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Democracia
e governança financeira
Julho 2010 1
especial | Democracia e Governança financeira
O déficit democrático
nas instituições
multilaterais
Fernando J. Cardim de Carvalho
Economista, professor titular do Instituto de Economia da UFRJ e um dos coordenadores do projeto
Liberalização financeira e governança global: o papel dos organismos internacionais
Por muito tempo, o funcionamento dos mercados financeiros foi considerado uma ati-
vidade de pouco interesse para as organizações da sociedade civil. Para muitas pessoas,
esses mercados apenas serviam para redistribuir renda entre os grupos de renda mais
alta da população. Alguns ricos ficavam mais ricos, outros, consequentemente, menos,
mas acreditava-se que a sociedade como um todo não tinha por que devotar atenção a
esse jogo. O que interessava era o que acontecia com a economia real, com os setores
A crise econômica dos últimos três anos mostrou a validade de uma esquecida
lição de grandes pensadores do capitalismo: nada é mais real em uma economia capi-
sistema financeiro não é indiferente para o restante da sociedade. Por um lado, porque
o principal canal pelo qual as instituições financeiras ganham dinheiro é pela oferta de
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O déficit democrático nas instituições multilaterais
crédito, em suas muitas formas. Quando esse ção, nem consumo em economias capitalistas.
crédito é ofertado para os que produzem e ad- O produto despenca, o desemprego cresce, e
quirem bens, ele pode contribuir para acelerar a população, especialmente aqueles grupos de
o crescimento econômico e para conceder à renda mais baixa que não têm onde se apoiar na
população acesso aos bens que deseja - espe- hora de necessidade, paga o preço do aumento
cialmente aqueles de mais alto valor, como bens dramático de pobreza. Isso tudo acontece apesar
de consumo durável, automóveis e residências. da capacidade “real” de produção continuar
Ao contrário, quando esse crédito é dirigido a fundamentalmente a mesma. As fábricas conti-
outras instituições e agentes financeiros, como nuam de pé, as máquinas continuam existindo
aconteceu nos últimos anos nas economias mais - mesmo se paradas -, os trabalhadores que
avançadas, o resultado é sempre a construção poderiam estar utilizando-as continuam vivos,
de castelos de cartas, fadados, cedo ou tarde, mas em suas casas ou perambulando pelas ruas
ao desmoronamento. em busca de oportunidades de emprego. Os
A segunda razão pela qual o funciona- pensadores mais conhecidos que analisaram as
mento do sistema financeiro não pode ser indi- economias capitalistas continuam tendo razão:
ferente para a sociedade é porque quando esses nada é mais real em uma economia assim do
mercados se tornam disfuncionais, novamente que o dinheiro e as finanças.
como aconteceu nos últimos anos, eles acabam A globalização financeira é um processo
entrando em crise. E crises financeiras contagiam pelo qual os mercados financeiros de todo o
rapidamente o resto da economia. Instituições mundo tendem a se unificar. No seu limite, dei-
financeiras cujo capital esteja ameaçado ou te- xam de existir os mercados financeiros nacionais
nha diminuído por causa de perdas não fazem e passa a existir apenas um grande mercado,
empréstimos. Sem empréstimos, não há produ- o mercado mundial, no qual compradores e
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vendedores de ativos financeiros fazem suas Mundial também impuseram muitos controles
transações, sem que sua nacionalidade ou re- de capitais e os mantiveram em operação até
sidência faça qualquer diferença. Esse processo recentemente, na década de 1980. Grandes
se dá por vários canais. potências emergentes como a China e a Índia
Por um lado, instituições financeiras os mantêm até hoje.
nacionais se tornam multinacionais: bancos Na América Latina, o canto da sereia (ou
americanos se instalam ou se expandem nos o conto do vigário) do neoliberalismo levou a
mercados latino-americanos, europeus e asi- maioria dos países a remover essa forma de
áticos. Bancos europeus e asiáticos fazem o proteção. Argentina, Brasil (de Collor a Lula),
mesmo. Até mesmo casas bancárias latino- Chile, México, todos compraram a propaganda
americanas perseguem o mesmo objetivo, como de que mercados financeiros são eficientes e
é o caso dos grandes bancos não precisam de controles. No Brasil, ainda há
privados brasileiros e, mais poucas semanas, o Banco Central continuava a
recentemente, até mesmo tomar medidas para liquidar os últimos resquí-
Um resultado o Banco do Brasil. Esses
bancos captam recursos nos
cios dos controles (que, a bem da verdade, já
não eram aplicados, pela falta de vontade das
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O déficit democrático nas instituições multilaterais
que essas atividades podem mesmo se tornar cidade de intervenção e contenção de crises
armas de destruição em massa – como George de governos foram corroídas, portanto, tanto
Soros usou a expressão para se referir a deri- domesticamente quanto internacionalmente,
vativos –, levou os países mais avançados, sob ainda que não inteiramente destruídas.
a liderança dos Estados Unidos do presidente
Franklin Roosevelt, a criar um grande conjunto
Déficit democrático
de instrumentos de controle do funcionamento
de mercados financeiros capazes de evitar novas No entanto, já desde a década de 1970 alguns
crises catastróficas, ou pelo menos amenizar os sinais de perigo começaram a ser visíveis. Em
seus impactos. meados daquela década, a quebra de um ou
Na era pré-globalização financeira, que outro banco nos Estados Unidos e na Europa
durou até os anos 1970 e 1980, o aparato de começavam a indicar que a globalização estava
regulação financeira criado pôde ser manejado criando um tipo novo de risco, gerado fora das
com eficácia e crises financeiras de vulto não fronteiras de um país.
voltaram a ocorrer por cerca de cinquenta anos. O primeiro desses sustos foi dado quando
As instituições criadas pelo governo Roosevelt um banco alemão, relativamente pequeno -
foram copiadas e adaptadas pela maioria dos pouco relevante em si, mas bastante integrado
países do mundo, desenvolvidos e em desen- no mercado financeiro mundial -, faliu por
volvimento. A competência na definição das causa de uma descoordenação entre seus ne-
regras (que, estrito senso, é o que se chama de gócios nos mercados japonês e americano. O
regulação financeira) e na sua implementação banco Herstatt captava em um país e aplicava
(atividade chamada de supervisão financeira, em outro e quando teve de interromper suas
exercida em muitos países pelo Banco Central) atividades acabou criando problemas na Ásia
ajudou a criar mercados financeiros mais ou e nos Estados Unidos além, naturalmente, na
menos sólidos, capazes de apoiar a atividade Europa. O resultado mais importante desse e de
produtiva sem criar riscos excessivos para a outros episódios ocorridos à mesma época foi a
sociedade como um todo. percepção de que, tendo instituições financeiras
Um economista americano que a crise operando em vários mercados nacionais, cada
atual tornou célebre, Hyman Minsky, adver- país acabava se expondo ao risco de ter de en-
tiu, há décadas, que a segurança pode gerar frentar uma crise gerada fora da jurisdição de seu
a complacência. Nas palavras que usava, a governo. Naturalmente, se um choque é gerado
estabilidade pode se tornar desestabilizante, por uma instituição financeira operando fora das
porque a experiência da ausência de crises fronteiras nacionais, o Estado não tem como
leva muitos a acreditar que crises são coisa do intervir para exigir que instituições estrangeiras
passado, já não são mais ameaças e, por isso, se comportem da maneira como gostaria.
não é necessário que os cuidados e precauções Desse modo, enraizou-se a crença de
tomados no passado continuem sendo aplica- que era necessário definir instâncias interna-
dos. Foi isso exatamente que caracterizou o cionais de regulação e supervisão financeira
que se tornou conhecido como desregulação para garantir que instituições operando em
financeira, processo que foi acelerado na era mercados sobre os quais um dado país não
Reagan/Thatcher. tem controle não venham a criar dificuldades
Fundamentalmente, o processo consis- para esse país. Foi nesse contexto que nasceu o
tiu na desmontagem de restrições à atividade Comitê da Basiléia para a Supervisão Bancária,
dos agentes e instituições financeiros, sob o ou Comitê da Basiléia, como é conhecido. O
pressuposto de que os mercados sabiam o comitê serve para que supervisores financeiros
que é melhor e dispensavam a intervenção nacionais possam discutir métodos e padrões
do governo, que críticos liberais sempre de regulação e supervisão comuns, de modo
caracterizam como pesada, desengonçada a garantir que um nível mínimo de seguran-
e poluída pela corrupção, o que consideram ça seja alcançado por todos, evitando com
monopólio estatal. isso que membros de comportamento mais
Ao mesmo tempo que as instituições duvidoso possam causar crises e prejuízos a
nacionais de proteção eram desmontadas, outros países.
dando mais liberdade (e poder) a mercados A iniciativa em si não foi uma má ideia,
financeiros, a globalização projetava processo especialmente se há a crença de que a globali-
semelhante para a economia mundial. A capa- zação veio para ficar - já houve outros períodos
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de globalização no passado, mas que foram Por outro lado, esperava-se que as
interrompidos por grandes crises. Se mercados orientações do Comitê fossem seguidas por
se tornaram maiores que governos, o que se todos os países que não quisessem ser conside-
buscava era criar uma espécie de “governo rados como párias pelos mercados financeiros,
internacional”, pelo menos na esfera da regu- fortalecidas pela adesão de instituições como o
lação financeira. Se os reguladores nacionais se FMI e o Banco Mundial, que as transformaram
articulam para perseguir políticas semelhantes, em paradigma de modernidade. Assim, as
os agentes privados não terão para onde fugir orientações eram decididas por um grupo de
e não poderão, assim, corroer o poder de in- reguladores de dez países e sua aplicação era
tervenção dos Estados. garantida por outras instituições que, como se
O problema dessa iniciativa foi que ela sabe, são mais representativas, mas nas quais
envolveu apenas os países mais desenvolvidos as vozes dos diversos países são ouvidas de
e, mesmo assim, nem todos. O Comitê da modo extremamente desigual.
Basiléia reunia supervisores financeiros do O Comitê da Basiléia exclui, o FMI e o
G10 (teoricamente os supervisores das sete Banco Mundial controlam o tempo de microfone.
maiores economias do mundo, mas que po- Esse é o chamado déficit democrático caracterís-
dia ter um pouco mais ou um pouco menos tico das instituições financeiras multilaterais. De
que dez membros realmente). Não foi criado fato, apenas a ONU, a organização internacional
como uma instância oficial, mas como um que menos influência tem sobre essas matérias,
clube informal de reguladores, um espaço dá voz e voto igual a cada país. Nas outras, ou
de, digamos, socialização, que lhes permitisse a voz não existe e voto ainda menos, ou a voz
conversar sobre problemas regulatórios. A existe, mas o voto dos mais fracos é repartido
natureza informal da associação serviu como por um grande número de países.
instrumento de exclusão, deixando de fora os Foi exatamente para denunciar e pro-
pouco mais de 170 países que não compõem por alternativas de governança para essas
o G10. Dentre esses pouco mais de 170 países instituições que o Ibase iniciou em 2006 um
incluía-se todo o mundo em desenvolvimento, projeto, patrocinado pela Ford Foundation, em
além de países da periferia do grupo de países Nova York, intitulado Liberalização financeira
chamados de “avançados”. e governança global: o papel dos organismos
A exclusão era justificada por razões internacionais. Esse projeto, co-coordenado
de eficiência: com poucos membros, o Comitê por Jan Kregel e pelo autor deste artigo, reúne
poderia analisar e examinar em profundidade cerca de quinze participantes de quase todos
as alternativas mais eficientes de regulação e os continentes, acadêmicos e militantes de or-
propor métodos que incorporassem as téc- ganizações de sociedade civil. Da sua atividade
nicas mais avançadas de supervisão. Nesse já resultaram quatro seminários de debate,
comitê nasceram as estratégias de regulação com a presença de representantes de outras
financeira conhecidas como Acordo da Basi- organizações da sociedade civil, e um número
léia de 1988 e, mais recentemente, o Basiléia significativo de textos e outros materiais sobre
II, de 2004. Além de um grande número de o tema, todos disponíveis no site <www.de-
orientações sobre todos os aspectos da re- mocraciaefinancas.org.br>.
gulação financeira, vista, claro, do ponto de Dentre os trabalhos realizados no âm-
vista liberal que dominou ideologicamente bito do projeto, selecionamos três textos, que
essa discussão nas últimas duas décadas, até ocupam as páginas seguintes. Cada um explora
a eclosão da crise. um ângulo particular e apresenta as conclusões
O argumento da superior eficiência per- a que chega cada autor individualmente. A
mitida pela exclusão de todos os países que não diversidade das posições apresentadas reflete a
fossem os mais ricos desmoronou rapidamente riqueza dos debates e do material acumulado
quando a crise começou. Na verdade, instâncias pelo projeto, podendo servir de instrumentos
de decisão como o Comitê da Basiléia apenas de capacitação de movimentos ou mesmo de
veicularam a mesma ideologia liberal que levou indivíduos que, percebendo a essencialidade
à desregulação e ao desmonte de controles assumida por mercados financeiros nas eco-
de capital que estão na raíz da crise que já se nomias modernas, se decida a participar dos
prolonga há três anos, e que se traduz, entre debates e pressionar por uma governança mais
outros, pelos 10% de desempregados da eco- democrática das instituições responsáveis pela
nomia norte-americana. ação regulatória.
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Finanças internacionais. É hora de radicalizar
Finanças internacionais
É hora de radicalizar
Bruno Jetin1
Economista do Centre d'Economie, Université de Paris Nord, França
Em 1998, durante a crise financeira no Leste Asiático, Paul Krugman publicou um famoso
artigo expressando a consternação dos que creem em uma economia de livre mercado:
Dez anos depois, uma nova crise financeira entrou em erupção, desta vez, no centro
está acuado”.3 Uma janela de oportunidade se abriu novamente para os que apoiam a
Financiar uma economia capaz de fornecer empregos dignos, educação, saúde e 1Como membro do comitê
científico da Attac França, me
beneficiei de seus debates
habitação, respeitando a natureza e as culturas, deve ser a “raison d'etre” de um novo internos. No entanto, sou
o único responsável pelas
opiniões expressas neste
documento.
sistema financeiro, baseado na maior descentralização possível, pois é assim que o con-
2 Paul Krugman, “Saving
Asia: It’s time to get radical”,
trole democrático dos cidadãos pode ser melhor exercido. Fortune, Nova York, 7 de
setembro de 1998.
3 "The Economist", 18 a 24
[Traduzido por Mariana Dias] de outubro de 2008.
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Finanças internacionais. É hora de radicalizar
Não há nada que bancos não possam financiar. A história mostra que muitas inovações foram financiadas
por bancos. E bancos de investimentos especializados podem perfeitamente investir em novos serviços
e bens intangíveis se os riscos forem claramente assumidos.
Mais precisamente, a história mostra que países em desenvolvimento bem-sucedidos, como o Brasil
ou Coreia do Sul, para citar apenas dois exemplos, contam amplamente com bancos públicos para
financiar sua industrialização. Na Coreia do Sul, todo o setor bancário esteve, por vezes, sob controle
estatal. Vários países desenvolvidos, como a França, tinham até a década de 1990, e ainda têm, pode-
rosos bancos estatais que financiam capital e diversos setores de tecnologia, como a energia nuclear,
telecomunicações e indústrias de trens de alta velocidade, juntamente com o financiamento de habitação
social. Não há nenhum argumento definitivo em favor da superioridade dos mercados financeiros, mesmo
em fases posteriores de desenvolvimento. Economias, mesmo as capitalistas, podem perfeitamente viver
sem mercados financeiros.
Se os mercados financeiros fossem fechados, empresas privadas seriam completamente financiadas
por crédito e os gastos públicos seriam financiados por impostos progressivos e corporativos. A lógica é
que é socialmente mais justificável que o Estado seja financiado por impostos e não pela dívida pública.
Caixas de poupanças públicas recolheriam mais dinheiro para financiar gastos públicos, em troca de
uma taxa fixa de juros.
Se o mercado financeiro precisasse ser mantido, no caso de as receitas fiscais e poupanças não serem
suficientes para o total de gastos públicos, seria estritamente regulado. Derivativos5 de todos os tipos se-
riam proibidos e impostos sobre as transações garantiriam que investidores focassem no longo prazo.
Essas propostas podem parecer distantes da realidade, mas até pouco tempo atrás, a nacionalização
do sistema bancário também parecia. Os pacotes de resgate nos EUA e Europa - que de certa forma
“nacionalizaram” bancos privados - trouxeram o tema de volta às manchetes. Esses pacotes de resgate
provam que nacionalizar grandes bancos não é apenas possível: é também desejável.
Esses representantes da sociedade civil ser responsável por essas três metas – e não
garantiriam que os bancos não participassem de apenas pela inflação.
atividades especulativas ou outras aventuras dos • O Banco Central não deve ser independente.
chamados “produtos financeiros inovadores”. O papel e o poder do Banco Central são
Eles também garantiriam que empréstimos grandes demais para serem deixados nas
fossem oferecidos prioritariamente a projetos mãos de auto-proclamados “gestores in-
sociais e ecológicos, debatidos e incluídos em dependentes”, à margem de qualquer tipo
um planejamento democrático. de controle democrático.
Essa governança democrática do novo • A regulamentação dos bancos de desenvol-
sistema bancário nacionalizado seria complemen- vimento também deve ser revista, de modo a 5 Derivativo é um contrato no
qual se definem pagamentos
tada por outras medidas de democratização do incluir todos os aspectos do desenvolvimen- futuros baseados no
comportamento dos preços
Banco Central e outras autoridades públicas. to social: redução da pobreza e desigualda- de um ativo de mercado
• Audiências com o presidente do Banco de de renda, redução da desigualdade de (chamados commodities).
Pode-se dizer que derivativo é
Central no parlamento para que sua política gênero, da discriminação contra pessoas um contrato cujo valor deriva
de um outro ativo.
seja explicada e suas decisões justificadas. com deficiência, da desigualdade étnica,
Isso já existe em alguns países, como nos das desigualdades regionais e proteção do 6 Pleno emprego e
crescimento sustentável
EUA e na União Europeia. Representantes meio ambiente. não são contraditórios, mas
objetivos complementares.
de sindicatos e OSCs também poderiam Pleno emprego não
questionar a política do Banco Central. implica maior quantidade
Instituições e governança possível de produção com
• Audiências públicas com gerências de outros ônus ao meio ambiente.
financeira regionais Reduzir horas de trabalho
bancos públicos, especialmente com bancos por indivíduo permitiria
de desenvolvimento, devem ser organizadas A integração regional pode oferecer uma alter- compartilhar trabalho entre
todos os trabalhadores, sem
no parlamento com mecanismos que per- nativa à globalização neoliberal em comércio, necessariamente aumentar
demais a taxa de crescimento
mitam membros do parlamento e represen- investimentos, finanças, políticas monetária e do PIB e da destruição da
tantes do movimento social interrogá-los. cambial. Mas a integração regional não é pro- natureza, como acontece
na China. Nos países ricos,
• A regulamentação do Banco Central deve gressiva por si só. Um regionalismo com foco nas a taxa de crescimento zero
ou mesmo a diminuição do
incluir o pleno emprego e crescimento pessoas estabeleceria duas novas instituições: um PIB devem ser discutidas. A
sustentável6 como metas oficiais, além do novo tipo de banco de desenvolvimento regional produção de bens e serviços
é suficiente, mas distribuída
controle da inflação. O Banco Central deve e um novo fundo monetário regional. desigualmente.
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O mundo Um “Banco do Sul” interior do G-20. Do lado das OSCs, esse debate
latino-americano poderia ser- é obscurecido pela posição a ser adotada vis-à-
precisa de vir de modelo para a criação vis as instituições financeiras internacionais8 já
de outros na Ásia e África. existentes: devemos fechá-las ou reformá-las?
multilateralismo Um “Fundo Monetário do
Sul”, regional e totalmen-
Fechá-las abre o caminho para a constru-
ção de uma nova arquitetura financeira mundial,
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Finanças internacionais. É hora de radicalizar
• Os bancos centrais não devem refinanciar Apresentei aqui um breve sumário de 12 Para análises mais
compreensivas, veja: Jetin,
bancos indiscriminadamente, com as mesmas alguns princípios e medidas que podem ser Bruno. “Reconstruindo as
taxas de juros para todos os bancos comerciais considerados quando pensamos em um siste- finanças internacionais: É
hora de radicalizar“. Ibase,
e de investimentos, pois valida, a posteriori, ma financeiro e monetário radicalmente novo, Rio de Janeiro, 2008 (versão
integral). Jetin, Bruno."The
suas atividades especulativas e cria um risco democrático e centrado nas necessidades das Basel II accord and the
moral. Os bancos centrais devem refinanciar pessoas. Uma apresentação mais detalhada development of market-based
finance in Asia." Ibase, Rio de
bancos caso a caso, alocando montantes pré- pode ser encontrada em meus escritos ante- Janeiro, 2007a. Jetin, Bruno.
"The Basel II accord and the
definidos que, ultrapassados, implicariam em riores produzidos para a iniciativa Liberalização development of market-based
refinanciamentos com taxas de juros maiores. financeira e governança global: o papel das finance in Asia." 2007b.
Disponíveis em <www.
Isso ajudaria a evitar bolhas. entidades internacionais.12 democraciaefinancas.org.br>.
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Esta é a mais séria crise financeira internacional desde a Segunda Guerra Mundial. O
foco da crise foi o centro do próprio sistema mais avançado e sofisticado do mundo. É
uma crise do tipo “salame”: seu conteúdo aparece fatia por fatia e seu final ainda não
pela recessão nos EUA e pela diminuição da demanda e do crescimento global. Os países
mais pobres são afetados duplamente pela crise dos mercados financeiros e dos preços
dos alimentos.
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Finanças a serviço das pessoas ou tornar o cassino mais seguro para os jogadores?
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não somente cria uma tendência para que esses é papel da sociedade civil pensar unicamente
sistemas se tornem voláteis e instáveis, como em termos pragmáticos. É preciso ir além. A
também aprofunda a desigualdade social. própria apresentação de alternativas é uma
Os países em desenvolvimento e os gru- força política produtiva. A atual crise abre uma
pos sociais mais vulneráveis são especialmente oportunidade para a sociedade civil apresentar
atingidos. Estima-se que, no mundo em de- perspectivas de mudança amplas, profundas
senvolvimento, as perdas causadas pelas crises e de longo prazo.
dos últimos 25 anos alcancem um quarto do Ao mesmo tempo, é necessário desen-
Produto Nacional Bruto (PNB). Porém, mesmo volver propostas de acordo com estratégias de
quando não existe uma crise à vista e os merca- ação. É preciso estabelecer metas que possam
dos financeiros funcionam de forma adequada, ser atingidas no curto prazo, mas que tam-
a volatilidade dos mercados representa uma bém preparem o terreno para uma mudança
tensão econômica permanente e custos para os no equilíbrio de poder e para reformas de
países em desenvolvimento. As flutuações das maior alcance.
taxas de câmbio são responsáveis pela constante
volatilidade das receitas de comércio exterior e
Crise e estabilização de curto prazo
de serviço da dívida.
Necessitamos de mu- O FMI, o Comitê de Estabilidade Financeira e
danças substanciais de pa- alguns governos e bancos centrais adotaram
radigma: a meta não pode medidas como injeções de liquidez, exigências
A transparência ser tornar o cassino mais de transparência, aumento dos investimentos
seguro para os jogadores, e públicos e até mesmo a nacionalização como
é uma sim colocar as finanças a ser-
viço de uma economia que
forma de gestão da crise. Mas essas medidas
não enfrentam suas causas fundamentais.
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Finanças a serviço das pessoas ou tornar o cassino mais seguro para os jogadores?
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regime não deve mais ser determinado de forma A regulação dos fundos “private equity”,
unilateral pelos credores e seus interesses. se feita de forma adequada, dirigindo-os para o
Os paraísos fiscais e centros bancários financiamento de investimentos, pode aumen-
extraterritoriais (offshore) são um risco à esta- tar a eficiência da economia real e ser fonte de
bilidade: servem somente a indivíduos ricos e capital. As exigências de capital precisam ser
especuladores institucionais que desejam escon- aumentadas e a alavancagem limitada a um
der seus ativos das autoridades fiscais, máfia, nível sustentável. São necessárias reformas na
terroristas, traficantes de armas e outras forças governança corporativa e os sindicatos, consu-
criminosas que desejam lavar dinheiro. Por isso, midores e outras partes interessadas devem ter
a atual função econômica desses centros deve participação obrigatória nas decisões.
ser totalmente interrompida. Deve haver limites regulatórios para o en-
dividamento das famílias. Moradia para as cama-
das sociais com o menor poder de compra assim
Enfrentar a concentração de renda
como o acesso à propriedade residencial devem
A tributação progressiva da renda do capital é ser parte dos programas sociais governamentais.
um instrumento fundamental para a supera- Para que haja uma mudança real, a
ção da dinâmica da desigualdade no sistema orientação básica é ter como objetivo romper
financeiro. Enquanto os lucros com transações o domínio dos mercados financeiros sobre a
financeiras e as recompensas para banqueiros economia real. Muitas das medidas acima men-
e altos executivos forem muito maiores do cionadas contribuiriam para uma reorientação
que na economia real, haverá incentivo para das atividades econômicas como, por exemplo,
a especulação e riscos excessivos. Assim, os o imposto sobre transações com moedas, con-
incentivos para lucros excessivos (não lucros troles de capitais, regulamentação de taxas de
per se) precisam ser eliminados, tanto no caso câmbio, imposto de renda progressivo etc.
de indivíduos quanto de instituições. Para fechar as muitas brechas legais
A privatização dos sistemas sociais e que ainda permanecem, outros instrumentos
de infraestrutura importante, como energia poderiam ser utilizados. Alguns deles são a
e transporte, precisa parar e ser revertida. As tributação de todos os tipos de transferência de
questões sociais subjacentes a esses sistemas, capital (para reduzir a hipertrofia e o poder do
como envelhecimento da população, saúde, setor financeiro), diminuindo sua velocidade de
sociedade baseada no conhecimento, mobili- operação e visão de curto prazo; a criação de
dade, proteção do meio ambiente etc, são tão incentivos para que os bancos voltem a financiar
ligadas à própria existência que não podem ser as empresas; e fortalecer e privilegiar, por meio
deixadas à tirania comercial. Como envolvem de tributação, por exemplo, o setor público e
bens comuns, requerem gestão pública. cooperativo da indústria financeira.
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Reforma do FMI Pensamentos e reflexões de um militante em Washington
Reforma do FMI
Pensamentos e reflexões
de um militante em Washington
Rick Rowden1
Ativista, especialista em relações Norte-Sul e em instituições financeiras internacionais.
Nos últimos anos, várias tendências fizeram com que a disparidade de poder entre os países
na Diretoria Executiva do FMI ficasse cada vez mais fora de sincronia com a evolução das
normas contemporâneas. Primeiramente, embora o FMI tenha sido concebido para pro-
e não a países de baixa renda –, tal propósito se inverteu nas últimas décadas, criando
uma situação na qual os países ricos, com maior poder de decisão, não ficavam expostos
desequilíbrio político nunca foi o propósito inicial ou intenção do Fundo, nem de sua
do FMI compatível com o tamanho de suas economias, o que estimulou a demanda por
públicas nas últimas décadas tornou a estrutura de governança do FMI cada vez mais 1 Rick Rowden trabalhou em
Washington com ONGs de
incidência e foi analista sênior
para o escritório da Action Aid
fora de sintonia com os padrões contemporâneos, levando à demandas de modernização nos EUA. Trabalhou também
como consultor da UNCTAD
em Genebra. Atualmente,
da governança do FMI para a manutenção de sua legitimidade. está fazendo doutorado em
Economia na Índia.
Além disso, muitos insiders do FMI lamentaram a redução dos processos de toma- 2 Accountability é um
termo sem tradução exata,
que se refere à necessidade
de prestação de contas
da de decisões por consenso na última década. Embora a Diretoria Executiva continue por parte dos governos e
administrações. Usa-se, por
vezes, “responsabilização”, em
[Traduzido por Mariana Dias] tradução aproximada.
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a tomar decisões baseadas em “consenso”, a diferença cada vez maior no âmbito da trans-
determinação desse consenso é feita pela Presi- parência entre países desenvolvidos e em desen-
dência, pelo diretor-geral ou diretor-adjunto. A volvimento, já que as economias industrializadas
decisão é tomada em um processo totalmente publicam mais documentos do que as nações em
fechado e sem accountability. A progressiva re- desenvolvimento. Em resposta às exigências de
dução na duração das discussões e a diminuição maior transparência, governos dos países desen-
da ênfase em decisões consensuais e construção volvidos acusaram países em desenvolvimento de
de compromissos fizeram com que os países serem os obstáculos à transparência.
em desenvolvimento se sentissem ainda mais A preocupação com a falta de transpa-
alienados da instituição. rência do FMI e sua instituição parceira, o Banco
Os membros do Fundo vêm debatendo Mundial, levou à formação da Iniciativa Global
como renovar a fórmula que define os direitos pela Transparência (GTI, na sigla em inglês), que
de voto dentro da instituição. Após mais de dois procura romper o segredo que cerca as opera-
anos de negociação para a reorganização das ções das instituições financeiras internacionais.
fórmulas utilizadas para calcular votos básicos Como uma ferramenta para alcançar esse obje-
e a divisão de cotas entre membros, algumas tivo, foi esboçada uma Carta de Transparência,
mudanças foram feitas. Mas os países ricos, um documento que descreve nove princípios que
que representam cerca de 15% dos membros devem reger o acesso à informação de institui-
do FMI, continuaram a exercer quase 60% dos ções financeiras internacionais (IFIs)4.
direitos de voto na instituição3. Os documentos que detalham os progra-
O processo oficial de reforma da governan- mas de empréstimo do FMI para países de média
ça do FMI até agora incluiu somente negociações e baixa renda contêm mudanças extremamente
sobre a proporção de direito de voto entre seus controversas de política econômica e que, muitas
membros. Mas para que qualquer mudança real vezes, são condicionalidades para acesso a crédito.
sobre o controle do poder ocorra, uma série de Entre essas condicionalidades estão a liberalização
outras questões deve ser abordada, incluindo o comercial, privatizações, liberalização das contas
aumento da transparência nos processos de de- de capital e bancário, bem como metas de políticas
cisão e nos documentos oficiais. A publicação dos fiscal e monetária que podem restringir, e muito, as
votos para todas as decisões da diretoria é vital. taxas de crescimento, o tamanho de orçamentos
Espaços de participação envolvendo todas as par- e salários de funcionários públicos. No entanto,
tes interessadas precisam ser criados, assim como apesar de sua importância, as informações con-
métodos para aumentar a capacidade dos países tidas no documento são pouco compreendidas
em desenvolvimento se pronunciarem a uma só pela sociedade civil globalmente.
voz bem como de realizarem ações coletivas. Apesar do progresso recente em matéria
O processo oficial de reforma da gover- de transparência, o FMI, infelizmente, regrediu
nança do FMI continua aquém do necessário em um dos princípios mais importantes da Carta
para aumentar a legitimidade da instituição. de Transparência: a divulgação automática. A
Existe um acordo tácito oficial de que o tamanho primeira política de publicação do FMI, criada
de uma economia e seu peso na economia global em 2001, continha intenção de divulgação para
3 Nota da editora: na reunião
anual de primavera entre são as medidas que contam no FMI. As ideias de quatro tipos de documentos, incluindo as Cartas
o Banco Mundial e o FMI, um país/um voto, de maiorias duplas, que con- de Intenções e Memorandos de Políticas Econô-
em 25 de abril de 2010,
foi decidido o aumento no siderem o peso da população, ou de algum tipo micas e Financeiras. No entanto, em 2003, o FMI
direito de voto de alguns
países em desenvolvimento, de “ação afirmativa”, visando aumentar o poder reviu essa política e passou a requerer permissão
tais como Brasil, Índia e dos países mais pobres, não estão colocados para por escrito das autoridades de cada país antes
China. Sendo que a China
teve o aumento mais discussão. Dada essa situação, pode-se esperar de publicar um documento. Tal fato constitui, na
significativo, quase dobrando
sua participação anterior – de que a influência de algumas das principais eco- verdade, a intenção de não divulgação. A nova
2,77% para 4,42%. Com nomias emergentes seja relativamente fortaleci- definição permanece em vigor.
essa mudança, os países em
desenvolvimento passaram a da. Mas, apesar disso, nenhuma democratização
deter 47% dos votos.
significativa da estrutura de poder no FMI parece
4 V. “Transparency at Limites das reformas de políticas
IMF: guide for civil society
provável em um futuro próximo.
on getting access to A mais nova versão da política de divulgação de A única reforma importante de política ocorrida
information from IMF”,
Global Transparency informações do FMI demonstra a tendência de nesses anos de neoliberalismo foi o cancelamento
Initiative, 2007. <http:www.
brettonwoodsproject.org/
aumento de transparência. Hoje, os documentos de dívidas bilaterais com os países doadores do
art-557777>. são publicados em maior quantidade do que Norte, concedido pela Iniciativa dos Países Pobres
5 HIPCs, sigla em inglês. em qualquer outro momento. Há também uma Altamente Endividados (HIPCs5), e, em seguida,
18 Democracia Viva Nº 45
Reforma do FMI Pensamentos e reflexões de um militante em Washington
pela Iniciativa de Alívio da Dívida Multilateral um período em que muitos governos nacionais,
(MDRI). Apesar de pouquíssimas nações terem se incluindo o de Washington, estimulam governos
beneficiado desses acordos, tais transformações africanos a gastar mais em saúde e educação, ao
representam as mudanças mais significativas nas mesmo tempo em que as instituições financeiras
políticas do FMI nos últimos anos. É essencial notar internacionais, em grande parte controladas por
que foram fruto da pressão política interna e exter- esses mesmos governos ocidentais, têm pressio-
na sobre os governos do G7 que dominam a dire- nado os países africanos a encolher suas folhas de
toria do FMI e do Clube de Paris, assim como sobre pagamento, inclusive o pagamento de professores
os doadores de recursos para a ajuda oficial. e profissionais de saúde.”
Além da anulação das dívidas, houve O processo de produção de Documentos
oportunidades para avançar em outras frentes de Estratégia para a Redução da Pobreza6 (PRSP,
de transformação política, mas não foram leva- em inglês) foi iniciado. Nesse processo, “ouvir
das adiante. Por exemplo, no que se refere às os pobres”, “aumentar a participação da comu-
conservadoras políticas fiscal e monetária do nidade" e “comprometer-se com a redução da
Fundo, quase nada foi alcançado. Embora, em pobreza” nos países mais pobres do mundo estão
anos mais recentes, possa ter havido acordo de entre os mantras repetidos por altos líderes do
liberação de países devedores para empregar po- Banco Mundial e do FMI. Faz parte da composição
líticas fiscal e monetária mais expansivas, a fim de da “carinha feliz” que as instituições financeiras
capacitá-los a absorver mais ajuda estrangeira e globais esperavam poder pintar em seus próprios
aumentar gastos públicos para alcançar as metas rostos, já que muitas organizações da sociedade
do milênio – pelo menos em termos de gastos civil haviam rejeitado completamente os progra-
sociais –, os últimos anos foram caracterizados mas de reajuste estrutural e as outras reformas de
pelas mesmas políticas restritivas, com foco único política econômica que acompanham as condi-
na estabilidade macroeconômica. ções de empréstimos para o desenvolvimento.
O The New York Times resumiu correta- No entanto, esse processo não foi bem
mente em editorial a desconexão atual das polí- sucedido até o momento, o que levanta uma
ticas dos países doadores: “Há a necessidade de- discussão essencial para as organizações da
sesperada por uma política de maior coerência em sociedade civil que continuam participando.
6 Documentos de
planejamento que os países
de baixa renda e altamente
endividados apresentam ao
FMI e ao Banco Mundial,
nos quais se comprometem
a reduzir a pobreza,
descrevendo as políticas
macroeconômicas e sociais
a serem desenvolvidas
durante um período. A
partir da apresentação
desse documento, o país
em questão pode pedir o
abatimento de sua dívida
perante o Banco Mundial,
o FMI e demais países
doadores, tendo acesso a
novos créditos, empréstimos
e recursos a fundo perdido.
O PRSP deve, em tese, ser
construído com a participação
da sociedade civil (N.E.).
Julho 2010 19
especial | Democracia e Governança financeira
20 Democracia Viva Nº 45
Reforma do FMI Pensamentos e reflexões de um militante em Washington
volvimento” e “ajuda externa” seriam utilizados essas questões em fóruns regionais ou inter-
alternadamente e tornar-se-iam sinônimos. nacionais é digno de nota. Mas o fato de que,
Em uma reunião de OSCs, durante en- simultaneamente, esqueceram de investir em
contros do FMI e Banco Mundial, em abril de “alfabetização econômica” ou de analisar o
2008, um funcionário da Action Aid pediu a um modelo de desenvolvimento dominante e seus
representante do FMI para definir o que o Fundo fracassos é desanimador.
entende por “desenvolvimento econômico”. Este Além disso, muitas organizações tam-
incluiria mais empregos, diversificação econômica, bém sofrem as consequências do domínio do
mais empresas nacionais? O funcionário do FMI neoliberalismo durante os últimos 30 anos
disse que “não iria responder a essa pergunta”. em que liberalização comercial, privatização
O problema é que praticamente nenhu- e desregulamentação são as únicas políticas
ma dessas organizações sequer pensa sobre o conhecidas. Simplesmente não sabem da exis-
FMI e muito menos sobre suas políticas. Isso tência de alternativas.
representa grande obstáculo no sentido de Atualmente, articulações da sociedade
mudar as políticas do FMI ou propor algum civil norte-americana estão tentando aproveitar
tipo de reforma. a crise no sistema financeiro para pressionar
A maioria dessas organizações não in- por uma mudança política real no FMI e pelo
vestiu adequadamente em treinamentos básicos o fim de suas políticas nocivas à promoção dos
de “alfabetização econômica” e, assim, não têm direitos humanos e da justiça social.
conhecimento de conceitos básicos de teoria do O desenrolar da crise financeira global e
comércio, nem de política fiscal e monetária. de seus impactos sobre a economia real – em
Esse é um problema de extrema importância: particular a importante perda de empregos
o excesso de especialização de muitas OSCs e a precarização das condições de trabalho
em assuntos específicos, como meio ambiente, e de moradia de um número significativo de
direitos humanos, direitos trabalhistas, questões pessoas – tornou clara a necessidade de cida-
relativas à água, educação e saúde etc, tem dãos e cidadãs se engajarem na luta por outra
contribuído para esse fenômeno. regulação do sistema financeiro global. Dessa
O fato de que muitas tiveram grande forma, poderemos atuar no sentido da supe-
sucesso ao estabelecer ligações com institui- ração do atual “déficit democrático” e levar o
ções internacionais que compartilham das foco para onde deve estar: nas condições de
mesmas opiniões e que estão lutando por vida dos cidadãos.
Julho 2010 21
artigo
22 Democracia Viva Nº 45
O déficit democrático nas instituições multilaterais
ativistas de 13 países, com o apoio da Fundação Ford. Seu objetivo é investigar o déficit
para superá-lo. As decisões tomadas por essas instituições impactam profunda e direta-
mente a vida e o bem-estar das populações. Além disso, limitam a liberdade de escolha
têm participação nula ou reduzida nos processos deliberativos dessas instituições. A inicia-
Jan Allen Kregel – The Levy Economics Institute of Bard College Paulo Ferreira
Realização apoio
Mais informações:
Tel: 55 21 2178-9400
ibase@ibase.br
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