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Resumo
A avaliação sistêmica “emergética” que inclui os valores dos insumos ambientais, a
diminuição no oferecimento de serviços ambientais e o aumento das externalidades
negativas dos projetos para produção de álcool combustível revela uma realidade muito
diferente da imagem da indústria da cana difundida pela mídia. Por meio da analise
sistêmica é possível descobrir que a economia de escala desaparece e, ao mesmo tempo,
perceber que sistemas agrícolas ecológicos integrados com pequenas destilarias de álcool
podem ter um ótimo desempenho econômico e sócio-ambiental. Para chegar a essa
conclusão é necessário incluir parâmetros ambientais e sociais. Além disso, hoje, a escolha
da modalidade de produção exige uma análise da conjuntura global, pois o modelo de
desenvolvimento depende tanto das potencialidades locais quanto dos arranjos políticos
regionais e internacionais e do equacionamento da problemática climática e social global.
1. INTRODUÇÃO:
A produção de etanol combustível pode realizar-se de vários modos. Lamentavelmente a
escolha tecnológica ocorre em função dos interesses econômicos e políticos unicamente,
ficando de fora os objetivos sociais e ambientais. Na época de implantação do Pró-Álcool a
opção por usinas grandes (120 000 litros/dia ou seus múltiplos), não era mais do que uma
entre diversas possibilidades existentes [Bueno, 1980]. A opção adotada implicou no
desgaste de recursos humanos (“bóias-frias”), naturais (solo, flora, fauna) e financeiros
(possibilidade da aplicação do dinheiro em outros investimentos). A opção pela grande
escala de produção resultou em uma monocultura danosa, pouca possibilidade de interação
com a pecuária e a destruição da diversidade ecológica e das pequenas economias nos
locais onde as grandes usinas se instalaram [Paschoal, 1983; San Martin, 1985]. Hoje
sabemos que também afetou a qualidade da atmosfera global.
Nesta década se repete a situação vivida na década de 70, porém com a possibilidade de
afetar áreas rurais ainda maiores, pois a relação benefício/custo desconsidera as
externalidades negativas e as perdas de serviços ambientais. Não se levam em conta os
estudos que indicam o possível agravamento dos problemas sócio-ambientais e não são
ouvidas as reflexões críticas dos movimentos sociais ao modelo de produção e consumo
vigente nem as implicações do uso de grandes volumes de fertilizantes químicos,
pesticidas e herbicidas (derivados do petróleo) nas mudanças climáticas.
2. JUSTIFICATIVA:
A Humanidade evolui a partir do uso de fontes de energia que consegue usar, cabe então
esperar que ela mesma, devido ao declínio dos recursos energéticos e da perda da
biodiversidade, dos problemas da poluição e da crise social, consiga mudar de rumo e se
adaptar a um novo leque de fontes de energia, no qual caberá a biomassa um papel
fundamental [Odum e Odum, 1976; 2001].
O Brasil foi sempre deficitário em petróleo e hoje apresenta um saldo positivo, porém
temporariamente. O país ainda é suscetível às variações de oferta e preço do petróleo no
mercado internacional e a situação pode-se complicar, pois as previsões apontam o
esgotamento das reservas de petróleo em menos de três décadas e um aumento de preço do
barril de petróleo aos níveis que atingiu durante as crises de 1972 e 1983 ou maiores.
Nessa conjuntura, o uso dos combustíveis da biomassa constitui uma alternativa que pode
colaborar na solução do “efeito estufa” se bem planejada [Cerqueira Leite, 1988, 2006;
Vasconcelos e Vidal, 2002].
Como nos anos seguintes o preço do petróleo caiu muito, esses empreendimentos foram
desativados, pois não podiam competir com um combustível de alta qualidade
disponibilizado a um preço que era mantido baixo para subsidiar o sistema industrial
global. Mas o petróleo é finito e causa um grande impacto na natureza, na sociedade e na
atmosfera, portanto as pesquisas e os empreendimentos em mini-usinas integradas
voltaram a ser realizados.
3. TECNOLOGIA:
Quando se planeja uma destilaria de álcool, se determina o futuro da região, poderíamos
pensar em uma relação escala de produção vinculada ao sistema social (ver tabelas 1 e 2).
As escalas de 4000 até 40 000 hectares permitem produzir álcool concentrado (99%) e
eletricidade de forma eficiente com vapor a alta pressão. As escalas de 4 até 400 hectares
apresentam atualmente limitações na produção de etanol absoluto permitindo apenas
produzir álcool hidratado de 94% sem co-geração de eletricidade. Assim, ter-se-ia somente
a auto-suficiência de combustível líquido.
Modelo Modelo
Efeito medido ecológico agro-químico
US$/ha/a US$/ha/a
Geração e manutenção de emprego rural, um 180,00 12,00
emprego cada 10 ha (salário mínimo) versus um
posto de trabalho cada 300 ha (dois salários). [14]
Problemas sociais na periferia das cidades: infra- 0 -30,00
estrutura e serviços públicos para migrantes,
desemprego, narcotráfico, criminalidade, etc.
Geração e manutenção de solo. [17] 0 -13,60
Assoreamento. [20] 0 -83,00
Manutenção da cobertura vegetal e da 0 -4,00
biodiversidade. [17]
Geração de mudanças climáticas: dióxido de -10 -60,00
carbono, óxido nitroso e metano. [03][17]
Infiltração de água pela floresta preservada e 180,00 22,50
filtração da água pela drenagem dos brejos
Preservação da qualidade da água dos rios. [01]
Problemas de poluição hídrica. [17] 0 -39,70
Preservação da qualidade de vida no meio rural e 3,7 0
da paisagem (valor estético). [20]
Destruição do ecossistema (floresta, cerrado): 0 -98,38
custos de reposição da cobertura vegetal e da
biodiversidade. [14]
Problemas de saúde provocados pelos 0 -0,20
agrotóxicos. [17]
Totais 353,70 -303,38
Diferença a favor 657,00
4. ESTUDO DE CASO:
A Fazenda Jardim de Marcello Mello, em Mateus Leme, Minas Gerais, possui uma micro-
usina desenvolvida pelo proprietário. A fazenda tem 300 ha, porém o sistema da micro-
usina de álcool ocupa somente 20 ha, nesse espaço existe cana-de-açúcar (2 ha), uma
reserva de vegetação nativa dentro do vale da micro-usina (10 ha), plantações diversas
como bananal, eucaliptal, horta e pomar (1 ha) e áreas de pastagem para o gado (6 ha).
Essa ocupação do espaço contribui para uma maior sustentabilidade, para a preservação da
biodiversidade do meio ambiente e para a existência de nascentes. Na figura 2 e nas fotos
colocadas a seguir, destacamos a mini-usina de álcool.
Corte manual e transporte em cangalha
Bagaço com
restos de açúcar
caldo
Triturador à diluido
facas
Vapor
Dornas para alcoólico Coluna de destilação
fermentação em
para retificação
batelada
Trocador de
calor
Resíduos Coluna de
agrícolas cachaça
vinhoto Depósito
palha vinhoto
Carne bovina em pé
Adubo orgânico
Pilha de esterco fermentado
Bezerros Materiais,
Formicida Serviços
magros energia
Mão-de-
obra
Minerais
do solo Água, solo,
biodiversidade,
Produtos e
micro-clima serviços do
bosque nativo
Nitrogênio Vegetação
atmosférico nativa
Consumo interno
Produtos da horta
Pessoas
e do pomar
Parcela
individual
Sol, Vinhoto
vento,
chuva Gado gordo em pé
Pastos, grãos, Gado
arbustos
Cinzas
Postes
Eucalipto
Álcool 94%
Micro-usina de álcool,
agroindústria local e
Cana-de- regional. Esterco
açúcar
40 kg ?
Estoques de
biomassa em Madeira
crescimento (10 ton/ha/ano)
Sol, vento, 1200 mm Eucalipto e
chuva outras árvores Lenha
(10 ton/ha/ano)
albedo 1 ha
Produtos
Álcool 2,59E+10 J
Carne 4,39E+09 J
Madeira venda 7,10E+09 J
Aspargo venda 4,60E+08 J
Energia total 3,79E+10 J
1 - Definição; 2 - Ulgiati e Brown, 2004; 3 – Odum, 1996; 4 - Brandt-Williams, 2002; 5 - Coelho et al., 2003.
Tabela 6. Somatório dos fluxos de emergia
Fluxo Valor (seJ ha-1 ano-1)
Renováveis (R) 6,59E+15
Não renováveis (N) 1,12E+14
Recursos da natureza (I) 6,71E+15
Materiais (M) 2,32E+15
Serviços (S) 8,58E+14
Recursos da economia (F) 3,18E+15
Emergia total (Y) 9,88E+15
Tabela 7. Indicadores de emergia calculados.
Índice Cálculo Valor Unidade
Transformidade Tr =Y/Ep 261025 seJ/J
Taxa de Rendimento de Emergia EYR = Y/F 3,11 adimensional
Taxa de Investimento de Emergia EIR = F/I 0,47 adimensional
Taxa de Carga Ambiental ELR = (N+F)/R 0,50 adimensional
Renovabilidade %R = 100(R/Y) 66,7 %
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema estudado mostra valores satisfatórios dos índices emergéticos. Especialmente o
índice de renovabilidade que indica que o sistema é 67% sustentável. O valor da emergia
capturada da natureza e disponibilizada para a cadeia produtiva é alto (EYR=3,1). A
pressão exercida sobre o meio ambiente é baixa (EIR=0,47; ELR=0,5). Os cálculos do
sistema estudado podem ser melhorados incluindo dados e indicadores econômicos e
sociais. E ainda, é possível considerar a opção de SIPEA de produção de leite e cachaça
com unidades regionais de destilação para obter álcool concentrado.
Por outro lado, seria muito conveniente realizar uma analise emergética para o modelo que
está sendo proposta na ampliação do Pró-Álcool (Cerqueira Leite, 2006) e comparar os
indicadores das duas propostas, tanto em termos de unidades isoladas de produção quanto
de redes de produção nacional para discutir políticas públicas locais e globais.
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
A Marcello Mello pela entrevista concedida. A Mileine Zanghetin pela elaboração de
figuras e pelas opiniões sobre o arranjo do texto. A Cezira Miluzzi e Edson Espósito pela
revisão gramatical. A Alexandre Souza e Marcus Grande pela ajuda na preparação de um
vídeo com a entrevista com Marcello Mello na qual descreve a Fazenda Jardim.
6. BIBLIOGRAFIA:
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