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METODOLOGIA DA PESQUISA
PESQUISA QUALITATIVA E QUALIDADE NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA EM
ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS
ANPAD 1999
Resumo: Nesse trabalho procura-se contribuir para o debate sobre a produção científica na área de administração de
empresas, enfocando a prática da pesquisa qualitativa. Para tal é retomada a discussão iniciada anteriormente,
procurando-se demonstrar que a busca de qualidade na produção científica está associada a aspectos constantes do
debate entre pesquisas quantitativas e qualitativas. Aspectos da crítica sobre a produção científica no Brasil são
retomados e confrontados com as discussões próprias à área , de modo a permitir a formulação de algumas contribuições,
tanto no âmbito da prática da pesquisa qualitativa e apresentação de resultados, como da organização da pesquisa
acadêmica na área de administração de empresas.
Introdução
A busca de qualidade da produção científica em administração constitui um tema importante. O debate aberto no XXII
ENANPAD ( Encontro Nacional da ANPAD ) com vários trabalhos e sobretudo , de modo específico, as provocações ,
insinuações e contribuições de Bertero et al (1998) implica na continuidade. Assim, nesse trabalho procura-se apresentar
alguns elementos para a compreensão das limitações da produção científica em administração de empresas que envolva
a pesquisa qualitativa.
Após delimitar alguns aspectos da busca de cientificidade na produção científica no âmbito da administração de empresas,
ressalta-se o confronto crítico entre pesquisas quantitativas e pesquisas qualitativas. Apresenta-se, finalmente , os
elementos para uma busca de qualidade, sugerindo passos para a superação de críticas à pesquisa qualitativa e para a
organização da pesquisa acadêmica no sentido de favorecer ao debate teórico–metodológico.
No início dos anos 80 ocorreu um estímulo à discussão sobre a pesquisa em administração, incluindo uma área temática
no âmbito dos ENANPAD. Alguns trabalhos dessa época e outros mais recentes se voltam para delineamento de aspectos
que visem a busca de excelência nas pesquisas. Bertero (1984) procura estimular o debate sobre o ensino de metodologia
de pesquisa em administração. Os estudos de caso foram objeto de reflexões dos autores envolvidos nesse debate
( Souto-Maior, 1984) e busca de delimitação de caminhos para a prática da pesquisa foram discutidos por Garcia et al
( 1984), Zajdaznajer ( 1984), Szenészi ( 1984).
Em uma passado mais recente, merece destaque o trabalho de Machado-da-Silva et al ( 1990) ao avaliarem o estado da
arte da produção acadêmica na área de administração, empregando os paradigmas de análise sociológica de Burrel e
Morgan ( 1979) para classificar essa produção acadêmica. Também se inscreve nesse campo de produção o trabalho de
Seleme e Orssatto (1991), ao discutirem as possiblidades da tradição macro-analítica
Nos últimos ENANPAD ( Encontro Nacional da ANPAD – Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em
Administração) vários trabalhos tem abordado a problemática da metodologia de pesquisa em administração, discussões
sobre aspectos particulares da pesquisa qualitativa e seu emprego na pesquisa em administração( Rocha e Ceretta,
1998), emprego de paradigmas ( Luz e Carrieri, 1998), a epistemologia da pesquisa em administração, Martins (1996).
Esses trabalhos se inscrevem naquilo que poderíamos denominar a “busca de elos perdidos”, na academia brasileira, na
configuração de um status científico para a administração como ciência social aplicada.
Merece destaque o trabalho de Bertero et al (1998), que partem da constatação que, apesar de crescimento recente
significativo, a produção acadêmica em administração de empresas no Brasil não tem acompanhado em crescimento de
qualidade o grande crescimento em quantidade. Os autores fundamentam a discussão sobre a natureza da produção
teórica em administração, reportando-se às discussões promovidas pelas “Academy of Management Review”( 1989) e
"Administrative Science Quartely”(1995) , convergindo para uma reflexão sobre a qualidade nos trabalhos científicos na
área.
A problemática da pesquisa qualitativa vem de encontro aquela posta pela discussão da cientificidade da produção
acadêmica na área de Administração de Empresas. Essa discussão da cientificidade sempre tem como pano de fundo
o caráter predominante de produções científicas predominantemente tributárias do funcionalismo. Evidentemente, abre-se
não somente essa fixação da natureza da produção científica conduzida para explicar relações entre aspectos do
funcionamento das empresas, freqüentemente associadas a uma justificativa dessas práticas, quase como um
reconhecimento de que a realidade foi verificada , mensurada e explicada para justificar sua reprodução de modo
universal.
A área de administração de empresas comporta um dilema original. Produzir uma Administração Científica para
explicar aspectos problemáticos ou aspectos que funcionam dentro de um dada realidade, porém, visando, em última
análise, garantir essa reprodução. A Administração se ressente dessa característica , a intervenção em potencial ou
inerente ao processo de produção científica. Vários autores são originários de empresas sobre as quais produzem
pesquisas. Mas, igualmente, existem outros que, na condição de consultores, abordam problemas de funcionamento ou
perspectivas de desenvolvimento de empresas. Assim, a produção científica é , por vezes, marcada por uma validação
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Associado aos debates sobre a natureza da produção científica na área de administração de empresas, procura-se
confrontar a pesquisa quantitativa e a pesquisa qualitativa. A busca de qualidade na pesquisa qualitativa faz parte da
busca da qualidade na pesquisa em administração de empresas e envolve aspectos que fazem parte desse confronto.
A noção de pesquisa qualitativa na área de administração de empresas aparece dentro de um movimento mais amplo
das ciências sociais de recuperar, nos anos 60, as suas origens metodológicas. Evidentemente, a pesquisa qualitativa
sempre continuou sendo utilizada por antropólogos e sociólogos, mas havia uma forte inserção de metodologias
quantitativas, com recursos às estatísticas e à matemática para o desenho de pesquisas e análise de resultados.
O movimento para ampliação do usos das pesquisas qualitativas em ciências sociais foi associado à contraposição à
predominância de enfoques de pesquisas tributários do positivismo ( Rocha e Ceretta,1998), em fatos sociais sendo
tratados como fenômenos físicos, sobre os quais se utilizaria de instrumentos para análise, com identificação de relação
de causalidade entre variáveis, categorizadas, em última instância como independentes e dependentes.
Na pesquisa qualitativa, ao contrário, busca-se o sentido do comportamento dos atores, baseando-se na interpretação.
Trata-se de uma “descrição em profundidade”, em que se considera, ao mesmo tempo, uma interconexão entre a análise
do comportamento e do sentido( Geertz, 1973; apud,Rosen,1991).
A pesquisa qualitativa em administração pode envolver várias situações de pesquisa, tais como a pesquisa
documental, o estudo de caso e a etnografia ( Godoy,1995). Na mesma perspectiva, Bryman classifica a prática da
pesquisa qualitativa segundo quatro níveis de participação do investigador: tipo 1, em que é totalmente participante,
geralmente em uma ou duas organizações, com ênfase na técnica de observação participante( combinada com algumas
entrevistas e análise de documentos); semi-participante, em que o pesquisador é um observador, geralmente em uma ou
duas organizações, mas com um papel indireto ( incluindo também algumas entrevistas e análise de documentos);
baseada em entrevistas , geralmente envolvendo o estudo de 1 a 5 organizações ( havendo análises de documentos ) e
observações eventuais); multi-organizacional, com ênfase em entrevistas a indivíduos em 6 ou mais organizações,
freqüentemente mais de 10 ( com uso de documentos e algumas observações ).
Cabe fixar algumas características de base das pesquisas qualitativas. Bryman (1995 ), analisando o trabalho de Smirch
(1983) sintetiza sete aspectos elementares da pesquisa qualitativa: a inserção do pesquisador na organização estudada,
valorizando fortemente a interpretação dos próprios administradores sobre a organização; a pesquisa confere grande
importância ao contexto, a presença do pesquisador em reuniões possibilitando a compreensão sobre o que acontece na
organização. No caso analisado, uma iniciativa de um presidente que poderia ser um aparente sucesso em sua
concepção, não era partilhada pelos membros do escalão superior; ênfase no processo, interligando-se eventos sob um
mesmo fenômeno sob estudo em uma dada organização; produção teórica não estruturada à priori e ausência de
hipóteses. A teoria sendo construída paralelamente à evolução da pesquisa; fontes de dados diversificada, como por
exemplo, no caso estudado, a combinação de observação participante, transcrição de entrevistas e conversas, além de
documentos.
Outros autores apresentam formulações sobre a pesquisa qualitativa, como Godoy (1995) , que destaca as
seguintes características básicas: “a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o
pesquisador como instrumento fundamental(...) a pesquisa qualitativa é descritiva(...) o significado que as pessoas dão
às coisas e à sua vida são a preocupação essencial do investigador;(...) pesquisadores utilizam o enfoque indutivo na
análise de seus dados”( Godoy,1995:62-63)
Godoy ( 1995) sintetiza com propriedade os modos de realização de trabalhos no campo da pesquisa qualitativa em
administração. A partir da avaliação feita no Fórum da Acedam of. Management, identificou três modos principais de
realização de pesquisas qualitativas: o uso de pesquisa documental, muito utilizado sobretudo na pesquisa de marketing,
através da prática de análise de conteúdo; uso do estudo de caso, em que se recorre a entrevistas , observação
participante e não-participante; uso da etnografia, através do acompanhamento, por exemplo, de processo de mudança
no âmbito de uma organização, acompanhando, ao longo do tempo, a reação de agentes, através da observação
participante e realização de entrevistas e análise documental.
Associado ao problema da falta de diálogo entre grupos de pesquisa ou no âmbito da pesquisa nacional há, como em
outros meios acadêmicos a exist6encia da dicotomia entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa. Essa
categorização está , por sua vez, associada ao debate entre objetivismo e subjetivismo na pesquisa científica. Enquanto
na primeira alternativa o pesquisador formula um problema de pesquisa a partir sobretudo da literatura, aborda a
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realidade sob a ótica teórica que define elementos de operacionalização da pesquisa; no segundo caso há um papel de
interpretação como condição da produção científica, incluindo a participação efetiva do pesquisador na produção doas
observações, elas próprias servindo à construção da teoria, calcada na realidade estudada.
Brymann (1995) apresenta uma comparação através de sete de características das pesquisas qualitativas e
quantitativas: ênfase na interpretação sobre as concepções dos agentes é uma marca das pesquisas qualitativas,
enquanto a definição de modo apriorístico sobre o que é importante a ser levantado como informação no campo típico
das pesquisas quantitativistas; outro aspecto definidor dessa diferença, que assim como a interpretação , é o contexto,
na busca de integração de um conjunto de informações que façam sentido como conjunto; para as pesquisas
quantitativistas tenderiam a dar pouca atenção ao contexto; outros aspectos importantes para a pesquisa qualitativa
seriam o caráter processual da pesquisa, valorizando o avanço na reflexão sobre os dados; exame de documentos e
realização de entrevistas gravadas; valorização do caráter processual da própria interação entre os agentes de uma
organização; implicação do pesquisador na pesquisa e contato direto com os fenômenos organizacionais. Na pesquisa
quantitativa, a ênfase recai sobre uma análise estáticas da realidade organizacional, formalização de um quadro de
referência teórico à priori, tendência a utilizar apenas um tipo de instrumento de levantamento de dados ( geralmente um
questionário), associada à característica de que cabe ao investigador revelar a realidade organizacional, ao estabelecer
relações entre variáveis, isso feito com base em um distanciamento do pesquisador face à realidade estudada, não
necessariamente sendo responsável pela aplicação do questionário junto aos membros das organizações estudadas.
O confronto existe e dificulta o diálogo, na medida em que se considera o confronto entre aspectos científicos e não
científicos da prática de pesquisa científica. A ausência de diálogo está associada ao confronto entre uma crítica de não
cientificização da pesquisa qualitativa, não submetida à teste estatísticos e comprovação de fidedignidade e validade
contra a crítica de matematização da realidade social, do tratamento do fato humano como coisa, à semelhança de
fenômenos do mundo físico e biológico. Porém, nos dois aspectos da pesquisa , a problemática da crítica deveria se dirigir
antes ao tipo de pergunta científica que ao modo de seu tratamento.(Deetz,1996)
Torna-se freqüente observar a problematização pelo empírico na pesquisa quantitativa, de cunho funcionalista. Falta de
revisão de literatura anda de par com indefinição de categorias teóricas para estudar um fenômeno, que passa a ser
estudado sem que se invoque a discussão de como se aborda diferentemente, ou como se pretende explicá-lo
diferentemente. Assim, pode-se apresentar um problema de pesquisa como estudo das transformações ocorridas nos
processo de mudança tecnológica de um setor empresarial qualquer. Basta uma interrogação no final para que se
caracteriza uma pergunta como problema científico. Nessa perspectiva pode-se colocar uma pergunta como qualquer
pessoa comum, de modo coloquial, garantindo-se a cientificidade pela operacionalização de variáveis, antes aspectos
empíricos efetivamente pertinentes ao fenômeno, que resultantes da configuração científica do fenômeno estudado,
resultantes do processo de teorização pertinente à inserção da pesquisa no conjunto das demais citadas em uma revisão
de literatura.
Quanto à pesquisa dita qualitativa, o empirismo resulta no predomínio da descrição sobre a interpretação dos fenômenos.
Esse tipo de pesquisa, nesses casos, envolvem uma dupla deficiência: de um lado, privilegiam o empírico na descrição
da realidade, apesar de incluírem elementos teóricos na sua seleção e validação; além disso, se ressentem do
movimento do pensamento, ele próprio garantia de validação do estudo, revelando a constituição da demonstração de
modo balizado e coerente.
Evidentemente, o risco, conforme mencionou-se anteriormente , deve-se , de um lado às limitações de formação dos
pesquisadores, à inserção do pesquisador nas organizações, sobretudo empresas em que trabalharam , trabalham ou
prestam consultorias ou à concepção na formação do administrador do caráter prático ou aplicado da administração.
Nesse último caso, o aplicado se confunde com o empírico, a descoberta científica sendo uma busca de relações ,
formuladas através de categorias próprias ao mundo empírico, organizacional, aos fatos não propriamente conceituais. O
privilégio à realidade vai ao extremo , solucionando o problema lógico do pesquisador, conduzindo ao individualismo dos
trabalhos de pesquisa e artigos científicos, em que a originalidade do caso é conferida pelo próprio caso, o que poderia
ser qualificado como uma originalidade dada antes pela inserção no espaço que no tempo.
Evidentemente, não se pode generalizar sobre problemas de lógica em muitas pesquisas fortemente marcadas pelo
contexto. Mas, o que está em jogo não é simplesmente essa definição, havendo problemas de concepção, como se
depreende da análise feita por Blair e Hunt ( 1984) apresentam uma classificação entre pesquisas orientadas por
contextos específicos e pesquisas não orientadas pelo contexto, para registrar a legitimidade da consideração de um
tipo de organização como tema de grupos de pesquisas: pode-se pensar em pesquisadores que se especializam em
estudar um tipo de organização, como por exemplo organizações hospitalares, escolas, etc. Esse tipo de abordagem em
nada estaria empobrecendo, por si só , a qualidade da prática da pesquisa; contrastando-se com as pesquisas não
definidas por contextos específicos, são marcadas por especialização em certos tipos de variáveis ou temas, como
motivação, liderança,etc. Os autores ressaltam, entretanto, que cada tipo de modos de investigação teriam propriedades
específicas, quanto a aspectos analíticos, aspectos de aplicabilidade, aspectos profissionais. Deve-se ressaltar as
diferenças quanto às possibilidades de aplicabilidade, de modo que as pesquisas orientadas por contextos específicos,
concentrando-se em certos tipos de organizações seriam mais aplicáveis à soluções de problemas das organizações
estudadas, mais facilmente apreendidas e aplicáveis por gerentes de organizações similares e permitirem aplicações
baseadas em modismos. Esses elementos de diferenciação são legítimos até o ponto em que não ultrapassam os pré-
requisitos lógicos da prática científica, ou melhor, não passem por uma inversão entre modos de classificação de
investigações científicas e validação . Pode-se cair na generalização conceitual , em que se valida a pesquisa pelo fato
mesmo dessa aplicabilidade. Os autores fazem essa ressalva, considerando que há discussões sobre esse caráter de
aplicabilidade no âmbito das ciências sociais.
Na mesma perspectiva e, enfocando a pesquisa qualitativa, em defesa do estudo de caso, um dos métodos
principais da prática desse tipo de pesquisa, Brymann (1995) reconhece, como outros autores ( Yin,1984), que não se
deve esperar adequações de inferências teóricas que porventura sejam geradas ao longo do estudo. Para o autor, o
que deve acontecer é a geração de padrões e associações de importância teórica. Nessa mesma perspectiva de defesa
da pesquisa qualitativa, Bryman (1995) torna evidente que um estudo de caso pode mesmo comportar uma conjunção de
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pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa, essa situação sendo inerente à natureza da pesquisa qualitativa que pode
sempre envolver mais de um método no levantamento de dados. O exemplo de um estudo de uma grande empresa, em
que se aplicou questionários para uma amostra de empregados, combinando-se com entrevistas de certos funcionários,
serve a evidenciar mesmo a possibilidade de complementaridade e checar a validade dos resultados obtidos com os dois
tipos de instrumentos.
A defesa dos critérios científicos na prática da pesquisa qualitativa envolve a busca de seus fundamentos. Na verdade, a
negação desse tipo de pesquisa envolve a negação da validade da busca de compreensão, enquanto categoria
científica. Porém, deve-se ressaltar que, sobretudo nos estudos de caso, quando as críticas são legítimas, deve-se ao
uso apenas a noção de estudo de caso como argumento de cientificidade, “estou estudando um caso, logo...não tenho
hipótese... nem teoria...”, que é negado na prática, dada a ausência de procedimento sistemático.
Muitas das críticas sofridas pelos adeptos da pesquisa qualitativa, incluindo a ausência de teoria ou de formulações
teóricas associadas, se referem à prática incompleta do programa da compreensão weberiana. Ao interrogar-se , por
exemplo por haveria capitalismo no Ocidente, e somente no ocidente, quando as possibilidades estariam também
presentes em outros lugares, Weber estaria abrindo as condições para a prática de um programa de investigação,
associando , em seguida a questão das conseqüências da racionalização do espírito humano em geral ( Cf. Jaspers,
1977). Quando amplia seu questionamento, o faz para estabelecer a conexão do presente, da realidade objeto de
preocupação, com o passado. Deve-se ainda ressaltar a excelência do programa metodológico instaurado por Weber, na
medida em que , “para poder comparara coisas humanas , é preciso que eu apreenda os fatos mediante conceitos que os
encontrem enquanto sentido: como o sentido que eles têm para os agentes; ou como sentido objetivo, enquanto algo
corretamente significado ( como num operação matemática). A realidade é uma tessitura infinita de coisas dotadas de
sentido e alheias a ele. Para captá-la são necessários conceitos construídos que, desenvolvidos da maneira mais
conseqüente quanto ao seu sentido, apenas servem como instrumentos de medida para a realidade, ao permitirem ver o
quanto ela corresponde a eles. Esses conceitos são chamados por Weber de tipos ideais. Para ele, esses tipos são o
instrumento metodológico para se chegar a realidade, e não a própria realidade. Eles não são conceitos referentes a
espécies, sob as quais o real é medido para, na medida em que haja correspondência, apanhar o real de maneira precisa
e para trazer à luz com nitidez aquilo em que não haja correspondência entre o tipo e o real... Há uma tendência
indestrutível da vontade não crítica de conhecer, no sentido de tomar o que é acessível ao conhecimento conforme
critérios geralmente aceitos como sendo o único plena e definitivamente verdadeiro, de tal modo que , de posse desse
saber, eu sei o que é bom, o que devo fazer, e o que é o próprio ser. É contra esse impulso monístico que se volta o
conhecimento crítico de Max Weber. Ele aspira a um conhecimento empírico de validade incontestável e persiste,
enquanto pesquisador, em separações que ele reivindica tanto em nome do conhecimento legítimo quanto do legítimo
filosofar. Assim ele luta pela efetiva separação entre conhecimento empírico e julgamento valorativo; entre conhecimento
particular e unilateral e todas as modalidades de captação da totalidade; entre realidade empírica e essência do ser
( Jaspers, 1977:129-130)
A ausência de uma postura crítica sistemática diante da alternativa metodológica tributária de diferentes
concepções para estudos organizacionais se vincula ao limite imposto na prática das pesquisas ditas qualitativas que se
rendem ao puro empirismo, confundindo a realidade com a produção científica. A administração é uma ciência que
considera a ação como um dos seus objetos inconfundíveis. Mas, ao reduzir os resultados de pesquisas qualitativas à
qualificação ou descrição de ações, há ausência de critérios de seleção de dados com base nos valores neles presentes,
ou seja , buscar o significado de ações, apreender e expor de forma sistemática os fins, abrindo-se a possibilidade de
explicação ( Cf. Rex, 1973)
A busca da compreensão é a busca dos fins das ações dos atores envolvidos em uma dada situação, seja identificando
fins , seja buscando provas relativas ao fim que o ator busca e as regras que realmente governam sua conduta, além da
investigação do estado interior do ator e os símbolos usados para expressar esse estado na sociedade em que se insere
esse ator. ( cf. Rex, 1977)
Para a sociologia weberiana, a interpretação da ação social é que permite explicá-la, dados seus efeitos ,
compreendendo as ações pela orientação de seu sentido. Há, efetivamente, um sentido subjetivo ou mental das ações; o
método da compreensão permitiria descobrir esse sentido, tendo em vista o sentido existente de fato ou seja através de
um sentido construído como tipo ideal e referido a agentes típico-ideais ( Cf. Fernandes, 1980).
A compreensão se insere como fundamento essencial da prática da pesquisa qualitativa em administração, diante
do amplo gradiente de enfoques, podendo incluir fases das organizações estudadas ou fases dos contextos em que se
inserem as organizações, implicando buscas para além dos aspectos histórico do ambiente imediato em que se inserem.
De qualquer modo, incluir a perspectiva histórica está associado a um fundamento da pesquisa qualitativa, a identificação
do sujeito com o objeto de estudo, implicando na conjunção entre teoria e método. Desse modo, os riscos da não
formulação de uma boa teoria na pesquisas quantitativas, correspondem a não conjunção de forma clara, dessa
integração, num mesmo movimento da teoria e do método na pesquisa qualitativa.
Ao contrário de prevalência da teoria na condução da pesquisa, no seu início, como nas pesquisas de cunho positivistas e
quantitativistas, à qual se conjuga um conjunto de técnicas de pesquisa, na pesquisa qualitativa abre-se um diálogo entre
a realidade a teorização, interpondo-se o método e a teoria, como uma alternância constante entre o pensamento e a
apreensão perceptiva da realidade estudada. As possíveis crítica sobre a qualidade de teorização na abordagem de um
dado fenômeno organizacional vão, fatalmente, estar associadas à limitações nessa prática do movimento do
pensamento e da realidade estudada.
Na verdade, inclui-se nessa situação, a ausência desse diálogo quando se estudam casos, a ausência da prática da
manutenção do “cahier de bord”, elemento fundamental para descrição dos passos seguidos na produção da pesquisa
qualitativa, permitindo retraçar os procedimentos da produção dos dados , da interpretação (cf. Mucchielli, 1995).
Na mesma perspectiva , Godoy (1995) afirma que a prática da etnografia na pesquisa qualitativa , requer que sejam
conjugados níveis de análise dos dados de campo, tanto os simples e informais, como outros que podem mesmo incluir
uma sofisticação estatística. Para a autora, “a análise dos dados de campo deve permitir que o pesquisador verifique a
pertinência das questões previamente selecionadas e das percepções que gradativamente vão refinando com o
propósito não apenas de descrever, mas, de construir novas explicações e interpretações teóricas sobre o que está
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A conjunção equivocada de uma prática de revisão de literatura com uma prática de produção de um quadro teórico
reforça a problemática original da administração como ciência social aplicada, muito marcada pela ação ou pela
perspectiva da intervenção. Assim, pode-se perceber em vários trabalhos que apresentam casos na produção acadêmica
brasileira que, à solidão do pesquisador que individualiza o “seu caso estudado” como uma experiência única e passa a
tomar o caso revelado ou analisado como uma produção científica, se associa uma busca não sistemática de pequenas
amarras”, cuja solidez é conferida no quadrante oferecido pelo próprio texto. Perde-se, dessa forma, a possibilidade de
diálogo com outros pesquisadores a partir da inserção do objeto estudado sob uma ótica teórica ou dada à formulação
teórica produzida no processo de investigação.
Essa problemática traz um fundamento ao mesmo tempo implicado de modo ontológico e de modo epistemológico, no
sentido do estabelecimento de um ordenamento do mundo natural, mundo da vida e mundo social de modo que haveria
uma teoria geral do conhecimento aplicável a esses mundos ( cf. Whitley,1984). Assim sendo, pode ocorrer uma
produção científica que, de tão calcada na realidade, se apresenta sob um discurso marcado por termos coloquiais, de
senso comum. Trazem, por conseguinte, a marca de limitações de autonomia da pesquisa em administração e de sua
objetividade.
Porém, a área da Administração no Brasil ainda se ressente do diálogo fruto do confronto de abordagens e temas
comuns e diferenciados. Há o reconhecimento da falta de citações de autores nacionais no conjunto da produção
científica. Mesmo os trabalhos publicados no âmbito nos ENANPAD’s podem não estar sendo utilizados de forma a
atender aos princípios da revisão da literatura ( Vergara e Carvalho Jr.,1995;Vieira, 1998) Aspectos dessa natureza,
associados ao excessivo número de citações de autores estrangeiros contribuem para revelar o individualismo da
produção nos diversos campos de trabalho, o que de modo algum bastaria para negar a validade e a qualidade da
produção. Porém, negam, efetivamente, a consideração do diálogo científico com demais grupos nacionais que
divulgaram sua s pesquisas em anos anteriores. Independentemente da conjunção de temas ou de problemas de
pesquisas, da diferenciação de abordagens teóricas, caberia comportar a menção de parcela de trabalhos anteriores,
como prática de revisão de literatura, permitindo situar a produção científica assim divulgada no contexto das demais
produções nacionais, independentemente da inclusão da literatura internacional como parte de revisão para contextualizar
a própria produção científica.
A busca sistemática do diálogo científico pode ser feita no âmbito da pesquisa qualitativa em administração. Um autor
consagrado como Pettygrew ( 1990) procura sistematizar alguns aspectos importantes para a teoria e prática da
pesquisa de campo longitudinal. Para o autor, em um estudo comparativo de casos, quatro formas de apresentação dos
resultados seriam possíveis: O caso como uma cronologia analítica, em que se expõe a narrativa, com delimitação de
níveis de análise; o caso diagnóstico, incluindo aspectos prescritivos, próprios ao debate com as empresas objeto de
pesquisa; casos interpretativos/ casos teóricos, em que se avança para um nível superior de análise, apara além das
cronologias analíticas, fazendo emergir as idéias teóricas , tanto dos temas analíticos próprios aos caos como dos
debates teóricos na literatura; finalmente, há a produção teórica própria do cruzamento doas análises dos casos, com uma
apresentação temática, associando descobertas teóricas e empíricas no conjunto dos casos a cada vez mais amplos
aspectos teóricos na literatura. Pode-se perceber, através dessa exposição para relatar os passos de um programa de
pesquisa, de equipe, que problemas verificados de limitações de valorização da prática da pesquisa qualitativa podem
estar associados a consideração, por exemplo, da primeira fase acima descrita com a produção desejável no estudo de
caso científico.
Pode-se perceber nessa exposição como estudos de caso podem estar sendo apresentados mais sob a forma dos dois
primeiros estágios ( caso como cronologia analítica) e caso como diagnóstico), limitando-se a discussão mais
aprofundada, como nos casos inter-relativos e a produção teórica decorrente do estudo. Para Pettygrew (1990) os casos
dos primeiros estágios são apresentados apenas em revistas de divulgação, de caráter extensionista ou para as próprias
firmas objeto de consultorias. Fica claro o tipo de fragilidade de produção acadêmica assim exposta, possibilitando maior
facilidade de crítica dos que defendem as pesquisas de cunho positivista e negam a possibilidade de produção teórica ou
teste de teorias a partir de pesquisas envolvendo os estudos de caso.
Na mesma perspectiva, em defesa do caráter científico das pesquisas qualitativas, enfocando o estudo de caso,
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Silvermann (1993) formula as condições para que se proceda à prática de demonstração de validade e fidedignidade
na pesquisa sociológica, categorias de garantia de rigor científico, com desenvolvimento de uso de instrumental de
análise estatística e matemática na s pesquisas quantitativistas. Apesar de reconhecer que muitas das críticas sobre a
não determinação de fidedignidade de pesquisas qualitativas procedem, o autor reconhece que ao rebater essas críticas ,
não és suficiente a resposta evidente de que a realidade social é processual e, portanto, dado a mudança permanente
tornar-se-ia impossível a repetição da análise de uma dada situação. Assim, expõe alguns procedimentos que podem ser
seguidos no sentido de garantir a fidedignidade de pesquisas qualitativas.
No que concerne a observação da realidade, os pesquisadores deveriam expor as suas notas de campo em seus
trabalhos, o que permitiria ao leitor fazer suas próprias avaliações sobre a realidade objeto de estudo ( cf. Bryman,1988
apud Silverman, 1993).Esse procedimento também é útil no caso de transcrição de entrevistas gravadas.
No caso da análise de textos, caberia expor com clareza as categorias utilizadas para analise de cada texto tomado
como dado , de modo estandardizado, permitindo ao leitor poder proceder da mesma forma; quanto às entrevistas,
sobretudo quando há envolvimento de equipes, é importante que os entrevistados compreendam as questões da mesma
maneira e que as respostas sejam codificadas sem possibilidade de incerteza. Isso deveria constar de um procedimento
padronizado, incluindo pré-teste de esquemas de entrevistas; treinamento de entrevistadores; uso de certos padrões de
respostas pré-fixados; teste de avaliação de fidedignidade entre os pesquisadores , checando a codificação de
respostas com base nas categorias estabelecidas.
Silverman (1995) aborda a validade, categoria que expressa a verdade de um fenômeno representado pelos dados de
campo expressos em um trabalho. Em uma discussão aprofundada sobre as alternativas mais comuns, triangulação de
dados e avaliação de análises junto à população objeto de estudo, o autor as rejeita e defende algumas práticas mais
apropriadas em sua avaliação: a escolha de casos, quando bem feita, favorece à minimização da crítica de
representatividade. Essa escolha permite a busca de comparação de casos através da obtenção de informações
relevantes de uma população de casos semelhantes; também poderia ser feita uma pesquisa tipo survey com uma
população de caos ou coordenar um conjunto de estudos etnográficos; seleção de caos que com base em aspectos
teóricos, permitindo o teste de teorias, incluindo, portanto o teste de hipóteses.
As evidências acima apresentadas revelam, ao mesmo tempo, que há sentido em certas críticas sobre a pesquisa
qualitativa. Mas, evidenciam, igualmente, que há caminhos para essa busca de cientificidade. Na verdade, está implícito
nos procedimento desejáveis para a busca da produção científica de qualidade na pesquisa qualitativa, a consideração de
dois aspectos operacionais, da organização da prática da produção científica no meio acadêmico. De um lado, há
necessidade de constituição de grupos de pesquisas nas universidades e centros de pesquisa. O diálogo entre
professores e pesquisadores vinculados a esses centros pode gerar a ocasião para a produção de massa crítica, tanto
pela concentração de pesquisas e intervenções no meio empresarial, como pelo debate teórico-metodológico entre eles.
É evidente que, programas de doutorado tem promovido o desenvolvimento de grupos ou centros, denominações de
marca de especializações internas aos programas, com denominações que indicam concentração de pesquisas e
produção de técnicas de intervenção no mundo empresarial, como pode-se perceber através de alguns exemplos dentre
tantos outros: NACIT ( Núcleo de política e Administração em Ciência e tecnologia ) (UFBA), NEPOL ( Núcleo de Estudos
sobre o Poder e Organizações Locais ) ( UFBA), NITEC ( Núcleo de Gestão da Inovação Tecnológica ) (UFRGS),
GENEIT ( Grupo Interdisciplinar de Estudos da Inovação e do Trabalho) (UFRGS). Outros programas reúnem os
professores-pesquisadores em torno de projetos, com o mesmo efeito de produção de massa crítica. Pode-se supor que
há, nessa organização do trabalho , a possibilidade do debate interno.
Trata-se de um avanço, que está pautado nas próprias histórias desses grupos, possivelmente resultantes de praticas de
interação anteriores à sua constituição formal. Os grupos podem estar sendo responsáveis pelo crescimento da área como
um todo, como pode-se perceber no grande desenvolvimento dos ENANPAD’s.
Nessa perspectiva, Shirasvatava (1987) argumenta que, antes de se julgar a utilidade de uma pesquisa , deve-se pensar
no programa de pesquisa como unidade de análise, em que questões de pesquisa são avaliadas e confrontadas aos
métodos de pesquisa empregados para estudá-las. Para o autor, a noção de programa de pesquisa vai além dos
esforços individuais de um pesquisador. Mesmo para um campo “aplicado” como a administração estratégica, haveria
que se avaliar aspectos como: adequação conceitual do quadro de referencias, confrontando-o com os fundamentos das
disciplinas básicas que lhe orientam; rigor metodológico, considerando-se as possibilidades de avaliação desse rigor
tanto em pesquisas quantitativistas como qualitativas; acumulação de evidências empíricas, em que o teste das teorias
está registrado em várias pesquisas. Torna-se, assim, impor
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