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Este conceito será objeto de análise deste trabalho mais adiante.
privatização do espaço público, na expansão da cobertura dos serviços sociais de péssima2
qualidade e no reduzido caráter redistributivo.
Fatores políticos e econômicos foram os responsáveis pelo processo de
descentralização do Gasto Público Social nas últimas duas décadas do século XX. A
privatização do espaço público, com a extrema permeabilidade do aparelho de Estado aos
interesses particulares, empresariais e clientelistas, a formação de feudos e de mercados
cativos dentro da máquina pública, aliados com o extremo centralismo fiscal e a falência do
modelo econômico desenvolvimentista da ditadura militar, levaram a sociedade a pressionar
por um processo de descentralização da política social e fiscal como um todo, que o Governo
Federal, seja por suas próprias atitudes e em boa parte por decisões importantes do Congresso
Nacional, acaba por trilhar já no início da década de 1980.
De forma não propriamente planejada, mas induzida pela anorexia
financeira dos entes subnacionais, causada pela centralização dos recursos tributários nas
mãos da União, pela monumental crise do setor público dos anos 1980 e pelos sinais de
esgotamento político do regime militar, aquela década assiste a um paulatino processo
descentralizador do Gasto Social Público. Num primeiro momento, de forma negociada e
clientelística, a União, na primeira metade da década em referência, passa a liberar recursos a
Estados e Municípios através de transferências voluntárias, por meio de celebração de
convênios com os mesmos, convênios estes firmados sem a participação dos órgãos
competentes dos governos estaduais, como as Secretarias de Educação, por exemplo,
desprezando instâncias estratégicas e técnicas para a formulação de políticas que levassem em
consideração características, especificidades e demandas locais e regionais. Num segundo
momento por decisões do Congresso Nacional, como as Emendas Constitucionais Passos
Porto e Calmon3. A primeira, buscando fortalecer o federalismo fiscal, elevava o Fundo de
Participação dos Estados (FPE) e Municípios (FPM) na arrecadação federal, além de
aumentar a participação dos entes subnacionais na arrecadação de alguns tributos. A segunda,
mais afeta ao objeto deste trabalho, obrigava a União a aplicar 13% de seu orçamento na
educação, a partir de 1984, e 25% da receita resultante da arrecadação de impostos para os
Estados e Municípios.
Somava-se a essas medidas legais, de iniciativa do Congresso Nacional, um
processo de desmantelamento da centralização fiscal com objetivo específico de conter o
enorme déficit público que assolava o País, na primeira metade dos anos 80. Aqui se percebe,
claramente, o início de um processo desordenado e desarticulado de descentralizar ônus aos
entes subnacionais sem, necessariamente, prover recursos ou planejar ações conjuntas.
Descentralizar, aqui entendido, preponderantemente, pela entrada cada vez mais importante
dos Estados e Municípios na execução de políticas sociais em função da ausência/omissão,
cada vez maior, do Governo Federal, sem nenhum poder de financiamento e acossado pelo
Fundo Monetário Internacional (FMI) para cumprimento de metas de redução do déficit
público previamente pactuadas.
No período 1985-88, a “ala progressista” da coalizão de forças que
conduziu a transição democrática e acabou compondo o Governo da Nova República,
reconhece a “dívida social”4 herdada do regime militar e acaba por instituir uma política
social efetiva, entendendo que a forma mais democrática de efetuá-la seria através da
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Adjetivo utilizado pelo autor citado.
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Respectivamente Emendas Constitucionais n.ºs 23 e 24/83
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Entenda-se por “dívida social” (FAGNANI, 1997) um conjunto de péssimos indicadores sócio-econômicos
encontrados pelo primeiro governo civil brasileiro depois da ditadura militar, refletido nos altos índices de
analfabetismo e crianças em idade escolar fora da escola, a persistência de doenças endêmicas e tropicais em
várias regiões do país, baixa expectativa de vida, elevado déficit habitacional, sobretudo nos grandes centros
urbanos, pobreza e miséria de significativas parcelas da sociedade, agravadas pela crônica concentração de renda
da economia brasileira.
descentralização dos recursos financeiros, supondo que o controle social dos gastos, feito
pelos estados e, principalmente pelos municípios, seria forma segura de garantir a boa
aplicação dos recursos públicos. No bojo das grandes manifestações de rua do movimento
"diretas já"5 e secundarizando a questão do equilíbrio orçamentário, o período compreendido
entre 1985 e 1988 avança socialmente, especialmente no que tange a programas de
suplementação alimentar, incorporação da reforma agrária e do seguro-desemprego na
agenda governamental. Este período vê os gastos sociais saltarem de 14,1% do Orçamento da
União em 1984, para 17,9% em 1989, aumento de 27% (OLIVEIRA, 1999, p. 19).
Ainda neste período, pré Constituição de 1988, marco recente do
fortalecimento do federalismo fiscal, os números elucidam a crescente participação dos entes
subnacionais no financiamento do gasto social, como bem coloca Oliveira (ibidem, p.20):
...os recursos do governo federal cresceram cerca de 20,7% entre 1984 e 1986; os
dos estados, 33,3%, os dos municípios, em torno de 48%. Com isso, o governo
federal viu sua participação no financiamento global do gasto social consolidado
reduzir-se de 61% para 57% nesse período, enquanto a dos estados elevou-se de
25,7% para 28,1% e a dos municípios, de 12,8% para 14,7%.
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Movimento político articulado pelas alas mais progressistas do Congresso Nacional, comandada pelo PMDB,
com forte participação popular, por Emenda Constitucional que permitisse, à época, eleições diretas para
Presidente da República.
orçamentários, arrefecimento do nível de atividade econômica, que inibe a arrecadação
tributária, inflação e desemprego, desenham o quadro de crise a que submerge o Setor Público
nacional, com destaque para os Estados e Municípios. Neste contexto, os ganhos tributários
da Constituição de 1988 foram mais que proporcionalmente anulados pela crise econômica e
pela saída da União de programas sociais por ela mantidos por mais de 30 anos.
Oliveira (ibidem, p.28) resume com propriedade a situação vivida no início
dos anos 90:
Na prática, diante da melhoria considerável da arrecadação dos estados, e
notadamente, dos municípios, e ao defrontar-se com certo desequilíbrio em suas
contas, o governo federal, ao caminhar para recuperar receitas e reduzir gastos,
terminou deflagrando um processo desordenado de descentralização dos encargos, e
forçou as esferas subnacionais a assumirem responsabilidades crescentes na
realização dos gastos públicos e sociais. Nesse processo, o instrumento das
transferências negociadas, que fora central na política de descentralização
predominante nos anos 1980, perde fôlego, e reduz-se expressivamente, ao mesmo
tempo em que ampliam as iniciativas adotadas para o aumento das receitas federais.
3 – NEOLIBERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO
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Expressão utilizada por Fiori (1995) em várias passagens da obra em referência.
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Vale ressaltar, pelo momento extremamente oportuno, que este conjunto de medidas econômicas
receitado/imposto pelo centro capitalista liberal e conservador, liderado pelos Estados Unidos, franco e
integralmente adotado pela Argentina como modelo de superação de seus problemas econômicos, leia-se
inflação sobretudo, e desenvolvimento econômico, resultou no desastre econômico em que mergulhou aquele
país no início do ano de 2002. Embora seguisse rigorosamente todas as prescrições neoliberais de política
econômica, a Argentina encontra-se em profunda recessão econômica há mais de meia década, atualmente em
moratória para com o resto do mundo, administrando uma crise monetária e financeira interna que ameaça falir
todo sistema bancário argentino, sofrendo severa deterioração dos índices de pobreza e com séria ameaça de
retorno da inflação. A todo exposto deve-se acrescentar a absoluta indiferença dos órgãos internacionais de
financiamento, como o FMI, a quem, há muito, a Argentina é subserviente.
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A literatura econômica que estuda a década de 1980 faz franca utilização dessa expressão para designar o pífio
desempenho do PIB do período, crise econômica, aumento dos índices de desemprego, crise financeira do
Estado e total esgotamento do modelo industrializador brasileiro, via substituição de importações.
linguagem da História, mais do que nunca universal e universalizada pela ação dos
mercados e da vontade racional do império. Por isso neste momento a racionalidade
da História aparece, como nunca havia sido o caso, no plano da história reflexiva
narrada pela ideologia vitoriosa como ação da idéia econômica.
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Lei Complementar nº 101, de 20 maio de 2000.
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Renúncia fiscal aqui entendida como a concessão de subsídios, isenções e benefícios tributários, ainda que de
interesse do desenvolvimento econômico nacional.
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