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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE DE ATOS JUDICIAIS

José Barroso Filho(1)

“A mesma solidariedade que nasce em face do perigo e do delito, deve surgir ante a
inocência castigada” Rafael Bielsa

SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Atividade judiciária como serviço público. 3. O direito à


jurisdição. 4. Responsabilidade civil decorrente de atos judiciais. 4.1. Soberania do
Poder Judiciário. 4.2. Incontrastabilidade da coisa julgada. 5. A atividade judicial que
acarreta a responsabilidade civil do Estado-Juiz. 6. O nexo de causalidade. 7.
Excludentes da responsabilidade do Estado-Juiz pelo exercício da atividade judicial.
7.1. Culpa exclusiva da vítima. 7.2. Força maior. 8. A indenização por danos morais. 9.
Conclusão. Bibliografia.

1. Introdução

Não é possível compreender sistema integral de justiça sem que atenda ao sacrifício
individual injusto. Segundo Cahali “a responsabilidade civil do Estado pelo erro
judiciário representa o reforço da garantia dos direitos individuais” (1995: 599)

2. Atividade judiciária como serviço público

Segundo Hely Lopes Meirelles “serviço público é todo aquele prestado pela
Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer
necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do
Estado” (1990:294)
A acepção de serviço público não se cinge, porém, à atividade administrativa do
Estado. Ao não permitir o exercício da justiça de mão própria, o Estado chamou a si a
tutela dos direitos ameaçados ou violados. Instituiu pois, o “serviço público judiciário”.
É assim, um serviço imposto e não proposto.
O serviço judiciário é uma espécie do gênero serviço público.

3. O direito à jurisdição

Afirma a Profa. Carmen Lúcia Antunes Rocha:

“O direito à jurisdição é o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado ao


cidadão de exigir do Estado a prestação daquela atividade. A jurisdição é, então, de uma
parte, direito fundamental do cidadão, e, outra, dever do Estado”.

Mais adiante:

“Não basta, contudo, que se assegure o acesso aos órgãos prestadores da jurisdição para
que se tenha por certo que haverá estabelecimento da situação de justiça na hipótese
concretamente posta a exame. Para tanto, é necessário que a jurisdição seja prestada –
como os demais serviços públicos – com a presteza que a situação impõe.
A presteza da resposta jurisdicional pleiteada contém-se no próprio conceito do direito-
garantia que a jurisdição representa” .
A prestação jurisdicional, por óbvio, não se dá, tão somente, com a prolação da
sentença, mas também, nos provimentos cautelares e antecipatórios, mormente pela
maior participação do magistrado no processo e, pelo crescente número de demandas,
situações que, na busca da efetividade, conduzem a uma utilização frequente das
“tutelas de urgência”.

Por adequada, novamente a manifestação da Profa. Carmen Lúcia:

“A liberdade não pode esperar, porque, enquanto a jurisdição não é prestada, ela pode
estar sendo afrontada de maneira irreversível; a vida não pode esperar, porque a
agressão ao direito à vida pode fazê-la perder-se; a igualdade não pode aguardar, porque
a ofensa a este princípio pode garantir a discriminação e o preconceito; a segurança não
espera, pois a tardia garantia que lhe seja prestada pelo Estado terá concretizado o risco,
por vezes, com a só ameaça que torna incertos todos os direitos”.

4. Responsabilidade civil decorrente de atos judiciais

A responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não


prejudicar o outro.

A sujeição diferenciada do Estado às regras de responsabilidade “importaria a negação,


a mais formal, do direito e da justiça – para cuja manutenção e constante garantia, aliás,
é que o Estado existe, como a primeira e a mais poderosa das instituições sociais”.

Segundo Cretella Júnior “ as atividades judiciais são todas as atividades do Poder


Judiciário, específicas ou anespecíficas, sem indagação de sua natureza, contenciosa ou
graciosa”.

Acrescenta o mestre: “realmente, o serviço judiciário é, antes de tudo, serviço público.


Ora, serviço público danoso, em qualquer de suas modalidades é serviço danoso do
Estado. Por que motivo excluir, por exceção, a espécie serviço público judiciário, do
gênero serviço público geral ?” (RDA, 1970, 99/13).

Sem estabelecer qualquer distinção, eis o disposto no art. 37, §6º, da Constituição
Federal de 1988, em transcrição:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços


públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e
culpa”

Consubstanciada a responsabilidade civil do Estado por atos danosos manejados por


quaisquer de seus agentes.

Percebe-se que a culpa do serviço público não se identifica através da conduta do


servidor público, ou do agente, mas através do próprio serviço público.
Leciona o Ministro José Augusto Delgado:

“A culpa do serviço público não tem caráter identificador. Ela surge, anonimamente,
sem permitir a investigação sobre quem seja o autor do dano. Julga-se o serviço, a sua
qualidade, nos modos seguintes:
a) o serviço funcionou mal;
b) o serviço não funcionou;
c) o serviço funcionou tardiamente” (Revista Jurídica 226 /5)

No mesmo sentido, as palavras do Desembargador Yussef Said Cahali:

“A pretensão indenizatória se legitima naqueles casos de culpa anônima do serviço


judiciário, de falhas do aparelhamento encarregado da distribuição da Justiça,
envolvendo, inclusive, as deficiências pessoais dos magistrados recrutados; assim, nos
casos de morosidade excessiva da prestação jurisdicional com equivalência à própria
denegação da Justiça, de erros grosseiros dos juízes, relevados sob o pálio candente da
falibilidade humana” (1995: 638)

Em sendo danoso o serviço judiciário, seja por falha individual do magistrado ou culpa
anônima do serviço, seja por ato ilícito ou por ato lícito, ou ainda por exsurgir sem
culpa, o Estado responderá diretamente pelos prejuízos causados, sendo que este poderá
acionar, regressivamente, o magistrado, nos casos delimitados no art. 133, do Código de
Processo Civil, a saber:

“Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:


I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de
ofício, ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no nº II só depois que
a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este
não atender o pedido no prazo de 10 dias”.

Idêntica disposição pode ser encontrada na Lei Complementar nº 35 / 79 – Lei


Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN.

Vale notar que os arts. 294, 420, 421 e 1552, todos do Código Civil, que disciplinam
casos de responsabilidade direta do magistrado, ou seja, a irresponsabilidade do Estado,
não foram recepcionados pela nova ordem constitucional, pois, o magistrado só
responderá, regressivamente, nos casos de dolo e culpa.

Os argumentos que sustentam a tese da irresponsabilidade do Estado por atos


judiciais são os mais variados, analisemos os principais:

4.1. Soberania do Poder Judiciário

Os defensores desta corrente aduzem que o Judiciário, ao exercer suas funções, o faz
envolvendo a soberania estatal, nesse caso, inexistiria a obrigação de indenizar,
tornando o Estado, civilmente irresponsável. Só restando o acionamento direto em face
do magistrado.

De modo a refutar tal entendimento, tem-se a posição da Profa. Maria Sylvia Zanella
Di Pietro. Diz ela:
“A soberania é do Estado e significa a inexistência de outro poder acima dele. Os três
poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – não são soberanos, porque devem
obediência à lei, em especial, à Constituição” (1990: 363)

Ademais, o Judiciário não atua no nível externo, palco de atuação da Soberania, mas
sim, inter partes, no nível interno.

Não se pode admitir que um órgão estatal, sob o argumento da Soberania, esteja
isento de qualquer forma de controle ou responsabilidade.

Pois, conforme assinala Lafayette Pondé:

“… relativamente aos atos judiciários, ninguém pode hoje acobertá-los de imunidade


sobre pretexto de serem expressão de soberania. Este argumento provaria demais,
porque daria com a irresponsabilidade mesma da Administração e do Legislativo, já que
o Judiciário não é um superpoder colocado sobre estes dois. Aquela arguição é
destituída de todo e qualquer fundamento jurídico. O serviço judiciário é um setor de
funcionamento do Estado, como o são todos os demais serviços públicos; distingue-se
destes tão só pela função jurisdicional, que preferentemente ele exerce. Isto, porém, não
o eleva acima da ordem jurídica, a cuja fiel e exata aplicação ele se destina. E, até
mesmo por sua destinação específica, os danos que ele cause ser o mais prontamente
reparados, para que não permaneça sem remédio a violação sofrida pela vítima que o
buscara sedenta de justiça” (1995: 315)

4.2. Incontrastabilidade da coisa julgada

Segundo esta corrente, a coisa julgada gera como efeito, a imutabilidade da


decisão. Assim, se a decisão torna-se imutável não se pode admitir o ressarcimento
diante de eventual prejuízo, dado que a coisa julgada faz lei entre as partes.

Vale ressaltar que nem todos os atos judiciais danosos podem ser acobertados pelo
manto da coisa julgada, vez que não são provenientes de sentença, mas de provimentos
interlocutórios.

É do art. 468, do Código de Processo Civil:

“A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide
e das questões decididas”.

Percebe-se que a coisa julgada não atinge terceiros, estranhos à lide.

Necessário fazer a distinção entre coisa julgada e coisa soberanamente julgada, sendo
certo que é esta, o objeto da proteção constitucional (art. 5º, inc. XXXVI).

Nas palavras do Magistrado José Guilherme de Souza:

“Tratando-se de decisão de que não caiba recurso ordinário, sua desconstituição


somente pode ser processada mediante a ação de impugnação conhecida como
rescisória: tem-se a primeira categoria de coisa julgada.
Em se cuidando, todavia, de hipótese em que a decisão já não possa ser rescindida, por
decorrido o prazo prescricional, tem-se a segunda categoria de coisa julgada. Nesse
sentido, e somente nesse sentido, se pode falar de res judicata incontrastável, até porque
essa qualidade tem como nascedouro a própria inércia do prejudicado pelos efeitos da
decisão” (RT 652 /29)

Interessante observar que a ação de impugnação cível denominada ação rescisória


deve ser ajuizada no prazo de 02 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da
decisão (art. 495 do Código de Processo Civil). Ao passo que a ação de impugnação
penal denominada revisão criminal poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da
extinção da pena ou após (art. 622 do Código de Processo Penal).

Outra diferença entre as citadas ações de impugnação é que a revisão criminal, em


sendo julgada procedente, poderá, se o interessado requerer, reconhecer o direito a uma
justa indenização (art. 630 do CPP), disposição semelhante inexiste na ação rescisória.

Vale lembrar que o prazo extintivo para o ajuizamento da ação rescisória começa a ser
contado do trânsito em julgado e não do conhecimento da parte quanto à circunstância
que autorize a rescisão do julgado.

Bem assim, esse conhecimento pode ocorrer posteriormente ao prazo para o


ajuizamento da ação rescisória. E em sendo relevantes os fundamentos, ocorreria um
sério conflito entre a necessidade de segurança jurídica através da coisa soberanamente
julgada e o supremo ideal de justiça, sendo pressuposto, a correta avaliação dos fatos
lançados à discussão.

Entendo que, diante das inovações técnicas, mormente nas questões de estado, se à
parte não foi disponibilizada a nova técnica – à época do julgamento em 1º grau, esta
prova se produzida, mesmo após o prazo para o ajuizamento da ação rescisória deve ser
admitida numa ação de anulação. Como leading case, eis o julgamento do Superior
Tribunal de Justiça:

“O autor desta ação foi vencido na investigatória promovida por seus filhos. Naquela
ação, recusou-se ao exame de DNA, embora – afirmou o acordão que julgou a sua
apelação – “possuindo o apelante condições financeiras”. Portanto, não é aceitável a sua
alegação de que somente agora dispõe de recursos para enfrentar as despesas da perícia.
Desses recursos já dispunha o ora autor, somente que se recusou à prova para dificultar
a obtenção de elemento de certeza sobre a filiação. Tendo perdido a ação de
investigação, está agora procurando reabrir a fase probatória com a sua sugestão de
submeter-se ao exame que antes frustara. Não tem nenhuma certeza, nada sabe sobre o
que alega, não traz prova alguma da sua suspeita, a qual vai de encontro ao reconhecido
na sentença. Está arriscando mais uma vez, jogando com a justiça: vencido na
investigatória, deixou escoar o prazo da rescisória e volta a juízo, propondo-se a fazer
prova que antes impedira; se mais uma vez vencido, não perderá mais do que as
despesas com o processo.
Diferente seria a minha conclusão se, em vez da evidente malícia no comportamento da
parte, ficasse claro que a paternidade, embora reconhecida na sentença, não
correspondia à realidade, isso demonstrado em exame com grau absoluto de certeza. A
regra da coisa julgada, válida para o tempo em que não se conhecia prova segura da
filiação, e por isso dependente de ficções, não pode ser mantida contra a evidência da
verdade que se extrai do exame de DNA, pois a ninguém interessa – nem aos filhos,
nem aos pais, nem à sociedade – que o registro seja a negação da realidade” (STJ, REsp.
196.966 / DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU 28.fev.2000).
Assim, com a ressalva acima, entendo que a coisa soberanamente julgada deve ser
respeitada, porém necessário o desenvolvimento de mecanismos que privilegiem a
decisão justa, com as cautelas necessárias no intuito de impedir a eternização das lides.

Não apenas a prisão provisória indevida pode gerar a obrigação de indenizar, por parte
do Estado, mas também, qualquer ato constritivo invasivo do patrimônio jurídico do
cidadão, que se revele despropositado e ilegal.

A Profa. Lúcia Valle Figueiredo cita como passível de se inserir no campo da


responsabilidade civil do Estado, por exemplo, o caso de liminar em mandado de
segurança, quando, não obstante presentes os pressupostos legais para a sua concessão,
ela for negada e, em razão desse ato judicial, provoque danos à parte impetrante. Em
caso inverso, também, admite a caracterização da responsabilidade civil do Estado.
Aceita, igualmente, que o Estado responda pelos danos provocados pela prestação
jurisdicional retardada, entendendo que tal hipótese configura pura denegação da
Justiça.

5. A atividade judicial que acarreta a responsabilidade civil do Estado-Juiz

Dada a precisão dos termos, eis o posicionamento do Prof. Canotilho:

“Não obstante as reticências da jurisprudência portuguesa, a orientação mais recente de


alguns países vai no sentido de consagrar a responsabilidade dos magistrados (de
tribunais individuais e colectivos) quando a sua actividade dolosa ou gravemente
negligente provoca um dano injusto aos particulares. Sob pena de paralisar o
funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se aqui um
regime particularmente cauteloso, afastando, desde logo, qualquer hipótese de
responsabilidade por actos de interpretação das normas de direito e pela valoração dos
factos e da prova. Por outro lado, é duvidoso que, fora dos casos de responsabilidade
penal e disciplinar do juiz, se possa admitir a responsabilidade civil do juiz com a
consequente possibilidade de direito de regresso por parte do Estado.

No entanto, podem descortinar-se hipóteses de responsabilidade do Estado por actos


ilícitos dos juízes e outros magistrados quando: (1) houver grave violação da lei
resultante de “negligência grosseira”; (2) afirmação de factos cuja inexistência é
manifestamente comprovada pelo processo; (3) negação de factos, cuja existência
resulta indesmentivelmente dos actos do processo; (4) adopção de medidas privativas da
liberdade fora dos casos previstos na lei; (5) denegação da justiça resultante da recusa,
omissão ou atraso do magistrado no cumprimento dos seus deveres funcionais. Foi neste
sentido que se orientou a lei italiana de 13 de abril de 1988, nº 117, depois de uma
consulta referendista.

No mesmo sentido, pode ver-se a lei francesa de 5 de julho de 1972, artigo 11º, relativa
à reparação de danos provocados pelo funcionamento “defeituoso” do serviço de justiça,
existindo “falta grave” (culpa) ou denegação da justiça” (1993:660)
Frequentemente, a discussão sobre a ocorrência do erro judiciário está vinculada
ao processo penal, pois a prisão injusta, em especial, por um crime que não cometeu,
sempre despertou grande repercussão, dado que envolve o conceito de liberdade.

Conforme o magistério de Giovanni Ettote Nanni:

“O erro judiciário é aquele oriundo do Poder Judiciário e deve ser cometido no curso de
um processo, visto que na consecução da atividade jurisdicional, ao sentenciarem, ao
despacharem, enfim ao externarem qualquer pronunciamento ou praticarem qualquer
outro ato, os juízes estão sujeitos a erros de fato ou de direito, pois a pessoa humana é
falível, sendo inerente a possibilidade de cometer equívocos” (1999:122).

Esclarece o Ministro Ruy Rosado Aguiar Dias:

“O erro judiciário ocorre por equivocada apreciação dos fatos ou do Direito aplicável, o
que leva o juiz a proferir sentença passível de revisão ou rescisão. Pode decorrer de dolo
ou culpa do juiz, de falha do serviço ou, até mesmo, ‘se produzir fora de qualquer falta
do serviço da justiça; apesar da diligência e da extrema atenção dos magistrados e de
seus auxiliares, os erros judiciários podem surgir’ (Paul Duez). O erro pode estar em
sentença proferida em qualquer jurisdição ou instância, a despeito de estar comumente
associado à sentença criminal. Como adverte Ardant, quaisquer que sejam as
diferenças entre a Justiça Civil e a Justiça Criminal, a responsabilidade deve englobar
o erro de ambas, pois o risco do erro é inerente à função jurisdicional, seja cível ou
criminal” (Ajuris 59/39)

A Constituição Federal de 1988, não bastasse a previsão de responsabilidade prevista


no art. 37, §6º, trata do erro judiciário no art. 5º, LXXV, em transcrição:

“O Estado indenizará o condenado por erro judiciário…”

Mais adiante, afora a norma geral, traz uma especificação: “… assim como o que ficar
preso além do tempo fixado na sentença”.

Demonstrado o nexo de causalidade entre a atividade judiciária e o dano


experimentado pelo cidadão, ausente qualquer excludente, exsurge a responsabilidade
civil do Estado.

6. O nexo de causalidade

A legislação brasileira adotou a teoria da causa direta e imediata, razão pela qual, em
princípio, não é indenizável o chamado dano remoto, vez que sua relação com o dano
somente seria indireta.

É do art. 1.060, do Código Civil:

“Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os


prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito direto e imediato”

Eis o magistério do Prof. Caio Mário da Silva Pereira:


“Não obstante o enunciado de fórmulas e regras atinentes à determinação do nexo
causal, não se pode deixar em oblívio a recomendação de De Page, quando adverte que
elas não devem ser aplicadas de maneira cega e automática, ou, como ainda assinalam
Marty e Raynaud, a jurisprudência está longe de permanecer sistematizada em linhas de
decisões estabelecidas. Se assim se fizesse, correr-se-ia o risco de potencializar a
responsabilidade civil de maneira enorme (De Page). Ao juiz cabe proceder cum arbitrio
boni viri, sopesando cada caso na balança do equilíbrio, do bom senso e da equidade”
(1990:90).

7. Excludentes da responsabilidade do Estado-Juiz pelo exercício da atividade judicial

Nosso sistema adota a responsabilidade objetiva do Estado, assim sendo, este somente
não será responsabilizado, total ou parcialmente, se for rompido o nexo de causalidade.

7.1. Culpa exclusiva da vítima

Eis o magistério de Oreste Nestor de Souza Laspro:

“Se um determinado indivíduo sofreu um dano oriundo de uma ação ou omissão de um


agente do estado, em princípio, estaria formado o liame entre a causa e o prejuízo e,
portanto, nasceria o direito ao ressarcimento. Ocorre que, muitas vezes, pode ser que o
resultado danoso somente tenha ocorrido em razão da culpa da vítima, ou seja, esta, por
ação ou omissão, contribuiu definitivamente para que assumisse a condição de vítima.

Nessas situações, em princípio, temos o rompimento do nexo causal com o ato do


agente estatal, não existindo direito ao ressarcimento.
Com efeito, é indispensável se verificar o fenômeno das concausas. Isso significa que
precisamos examinar se a culpa constitui a causa fundamental e exclusiva do dano ou
se, por algum modo, ainda subsiste o nexo causal com a ação do agente estatal. Dessa
maneira, sempre que o dano não for resultado somente da culpa da vítima, mas também
da ação do agente estatal, não temos a exclusão completa do dever de ressarcir, mas
sim, uma redução do valor a ser pago, de modo proporcional à responsabilidade de cada
um dos envolvidos” (2000:82)

7.2. Força maior

Vale a lição de Clóvis Beviláqua (Código Civil, Liv. Francisco Alves, 10ª ed., vol.
IV/173):

Caso fortuito “é o acidente produzido por força física ininteligente, em condições que
não podiam ser previstas pelas partes”

Força maior “é o fato de terceiro, que criou, para a inexecução da obrigação, um


obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer”.

Assim, a força maior é uma causa conhecida de um evento certo, mas que pelas suas
características é irresistível; embora todos saibam que um determinado fato possa
ocorrer, não se é capaz de evitá-lo.
Já o caso fortuito é um acontecimento também incontrolável, mas desconhecido na sua
origem, ou seja, enquanto a força maior é um fato externo, o caso fortuito está inserido
no ato do agente estatal, razão pela qual o nexo causal não é rompido e persiste a
responsabilidade, eis a lição do Prof. Laspro.

Segue o ilustre autor: “Importante notar, contudo, que também aqui a questão das
concausas é importante. Com efeito, muito embora, como regra geral, o dano oriundo da
força maior não seja passível de ressarcimento, muitas vezes a omissão ou a ação
culposa ou dolosa do Estado contribui para que o dano ocorra. Nessas situações, o nexo
causal persiste e, portanto, o Estado é responsável.

Com ênfase, conclui o Prof. Laspro:

“De fato, o rompimento do nexo de causalidade não está simplesmente na mera força
maior, mas sim, na presença de seus dois requisitos, quais sejam, necessidade e
inevitabilidade. Segundo a necessidade, o dano deve ser produto direto e exclusivo da
força maior. Já a inevitabilidade relaciona-se à impossibilidade de serem afastados os
efeitos danosos” (2000:83).

8. A indenização por danos morais

Consubstanciado o dano atribuído ao Estado, no exercício da atividade judiciária, a


indenização pelos prejuízos causados deve ser a mais completa. Nessa seara, vem à
tona a discussão sobre o cabimento do dano moral.

A honra é um valor imanente à personalidade, de manifestações complexas e


dificilmente redutíveis a um conceito unitário. De um lado, compõe-se na auto-estima,
no sentimento pessoal da própria dignidade. D’outro lado, define-se como a
consideração, o respeito que cercam o cidadão no meio em que vive, a sua reputação.
Define-se a primeira como honra subjetiva e a segunda como honra objetiva.

A consideração, o respeito a que toda pessoa tem direito – acentua Roberto H. Brebbia
– constituindo uma espécie de atmosfera moral que circunda os indivíduos que
observam uma conduta correta, tomam o nome de honra, ressaltando um dos bens
pessoais, ou personalíssimos, que, em maior ou menor medida, todos os sistemas
jurídicos protegem.

Georges Rippert – “A Regra Moral nas Obrigações Civis”, Saraiva, 1937 – já


assinalava inexistir qualquer hesitação na jurisprudência francesa face à admissibilidade
da reparação ao prejuízo moral. E arremata : “Se a lei menciona o dever moral de não
prejudicar outrem no corpo e nos bens, como poderia ficar indiferente diante do insulto
à alma? ”.

O patrimônio moral é o mais perene dos legados, “não se esvai e nem é corroído pela
passagem dos tempos”. Nestes termos o Ministro Pedro Lessa afirmou : “Deixar de
admitir a indenização por dano moral significa a recusa da proteção jurídica às mais
nobilitantes condições do desenvolvimento humano, as puramente morais”.
Em igual sentido a indagação do Mestre Aguiar Dias : “O espírito da lei, não deixa
nenhuma dúvida – quer salvaguardar todos os direitos do homem, todos os seus bens;
ora, nossa honra, nossa consideração não serão os mais preciosos dos bens ?”.

Eis o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

“Direito Constitucional e Administrativo. Responsabilidade Objetiva. Prisão Ilegal.


Danos Morais.
1. O estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação dos seus agentes
pratica contra o mesmo, prisão ilegal.
2. Em caso de prisão indevida, o fundamento indenizatório da responsabilidade do
Estado deve ser enfocado sobre o prisma de que a entidade estatal assume o dever de
respeitar integralmente, os direitos subjetivos constitucionalmente assegurados ao
cidadão, especialmente de ir e vir.
3. O Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos,
provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e
sociais.
4. A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo
cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção
sacrificado.
5. A responsabilidade pública por prisão indevida, no direito brasileiro, está
fundamentada no art. 5º, LXXV, da CF”.
(STJ, Resp. nº 220.982/RS, Rel. Min. José Delgado, DJU 03.abr.2000)

No mesmo diapasão, a indevida constrição judicial, seja cível ou penal, pode gerar a
obrigação de indenizar pela ocorrência de danos morais, inobstante o pleito referente
aos danos materiais.

9. Conclusão

Com o costumeiro acerto, eis a síntese do Prof. Cretella Júnior:

“a) a responsabilidade do Estado por atos judiciais é espécie do gênero


responsabilidade do Estado por atos decorrentes do serviço público;
a) as funções do Estado são funções públicas, exercendo-se pelos três Poderes;
b) o magistrado é órgão do Estado; ao agir, não age em seu nome, mas em nome do
Estado, do qual é representante;
c) o serviço público judiciário pode causar dano às partes que vão a juízo pleitear
direitos, propondo ou contestando ações (Cível); ou na qualidade de réus (Crime);
d) o julgamento, quer no Crime, quer no Cível, pode consubstanciar-se no erro
judiciário, motivado pela falibilidade humana na decisão;
e) por meio dos institutos rescisório e revisionista é possível atacar-se o erro judiciário,
de acordo com a s formas e modos que a lei prescrever, mas, se o equívoco já produziu
danos, cabe ao Estado o dever de repará-los;
f) voluntário ou involuntário, o erro de conseqüências danosas exige reparação,
respondendo o Estado civilmente pelos prejuízos causados; se o erro foi motivado por
falta pessoal do órgão judicante, ainda assim o Estado responde, exercendo a seguir o
direito de regresso sobre o causador do dano, por dolo ou culpa;
g) provados o dano e o nexo causal entre este e o órgão judicante, o Estado responde
patrimonialmente pelos prejuízos causados, fundamentando-se a responsabilidade do
Poder Público, ora na culpa administrativa, o que envolve também a responsabilidade
pessoal do juiz, ora no acidente administrativo, o que exclui o julgador, mas empenha o
Estado, por falha técnica do aparelhamento judiciário” (RDA 99:13)

Vale ressaltar que não se pode responsabilizar o magistrado pelas decisões que tome
quando se trata de simples erro de apreciação ou de interpretação. Os únicos casos nos
quais sua responsabilidade pode ser admitida, em ação regressiva, são os que
demonstrem uma culpa qualificada (grosseira, no dizer do mestre Canotilho) ou mesmo
dolo, situações que um magistrado sério e razoavelmente diligente não cometeria.

Por derradeiro, transcrevo a manifestação do Ministro José Augusto Delgado, exemplo


de magistrado e professor:

“A realidade mostra que não é mais possível a sociedade suportar a morosidade da


Justiça, quer pela ineficiência dos serviços forenses, quer pela indolência dos seus
juízes. É tempo de se exigir uma tomada de posição do Estado para solucionar a
negação da Justiça por retardamento da entrega jurisdicional. Outro caminho não tem o
administrado, senão o de voltar-se contra o próprio Estado que lhe retardou justiça e
exigir-lhe reparação civil pelo dano, pouco importando que tal via também enfrente
idêntica dificuldade. Só o acionar já representa uma forma de pressão legítima e
publicização do seu inconformismo com a Justiça emperrada, desvirtuada e burocrática”
(Revista Jurídica 226 / 5).

Bem assim, de modo a espancar dúvidas, a sugestão do Prof. João Sento Sé:

“Convém que o inc.LXXV do art. 5º, da Constituição de 1988 passe a ter a seguinte
redação: ‘O Estado indenizará danos causados por erro judiciário e também por
funcionamento defeituoso do serviço judiciário” (1976:66)

O cidadão pois, precisa fazer valer o seu direito à uma prestação jurisdicional célere e
justa. Para tanto é necessário responsabilizar civilmente o Estado pela má prestação do
serviço judiciário, como a única forma de melhorá-lo.

BIBLIOGRAFIA

AGUIAR DIAS, José. Da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A Responsabilidade Civil do Estado pelo


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