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1 Univ
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Minho – Portugaal. clara@ecsa
aude.uminho..pt
2 Univ
versidade do M
Minho – Portugaal
OLIVEIRA, C. & Pinto‐Machado, J. (2007) A unicidade do conhecimento na formação médica.
In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora:
Universidade de Évora.
despropositado, pois muitas vezes o sentido de coerência, e o contacto com os
recursos das comunidades em que os doentes se inserem, só são por si
considerados em contexto de prática clínica profissional, alheada da formação
académica laboratorial e memorizante da qual tantas vezes sentem saudades.
A formação académica sempre promoveu, no entanto, estas dicotomias, no que
respeita aos futuros médicos?
A formação de um médico até meados do século XX oscilava sobretudo entre a
aprendizagem do surgimento e desenvolvimento dos embriões e dos seres
humanos adultos. A dimensão técnica, como a microscópica, não possuía papel
predominante. As teorias evolucionistas, nomeadamente as de Darwin, não tinham
ainda sido fundidas com o mendelismo, e o desenvolvimento embrionário, por
exemplo, podia ainda ser explicado legitimamente por uma pluralidade de teorias,
congeminações e hipóteses. A observação do doente era a base da profissão
médica, e a prática clínica desde cedo proporcionava a percepção de que muito
pouco se sabia de doenças e que cada um dos doentes com que os médicos se
deparavam merecia uma atenção especial
A vacinação surgia como uma esperanç, os antibióticos como uma promessa, a
vacinação; a noção da fragilidade humana estava usualmente presente no contacto
médico‐doente. “If we demanded absolute certainty before acting, then all health
care would have to be stopped. For instance, it would be totally impossible to
vaccinate newborn babies. How could we ever be sure that no problems would
arise in the babies whom we vaccinated?” (Alanen, in Evans, Louhiala e Puustinen,
2004:33).
A partir da fusão da Genética com o darwinismo via introdução da teoria da
informação no mundo vivo (aquilo que constitui a base da Biologia molecular), este
cenário generalizado alterou‐se fortemente.
A evolução estonteante das técnicas ligadas à Medicina colocou esta área de
saber num patamar muito diferente daquele atribuído usualmente à Medicina,
enquanto área do saber especialmente dedicada à diminuição do sofrimento
humano
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darwinista que aponta para a causalidade final (‘optimização da espécie’) como
princípio explanatório (Atlan, 1979)
A adopção do modelo mecanicista newtoniano na explicação/compreensão dos
fenómenos vivos, não impediu que a Biologia e a Medicina tivessem descartado,
contudo, questões filosóficas perenes, ainda que lhes possamos colocar uma
roupagem mais severa, enfeitada em causalidades formais aparentemente
infinitas. ”Science deals comfortably with mechanisms, and I admit that there is an
undeniably mechanical aspect to our structure and function. So is your thumb’s
movement the movement of a mechanism? At the skeletal and muscular level,
perhaps it seems like that. However, the problem of what causes the movement in
the first place remains. […] There seems to be no alternative to saying that it was
the intention itself –an essential mental phenomenon” (Evans, in Evans, Louhiala e
Puustinen, 2004:10).
Como sabemos, muitas vezes os médicos recebem as pessoas executando
apenas uma função, como qualquer máquina programada o poderá fazer,
verificando‐se uma inversão total dos princípios mais básicos do exercício médico,
cuja principal missão é estar ao serviço dos doentes. “When the person is
established as the logically central point of concern in medicine, then scientific
information about disease and technology becomes subservient to that person’s
own interests. Thus clinical theory needs to place the person (sick or well) at the
centre of the doctor’s thoughts, without impairing the doctor’s ability to think or
act scientifically” (Puustinen, in Evans, Louhiala e Puustinen, 2004:22).
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In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora:
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Existe como que a percepção colectiva crescente de que, na maior parte das
consultas médicas, os pacientes ocupam um papel supérfluo, dado que os exames
auxiliares se tornam cada vez mais importantes no diagnóstico empreendido pelos
médicos. Devido a esta leitura social da eventual inutilidade da consulta médica, o
papel de mero intérprete de exames laboratoriais e de escrivão de receituário é
por vezes requisitado pelos próprios doentes, cabendo aos médicos reagirem a
esta situação: “the individual […] is essentially replaceable and what we respond to
it is not the individual, but the role, until or unless the individual departs from the
required script some surprising a disruptive way, so that we are forced to confront
this particular individual” (MacIntyre, 1991:149).
O conhecimento privilegiado que se pode obter numa história de vida (onde se
incluiria a dimensão clínica), obtida em contexto de confiança e respeito mútuos,
acaba por vezes em ser convertido em informação descarnada e estandardizada
resultante de inquéritos formais minimalistas a partir dos quais se preenche uma
história clínica. Decorrente deste contexto profissional, algumas questões éticas
podem deixar de ser colocadas, como tal, aos médicos, ao serem convertidas em
meros procedimentos técnicos.
O aumento de doentes crónicos nas sociedades ocidentais actuais obriga, porém,
a prática clínica a reconhecer uma crescente importância à relação médico‐doente.
A formação médica terá que se centrar cada vez mais na relação interpessoal
conforme diminui a morbilidade de doenças de índole bacteriana e aumenta o
combate a agentes difíceis de identificar, de controlar e sobretudo de vencer
(como, por exemplo, no grande número de doenças auto‐imunes). Com efeito, um
dos maiores desafios será compreender como prevenir, e melhorar, desequilíbrios
decorrentes de factores que a biologia molecular não estuda, como o stress
profissional, emocional, etc. A tipologia de doenças crónicas tem vindo a aumentar,
e o desconhecimento das suas causas é ainda muito grande. A ligação de factores
sociais à dimensão biológica das pessoas exige um investimento acrescido na
investigação clínica.
Assim, a formação médica terá que estimular cada vez mais a crítica dos
estudantes face à universalidade do paradigma em que ela assenta, pois em
algumas doenças crónicas não se encontram deformações estruturais nos órgãos
envolvidos, decorrendo elas sobretudo da disfunção funcional, o que levanta
problemas quanto ao papel explanatório da causalidade formal (ou linear), bem
como à usual confusão em se tomar o efeito pela causa. A biologia mecânica
encontra também dificuldades em explicar como uma disfunção num órgão
desencadeia disfunções em vários outros órgãos, ou mesmo na dimensão
homeostática em geral do organismo.
No que se refere às doenças crónicas, quase sempre a Medicina negoceia
medicação de carácter paliativo, dada a impossibilidade de cura, sendo a
reabilitação encarada raramente como uma possibilidade real. Os doentes crónicos
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In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora:
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Ao nível da investigação científica, a biologia molecular tem investido bastante
nestas enfermidades e, na maior parte das universidades de todo o mundo, o plano
de estudos está compreensivelmente bastante focalizado nesta área.
Se queremos ser mais eficazes no cuidado dos doentes crónicos convém que
cada vez mais nos debrucemos também no saber escutar, incentivando os futuros
médicos a serem companheiros de alguém ao longo de (quase) toda uma vida.
Assim, o maior desafio à classe médica actual talvez seja o sofrimento que este
tipo de doenças proporciona. Ainda que as dores associadas à maior parte delas
acentue o sofrimento, elas constituem apenas um suplemento de algo que se
encontra mais fundo interiormente, dado que se trata da sensação de desagregação
identitária que os doentes crónicos possuem (Cassell, 2004; Oliveira, 2006).
Daí que, na Universidade do Minho – Portugal, defendamos que o futuro da
prática clínica assentará sobretudo na dimensão cuidadora de quem sofre. No
entanto, não podemos esquecer que se o acompanhamento contínuo no cuidar dos
doentes ajuda indubitavelmente a que o seu sofrimento seja diminuído, as
patologias bioquímicas e fisiológicas devem ser sempre regularmente vigiadas,
pois constituem um dos caminhos possíveis de controlo do agravamento destas
doenças. Exames auxiliares de diagnóstico são especialmente importantes no
desempenho desta dimensão paliativa.
Uma das preocupações fundamentais do curso de Medicina da Universidade do
Minho (em funcionamento desde 2001) constitui necessidade de os curricula dos
estudantes integrarem e motivarem à unicidade do conhecimento. Acreditando
que “nada do que é humano, é estranho à Medicina” (Pinto‐Machado, 2006), criou‐
se uma área de formação especialmente dedicada à reflexão crítica dos estudantes
e ao reconhecimento da Medicina como uma área científica (também) humana e
social: “Domínios Verticais – Tomar o Pulso à Vida”.
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Outro dos objectivos desta área que importa referir é orientar a formação dos
futuros médicos para a saúde propriamente dita, e não para a patologia
(orientação a cargo de outras áreas do curso); para cumprimento deste objectivo,
cooperam com a área “Saúde Comunitária” (que inclui várias valências, como
‘Acompanhamento de uma Família, ‘Saúde Pública’ e ‘Residências em Centros de
Saúde, por exemplo).
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Os exemplos mais caricatos desta dificuldade são talvez o modo de selecção de
candidatos a médicos e o exame de internato, que se realiza logo após o 6º ano,
situações para as quais as universidades têm sido pouco escutadas Constituem
case studies para investigação de pedagogia bancária e opressora (Freire, 1975;
Pellanda, 1992).
Outra grande dificuldade prende‐se com a estranheza que esta área constitui na
formação dos estudantes, nomeadamente com o tipo de inferências lógicas de tipo
abdutivo (Bateson, 1972) e holista que lhes é solicitado, face às crenças científicas
instaladas, vinculadas e propagandeadas ao longo dos seus estudos
(nomeadamente ao nível da educação obrigatória), e que abordámos
anteriormente. A sectorização académica dos saberes tende a ser ultrapassada no
estabelecimento de pontes que todas as áreas da formação médica podem
estabelecer com as Humanidades ao serviço da Medicina (Marinker, 1997).
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5. PROPOSTAS PARA O FUTURO DA FORMAÇÃO MÉDICAS
A área que aqui apresentamos como especialmente humanista no curso da
Medicina da Universidade do Minho, possui a expressão “Tomar o Pulso à Vida” na
sua denominação, sendo que tal pretende indicar que a Medicina se relaciona com
todas as dimensões da existência humana. Essa vertente holista constitui uma
opção epistemológica que acreditamos favorecer a integração dos saberes
(formais, não formais e informais) dos estudantes, bem como a unicidade do
conhecimento.
O trabalho de pendor holista em que temos investido é devedor de opções
epistemológicas, antropológicas e éticas dos responsáveis pela área. Uma das
influências epistemológicas radica na dimensão transdisciplinar proporcionada
pelo Movimento da Auto‐Organização (MAO), que favorece a compreensão de que
entre todos os seres vivos existe continuidade, para além de descontinuidade, e
que ambas fazem parte do metapadrão formal que constitui o mundo vivo
(Bateson, 1972) em qualquer uma das suas manifestações, ainda que em diferentes
níveis de complexidade.
Em qualquer destas teorias, o mundo humano existe como uma unidade
complexa, sendo que as comunidades (de qualquer tipo, desde que significativas
para as pessoas em questão) fazem parte da sua dimensão biológica, já que
contribuem para as suas identidades (Oliveira, 1999). A existência humana de um
doente pode então ser explicada em contextos diferenciados e sem continuidade
lógica, conforme a estudemos do ponto de vista celular ou de um ponto de vista
espiritual, por exemplo. Todas elas precisam de ser cuidadas, sendo que a sua
diferenciação só possui sentido ao nível observacional, e não no que respeita ao
existencial (Oliveira, 1999 e 2003).
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O jogo de linguagem da biomecânica actual pode passar a ser enquadrado na
rede compreensiva do que significa ser humano na sua unicidade, e não apenas no
que significa ser um ser físico‐químico com capacidade de replicação de DNA.
A dimensão holista deste paradigma não se reduz à soma explicativa dos vários
níveis de actuação humana, não se identificando contudo apenas com uma
perspectiva “global” da qual se omite aquilo que ocorre no funcionamento das
partes, quer em termos processuais, quer em termos de produção de componentes.
O holismo epistemológico contemporâneo, nomeadamente o praticado no MAO, há
um século que assume a articulação destas duas vertentes observacionais (down
top e topdown, simultaneamente, como diria Paul Weiss) (Oliveira, 2000).
O paradigma patogénico investigou com bastante sucesso as vertentes parciais
dos organismos, tendo tal sido possível devido à descoberta das estruturas físicas
existentes nos seres vivos, e que se acredita serem totalmente regidas pelas leis da
física mecanicista.
O MAO pode ajudar a instalar um paradigma salutogénico nas ciências da saúde
(e não da doença, como até agora) apostando sobretudo na prevenção terciária,
nela incluindo o cuidado dos doentes crónicos, e das dores de alma que o
sofrimento nos traz, mesmo quando não existe nenhum desequilíbrio de tipo
bioquímico.
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