seus comentários, faz uma abordagem sobre determinada empresa do
Brasil, privatizada por empresa americana, onde o processo de assimilação da cultura e dos processos da
empresa brasileira não foram bem sucedidos, com a demissão de mais de 50% do quadro de profissionais.

Deve-se filtrar a questão de todas as emoções carreadas para o artigo, bem como a das reais intenções com
a criação dessa unificação da graduação da engenharia. Vejamos por partes:

1) Perfil dos profissionais

Qualquer grade curricular para ser desenvolvida precisa levar em consideração uma série de fatores,
porque se não, corre-se o sério risco de ter profissionais não bem sucedidos em suas profissões ou sem
uma colocação no mercado de trabalho. No Brasil ocorrerem inúmeras situações de investir-se em
profissões que não foram corretamente aproveitadas nos locais de formação dos profissionais. Dentre
esses fatores ressalta-se, entre outros aspectos:

• Vocação da região, em termos de desenvolvimento tecnológico e de produção;


• Perfil dos profissionais que irão participar dessa formação curricular;
• Momento presente em que se dá essa mudança;
• Investimentos necessários (recursos), tanto de mão-de-obra quanto de materiais;
• Tempo de formação acadêmica versus necessidade do mercado;
• Capacidade de absorção do mercado.

Na década de 70 o Brasil enveredou pela criação de cursos profissionalizantes, titulação essa concomitante
ao do curso de segundo grau, na época, curso científico. Pois bem, os esforços iniciaram-se em 1973 indo
até 1980, em alguns locais. O aproveitamento dos profissionais foi baixo. Para piorar, houve mudanças
econômicas significativas no Brasil e mudanças nas vocações das regiões atendidas por esses cursos, de
modo que inviabilizou a continuidade dos mesmos, nas escolas públicas.

2) Perfil dos cursos

O perfil ou programa dos cursos é outra questão que deve ser avaliada com cautela. Em ambientes com
grande desenvolvimento tecnológico é normal que os cursos oferecidos também o sejam, e voltados para
as tecnologias praticadas no entorno dos centros de formação profissional. Também aqui deve-se levar em
consideração alguns fatores como:
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• Vocação da região, em termos de desenvolvimento tecnológico e de produção;
• Facilidades de desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias;
• Facilidade de obtenção de recursos necessários à P&D;
• Qualificação dos profissionais ingressos;
• Possibilidade de absorção desses profissionais pelas indústrias locais, considerando que a situação ideal
é aquela onde as empresas que demandam essa mão-de-obra esteja localizada a não mais do que
200km de distância dos centros universitários

3) Cultura e valores

Consideramos este tema: cultura e valores como o mais importante nesse processo de adesão ao projeto.
Apesar de recebermos a alcunha de “latinos”, para os habitantes do hemisfério sul, nossos valores e
culturas são bem distintos. Pensamos e agimos diferentemente dos chilenos, paraguaios, bolivianos
colombianos, e outros. Mesmo entre os países com língua materna espanhola, as culturas são também
diferentes. Há inúmeras desigualdades entre esses povos. Quando comparamos os “latinos” aos anglo-
saxões do norte as igualdades passam a ser nenhuma. Como unificar conhecimentos ou experiências nesse
caldeirão de culturas e valores? Como introduzir um engenheiro peruano em uma fábrica canadense, ou
um uruguaio em uma fábrica do Texas? Quando a questão é apenas a financeira, a equação passa a ser
resolvida com facilidade. Quem não quer deixar de ser desempregado ou subempregado e passar a ganhar
U$ 150,000.00 ao ano e com uma série de outras vantagens? Parece uma coisa muito boa, não é. Não se
troca um emprego por um subemprego. Não se troca um país com toda a infra=estrutura necessária para a
criação de seus filhos por outro onde a guerrilha e o narcotráfico imperam. Isso parece lógico a todos.

Outra questão também relevante é a que diz respeito à grade curricular, tema esse que, aparentemente
está relacionado ao capítulo anterior. Entretanto, para melhor explicar nossos conceitos, resolvemos tratá-
la distintamente. Os aspectos que precisam ser considerados quando se analisa essa questão são:

• Perfil do curso;
• Quantidade de semestres da formação;
• Temas abordados;
• Profundidade da abordagem das questões;
• Pré-requisitos e requisitos necessários para os docentes e discentes.

Apresentada essa primeira parte, cuja avaliação é mais técnica do que política ou econômica, precisamos
identificar agora algumas questões relativas a estratégias, oportunidades, salvaguardas e outras
assemelhadas. Uma preocupação natural que surge nesse momento é: Porque se pretende unificar os
curricula profissionais para formar-se o Engenheiro das Américas? Várias poderão ser as respostas, que
variarão de acordo com o momento. Algumas que podemos enumerar são:

I) Estratégia de negócios

Em empresas multinacionais ou transnacionais, com tecnologias específicas, como as indústrias


farmacêuticas, de armamentos, de pesquisa e desenvolvimento, será que vale a pena empregar pessoas de
outros países que possam ter acesso fácil a essas tecnologias e depois repassá-las a seus países ou a outros
países? Se quisermos descobrir o que o inimigo faz basta “plantar” empregados graduados em seu efetivo.
É a maneira mais simples de se disfarçar a espionagem. Isso foi feito por inúmeros países e ainda se faz
hoje. No final da segunda guerra mundial os cientistas alemães foram para os Estados Unidos e para a
Inglaterra para desenvolver a tecnologia atômica e do lançamento dos foguetes. Vários são os casos de
pesquisadores que foram para outros países. A imprensa noticia que alguns eram “seduzidos” a ir. Quando
se unifica os curricula corre-se o grande risco de se ter a repetição de casos como o ilustrado pelo
articulista, com a “privatização” da EMBRATEL, cujo preço de venda em leilão foi significativamente menos
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do que os pesados investimentos feitos pelo governo em CDAs meses antes. O país que detém uma maior
tecnologia não irá querer contratar para os postos chave engenheiros que não sejam oriundos desse. Isso
também nos parece óbvio.

II) Estratégia de tecnologias

A questão da estratégia de tecnologia é assemelhada á questão da estratégia de negócios, já que uma


questão está associada a outra. Nas diferenças pode-se avaliar melhor o impacto dessas unificações. Em
muitas negociações entre países uma das moedas mais fortes é aquela relacionada com a tecnologia ou
com o desenvolvimento tecnológico. Essa é uma das grandes questões de atritos entre países, relacionados
á transferência de royalties, transferência de know how e piratarias. É um negócio que envolve bilhões de
dollares, com uma enorme agregação de valor, e um baixo contingente de pessoas atuando. Durante
décadas, conta a história que “missionários americanos” se infiltravam na Amazônia para ajudar os povos
indígenas. Muito recentemente soube-se que esse povo tinha todo o mapeamento genético dos povos
indígenas e que, por meio desse, havia desenvolvido uma enorme quantidade de fármacos. Há uma
enorme quantidade de histórias a este respeito, muitas fábulas e outras verdades, encobertas por trás de
um fino véu. A partir do momento em que se instituirá a liberdade de trânsito e o livre reconhecimento da
atuação desses profissionais, deverá avaliar-se melhor essa questão.

III) Mão-de-obra excedente

A oscilação das demandas por mão-de-obra especializada é uma incógnita. Tomemos como exemplo a
implantação de uma indústria no interior do estado de São Paulo. Imaginemos tratar-se de uma fábrica
estrangeira, que quer duplicar sua capacidade de produção, reduzindo custos, apenas, tanto na mão-de-
obra quando nos insumos e impostos, e que escolheu essa cidade por causa dos elevados benefícios fiscais,
por 15 anos, e vantajosas taxas do BNDES. Qual seria o incremento de mão-de-obra especializada que ela
iria gerar, se o projeto já vem pronto, os financiamentos não determinam que as construtoras sejam locais
e que os níveis gerenciais já vêm com o projeto? Para que, ou melhor, para quem, uma universidade
federal iria formais engenheiros se esses não teriam muitas chances de trabalhar nesse empreendimento?

Vendo a questão sob outra ótica, a flutuabilidade da mão-de-obra, principalmente especializada, depende,
entre outras questões de:

• Inversão de recursos de acionistas;


• Crescimento do parque fabril;
• Fortes políticas de exportação;
• Altas demandas por tecnologia especializada.

As taxas de crescimento nas Américas não são tão elevadas que justifiquem a elevação da necessidade de
novos profissionais. Taxas tão elevadas quanto as da China, da ordem de 10% ao ano, são justificáveis
quando o país sai de um nível zero de tecnologia para um nível delta, motivado principalmente pelo
crescimento populacional. Esse crescimento é limitado, pois, caso contrário, poderá trazer sérias
conseqüências futuras. O Plano Marshall foi um dos exemplos mais contundentes.

O plano de reconstrução foi desenvolvido em um encontro dos Estados europeus participantes em julho de
1947. A União Soviética e os países da Europa Oriental foram convidados, mas Josef Stalin viu o plano como
uma ameaça e não permitiu a participação de nenhum país sob o controle soviético. O plano permaneceu
em operação por quatro anos fiscais a partir de julho de 1947. Durante esse período, algo em torno de US$
13 bilhões de assistência técnica e econômica — equivalente a cerca de US$ 130 bilhões em 2006, ajustado
pela inflação — foram entregues para ajudar na recuperação dos países europeus que se juntaram à
Organização Européia para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

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Quando o plano foi completado, a economia de cada país participante, com a exceção da Alemanha, tinha
crescido consideravelmente acima dos níveis pré-guerra. Pelas próximas duas décadas a Europa Ocidental
iria gozar de prosperidade e crescimento. O Plano Marshall também é visto como um dos primeiros
elementos da integração européia, já que anulou barreiras comerciais e criou instituições para coordenar a
economia em nível continental. Uma conseqüência intencionada foi a adoção sistemática de técnicas
administrativas norte-americanas.

Recentemente os historiadores vêm questionando tanto os verdadeiros motivos e os efeitos gerais do


Plano Marshall. Alguns historiadores acreditam que os benefícios do plano foram na verdade o resultado de
políticas de laissez faire que permitiram a estabilização de mercados através do crescimento econômico.
Além disso, alguns criticam o plano por estabelecer uma tendência dos EUA a ajudar economias
estrangeiras em dificuldades, valendo-se do dinheiro dos impostos dos cidadãos norte-americanos.

Da mesma forma, os acordos Bretton Woods, realizados ao final da segunda guerra mundial, que
trouxeram consigo o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, A Organização Mundial do
Comércio, entre outros organismos, e todos com o mesmo foco, trouxeram resultados para, em primeiro
lugar, os Estados Unidos e, depois, para alguns dos aliados.

Como conclusão, vemos um acordo como o dessa natureza, como fadado ao fracasso, sob o ângulo de
visão dos “latinos”, pelas várias razões já apresentadas, e como uma excelente oportunidade para os
demais países. Isso se assemelha ao sonho dos milhares de jogadores de futebol que querem ser estrelas. O
percentual daqueles que galgam os píncaros da fama talvez não chegue nem a 5%. E olhe que nesse caso a
habilidade está do nosso lado.

As diferentes culturas, as diferentes necessidades, as diferenças tecnológicas são indicadores de um


provável fracasso do plano.

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