DOCENTES: Dra Maria Elisa Garavello / Dra Laura Alves Martirani ALUNA: Mirian Stella Rother DATA: 29 de março 2011
A construção do saber científico: algumas posições
In: CARVALHO, M.C.M. org. Construindo o saber. Metodologia
científica, fundamentos e técnicas. p.63-86.
Filósofos e cientistas sempre tentaram buscar a compreensão do que seja o saber
científico. Esta investigação teórica do fenômeno “ciência” recebeu através do tempo várias denominações: epistemologia, teoria da ciência, filosofia da ciência, e metodologia, esta última, área da epistemologia, centrada no estudo dos procedimentos (métodos) ideais para a ciência alcançar seu objetivo que é a produção do saber, e também articular critérios que avaliem o desempenho de teorias formuladas anteriormente, de forma a permitir a escolha entre teorias concorrentes. Durante séculos entretanto, tal estudo não se constituiu como disciplina independente, mas num quadro de uma teoria do conhecimento ou metafísica, quando não se apresentava como subproduto científico. Segunda metade do séc. XIX: a filosofia passa a fazer da ciência, um de seus principais objetos de estudo, já que não poderia ignorar o crescente desenvolvimento das ciências naturais. Um grupo de filósofos e cientistas, reúne-se em torno de Moritz Schlick, funda uma das mais influentes correntes epistemológicas e filosóficas, o Empirismo Lógico (ou Positivismo Lógico ou Neopositivismo), que torna-se conhecido como Círculo de Viena. Suas investigações não se limitaram ao campo da ciência, esten- deram-se nos campos da filosofia da linguagem, filosofia da história e da ética. Tal cor- rente, nascida do Empirismo Lógico, recebe mais tarde o nome de Filosofia Analítica. Dada a uma autocrítica exacerbada de seus pensadores, o Empirismo Lógico passa por constantes revisões de suas posições e torna-se difícil sintetizá-lo, entretanto, é possível delinear sua origem e seu princípios. Segundo Stegmüller, seus pensadores perceberam que se por um lado, as ciências naturais estavam experimentando enorme progresso, por outro, a filosofia, ainda que mais antiga, passava por um caos, desenhado por correntes teóricas conflitantes. A matemática e as ciências naturais dispunham de rigoroso controle de resultados, com base em processos lógicos (critério objetivo), a filosofia não. Nas ciências empíricas o controle tem base na observação e na experimentação, sendo que a fantasia criadora do cientista, é admitida apenas na fase da formulação de hipóteses, que deve ser submetida à experimentos para a verificação de sua veracidade. Revelando-se falsa, deve ser corrigida ou abandonada. O texto aborda de forma sintética três concepções metodológicas da atualidade: a.) O Empirismo Lógico caracteriza-se por dois princípios: o Princípio do Empirismo (um enunciado só pode ser feito se tiver base empírica) e o Princípio do Logicismo (para o enunciado ter valor científico deve ser passível de formulação na linguagem da lógica). O fundamental da questão era que se a ciência empírica pretendia informar sobre o mundo empírico, real, factual, era necessário que seus conceitos tivessem fundamento empírico, mas como se processar a redução de conceitos científicos a termos observacionais ? Carnap considerou que essa redução definicional teria que enfrentar a questão dos termos disposicionais (aqueles que denotam disposição ou tendência de determinado objeto em apresentar certo comportamento ou reação em dada situação de teste).Ex.: X é solúvel em água. Embora o enunciado tenha fundamento empírico, não oferece as condições de definir o que é “solúvel em água”. Parte-se então para a segunda maneira: x é solúvel em água, satisfeitas as seguintes condições: se X é colocado na água, se desmancha. Porém, trata-se de uma condicional, que torna-se verdadeira somente se seu antecedente for falso, como nos ensina a lógica. Assim o enunciado também não resolve, pois qualquer objeto que não fosse colocado na água satisfaria sua definição. Parte-se então para as sentenças redutoras (Carnap): X é colocado na água, então X é solúvel se e somente se ele se desmancha”. Entretanto, essas sentenças só explicam o termo disposicional (solúvel) para os objetos que satisfaçam a condição prévia (colocar na água), e nada declaram a respeito de um objeto, quando a condição prévia não pode ser realizada. Assim, as sentenças redutoras não podem ser caracterizadas como definições, entretanto o programa reducionista do empirismo lógico teve o mérito de chamar a atenção para os conceitos disposicionais. b.) O Racionalismo Crítico de Popper difere em pontos cruciais da anterior, de quem foi crítico, ainda que compartilhassem de interesses comuns. Sua principal preocupação foi traçar a distinção entre ciência e pseudociência. Partiu do estudo das teorias de Marx, Freud (psicanálise), Einstein (relatividade) e Adler (psicologia individual). Considerando os erros cometidos pela ciência e das verdades encontradas acidentalmente pelas psudociências, observou que todas pareciam provocar um efeito revelador de uma nova verdade. Indagando-se sobre o porquê de tais teorias parecerem confirmadas pela experiência, concluiu que os casos confirmadores eram sempre interpretados à luz da própria teoria, dando a ilusão de uma genuína confirmação. Tais teorias não eram testadas com base na experiência, os resultados da experiência é que eram interpretados à luz da teoria. Diferentemente das demais, a relatividade de Einstein, pode, em princípio mostrar-se incompatível com resultados da observação, ou seja, é falseável (refutável). Portanto, a distinção entre a ciência e a pseudociência é a falseabilidade. Afirma que quanto mais uma teoria proíbe, melhor é, pois, se nada proibisse, seria compatível com qualquer evento ou estado de coisas possível. Todo teste genuíno de uma teoria deve ser uma tentativa de refutá-la. Assim, o que define o estatuto da ciência empírica é sua testabilidade e refutabilidade. Sobre a questão da indução, Popper faz uma leitura de Humer que afirma que a experiência nos dá impressões sensíveis que são apreendidas isoladamente, sendo o sujeito cognoscente que estabelece relações entre elas; destrói o conceito de causalidade, e qualquer base lógica para a indução, pois nada mais é que uma inferência cujas premissas descrevem dados de observação e cuja conclusão, descreve um estado de coisas não-observado. Hume todavia afirma que a inferência indutiva é efetuada na vida prática, através da observação da sequência repetida de dois eventos, que com o tempo nos leva a concluir que o primeiro causa o segundo, por força do hábito. Popper discorda do aspecto psicológico desta posição, para quem, o indivíduo deve reagir às situações como se fossem equivalentes, deve interpretá-las similares (repetições), pois é o sujeito que as interpreta como tal; assim o sujeito não deve esperar passivamente que dois eventos repitam-se, mas procurar impor regularidades ao mundo, identificando similaridades, interpretando-as em termos de lei. O conhecimento não tem início com a experiência, mas com uma teoria que no confronto com a experiência deverá ser corroborada ou refutada. A ciência começa com a percepção de um problema, que é a discrepância entre a teoria e dados da observação. A metolologia de Popper, resumida por Stegmüller: a não exigência da verificação dos enunciados da ciência empírica (caso se considerasse científico apenas os enunciados verificáveis, haveria a obrigação de considerar não–científicos, aqueles que exprimissem leis naturais / teorias não verificáveis, ou seja, os que pretendem valer para qualquer tempo e lugar. Um enunciado nomológico portanto, só seria passível de verificação, se pudéssemos verificar o universo inteiro). A possibilidade de confirmação positiva de enunciados pseudocientíficos não pode servir como critério para se estabelecer a distinção entre ciência e pseudociência. Seu método parte de uma nova idéia de ciência, que ao contrário da filosofia aristotélica, não precisa propiciar um saber definitivo e verdadeiro. Tanto a ciência como a metafísica especulam a verdade, mas distinguem-se pelo fato da ciência ser testável empiricamente, ou não. Para Popper, o cientista não deve ater-se ao observável, deve criar hipóteses ricas, com alto grau de conteúdo informativo, capazes de propiciar condições de testabilidade. O método indutivista é substituído pela concepção hipotético-dedutiva, ou seja, toda ciência parte de um problema, que reclama uma hipótese explicativa para o fato, que deve ser submetida à teste, e ser assim corroborada ou falseada, entendendo-se que corroborada não é definitivamente aceita ou verdadeira, mas que até então resistiu à refutação. Assim, cai o conceito do conhecimento científico, absoluto, verdadeiro e indubitável, para dar lugar ao conceito de resultado da tensão entre nossa ignorância e nosso saber. c.) A teoria de Thomas Kuhn introduziu modificações profundas na forma de compreender ciência, quando considera as dimensões históricas, sociais e psicológicas da pesquisa científica. Assim, a partir de quatro categorias fundamentais e levando em conta a dimensão histórica da ciência, reconstrói sua dinâmica. São elas: ciência normal, paradigma, crise e revolução. Para compreender o que seja uma revolução científica, é necessário acompanhar o desenvolvimento de uma ciência por um período de tempo longo, pois a revolução acorre quando a comparamos com os períodos que a precederam e a sucederam. A ciência normal é a que ocupa toda a vida profissional do cientista, que recebeu instrução e treinamento, além de determinada concepção sobre a natureza, e um modo de ler a realidade, objeto de sua área de pesquisa. Tal concepção vem carregada de preconceitos e presunções que moldam sua visão de realidade, e por vezes não permitem ver novidades fundamentais, que são necessariamente subversivas. A ciência normal mostra-se preocupada em submeter a natureza a esquemas conceituais postos na formação acadêmica do cientista (teórica, metodológica e instrumental), e não para a descoberta do novo. Além disso, há de se lidar com o conhecimento tácito (M. Polanyi), ou seja, uma espécie de saber não explícito que o professor transmite ao aluno, de forma não consciente, mas que influencia maneira de relacionar-se na comunidade científica e a abordagem privilegiada de certos temas em detrimento de outros. O paradigma: o início de uma disciplina científica vem, em geral, marcado pela concorrência entre diversas tendências. Quando alcança maturidade, como por exemplo, a Física, a Química ou Biologia, e sua construção teórica e metodológica deixa de gerar controvérsias na comunidade científica, passa a oferecer base teórica e metodológica para as pesquisas subseqüentes da área. A esta construção, Kuhn chama de paradigma. Como conseqüência, teremos: no plano cognitivo – a partir do consenso a cerca de determinada teoria, desaparecem escolas e teorias que se rivalizem; no plano social – surgimento de uma comunidade de cientistas que compartilham e transmitem o mesmo paradigma. Tendo ele uma dimensão social, acaba por ser substituído pelo conceito de teoria. Alguns críticos de Kuhn, afirmam sua imprecisão no emprego do termo paradigma (vinte e um empregos diferentes em sua obra A Estrutura das Revoluções Científicas – Mastermann). Podemos classificar tais concepções em três categorias: filosófica – quando determina nossa maneira de perceber a realidade; estrutura social – realizações científicas reconhecidas universalmente, que propõe problemas e soluções modelo e servem de base para a pesquisa subseqüente, de forma normativa, legitimando ou não os procedimentos do pesquisador; e a concepção instrumental - quando determinada realização científica é tomada por modelo para outra área de estudo, ou seja, acaba por desempenhar um papel instrumental. Para Kuhn, o paradigma é uma propriedade da comunidade científica. Quando um cientista não obtém êxito numa pesquisa (vista como um quebra-cabeças que pressupõe uma solução), atribui-se o fracasso ao cientista, e não se considera que o paradigma foi refutado. Sendo de propriedade coletiva, goza de imunidades e credibilidade. A adesão a um paradigma acarreta uma resistência ao novo, que passa a ser visto como um comportamento desviante. Ao mesmo tempo, não desprezou a validade do papel dogmático da ciência normal para seu funcionamento. Paradoxalmente, é no trabalho atento do pesquisador que reside a chance da emergência do novo, que na tarefa de aparar arestas do paradigma para a natureza poder se ajustar a ele, acaba por despertar a atenção às dificuldades, cujo enfrentamento dependerão os progressos significativos para a ciência pura. Crise e revolução: quando surgem questões sem solução no âmbito do paradigma, surgem as anomalias (fenômenos desafiantes e proibidos), o paradigma é ameaçado, visto que as tentativas de domínio das dificuldades foram fracassadas. Está instalada a crise, e é neste ponto que acontece a revolução científica. As crises exigem novos paradigmas, e novos esforços de aceitação. O novo paradigma só será aceito se a comunidade científica for capaz de estabelecer novas conexões. Numa revolução científica a realidade vai ser vista por um ângulo inusitado, diferente da ciência normal e a crise que a gerou, parece estar associada ao conservadorismo, dogmatismo e normativo da ciência normal. Não é possível pesquisar sem paradigma. Na crise, inicialmente os cientistas tentarão resolver a anomalia no quadro do paradigma vigente, só depois partirão para a especulação, que transformar-se-á numa nova teoria, que em caso de êxito, virá a tornar-se um novo paradigma. Vale refletir: tanto para os empiristas lógicos (indutivistas), como para os dedutivistas, a experiência tem papel relevante na metodologia, e ambas parecem estar construídas sobre uma base racional (lógica). Quando Kuhn propõe que o caminho da ciência não tem semelhança nem com regras indutivas, nem com as dedutivas, tão pouco com a confirmação de hipóteses ou refutação das mesmas, estaria propondo uma trilha irracional ?
QUESTÕES
1. Podemos afirmar que a Academia tem o papel de protagonista na manutenção e
credibilidade dos paradigmas? Se tem, pode-se afirmar que estamos vivenciando um momento de crise na Educação e seus métodos? Quais os principais interesses e interessados nesta crise?
2. Podemos afirmar que, com a crescente especialização (disciplinariedade) os
cientistas (pesquisadores) de nossos dias perderam total ou parcialmente seu potencial especulativo?