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O Paradigma Dominante
O modelo de racionalidade que domina a ciência moderna constitui-se a partir da
revolução científica do século XVI e só no século XIX é que se estende às ciências
sociais emergentes; é quando podemos falar num modelo global de racionalidade
científica, que mesmo admitindo variações internas, promove distinção ostensiva entre o
conhecimento científico (racional) e o não-científico (irracional), potencialmente
perturbador (senso comum e estudos humanísticos, como históricos, filológicos, literários
e outros). Assim sendo, é um modelo totalitário, na medida em que nega o caráter
racional de todas as formas de conhecimento que não se pautarem por seus princípios
epistemológicos, que é também a característica que melhor representa a ruptura com o
paradigma científico que o precede. Para compreender esta confiança epistemológica,
olhamos para os protagonistas (como Galileu ou Descartes) deste novo paradigma, que
cientes que detém uma melhor observação dos fatos, e sobretudo uma nova visão de
mundo e vida, e constatamos sua luta contra as formas de dogmatismo e autoridade,
que pressupõe distinções fundamentais entre o conhecimento científico e o de senso
comum, entre natureza e a pessoa humana. Ao contrário das ciências aristotélicas, a
ciência moderna desconfia sistematicamente das evidências de nossa experiência
imediata, que têm base no conhecimento vulgar. É total a separação entre o ser humano
e a natureza, esta passiva, eterna e reversível, mecanismos cujos elementos podem
desmontar, e depois relacionar sob forma de lei, que é desprovida de qualquer outra
qualidade que nos impeça de revelar seus mistérios ou de dominá-la. As idéias
matemáticas que presidem a observação e a experimentação. A matemática não é só
um instrumento de análise, mas um modelo lógico de representação da própria estrutura
da matéria, o que acarreta duas conseqüências principais: conhecer significa quantificar,
ou seja, o que não é quantificável, é cientificamente irrelevante; e o método científico
assenta na redução da complexidade, conhecer significa dividir e classificar e depois
determinar relações sistemáticas entre o que se separou. Assim, as leis da natureza são
o reino da simplicidade e da regularidade, onde é possível observar e medir com rigor.
Privilegia ainda a causa formal, ou seja, o funcionamento das coisas em detrimento de
seu agente ou finalidade, sendo esta a via principal de seu rompimento com o senso
comum, em que causa e intenção convivem em harmonia. É este tipo de causa formal
que permite intervir na realidade e manipulá-la.
A mecânica de Newton, em que o mundo da matéria é uma máquina cujas
operações se podem determinar por meio de leis físicas e matemáticas, um mundo que
pode-se conhecer pelo racionalismo cartesiano, a idéia de um mundo-máquina vem a ser
um dos pilares da idéia de progresso e marca a ascensão da burguesia, mas a verdade
é que a ordem e a estabilidade de mundo são a pré-condição da transformação
tecnológica do real.
É neste cenário, que no século XIX assistimos à emergência das ciências sociais,
que assumem o modelo mecanicista de duas formas diferentes: a primeira, dominante,
positivista, consistiu em aplicar todos os princípios metodológicos das ciências naturais
do século XVI no estudo da sociedade; e a segunda, que antes marginal e agora em
fortalecimento, constituiu em buscar-se um estatuto epistemológico e metodológico
próprio, com base nas especificidades do ser humano. A última, livre do jugo positivista,
mas ambas reivindicando para si o monopólio do conhecimento científico social.
Para Durkheim (pai da Sociologia) é necessário reduzir os fatos sociais às suas
dimensões externas, observáveis e mensuráveis. Como nem sempre é possível esta
redução sem um alto índice de distorção, há de enfrentar inúmeros obstáculos, mas não
insuperáveis, como aponta Nagel: as ciências sociais não têm teorias explicativas que
lhes permitam abstrair do real para depois voltar nele, de modo metodologicamente
controlado, e encontrar a prova adequada; as ciências sociais não podem estabelecer
leis universais porque os fenômenos sociais são historicamente condicionados e
determinados culturalmente; não podem produzir previsões, porque o homem modifica
seu comportamento na medida em que adquire conhecimento sobre ele, os fenômenos
sociais são de natureza subjetiva; e as ciências sociais são subjetivas, pois o cientista
social não pode furtar-se da observação, dos valores que norteiam sua prática e sua
própria prática. São nesses obstáculos que residem um atraso no progresso das ciências
sociais quando comparadas às naturais. Para Kuhn, o atraso é fruto de seu caráter pré-
paradigmático, estas sim paradigmáticas. Afirma que não existe consenso paradigmático
nas ciências sociais, assim o debate tende a atravessar todo o conhecimento adquirido
com desperdício de esforços.
A segunda vertente tem como argumento fundamental que a ação humana é
radicalmente subjetiva, e o comportamento humano, ao contrário dos fenômenos
naturais, não pode ser descrito ou explicado com bases nas suas características ex-
teriores e objetiváveis, já que uma ação externa pode ter inúmeras sentidos diferentes.
As ciências sociais serão sempre de natureza subjetiva, e pressupõe métodos
qualitativos, que buscam um conhecimento intersubjetivo, descritivo e compreensivo,
diferente das ciências naturais (objetivo, explicativo e nomotético), o que torna esta
vertente antipositivista. Também aponta um sinal de crise e alguns componentes de
transição para um novo paradigma.
O Paradigma Emergente
Pela caracterização do paradigma vigente, temos o perfil do emergente. Assim, a
revolução científica que estamos enfrentando é de natureza diferente da ocorrida no
século XVI. Ocorrendo numa sociedade convulsionada pela própria ciência, o paradigma
por vir não deve ser científico (de um conhecimento prudente), mas social (o paradigma
de uma vida decente).
Todo conhecimento científico-natural é científico-social: a distinção dicotômica
entre as ciências naturais e as sociais perdem seu sentido. As contribuições da física,
química e biologia nas figuras exponenciais de Bohm, Prigogine, Chew, Wigner, Capra e
outros fazem repensar a concepção mecanicista da matéria e da natureza, em con-
traposição com conceitos de ser humano, cultura e sociedade. O conhecimento do pa-
radigma emergente tende a ser não-dualista, superando deste modo as distinções
consideradas por nós insubstituíveis até agora, como natureza / cultura, vivo / inanimado,
animal / pessoa, coletivo / individual e tantos outros. Para superar estas distinções é pre-
ciso ainda descobrir qual será o novo parâmetro de ordem, e se vão ocorrer no âmbito
das ciências sociais ou das naturais. Alguns lêem neles a emergência de um novo
naturalismo, centrado num privilegiamento dos pressupostos biológicos do compor-
tamento humano, e portanto sob a égide das ciências naturais, entretanto, a emergente
inteligibilidade da natureza é presidida por conceitos, metáforas e analogias das ciências
sociais, neste caso, estariam sob o domínio das ciências sociais, com indicativos que
ocorra no seu modelo (vertente) filosófico complexo, fenomenológico, de vocação
antipositivista. A concepção humanística das ciências sociais enquanto agente
catalisador da fusão das ciências naturais com as sociais, coloca a pessoa como autor e
sujeito do mundo, no centro do conhecimento. A ciência pós-moderna é assumidamente
analógica, que conhece o que conhece pior através do que conhece melhor. Todo
conhecimento é local e total: na ciência moderna, o conhecimento avança na
especialização, ao mesmo tempo que reconhece ser seu dilema básico, ou seja, o seu
rigor aumenta na proporção direta da arbitrariedade com que divide o real. A excessiva
especialização e parcelização do saber científico, acaba por transformar o cientista num
ignorante especializado, com visíveis efeitos negativos. Os males desta parcelização do
conhecimento e do reducionismo arbitrário que carrega, ainda que reconhecidos,
acabam criando gerando mais especializações e reduções. Assim, no paradigma
emergente, o conhecimento é total, tem como horizonte a universalidade. A
fragmentação pós-moderna é temática, e não disciplinar. Os temas são vias por onde os
conhecimentos vão ao encontro uns aos outros para resolução de determinada questão
localizada, em pluralidade metodológica. Todo conhecimento é auto conhecimento: a
mecânica quântica anunciou o regresso do sujeito, ao demonstrar que o ato de
conhecimento e o produto do conhecimento são inseparáveis. Os conceitos de mente
mais ampla ou mente coletiva de Bateson anunciavam ainda a possível volta de Deus,
sem nada de divino, senão o nosso desejo de comungarmos (religarmos) com a
natureza. Pode-se afirmar que o objeto é a continuação do sujeito por outros meios
(Clausewitz), assim o conhecimento científico é auto-conhecimento. A ciência não
descobre, cria, e o ato criativo de um cientista e da comunidade científica no seu
conjunto, tem de se conhecer intimamente antes que conheça o que com ele se conhece
do real. Todo conhecimento científico visa constituir-se num novo senso comum: se a
ciência moderna faz do cientista um ignorante especializado, faz do cidadão comum, um
ignorante generalizado, a ciência pós-moderna sabe que nenhuma forma de conhe-
cimento é em si, racional, mas só a configuração de todas elas o é. Tenta pois dialogar
com outras formas de conhecimento, e em especial, com a do senso comum, conhe-
cimento vulgar e prático com que orientamos nossa vida cotidiana. A ciência pós-
moderna reconhece no senso comum, algumas virtualidades que podem enriquecer
nossa relação com o mundo, como, por exemplo, sua dimensão utópica e libertadora,
(que pode ser ampliada através do diálogo com o conhecimento científico), o fato do
senso comum fazer coincidir causa e intenção, o seu lado pragmático, transparente,
indisciplinar e imetódico.
A ciência pós-moderna não despreza o conhecimento que produz tecnologia,
assim como o conhecimento deva traduzir-se em conhecimento, a tecnologia deve
traduzir-se em sabedoria de vida.
Nesta fase de transição e revolução científica nossa reflexão episte-
mológica está muito mais avançada e sofisticada que nossa prática científica, e ninguém
pode neste momento, visualizar projetos concretos de investigação que possam cor-
responder inteiramente ao paradigma emergente.
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