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“A mesma solidariedade que nasce em face do perigo e do delito, deve surgir ante a
inocência castigada” Rafael Bielsa
1. Introdução
Não é possível compreender sistema integral de justiça sem que atenda ao sacrifício
individual injusto. Segundo Cahali “a responsabilidade civil do Estado pelo erro
judiciário representa o reforço da garantia dos direitos individuais” (1995: 599)
Segundo Hely Lopes Meirelles “serviço público é todo aquele prestado pela
Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer
necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do
Estado” (1990:294)
A acepção de serviço público não se cinge, porém, à atividade administrativa do
Estado. Ao não permitir o exercício da justiça de mão própria, o Estado chamou a si a
tutela dos direitos ameaçados ou violados. Instituiu pois, o “serviço público judiciário”.
É assim, um serviço imposto e não proposto.
O serviço judiciário é uma espécie do gênero serviço público.
3. O direito à jurisdição
Mais adiante:
“Não basta, contudo, que se assegure o acesso aos órgãos prestadores da jurisdição para
que se tenha por certo que haverá estabelecimento da situação de justiça na hipótese
concretamente posta a exame. Para tanto, é necessário que a jurisdição seja prestada –
como os demais serviços públicos – com a presteza que a situação impõe.
A presteza da resposta jurisdicional pleiteada contém-se no próprio conceito do direito-
garantia que a jurisdição representa” .
A prestação jurisdicional, por óbvio, não se dá, tão somente, com a prolação da
sentença, mas também, nos provimentos cautelares e antecipatórios, mormente pela
maior participação do magistrado no processo e, pelo crescente número de demandas,
situações que, na busca da efetividade, conduzem a uma utilização frequente das
“tutelas de urgência”.
“A liberdade não pode esperar, porque, enquanto a jurisdição não é prestada, ela pode
estar sendo afrontada de maneira irreversível; a vida não pode esperar, porque a
agressão ao direito à vida pode fazê-la perder-se; a igualdade não pode aguardar, porque
a ofensa a este princípio pode garantir a discriminação e o preconceito; a segurança não
espera, pois a tardia garantia que lhe seja prestada pelo Estado terá concretizado o risco,
por vezes, com a só ameaça que torna incertos todos os direitos”.
Sem estabelecer qualquer distinção, eis o disposto no art. 37, §6º, da Constituição
Federal de 1988, em transcrição:
“A culpa do serviço público não tem caráter identificador. Ela surge, anonimamente,
sem permitir a investigação sobre quem seja o autor do dano. Julga-se o serviço, a sua
qualidade, nos modos seguintes:
a) o serviço funcionou mal;
b) o serviço não funcionou;
c) o serviço funcionou tardiamente” (Revista Jurídica 226 /5)
Em sendo danoso o serviço judiciário, seja por falha individual do magistrado ou culpa
anônima do serviço, seja por ato ilícito ou por ato lícito, ou ainda por exsurgir sem
culpa, o Estado responderá diretamente pelos prejuízos causados, sendo que este poderá
acionar, regressivamente, o magistrado, nos casos delimitados no art. 133, do Código de
Processo Civil, a saber:
Vale notar que os arts. 294, 420, 421 e 1552, todos do Código Civil, que disciplinam
casos de responsabilidade direta do magistrado, ou seja, a irresponsabilidade do Estado,
não foram recepcionados pela nova ordem constitucional, pois, o magistrado só
responderá, regressivamente, nos casos de dolo e culpa.
Os defensores desta corrente aduzem que o Judiciário, ao exercer suas funções, o faz
envolvendo a soberania estatal, nesse caso, inexistiria a obrigação de indenizar,
tornando o Estado, civilmente irresponsável. Só restando o acionamento direto em face
do magistrado.
De modo a refutar tal entendimento, tem-se a posição da Profa. Maria Sylvia Zanella
Di Pietro. Diz ela:
“A soberania é do Estado e significa a inexistência de outro poder acima dele. Os três
poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – não são soberanos, porque devem
obediência à lei, em especial, à Constituição” (1990: 363)
Ademais, o Judiciário não atua no nível externo, palco de atuação da Soberania, mas
sim, inter partes, no nível interno.
Não se pode admitir que um órgão estatal, sob o argumento da Soberania, esteja
isento de qualquer forma de controle ou responsabilidade.
Vale ressaltar que nem todos os atos judiciais danosos podem ser acobertados pelo
manto da coisa julgada, vez que não são provenientes de sentença, mas de provimentos
interlocutórios.
“A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide
e das questões decididas”.
Necessário fazer a distinção entre coisa julgada e coisa soberanamente julgada, sendo
certo que é esta, o objeto da proteção constitucional (art. 5º, inc. XXXVI).
Vale lembrar que o prazo extintivo para o ajuizamento da ação rescisória começa a ser
contado do trânsito em julgado e não do conhecimento da parte quanto à circunstância
que autorize a rescisão do julgado.
Entendo que, diante das inovações técnicas, mormente nas questões de estado, se à
parte não foi disponibilizada a nova técnica – à época do julgamento em 1º grau, esta
prova se produzida, mesmo após o prazo para o ajuizamento da ação rescisória deve ser
admitida numa ação de anulação. Como leading case, eis o julgamento do Superior
Tribunal de Justiça:
“O autor desta ação foi vencido na investigatória promovida por seus filhos. Naquela
ação, recusou-se ao exame de DNA, embora – afirmou o acordão que julgou a sua
apelação – “possuindo o apelante condições financeiras”. Portanto, não é aceitável a sua
alegação de que somente agora dispõe de recursos para enfrentar as despesas da perícia.
Desses recursos já dispunha o ora autor, somente que se recusou à prova para dificultar
a obtenção de elemento de certeza sobre a filiação. Tendo perdido a ação de
investigação, está agora procurando reabrir a fase probatória com a sua sugestão de
submeter-se ao exame que antes frustara. Não tem nenhuma certeza, nada sabe sobre o
que alega, não traz prova alguma da sua suspeita, a qual vai de encontro ao reconhecido
na sentença. Está arriscando mais uma vez, jogando com a justiça: vencido na
investigatória, deixou escoar o prazo da rescisória e volta a juízo, propondo-se a fazer
prova que antes impedira; se mais uma vez vencido, não perderá mais do que as
despesas com o processo.
Diferente seria a minha conclusão se, em vez da evidente malícia no comportamento da
parte, ficasse claro que a paternidade, embora reconhecida na sentença, não
correspondia à realidade, isso demonstrado em exame com grau absoluto de certeza. A
regra da coisa julgada, válida para o tempo em que não se conhecia prova segura da
filiação, e por isso dependente de ficções, não pode ser mantida contra a evidência da
verdade que se extrai do exame de DNA, pois a ninguém interessa – nem aos filhos,
nem aos pais, nem à sociedade – que o registro seja a negação da realidade” (STJ, REsp.
196.966 / DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU 28.fev.2000).
Assim, com a ressalva acima, entendo que a coisa soberanamente julgada deve ser
respeitada, porém necessário o desenvolvimento de mecanismos que privilegiem a
decisão justa, com as cautelas necessárias no intuito de impedir a eternização das lides.
Não apenas a prisão provisória indevida pode gerar a obrigação de indenizar, por parte
do Estado, mas também, qualquer ato constritivo invasivo do patrimônio jurídico do
cidadão, que se revele despropositado e ilegal.
No mesmo sentido, pode ver-se a lei francesa de 5 de julho de 1972, artigo 11º, relativa
à reparação de danos provocados pelo funcionamento “defeituoso” do serviço de justiça,
existindo “falta grave” (culpa) ou denegação da justiça” (1993:660)
Frequentemente, a discussão sobre a ocorrência do erro judiciário está vinculada
ao processo penal, pois a prisão injusta, em especial, por um crime que não cometeu,
sempre despertou grande repercussão, dado que envolve o conceito de liberdade.
“O erro judiciário é aquele oriundo do Poder Judiciário e deve ser cometido no curso de
um processo, visto que na consecução da atividade jurisdicional, ao sentenciarem, ao
despacharem, enfim ao externarem qualquer pronunciamento ou praticarem qualquer
outro ato, os juízes estão sujeitos a erros de fato ou de direito, pois a pessoa humana é
falível, sendo inerente a possibilidade de cometer equívocos” (1999:122).
“O erro judiciário ocorre por equivocada apreciação dos fatos ou do Direito aplicável, o
que leva o juiz a proferir sentença passível de revisão ou rescisão. Pode decorrer de dolo
ou culpa do juiz, de falha do serviço ou, até mesmo, ‘se produzir fora de qualquer falta
do serviço da justiça; apesar da diligência e da extrema atenção dos magistrados e de
seus auxiliares, os erros judiciários podem surgir’ (Paul Duez). O erro pode estar em
sentença proferida em qualquer jurisdição ou instância, a despeito de estar comumente
associado à sentença criminal. Como adverte Ardant, quaisquer que sejam as
diferenças entre a Justiça Civil e a Justiça Criminal, a responsabilidade deve englobar
o erro de ambas, pois o risco do erro é inerente à função jurisdicional, seja cível ou
criminal” (Ajuris 59/39)
Mais adiante, afora a norma geral, traz uma especificação: “… assim como o que ficar
preso além do tempo fixado na sentença”.
6. O nexo de causalidade
A legislação brasileira adotou a teoria da causa direta e imediata, razão pela qual, em
princípio, não é indenizável o chamado dano remoto, vez que sua relação com o dano
somente seria indireta.
Nosso sistema adota a responsabilidade objetiva do Estado, assim sendo, este somente
não será responsabilizado, total ou parcialmente, se for rompido o nexo de causalidade.
Vale a lição de Clóvis Beviláqua (Código Civil, Liv. Francisco Alves, 10ª ed., vol.
IV/173):
Caso fortuito “é o acidente produzido por força física ininteligente, em condições que
não podiam ser previstas pelas partes”
Assim, a força maior é uma causa conhecida de um evento certo, mas que pelas suas
características é irresistível; embora todos saibam que um determinado fato possa
ocorrer, não se é capaz de evitá-lo.
Já o caso fortuito é um acontecimento também incontrolável, mas desconhecido na sua
origem, ou seja, enquanto a força maior é um fato externo, o caso fortuito está inserido
no ato do agente estatal, razão pela qual o nexo causal não é rompido e persiste a
responsabilidade, eis a lição do Prof. Laspro.
Segue o ilustre autor: “Importante notar, contudo, que também aqui a questão das
concausas é importante. Com efeito, muito embora, como regra geral, o dano oriundo da
força maior não seja passível de ressarcimento, muitas vezes a omissão ou a ação
culposa ou dolosa do Estado contribui para que o dano ocorra. Nessas situações, o nexo
causal persiste e, portanto, o Estado é responsável.
“De fato, o rompimento do nexo de causalidade não está simplesmente na mera força
maior, mas sim, na presença de seus dois requisitos, quais sejam, necessidade e
inevitabilidade. Segundo a necessidade, o dano deve ser produto direto e exclusivo da
força maior. Já a inevitabilidade relaciona-se à impossibilidade de serem afastados os
efeitos danosos” (2000:83).
A consideração, o respeito a que toda pessoa tem direito – acentua Roberto H. Brebbia
– constituindo uma espécie de atmosfera moral que circunda os indivíduos que
observam uma conduta correta, tomam o nome de honra, ressaltando um dos bens
pessoais, ou personalíssimos, que, em maior ou menor medida, todos os sistemas
jurídicos protegem.
O patrimônio moral é o mais perene dos legados, “não se esvai e nem é corroído pela
passagem dos tempos”. Nestes termos o Ministro Pedro Lessa afirmou : “Deixar de
admitir a indenização por dano moral significa a recusa da proteção jurídica às mais
nobilitantes condições do desenvolvimento humano, as puramente morais”.
Em igual sentido a indagação do Mestre Aguiar Dias : “O espírito da lei, não deixa
nenhuma dúvida – quer salvaguardar todos os direitos do homem, todos os seus bens;
ora, nossa honra, nossa consideração não serão os mais preciosos dos bens ?”.
No mesmo diapasão, a indevida constrição judicial, seja cível ou penal, pode gerar a
obrigação de indenizar pela ocorrência de danos morais, inobstante o pleito referente
aos danos materiais.
9. Conclusão
Vale ressaltar que não se pode responsabilizar o magistrado pelas decisões que tome
quando se trata de simples erro de apreciação ou de interpretação. Os únicos casos nos
quais sua responsabilidade pode ser admitida, em ação regressiva, são os que
demonstrem uma culpa qualificada (grosseira, no dizer do mestre Canotilho) ou mesmo
dolo, situações que um magistrado sério e razoavelmente diligente não cometeria.
Bem assim, de modo a espancar dúvidas, a sugestão do Prof. João Sento Sé:
“Convém que o inc.LXXV do art. 5º, da Constituição de 1988 passe a ter a seguinte
redação: ‘O Estado indenizará danos causados por erro judiciário e também por
funcionamento defeituoso do serviço judiciário” (1976:66)
O cidadão pois, precisa fazer valer o seu direito à uma prestação jurisdicional célere e
justa. Para tanto é necessário responsabilizar civilmente o Estado pela má prestação do
serviço judiciário, como a única forma de melhorá-lo.
BIBLIOGRAFIA
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil, Liv. Francisco Alves, 10ª ed., vol. IV/173.
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 1995.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 1990.
LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A Responsabilidade Civil do Juiz. São Paulo: RT,
2000.
NANNI, Giovanni Ettore. A Responsabilidade Civil do Juiz. São Paulo: Max Limonad,
1999.
PONDÉ, Lafayette. Estudos de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.
RIGAUX, François. A Lei dos Juízes. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
SENTO SÉ, João. Responsabilidade Civil do Estado por atos judiciais. São Paulo:
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SILVA FILHO, Artur Marques da. Juízes Irresponsáveis ? Uma indagação sempre
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SOUZA, José Guilherme de. A Responsabilidade Civil do Estado pelo exercício da
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