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NAS TRILHAS DO CICLOTURISMO: POSSIBILIDADES DE UMA PRÁTICA

EDUCATIVA TRANSDICIPLINAR NO ENSINO FUNDAMENTAL MÉDIO.

Leomar Tiradentes
Universidade Federal de Viçosa
Doutorando em geografia pela UFU.
e-mail: leotiradentes@yahoo.com.br
Eixo Temático: O turismo e a recreação em áreas naturais

RESUMO:

No presente artigo procuro dialogar sobre o cicloturismo como apoio às aulas


de geografia, educação física e biologia no ensino fundamental e médio, levando os
estudiosos do Turismo, da Geografia, da Educação Física, da Biologia e outras áreas
afins a repensarem o tema central como um instrumento a mais no processo de ensino
e aprendizagem. Pretende-se também ampliar as discussões sobre o tema em
questão e seus diferentes ângulos, conjuntamente com outros profissionais da
educação numa prática transdiciplinar. Nosso ponto de partida é a conceituação do
que é o cicloturismo e suas variações e como ele pode tornar-se um recurso
significativo para as aulas práticas de várias disciplinas escolares. Em seguida,
procurou-se explicar como suas ações pode interferir nesse processo de ensino /
aprendizagem. E por último, buscou-se identificar as prováveis ações em que o
cicloturismo pode auxiliar na prática pedagógica escolar. Pretende-se com isso,
ampliar as discussões sobre o tema em questão, e suas facetas inter e
transdisciplinares onde os professores de diferentes áreas do conhecimento podem
intervir conjuntamente. Conclui-se que a discussão da temática e sua prática, não se
esgota aqui, pelo contrário, é o inicio de um debate que deve ser aprofundado pelos
estudiosos das áreas em questão e também pelo público participante para que juntos
possam compreender que o espaço ora vivido e/ou presenciado é uno e como tal,
precisa de nosso respeito e de nosso conhecimento.

PALAVRAS-CHAVE: Cicloturismo em trilhas; turismo no espaço rural; ensino


fundamental e médio; lazer em áreas naturais.

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INTRODUÇÃO

A prática de atividade física pelos espaços naturaisé uma constante hoje entre
o público infantil e jovem. Temos observado em nossas escolas um grande fascínio
que as atividades físicas exercem sobre eles, no entanto, na maioria das vezes as
instituições de ensino não conseguem fazer frente a esses desafios, perdendo
oportunidades de possibilitar ao aluno uma nova convivência e experiência no ensino.
Muito se discute no meio acadêmico novas estratégias educacionais que
podem auxiliar o professor e sua prática educacional. Hoje, com o advento dos
chamados esportes de aventura ou de natureza, denominados de AFAN (atividades
físicas de aventura na natureza) por BETRÀN (2003), o espaço geográfico vem se
constituindo num campo de atuação de vários profissionais como o educador físico, o
biólogo e outros que também assumem uma parcela desse espaço como área de
trabalho inserindo nesse espaço a sua marca.
Dentre as estratégias educacionais que possibilitem uma nova maneira de
aprendizado, alguns educadores tem optado pelo cicloturismo, com uma oportunidade
de vivenciar com seus alunos a prática dos conteúdos adquiridos em sala de aula.
Mas será que o cicloturismo pode ser realizado em trilhas? Essa prática é
possível com alunos do ensino fundamental e médio?
Procurando decifrar essas indagações o presente artigo tem por objetivo
compreender e analisar o cicloturismo como prática educativa, identificando a
possibilidade de se buscar uma transdiciplinaridade entre as disciplinas escolares do
ensino fundamental e médio.
Pautado numa metodologia de pesquisa descritiva, de caráter qualitativo,
parte-se da análise da compreensão conceitual sobre o cicloturismo e seu papel no
meio natural e/ou cultural, analisando suas possibilidades de prática. Em seguida,
procura-se identificar como a algumas disciplinas escolares vem incorporando esse
espaço para as suas práticas.

DISCUSSÃO

Como tema de discussões acadêmicas o cicloturismo em trilhas não é uma das


questões em foco ou motivo de calorosos debates. As possibilidades de uso de sua
prática em sala de aula ou mesmo em discussão em roda de recreio em algumas
escolas têm levantado alguns temas a serem discutidos como um enfoque
transdiciplinar na própria LDB.

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Para se entender o cicloturismo, primeiro é necessário compreender o conceito
de ecoturismo. Para esse artigo foi adotado a entendimento utilizado por FENNELL
(2002) que é a forma sustentável de turismo baseado nos recursos naturais, que
focaliza principalmente a experiência e o aprendizado sobre a natureza; sendo gerido
eticamente para manter um baixo impacto não predatório e localmente orientado,
ocorrendo tipicamente em áreas naturais, contribuindo para a conservação ou
preservação destas.
Já MORAES (2000), adota a definição do Grupo Interministerial composto pelos
Ministérios da Indústria, do Comércio e do Turismo, do Meio Ambiente e da Amazônia
Legal, para conceituar o ecoturismo como o “segmento da atividade turística que
utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação
e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do
meio ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas”.
Partindo-se então do conceito de ecoturismo apresentados acima, podemos
dizer que o cicloturismo é toda atividade envolvida com a natureza, buscando
compreender o papel que a natureza exerce sobre a sociedade e como esta interage
com ela mesma, utilizando como instrumento uma bicicleta, o que pode gerar um
baixo impacto no espaço natural quando comparado com outras atividades.
Nessa concepção, o cicloturismo se identifica com o espaço rural, enquanto
áreas de ocupação agro-silvo-pastoril ou mesmo de nenhuma ocupação humana,
devendo, portanto, contribuir para a conservação ou preservação dos ecossistemas.
(Foto 1)
Muitas escolas têm procurado utilizar alternativas pedagógicas visando uma
maior aproximação entre os conteúdos abordados em sala de aula e a realidade do
aluno. Nesse contexto, o cicloturismo começa a ganhar espaço, principalmente nas
disciplinas que trabalham diretamente com a questão do meio ambiente.
Adotando um critério de destinação e de localização, o cicloturismo tem como
principais características à observação do patrimônio histórico-cultural; passeios por
trilhas e cachoeiras (passeios ecológicos); observação de animais silvestres;
programas de educação ambiental; e outros.

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Foto 1 Trilha em Viçosa – MG.

Foto do autor, 2005

Portanto, pode se observar que o cicloturismo é uma atividade turística realizada


no espaço rural, se caracterizando como uma atividade de turismo que visa uma
analise e interpretação da paisagem. (Foto 2)
Na visão de MATHEUS et al (2005), O turismo em espaços rurais surge como
atividade que visa a promover a proteção do meio ambiente, enquanto auxilia no
desenvolvimento dos pólos receptores, gerando empregos e lucro, podendo constituir-
se em tese, em instrumento de estímulo ao uso sustentável do espaço rural
beneficiando a população local.
Nesse espaço também denominado de natural a educação física, a geografia e
a biologia enquanto disciplinas se vêem beneficiadas por ter encontrado um forte
aliado nas aulas práticas, ampliando significativamente seus horizontes de atuação.

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Foto 2: Área de educação ambiental na Mata do Paraíso – Viçosa - MG.

Foto: Rodrigo Leite, 2005.

Não devemos pensar apenas na beleza natural do espaço, mas também:


• Nos ecossistemas e biomas envolvidos;
• Na organização da propriedade ali existente;
• Nas tradições culturais e religiosas do local;
• Na preservação ambiental;
• Na qualidade de vida;
• No desenvolvimento corporal;
• Na socialização dos alunos, entre outros.
Devemos pensar também como essas questões podem aprofundar e interferir na
aprendizagem dos alunos.
As variadas atividades do cicloturismo e suas práticas podem interferir no
processo de ensino/aprendizagem, principalmente nos dias de hoje, onde podemos
levar os alunos a repensarem o espaço vivido enquanto categoria que resulta numa
nova prática de vivência.
Cabe ressaltar, porém, que a inserção de muitas atividades de cicloturismo pode
alterar profundamente as paisagens locais, resultando em impactos negativos na
região.
Diante desta questão, TONHASCA JUNIOR, faz uma consideração importante:

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“Com a progressiva redução de nossas áreas naturais, cada vez mais a
presença humana se faz notar em locais isolados e distantes. Apesar
da crescente procura pelo contato com a natureza, a triste verdade é
que muitas pessoas têm atitude predatória e desrespeitosa em relação
às áreas silvestres. Isto fica evidente pelo nível de vandalismo e todo as
formas de poluição que afligem nossos parques nacionais, praias e
áreas de preservação ambiental.” (TONHASCA JUNIOR 2003, p. 67)

Estas constatações acima citadas encontram reforço nos dizeres de PIMENTEL


(2003) quando afirma que os impactos mais representativos vêm acompanhados pelas
atividades de turismo nas áreas de preservação permanente, isto porque estes
ambientes possuem uma complexidade maior quando comparadas com a paisagem
rural.
Nos bastaríamos entender que toda atividade no meio ambiente exige certos
recursos e concomitante conhecimento e postura ética para minimizar os impactos.
Por outro lado, o cicloturismo também pode funcionar como um importante
agente no processo de educação ambiental, quando o turista-aluno exerce um papel
mais consciente mediante uma observação participativa.
A prática do cicloturismo pode trazer para o ensino da educação física, da
geografia, da biologia e outras disciplinas, o despertar do interesse de alguns alunos,
resultando na ampliação da motivação dos estudantes pelos conteúdos geográficos;
como motivação pela educação física escolar e também pelo ensino da biologia ao
mesmo tempo em que serão chamados a refletirem e analisarem os problemas
sociais, rurais, econômicos, políticos, ambientais e até mesmo urbanos em todos os
níveis. (Foto 3)
Como prática pedagógica o cicloturismo pode auxiliar no trabalho do ensino
escolar nos seguintes aspectos:
a) Trabalhando com os alunos a questão dos impactos ambientais, positivos e
negativos, provocados pelo turismo sem planejamento preliminar;
b) Destacando os aspectos ambientais, técnico-científicos, políticos e
ideológicos, que envolvem a temática;
c) No debate sobre um dos mais novos setores produtivos da sociedade
industrial e ao mesmo tempo um fenômeno social que é o turismo;
d) Colaborando no desenvolvimento de uma prática mais consciente sobre as
relações homem x natureza;
e) Ampliando as atividades excursionistas em trilhas como recurso didático;
f) Ser o agente facilitador de uma abordagem conjunta com outras disciplinas
escolares numa perspectiva transdiciplinar;

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Foto 3: Ponte pênsil na trilha da Mata do Paraíso – Viçosa - MG

Foto: Rodrigo Leite, 2005.

g) Como sugestão de tema transversal para as escolas nos planejamentos


integrados;
h) Possibilitando uma maior socialização das turmas;
i) Favorecendo e intensificando a prática da educação ambiental.
j) Colocar o aluno em contato com sua realidade local, nem sempre percebido.
BETRÁN (2006) acredita que essas atividades constituem manifestações de
caráter recreativo que nascem amparadas pela pós-modernidade, no tempo do ócio
ativo e do turismo e surgem impregnadas desse espírito de emulação, risco, aventura
e diversão.
Essas atividades são capazes de engendrar por si mesma uma série de
situações estimuladoras de grande importância pedagógica por conta da transmissão
eficiente de valores, atitudes e normas, da aprendizagem de conceitos integrados em
diferentes âmbitos do conhecimento, mediante um processo interdisciplinar, e da
realização de diversas experiências motoras de notável impacto emocional, pelas
características intrínsecas dessas praticas em estreito contato com seu meio natural.
Quando pensamos na utilização de bicicletas no turismo, o nosso direcionamento
está no sentido de uso das bikes, tão comum aos nossos alunos, como um
equipamento recreativo e instrutivo no processo de ensino-aprendizagem, sabendo-se

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das peculiaridades da paisagem em trilhas no campo, em áreas de preservação, nas
estradas rurais ou mesmo nas cidades.

CONCLUSÕES

Enquanto atividade esportiva, o cicloturismo se insere num contexto mais


amplo que é a possibilidade de oferecer ao aluno uma nova maneira de apreender o
conteúdo disponibilizado por variaas disciplinas escolares.
Permite aos alunos perceber seus limites físicos induzindo-o a uma nova
procura pelas atividades físicas como maneira de melhorar sua capacidade cárdio-
pulmonar ao mesmo tempo em que favorece aos alunos perceber e trabalhar o próprio
corpo ampliando sua propriocepção, a uma maior socialização do grupo envolvido com
essas práticas.
No âmbito da geografia, o cicloturismo pode tornar-se um instrumento
referencial importante para o aprendizado dessa ciência, uma vez que permitirá aos
alunos vivenciar as mais diferentes realidades que o cercam, assimilando de vez os
conceitos básicos da geografia que são: paisagem, lugar, região e território. (Foto 4)

Foto 4: Região rural de Viçosa - MG.

Foto do autor, 2005.

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Para a biologia, e também para as outras ciências, a prática do cicloturismo
possibilita, vivenciar in loco como ocorrem as relações ecossistêmicas e como elas se
reproduzem tanto no espaço micro como no macrocosmo.
A metodologia proposta colabora para estimular práticas inter e transdiciplinar,
apostando numa maior integração dos conteúdos dados e numa maior parceria entre
as disciplinas envolvidas com essa prática.
É possível sim realizar atividades de cicloturismo em áreas de preservação,
desde que se respeite as normas e os regulamentos de cada área visitada, bem como
a capacidade de carga de cada local a ser estudado pelos alunos
O uso do cicloturismo em trilhas pode ser realizado tanto pelos alunos do
ensino fundamental como pelos alunos do ensino médio; deve-se levar em
consideração primeiramente o nível de ensino em cada turma uma vez os níveis de
interesse também são diversos.
Por fim, não podemos esquecer que o grande objetivo do cicloturismo é
fortalecer as relações sociais e o sentimento de amizade, de solidariedade e de ajuda
mútua entre os membros, no caso os alunos, que participam dessa forma de conhecer
a realidade local que é uma maneira mais indicada de se fazer um turismo mais
consciente.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Espanha: as atividades físicas de aventura na natureza. In: MARINHO, A.; BRUHNS,
H. T. (org.). Turismo, lazer e natureza. Barueri: Manole, 2003.

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médio. In: MARINHO, A.; BRUHNS, H. T. (org.). Viagens, lazer e esporte: o espaço da
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FARIA, Dóris Santos de; CARNEIRO, Kátia Saraiva. Sustentabilidade ecológica no


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FENNEL, David A. Ecoturismo: uma introdução. São Paulo: Contexto, 2002.

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MATHEUS, Carlos E.; MORAES, América J.; CAFFAGNI, Carla W. A. Educação
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MORAES, Werter Valentim. Ecoturismo: um bom negócio com a natureza. Viçosa:


Aprenda Fácil Editora, 2000. .

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modernidade tardia. In: MARINHO, A.; BRUHNS, H. T. (org.). Viagens, lazer e esporte:
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BRUHNS, H. T. (org.). Turismo, lazer e natureza. Barueri: Manole, 2003.

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2005.

TONHASCA JUNIOR, Athayde. Trekking. São Paulo: Contexto, 2003.

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