DOCENTES: Dra Maria Elisa Garavello / Dra Laura Alves Martirani ALUNA: Mirian Stella Rother DATA: 10 de maio de 2011
Moda: uma filosofia. RJ: Zahar, 2010, cap 7: Moda e Consumo: p. 127-157 SVENDSEN, Lars.
O autor coloca a princípio que “sociedade de produção”, em que o principal
papel dos indivíduos era produzir, transformou-se, com o desenvolvimento, em “sociedade de consumo”, isso significa que, ainda que seus membros continuem sendo produtores, o papel principal passa a ser o de consumidor. Também coloca, através de Castells (sociólogo), que o tempo de vida dedicado ao trabalho atualmente (cerca de 30 anos), passa a ocupar menor percentual do que ocupava em relação ao consumo, que toma uma vida toda. Trata a cultura do consumo como um fenômeno plural, então surge o conceito de consumidor “pós-moderno”. Cada população exibe padrões de consumo, desenhados a partir da sua geografia, idade e status financeiro, e cita Miller (antropólogo) que afirma não acreditar na possibilidade de uma teoria que explique a tamanha diversidade do campo do consumo, que abrange desde as compras altruístas até as motivadas por um materialismo egoísta, as últimas cada vez mais numerosas. As compras para satisfazer uma necessidade real, como comida e bebida por exemplos, ocupa um espaço cada vez menor do consumo. Assim teorias como as econômicas liberais clássicas, que afirmam que o consumo deve satisfazer necessidades já existentes, conseguem atender apenas à uma parcela da questão. O consumo hoje parece estar ligado à necessidade de criar uma identidade e ao próprio entretenimento, como forma de evitar o tédio (Baumann). Svendsen destaca então sua discussão central: a relação entre consumo e formação da identidade. Cita Douglas e Isherwood (antropólogos) que afirmam que as mercadorias são neutras, mas seu uso é social, e neste sentido podem ser barreiras (diferenciadoras, separam pessoas umas das outras) ou pontes (socializantes, unem pessoas entre si), e então coloca que o uso é parte decisiva do significado de deter minada mercadoria, mas é evidente que a mercadoria em uso deixa de ser neutra. Para que possam servir à função de estabelecimento de identidade, devem desempenhar os dois papéis, ao mesmo tempo (barreira e ponte), pois a identidade social, deve conter uma demarcação negativa e uma identificação posi- tiva, ou seja, não pertenço a este grupo ou idéia X, pertenço ao grupo Y. Rejeitando teorias que explicam o consumo através da diferenciação de classe (ambição e reconhecimento social), cita Lipovetsky, que afirma que o consumo aparece mais como forma de bem-estar e prazer, idéia também de Campbell que trata o consu- midor pós-moderno como um hedonista romântico, com um infindável desejo de estimulação emocional; coloca ainda que a lógica cultural da modernidade não é apenas de racionalidade instrumental, mas também de paixão e desejo; e ainda que a diferença entre o objeto imaginário e objeto real cria um desejo contínuo que impele ao consumo. Svendsen vê esta afirmação concretizar-se na moda: “o consumidor projeta um gozo idealizado sobre produtos cada vez mais novos, uma vez que os velhos e bem conhecidos perdem pouco a pouco a sua capacidade de encantar”. Paralelamente, a partir da idéia de quem deseja o infinito não sabe o que deseja (Schlegell), pode-se afirmar que este consumidor romântico, a cada vez que obtém um produto, tem uma decepção, o que faz ele comprar novos produtos, pois nenhum deles satisfaz seus desejos, face à enorme diferença entre o produto imaginado e o real. A emancipação romântica de normas e restrições torna o consumo a área central em que as pessoas podem desenvolver a liberdade, o que tem efeitos sobre o próprio sistema de consumo. Desta forma, torna-se a maneira de expressarmos a individualidade, chegando ao ponto de muitos afirmarem que o maior movimento contracultural de nosso tempo é contra a sociedade de consumo; porém, muitos contra- culturalistas fundamentam-se em idéias errôneas sobre consumo, como por exemplo, na associação consumismo-conformismo; sob tal ótica, posicionam-se como individualistas que podem esquivar-se da força do mercado, traduzindo: não consumem para não tornarem-se conformistas, para poderem expressar individualidade. O equívoco se dá justamente nesta questão pois o discurso da socie- dade de consumo é pautado exatamente na contracultura clássica. Certeau (teórico da cultura) coloca o consumo como um processo significativo em que indivíduos são criativos. Assim visualizamos mais um problema da associação consumismo- conformismo, que coloca o sujeito completamente passivo diante do consumo, quando na verdade, o sujeito se percebe como ativo e seletivo, nisto, a crítica parece pertinente a própria autocomprensão do sujeito. Esta interpretação soa como se hou- vesse pessoas poderosas na indústria da moda, que ditam de forma totalitária o que devemos vestir (consumir), o que não corresponde à realidade, como mostra a própria história. Para a crítica do consumismo ter relevância, é necessário considerar a criatividade e a seletividade do consumidor, bem como sua autocompreensão. O forte efeito de persuasão do marketing foi questionado pela primeira vez por Packard (crítico de cultura) nos anos 50, e ainda que refutada, tem ciclos de reemersão. Apesar da influência da publicidade, os consumidores agem deliberadamente, e atribui-se ao consumidor da sociedade pós-moderna, um grau elevado de impotência e desorientação. O hiperespaço pós-moderno criado na fase do capitalismo tardio teria se desenvolvido mais rapidamente que a subjetividade, de forma que o ser humano teria perdido a capacidade de se orientar. Shields afirma que essa desorientação nos deixou passivos e sem controle de nossas próprias vidas, entretanto não é o que se constata nos shopping centers mais modernos, ao contrário, parecem orientar-se rapidamente e consumir da mesma forma que sempre consumiram, ainda que possamos notar que as mercadorias de fato adquiriram muito poder. O autor toma Simmel como mais ponderado por afirmar que na cultura tudo se torna objetivado, sendo o consumo um campo fértil para o cultivo do eu, porque ele requer uma integração consumidor-objeto de consumo. Marx, ao propor a separação entre operário e produto, trabalhado no conceito de alienação, cria precisamente uma distância simbólica, sendo que quanto maior a distância simbólica entre eles, maior o esforço de integração. Com o enorme crescimento do número de objetos, fica cada vez mais difícil para o consumidor adequar o objeto de consumo ao seu projeto de vida, o consumidor fica a mercê das mudanças da cultura objetiva e incapaz de transformar as coisas em instrumentos para tal: é a predominância do espírito objetivo sobre o subjetivo da cultura moderna. Neste sentido, o sujeito é que se adapta aos objetos e não ao contrário; sobretudo, quando falamos de moda: o que é criado por sujeitos para ser usado por sujeitos, transforma-se em objetos que se dissociam de sua origem e assumem uma lógica própria; o desenvolvimento da cultura, em que mercadorias, conhecimento e tecnologia passam a predominar sobre a humanidade, a que Simmel chama de “a tragédia da cultura” – o homem suplantado por um espírito objetivo que ele mesmo criou. Como reação, os indivíduos tentam se firmar como algo especial, já que carregam em si, um conteúdo de impessoalidade cada vez maior; paradoxal-mente, tentam fazer isso consumindo objetos de valor simbólico particular, e acabam por procurar isto consumindo grandes marcas, ou seja, têm um comportamento contraditório ao buscar em entidades abstratas e impessoais a sua individualidade. Em última análise, usar um item da moda, é abraçar o individualismo e a conformidade ao mesmo tempo. Os símbolos que adquirimos dizem algo sobre quem somos, Bourdieu afirma que o que está em jogo é a personalidade, a qualidade da pessoa que é afirmada na capa- cidade de adquirir um produto de qualidade, determinada pelo campo social. Precisamos de razões para preferir algo em detrimento de outro, e isso se realiza através das diferenças, compramos através de valores simbólicos, que substituíram o valor de utilidade. Valores de utilidade são insuficientes produtos uns dos outros, embora necessárias, podem ser extremamente marginais, sendo que quanto menores essas diferenças, mais importantes se tornam. O princípio da “diferença marginal” muito difundido na moda, estende-se para objetos de todos os tipos, e a diferença em valor econômico não pode ser explicada a partir do valor de utilidade. Baudrillard afirma que o significado do consumo consiste na manipulação sistemática de signos, ou seja, para um objeto se transformar em objeto de consumo deve tornar-se um signo, ou propriamente dito, numa marca. Cada vez mais o valor simbólico é necessário para a nossa identidade e autorrealização social. O que é vendido é a idéia do produto, comprá-lo significa afiliar-se a esta idéia. Posto que todas as mercadorias ganharam um componente cultural, a cultura se torna a principal mercadoria e também a força propulsora da economia no final do século XX, pois é o aspecto cultural da mercadoria que está à venda. Baudrillard afirma que todo consumo é consumo de símbolos, a mercadoria, livre de sua utilidade, é apenas signo, que pode a qualquer momento, perder a relação com sua origem. Na moda, isso dá origem as cópias, a pirataria, as marcas falsas, e outros. Na sequência, o autor faz uma análise da expansão dos negócios no ramo da moda, das fusões e licenciamentos de marcas e griffes que possibilitaram maiores rendimentos e popularizaram o consumo das etiquetas mais famosas. Salienta a importância que as marcas ganharam frente ao consumidor, a ponto de dois produtos idênticos, um com marca e outro sem, serem avaliados de forma diferente, sendo os primeiros melhor avaliados, obviamente. E finalmente faz a pergunta: por que temos interesse em consumir símbolos? Para construirmos nossa identidade, responde, fazendo a ressalvas: se antes, as pessoas consumiam para mostrar afiliação a uma classe, essa perspectiva hoje é menos informativa, pois o próprio conceito de classe não mais se aplica. O consumo hoje está mais ligado ao conceito de identidade pessoal do que à identidade de classe, e eis a questão que revela que o consumidor moderno está fadado ao fracasso: o consumidor pós-moderno não consegue estabelecer uma identidade pessoal através do consumo, porque o foco deste no momento solapa precisamente a formação da identidade. Se nossa identidade estiver diretamente ligada aos valores simbólicos das coisas que nos cercam, ela será tão transitória quanto esse valores, fora a imprecisão do que esses símbolos representam, são poucos os que acreditam que valores simbólicos têm conteúdo semântico específico. O mesmo se aplica à relação moda e linguagem, visto que as roupas também funcionam mal como meios de comunicação. Estenda-se isto a outros tipos de mercadoria. Os produtos estão saturados de significado, vêm carregados de mensagens cada vez mais, que acabam por não dizer nada. Fergusson diz que a mercadoria tornou-se signo porque teve seu valor intrínseco esvaziado, avaliado pelo autor, como uma leitura exagerada, já que um objeto pode virar signo, ainda que mantenha algum outro tipo de valor, mas admite que o signo tornou-se o valor central. Segundo Horkheimer e Adorno, quando o produto chega ao consumidor, ele já foi totalmente interpretado, e resta ao último apenas apropriar-se de forma passiva do significado pré-fabricado, o que pode não ser totalmente verdadeiro, visto que as mercadorias podem assumir significados para além dos colocados pelos seus produtores, o que ocorre com certa freqüência. John Fiske já assume uma posição totalmente diferente: a da democracia semiótica, em que os consumidores reinterpretam ativamente os símbolos para seus próprios objetivos. Neste sentido, consumir é uma atividade política carregada de significado. Svendsen também questiona Fiske, pois é raro o consumidor atribuir significados totalmente diversos dos que os produtores propuseram para sua mercadoria, e quando isso acontece, geralmente não tem uma grande relevância política; completa dizendo que o ato de consumir não é particularmente motivado pelos aspectos políticos do consumo, mas pode-se dizer, que o significado dos objetos é socialmente determinado, assim, a mercadoria é um objeto de negociação entre várias partes. A transformação mais comum que o significado de um produto pode sofrer é sua rápida evaporação assim que é colocado no mercado, facilmente comprovável pela maneira que ele se apropria de subculturas. Segundo Hebdige as subculturas têm em geral maior substância semântica que a cultura de massa, e esse significado é por muitas vezes inacessível aos outsiders (sujeitos que não fazem questão de pertencer a um grupo ? os que estão do lado de fora ?), para os quais, a subcultura parece não ter qualquer ordem, o que na verdade é bem diferente – as subculturas cultivam a individualidade e nisto assemelham-se à cultura de massa, e tornam-se junto das contraculturas, grandes aliadas da moda e do capital. Uma contracultura produz diferenças para poder se diferenciar da cultura existente, e são justamente elas que alimentam o consumo e o capital, que as incorporam em seu sistema lógico. Cita-se aí o exemplo do movimento punk, totalmente assimilado pela cultura de massa. Na perspectiva da moda, não existe oposição entre uma contracultura e a cultura existente, e é fato que todos os contraculturalistas reconhecidos acabam vendo seu estilo massificado – se antes se vendia a conformidade, hoje vende-se a inconformidade e a rebeldia. Isto é inovador? Sabendo que consumimos valores simbólicos altamente perecíveis, estamos em constante busca de algo novo, lugares novos e pessoas novas – a lógica da moda focada em valores simbólicos traduz numa cada vez mais rápida renovação de estoques; o valor inerente e o funcional da mercadoria tornam-se menos importantes, e seu tempo de vida depende das mudanças da moda. O importante é imprimir velocidade no processo – o novo deve envelhecer rapidamente para dar lugar ao mais novo. Neste sentido, o papel das empresas pós-modernas deixa de ser o de satisfazer necessidades para criar novas necessidades. Simmel afirma que quanto maior nossa exposição às mudanças rápidas da moda, maior a necessidade de versões mais baratas da mercadoria, e isto acelera ainda mais a velocidade das m O importante é imprimir velocidade no processo – o novo deve envelhecer rapidamente para dar lugar ao mais novo. udanças. A sociedade de consumo pressupõe a irracionalidade dos indivíduos, que continuam consumindo numa velocidade cada vez maior, ainda que saibam que não vão alcançar seus objetivos. Esses mesmos indivíduos caracterizam-se pela busca de uma satisfação momentânea e cada vez mais curta, o que também acontece para além de sua relações de consumo, mas nas suas próprias relações com outros indivíduos (amigos, família), que estão também se traduzindo em consumo. Montaigne afirma que de todos prazeres que conhecemos, o maior é o da busca do prazer, o que bem define o consumidor de hoje. Pode-se comprender o desejo desse consumidor de duas formas: a.) ele alimenta a ilusão que um dia encontrará a satisfação de seu desejo e sua busca terá fim ou b.) ele compreendeu que nada pode satisfazer seu desejo e por isso mantém sua própria busca como principal interesse. Acredita-se que o consumidor dos dias de hoje (pós-moderno), diferentemente de todos os outros (que buscavam a satisfação de necessidades), prima pela busca de satisfação, pois esta lhe proporciona o maior prazer. Mudaram também os padrões de consumo, que certamente elevaram-se face ao desenvolvimento sociomaterial da sociedade. O que não existe mais com a mesma força, é o componente moral que determinava um teto, normas que determinavam o que era suficiente ou excessivo (nos casos de pobreza ou voracidade). Hoje, é extremamente difícil distinguir quais são as necessidades naturais e quais as artificiais, e as necessidades naturais não podem mais ditar as normas para o consumo, que hoje é conduzido pelo desejo e não pela necessidade. Bauman afirma que o que move o consumo é o desejo, não um conjunto de necessidades articuladas ou fixas; o consumo tem limites quando se destina a satisfazer necessidades, mas quando está desconectado, é em princípio ilimitado, a ponto de podermos afirmar que desejos foram transformados em necessidades. Svendsen termina afirmando que para o consumidor clássico o consumo é um meio, e para o consumidor pós-moderno é um fim em si. Cita Aristóteles, quando afirma que a felicidade, é um fim em si mesma, é a única coisa que buscamos por ela mesma. E nós consumimos e consumimos, e apesar disso, não alcançamos a felicidade. O consumo não nos dá o significado que buscamos, apenas preenche o vazio existencial em que poderia ter havido uma falta. A nossa utopia foi a sociedade de consumo, em que poderíamos nos realizar por meio do consumo de bens. Coloca Wilde: talvez seja um consolo que nunca consigamos o que queremos quando a nossa meta é o consumo.