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PPGI – ECOLOGIA APLICADA - ESALQ – USP

DISCIPLINA: CIÊNCIA, CULTURA E ÉTICA – ECO 5034


DOCENTES: Dra Maria Elisa Garavello / Dra Laura Alves Martirani
ALUNA: Mirian Stella Rother DATA: 03 de maio de 2011

A construção do Sentido – Cultura e Vida Ética


In STORT, E.V.R. Cultura, imaginação e tradição: a educação e
formalização da experiência. Campinas: Editora da Unicamp, 1993, PP 19-23

A autora afirma inicialmente que o homem instaurou um sistema de


representações (linguagem), e que isso faz parte de sua própria natureza, uma vez que
sua própria existência neste sistema é um enigma, permitindo que o homem possa
buscar uma resposta e dizer por si só o que é. Tal esforço não é apenas especulativo,
pois mais que isso, é um questionamento do sujeito pelo próprio sujeito (coincidência de
sujeito-objeto). Como resposta, o homem distancia-se de si mesmo (coloca-se como
objeto) e nele próprio interfere, colocando-o como suspensão, portanto como não
realização, e ao mesmo tempo, como possibilidade ou não de realização definitiva. Ao
mesmo tempo, colocar-se em questão implica num apelo à resposta (afirmação de si
mesmo), esperando encontrar a plenitude, que lhe faz falta. Colocado que a plenitude
só pode ser encontrada nele mesmo (não no exterior), seu sentido é colocar o fim à
falta que ela faz, e assim suprimir-se como questão, que só pode acontecer a partir
do próprio desenvolvimento da questão, ou seja: o homem é fundamentalmente
desejo (falta e exigência da superação da falta), o que o diferencia dos animais, e de
cujas virtualidades nasce uma não identificação com a própria natureza, que ao seu ver,
está sempre à espera de um sentido que ele constrói, o que lhe confere sua natureza
ética, e não meramente natural.
A vida ética do homem é então um esforço para coincidir com si mesmo, correndo
no âmbito de atos reais no mundo real, e esta experiência ocorre através de seu corpo
(gestos, trabalho, comunicação, entre outros). O homem é um construtor do mundo,
segundo seu próprio modelo, ou seja, ‘Seu mundo é a exteriorização de seus valores e
aspirações, a encarnação de sua intenção, a objetivação de seu espírito – Rubem
Alves”.
Posto que a realidade em si não revela suas possibilidades, coloca a autora que o
homem vê o mundo com o coração (aspirações e desejos), e passa a viver não
apenas adaptando-se a ela, mas transformando a vida, que ele organiza a partir da sua
própria necessidade, como se fosse seu espelho. Tendo seu corpo como elemento
estruturador e fonte de suas emoções, é criativo, o que lhe permite buscar a satisfação
de suas necessidades e desejos. Assim ele criou a cultura.
Assim, o homem adapta a natureza a si próprio. Com o desenvolvimento da
cultura, o corpo também se transforma, seus desejos tornam-se sua extensão através
dos sentidos, mediados através dos seus desejos e aspirações. Acabamos por ver tam-
bém a natureza, mediados pela cultura, que acaba por transformar-se no próprio corpo
do homem.
Os símbolos conferem ao mundo um sentido e uma ordem, em função de seus
desejos o homem toma a natureza e a transforma: é a cultura, que na antropologia
cultural, é o “conjunto de instituições, consideradas ao mesmo tempo nos seus aspectos
funcional e normativo, onde se exprime certa totalidade social, que modela a
personalidade dos indivíduos que a ela pertencem, e traça de antemão, em certos
aspectos, a sua possibilidade de existência concreta”.
A autora também apresenta duas definições complementares de cultura (Duarte
Junior e Suzana Langer), e termina por explicitar como foi usado o termo “modo de
sentir”: a cultura como expressão do pattern (padrão) que os sentimentos são capazes
de atingir, as respostas a certos eventos antes que outros, que distingue um povo do
outro, nas suas ações e nos objetos de suas ações.

A Formação do Sistema Ciência-Tecnologia


In STORT, E.V.R. Cultura, imaginação e tradição: a educação e formalização da
experiência. Campinas: Editora da Unicamp, 1993, PP 61-75

A cultura tem papel fundamental na forma como o homem vivencia e dá sentido a


sua existência. Também é na cultura que o indivíduo constrói sua identidade e
autonomia. O que se segue, é uma análise das relações entre razão, imaginação e
cultura, e de que forma ocorreu a racionalização desta, a partir da formação do sistema
ciência-tecnologia, que está diretamente ligada a industrialização.
O papel da tecnologia no início da industrialização foi pequeno, mas com seu
crescimento, a tecnologia teve seu desenvolvimento acelerado, que por sua vez
estimulou o crescimento da própria ciência. Inversamente, o sistema ciência-tecnologia
favoreceu o crescimento da indústria. Apesar das semelhanças organizacionais e
metodológicas, ciência e indústria têm objetivos distintos: a primeira busca o
conhecimento e a segunda, a transformação da realidade. A ciência procura o
crescimento controlado do saber que produz, e o seu próprio (meios) aperfeiçoamento.
Sua principal característica é a adaptação constante entre um sistema representativo
com fortes tendências formalistas e um sistema de ação construído, submetido a um
rigoroso controle (experimentação ou observação controlada), que cresce à medida que
transforma teorias, quando a experimentação exige, e a partir daí, novas
experimentações. Assim, o conhecimento científico no mundo cresce a cada dia,
aumentando os campos de investigação, levando a um grau de generalização, de
complexidade e unificação cada vez maiores, e múltiplas relações de interdependência
de seus diversos ramos; e ao mesmo tempo, de autonomia, pois o processo global de
auto-organização sobrepõe-se ao de auto-organização com sistemas específicos. A
ciência tem características específicas que a difere da tecnologia que a precedeu. O
desenvolvimento tecnológico acontece bases práticas e criticadas racionalmente pela
observação e comparação de meios e efeitos. Por isso é lento. Muitas das realizações
tecnológicas ainda são baseadas na experiência e na tradição. Mas a sua ligação com a
ciência a torna mais sistemática e conscientemente controlada, possibilitando um
crescimento cada vez mais rápido. Hoje, ciência e tecnologia são atividades socialmente
organizadas e têm objetivos práticos e escolhidos deliberadamente. Essa interação
estabelece-se de duas formas: a tecnologia utiliza diretamente o conhecimento científico
e toma como recurso, o próprio método científico.
O desenvolvimento científico amplia consideravelmente o campo da tecnologia,
ambas desenvolvem-se por arborescência: cada nova etapa, surgem novas questões,
que implicam no surgimento de novas ramificações. O alto grau de interdependência
entre o desenvolvimento científico e o tecnológico tende a reforçar-se, formando
sistemas complexos interdependentes, mais integrados e autônomos, e
consequentemente conseguem exercer maior influência na vida social, correndo
inclusive o risco de ter sua finalidade em si própria.
Ladriere ressalta a importância da contribuição da tecnologia à ciência, no
aperfeiçoamento da prática experimental, ao mesmo tempo que alerta para uma espécie
de superestrutura única (diversificação mais acentuada dos componentes e maior
complexidade das ligações funcionais destes; maior interdependência e maior afirmação
de autonomia), que segundo Ladriere, na linha de Popper, tende a gerar uma espécie de
realidade autônoma, que intermedia a natureza e a realidade humana, uma espécie de
“terceiro mundo”, que submete o ser humano a sua própria lei, que é a do seu próprio
crescimento.
Sobre a interação do sistema ciência-tecnologia com os sistemas sociais: Ladriére
considera que a sistema sociedade é constituído por três subsistemas: O político (poder,
tomada de decisões, construção de sua própria história), o econômico (meios de
produção que permitem a sobrevivência) e cultural (instrumentos mentais, criação de
equipamentos objetivos). Neste último (cultura) encontramos a ciência (como sistema de
conhecimentos) e a tecnologia (o saber fazer que embasa as atividades econômicas e a
comunicação). Mas se considerarmos o sistema ciência-tecnologia como superestrutura
autônoma, podemos tomá-lo como equipamento objetivo, assim passa a pertencer ao
sub-sistema econômico. Nesta linha, podemos compreender o seu poder de influenciar
a sociedade como um todo. Para que isto ocorra, deve ter representação social
concreta, que acontece através de instituições organizadas para promover pesquisas
científicas e tecnológicas. Ao surgir uma tecnologia, que dá resposta a uma neces-
sidade latente, a ordem econômica imediatamente a transforma num bem de consumo.
Com o desenvolvimento da atividade econômica, esta tende a racionalizar-se, usando
métodos de organização inspirados no método científico, sua atenção agora é voltada a
invenção e viabilização de produtos, e não mais à manutenção da atividade produtiva.
Com relação ao sistema político, essa tendência fortalece-se a partir da II Guerra
Mundial principalmente, visto que o Estado procura ter maior poder sobre o crescimento
científico-tecnológico, com vistas a sua aplicação bélica.
Interações com a cultura: ao longo da história, a ciência aos poucos vai
ganhando importância na vida social, a despeito de crenças, sistemas de caráter
metafísico ou conhecimentos empíricos, e o conhecimento científico passa a ser
difundido, processo auxiliado pela educação formal, prolongada até a universidade, e
que vai aos poucos mudando de seu modelo clássico, pautado nas humanidades, para
uma formação científica, alcançando inclusive, no ensino superior, os cursos ligados às
práticas sociais. Os meios de comunicação de massa passam a popularizar o conhe-
cimento científico, enfim, a visão científica invade o sistema de representações e o
transforma, e alcança outros sistemas culturais, sobretudo o de valores. Afetam o
sistema de saber-fazer, seja pela formação de operadores, como por instrumentos
simples de uso popular. “São estas interações que afetam a existência real, trans-
formando os esquemas materiais nas quais ela se apóia, as comunicações, a
estrutura de tempo, as instituições, o trabalho e o lazer, as relações sociais.”
Ora, se o valor de uma cultura depende de sua capacidade integradora, a partir da
industrialização, a cultura tem que integrar o sistema ciência-cultura; como não
consegue, sofre perturbações graves no nível das representações, pela influência do
meio artificial criado pela tecnologia e pelo controle exercido pelo projeto científico-
tecnológico nas mentes humanas.
As representações cientificas atingem todas as pessoas de uma cultura, ocasio-
nando inclusive uma oposição entre elas próprias e representações baseadas no senso
comum. Como conseqüências indiretas: a.) o ambiente criado pela tecnologia é tomado
por uma quantidade cada vez maior de produtos artificiais, que distanciam o homem de
si mesmo e da natureza; b.) o controle das mentalidades, através da alteração do
esquema de temporalidade produzido pelo projeto técnico-científico, destruindo-lhes as
coerências sobre as quais ela se estabelecia. Passado, presente e futuro transformam
se em ultrapassado, preparação para o futuro e previsibilidade.
Assim, rompe-se a harmonia do homem consigo mesmo. O sistema ciência-
tecnologia questiona crenças, despreza a tradição, provoca no homem a perda de vida
interior, o aparta de seu passado e das relações que havia conseguido estabelecer com
seu mundo.

A Formalização da Experiência: as ilusões e a vida ética


In STORT, E.V.R. Cultura, imaginação e tradição: a educação e formalização da
experiência. Campinas: Editora da Unicamp, 1993, PP 77-83

A mudança mais profunda imposta pela sociedade racional é na imagem da


humanidade, que pode ser constatada sobretudo nos grandes centros urbanos, onde
vemos indivíduos desconectados e ao mesmo tempo “arrastados” (prisioneiros?) por
todos os outros, o que parece exemplificar muito bem, uma atomização da sociedade
em fragmentos, na qual o homem é sua unidade; as massas humanas, que foram
unidas e acionadas por forças externas, tornaram-se incompreensíveis e incontroláveis
para o indivíduo. A esta racionalidade (espírito da razão científica) que invadiu todos
os setores da vida social, atribui-se o declínio do indivíduo e à própria formação das
massas. O sistema ciência-tecnologia em interação com outros sistemas sociais acaba
por transformar a cultura de maneira determinante, abalando tradições, eliminando as
possibilidades de simbolização que balizam a existência humana, e suprimem a vida
individual.
Racionalidade e instituições: a organização burocrática é aqui definida como
um sistema social racional pautado na eficiência, com metas precisas e com meios
eleitos mais adequados para tais fins. Vem transformar-se na forma histórica de
agrupamento social do século XX. A razão dentro das instituições atrofia-se, e como
conseqüência temos o abstrativismo das atividades e da hierarquização como exigência
da organização, e impessoalidade nas relações humanas. Quanto mais isso acontece,
maior a burocratização e dominação sobre o indivíduo, que torna-se alienado, sem
fôlego para decisões e ações próprias: o próprio empobrecimento humano (mais
conformista, pouco competitivo, moralmente irresponsável, profissionalmente medíocre,
e entre outros, com sentimento de inutilidade). É a supremacia da operação sobre o
operante.
O exercício da burocracia (racionalização) tem traços irracionais quando os
interesses do poder passam a ter mais importância que a eficiência administrativa.
À impossibilidade de perfeita adequação do poder com a revolução tecno-científica,
atribui-se a força alienante na qual transforma-se a burocracia, que age antieticamente:
de um lado responde à sociedade de massa e convida à participação de todos; de
outro, oprime e aliena (hierarquia, monocracia, formalismo), defendendo-se pelo sigilo
administrativo e por pressões de natureza política ou econômica.
O equilíbrio burocrático alcança-se através da dialética entre razão e operação,
a primeira fornecendo critérios para a realização da ação que leva à eficiência;
depois distancia-se para avaliar a operação e reorganizar o processo, para que possa
ser compatível com ideais humanos. Entretanto, a razão deixando de se distanciar,
aliena-se tornando-se razão técnica, que incapaz de agir por si própria, é cega perante
a ideologia que utiliza seus resultados. Assim se dá a instrumentalização da razão:
através da defasagem entre a ação burocrática e os objetivos racionais determinados.
As conseqüências da instrumentalização do poder pela burocracia: a.)
Regulação das autonomias: a conformidade elimina a participação pessoal e a
criatividade do indivíduo, que agora apena-se adapta-se,é receptador de decisões, ator
de ações que foram decididas por outrem. A autonomia cede espaço para heteronomia e
assim, ocorre a transformação das relações humanas em relações de produção. O
uniforme é agora característica da sociedade; b.) Dissolução das utopias: as
exigências de objetividade destroem o pensamento utópico, pois o princípio de realidade
objetiva (ao impor seu controle e produção), em termos de critérios quantitativos, não dá
lugar para o negativo (formas diferentes das do status quo). Assim, a esperança se
esgota no que é previsto em termos organizacionais; c.) Mercantilização de valores: o
dinheiro passa a ser o único símbolo de produção, racionalidade, dominação e
burocracia; não tem valores opostos e é eficaz nas trocas burocráticas por concretizar a
impessoalidade. Tudo passa a ser objeto de venda, até os valores humanos; existe o
símbolo, e não o simbolizado.
A supressão da individualidade: Horckheimer define a individualidade não só
como a consciência de sua própria existência, mas também como o reconhecimento de
sua identidade. A percepção da identidade está ligada às questões históricas e sociais, e
é desenvolvida nas experiências que o indivíduo tem na interação com o mundo e sua
cultura, as quais simboliza, compreende e passa a integrar. Esta simbolização ocorre
através da linguagem (corporal ou artística, por exemplo) e tem por base os sentimentos
que a experiência evoca, que por sua vez, estão ligados as suas necessidades daquele
dado momento. Para que a simbolização se realize de forma a promover o desen-
volvimento de sua identidade (e não sua desintegração), coloca a autora que se fazem
necessárias duas condições: tempo e espaço em que se possa compartilhar e
expressar com flexibilidade (informalidade) a experiência com demais indivíduos.
O que presenciamos na vida moderna é justamente o contrário, dados o imediatismo e
utilitarismo que nos rouba as condições para o espontâneo acontecer, em outras
palavras, estamos mais preocupados com o sobreviver (trabalho, pesquisa, invenção,
etc) do que com o ser feliz (amor, prazer, realização pessoal). Com essas mudanças
sociais, a estrutura familiar, agora racionalizada, o indivíduo passa desde cedo a integrar
instituições, associações, equipes e suas especificidades são reprimidas ou absorvidas
(deixa de ser indivíduo para ser membro). A esperança de auto-realização é substituída
pela necessidade de imitação com valor de sobrevivência (mimetismo). Conclui-se que a
formalização da experiência, transformada em corrida racional para um futuro mais
próspero, traduz-se na artificialização e capitalização da própria vida, das relações
humanas e das necessidades dos indivíduos.

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