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INCÊNDIO

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29.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

O tipo está no art. 250 do Código Penal: “causar incêndio, expondo a perigo a vida, a
integridade física ou o patrimônio de outrem”. A pena: reclusão, de três a seis anos, e
multa.

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública, a tranqüilidade das pessoas, sua


segurança pessoal e a segurança de seus bens materiais.

Sujeito ativo é qualquer pessoa, é quem realiza o tipo, causando incêndio. Sujeito
passivo é o Estado, é a coletividade e também a pessoa cujo bem ficar exposto à situação de
perigo.

29.2 TIPICIDADE

O caput contém a forma típica fundamental. O § 1º contém causas de aumento de pena.


O § 2º descreve a forma culposa. As formas qualificadas pelo resultado estão descritas no art.
258, norma genérica aplicável a todos os crimes de perigo comum.

29.2.1 Forma típica simples

29.2.1.1 Conduta e elementos do tipo

A conduta típica é dar causa a incêndio, isto é, provocar seu surgimento. Incêndio é a
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combustão da matéria que, por suas proporções, tem o potencial de causar danos a pessoas
e coisas que se encontrem em suas proximidades. Não é qualquer combustão que
caracteriza o incêndio, mas apenas a que, por sua intensidade e extensão, é de difícil
contenção. É o fogo indomável. O fogo, ainda que tênue e brando, é sempre suscetível de se
propagar tomando dimensões maiores e podendo converter-se em incêndio, se presentes as
condições naturais ou artificiais indispensáveis para seu desenvolvimento.

O agente pode causá-lo por ação ou por omissão se, por exemplo, diante de um fogo
que tem o dever de apagar, por tê-lo causado culposamente, nega-se a agir, permitindo sua
propagação e transformação em incêndio.

O incêndio causado pelo agente deve ser daqueles que, por sua qualidade, seja capaz
de colocar em risco de lesão a vida ou a integridade física de pessoas ou o patrimônio
alheio. Deve, efetivamente, ter colocado esses bens, de pessoas indeterminadas, em perigo
real de lesão.

O crime é de perigo concreto e não presumido, devendo ser demonstrada sua


existência concreta, não sendo indispensável que haja lesão. Basta, portanto, a
probabilidade real de dano para se configurar o crime, uma vez que o tipo contém essa
exigência. A conduta é causar incêndio expondo a perigo, isto é, colocando em perigo os
bens jurídicos mencionados.

Não há crime quando o agente causa incêndio em local desabitado e onde não há bens
materiais alheios como, por exemplo, quando o provoca em materiais inservíveis colocados
no interior de sua propriedade rural. Se, porém, o fogo se alastrar e invadir a propriedade
alheia, poderá configurar o crime se, nesta, colocar em perigo bens jurídicos de outrem.

O perigo deve relacionar-se com a vida, com a integridade física ou com o patrimônio
de pessoas indeterminadas. Se o incêndio causado pelo agente colocar em risco a vida de
uma única pessoa porque provocado num lugar onde se encontrava apenas essa pessoa, o
fato se ajustará ao tipo do art. 132 do Código Penal.

O agente deve atuar dolosamente. Com consciência de que está provocando o


incêndio, sabendo que ele é capaz de criar a situação de perigo, tendo o conhecimento de
que ao fazê-lo expõe a perigo vidas, integridades físicas ou patrimônios alheios e com
vontade livre de realizar a conduta, positiva ou negativa, para colocá-los em perigo,
realizando, assim, o tipo penal.

Possível o dolo eventual quando o agente causa o incêndio, sem a intenção de criar a
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situação de perigo, mas nela consentindo, se ocorrer.

Não pode o agente estar imbuído de outra finalidade, como a de matar, lesionar
pessoa ou danificar o patrimônio, pois nesse caso responderá não só pelo crime de perigo
comum, mas também por homicídio, lesão corporal ou o crime patrimonial
correspondente, em concurso formal imperfeito.

Não tendo consciência de um dos elementos do tipo, ficará excluído o dolo do agente,
podendo responder pela forma culposa, adiante comentada.

29.2.1.2 Consumação e tentativa

Há consumação quando se verifica o perigo comum. Sem que vidas, integridades


corporais ou patrimônios alheios sejam expostos à situação de perigo, há apenas tentativa,
quando, por exemplo, o incêndio é debelado pela pronta intervenção de terceiros ou do
corpo de bombeiros ou por alguma força da própria natureza.

Também será reconhecida a forma tentada quando o agente, após ter derramado
gasolina sobre o material visando causar o incêndio, é impedido de atear o fogo sobre o
mesmo, por terceiro que chega no local.

29.2.2 Aumento de pena

O § 1º do art. 250 contém elementos e circunstâncias que constituem causas de


aumento das penas cominadas para o tipo fundamental, da ordem de um terço.

A primeira causa de aumento, descrita no inciso I do § 1º, é o elemento subjetivo:


“se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou
alheio”. É o que acontece quando o agente provoca o incêndio visando destruir coisa que
tenha sido objeto de contrato de seguro, ficando absorvido o delito tipificado no art. 171, V,
do Código Penal. A vantagem deve ter natureza pecuniária e pode ser para o próprio agente
ou para terceira pessoa, mas não precisa ser, efetivamente, obtida pelo agente, bastando,
para a incidência do aumento, que seja esse seu intuito.

No inciso II do § 1º do art. 250 estão descritas outras causas de aumento de pena,


de um terço, relacionadas com a coisa sobre a qual recai o incêndio.

Haverá aumento se o incêndio for causado em casa habitada ou destinada à


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habitação. Habitada é aquela na qual mora ou trabalha alguém, destinada à habitação é a


que ainda não tem morador ou ninguém nela trabalhando ou que se encontra,
ocasionalmente, desabitada. Não é indispensável que no momento do incêndio haja
alguém no interior da casa. Asilo inviolável do indivíduo, a casa merece proteção maior do
Direito.

Incêndio em edifício público ou destinado a uso público, ou em obra de assistência


social ou cultural, também será punido com pena aumentada. Edifícios utilizados pelos
Municípios, Estados, Distrito Federal, União e entes públicos são alcançados pela causa de
aumento, bem assim as obras destinadas à assistência social ou à cultura, por sua
importância para a sociedade, recebem proteção mais efetiva com a majoração da
reprimenda. Edifício destinado ao público é todo prédio, público ou privado, cujo acesso é
franqueado ao público em geral: cinemas, teatros, estádios de futebol, ginásios de esportes
etc.

Se a coisa incendiada é embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte


coletivo, estação ferroviária ou aeródromo, estaleiro, fábrica, oficina, depósito de
explosivo, combustível, inflamável, poço petrolífero, galeria de mineração, lavoura,
pastagem, mata ou floresta, a pena será, igualmente, aumentada em um terço.

A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, definiu como crime, no art. 41,


“provocar incêndio em mata ou floresta”, punido com reclusão, de dois a quatro anos e
multa, cominando, para a forma culposa, a pena de detenção de seis meses a um ano e
multa.

Não há incompatibilidade entre o tipo da referida lei e o tipo do Código Penal, com
a causa de aumento, que continua em vigor. É que, na lei especial, basta a causação do
incêndio em floresta ou mata, independentemente da produção de perigo comum, exigível
no preceito do Código Penal. Assim, se o incêndio na floresta ou mata ocasionou perigo
comum, incide o art. 250, com o aumento de pena; se não, incide o tipo da Lei nº
9.605/98.

29.2.3 Forma culposa

A modalidade culposa está prevista no § 2º do art. 250, punida com detenção de


seis meses a dois anos.

Realiza o tipo o agente que dá causa ao incêndio por negligência, imprudência ou


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imperícia, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem. Não


basta a causação involuntária do incêndio; é preciso que, em razão deles, instale-se a
situação de perigo comum.

Quando o agente adota todas as precauções exigidas do homem normalmente


prudente, observando, pois, o dever de cuidado objetivo e, ainda assim, instala-se o
incêndio e a situação de perigo, não poderá responder pelo fato porque não terá agido com
negligência, imprudência ou imperícia.

É indispensável, ainda, a previsibilidade objetiva para o reconhecimento do


incêndio culposo. Na situação em que se encontrava o agente deve ter-lhe sido possível
prever que, com sua conduta, causaria o incêndio e, mais que isso, provocaria a exposição
dos bens jurídicos a uma situação de perigo concreto.

Não sabendo o agente nem podendo saber da presença de pessoas nas


proximidades do lugar onde manipula o fogo com finalidade lícita ou de um fogo brando,
resultando em sua propagação e na transformação em incêndio perigoso, não será
reconhecida a tipicidade do fato, pois o que é imprevisível será inevitável e, portanto, não
haverá crime algum.

Não incidem, sobre a modalidade culposa, as causas de aumento de pena previstas


no § 1º, inciso II, do art. 250, aplicáveis apenas para o incêndio doloso. A causa de aumento
referida no inciso I do mesmo parágrafo é incompatível com o incêndio culposo.

29.2.4 Formas qualificadas pelo resultado

Se do incêndio doloso resultar lesão corporal de natureza grave, a pena de


reclusão será aumentada de metade. Se resultar morte, a pena será aplicada em dobro.

Lesão corporal grave é um dos resultados descritos nos §§ 1º e 2º do art. 129 do


Código Penal.

Trata-se de crimes preterdolosos nos quais o sujeito age com dolo de causar
incêndio expondo a perigo os bens jurídicos e culpa na produção do resultado mais grave.
Havendo mais de uma vítima lesionada ou morta, haverá crime único qualificado pelo
resultado. Se houver dolo quanto à produção da lesão corporal ou da morte de uma pessoa,
haverá concurso formal de crimes, com a aplicação das penas cumulativamente por terem
sido diferentes os desígnios do agente.
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Se a lesão corporal – leve ou grave, porque a norma do art. 258 não exige apenas a
lesão grave como resultado qualificador do delito culposo – resultar de incêndio culposo, a
pena será aumentada de metade; se o resultado mais grave for morte, será aplicada a pena
correspondente ao homicídio culposo, aumentada de um terço.

29.3 AÇÃO PENAL

A ação penal é de iniciativa pública incondicionada.

No incêndio culposo, inclusive quando qualificado por lesão corporal, é possível a


suspensão condicional do processo penal.

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