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EDITORIAL

SUMÁRIO
Ir. Dorothy Stang MARÇO 2005/02

A
companhamos com imensa dor a notícia do brutal assas-
sinato de Irmã Dorothy Stang, 73 anos, da Congregação
das Irmãs de Nossa Senhora (Notre Dame), dia 12 de
fevereiro, em Anapu, sudoeste do Pará. O crime aconteceu
três dias após a Irmã - que atuava na Comissão Pastoral
da Terra (CPT) desde a época da sua fundação, há 20
anos -, ter denunciado as ameaças que sofria ao titular da Secretaria A estudante Carolina de Jesus participa
Especial dos Direitos Humanos, Ministro Nilmário Miranda, ao Ouvidor de conferência no Auditório Araújo Viana
Agrário Geral, Gercino Filho, e às autoridades do governo do Estado. durante o V FSM, Porto Alegre.
E apenas nove dias após a instalação, no Pará, do primeiro grupo de Foto: Jaime C. Patias

trabalho estadual do Programa Nacional de Proteção aos Defensores


dos Direitos Humanos, que visa garantir o trabalho destes agentes  MURAL DO LEITOR--------------------------------------04
sociais. Irmã Dorothy acompanhava com firmeza e paixão a vida e a Cartas
luta dos trabalhadores do campo,  OPINIÃO--------------------------------------------------05
vítimas da ganância de fazendeiros
Divulgação

Autonomia palestina
e madereiros. Para os membros Musa Amer Odeh / Leila Khaled
da Pastoral da Terra, o ato traz à  PRÓ-VOCAÇÕES----------------------------------------07
memória um passado que parecia Toda opção séria exige um preço
encerrado. Dorothy é mais uma Rosa Clara Franzoi
mártir neste início da Campanha  VOLTA AO MUNDO-------------------------------------08
da Fraternidade Ecumênica, que Notícias do Mundo
Fides / POM / Vaticano
tem como tema “Solidariedade
e Paz” e lema “Felizes os que  ESPIRITUALIDADE----------------------------------------10
promovem a paz” e conclama o A alegria na festa da vida
Salvador Medina
povo brasileiro à superação de
toda violência e injustiça.  CIDADANIA-----------------------------------------------12
Em 1999, ela começou a or- Fórum Social das Migrações
Alfredo J. Gonçalves
ganizar em Anapu um Projeto de
Desenvolvimento Sustentável,  testemunho-------------------------------------------13
A sabedoria oculta nos pobres
que beneficia hoje 600 famílias. Por causa do projeto, a missionária Ruth Maria de Nazaret
e mais oito pessoas estariam recebendo ameaças de morte de um
grupo de fazendeiros e madeireiros da região. Ir. Dorothy foi atingida  testemunho-------------------------------------------14
Vida de solidariedade e partilha
por seis tiros na mesma realidade que matou o seringalista Chico José Roberto Garcia
Mendes em 1988. Em mensagem a Dom Erwin Kräutler, bispo
prelado do Xingu (14/02/05), a presidência da CNBB lembrou que  FORMAÇÃO MISSIONÁRIA----------------------------15
A Missão dos leigos
“este vil assassinato, como tantos outros que não são divulgados, Luiz Balsan e Lírio Girardi
traz novamente à tona, de maneira trágica, a questão da violência
no campo e a urgência de soluções para dívidas sociais tão antigas  HISTÓRIA DA MISSÃO----------------------------------19
Uma década na Costa do Marfim
e graves como a verdadeira reforma agrária, a definição clara das Francisco Lerma Martínez
áreas de preservação ambiental, a demarcação das terras indígenas,
 DESTAQUE DO MÊS------------------------------------20
a presença efetiva da autoridade pública nas novas áreas de ocu- O dinamismo do Fórum Social Mundial
pação das terras e a vigilância atenta para que a lei seja cumprida”. Jaime Carlos Patias
Para a CNBB, “a morte de Irmã Dorothy vem confirmar a urgência
 ATUALIDADE----------------------------------------------22
de uma séria reflexão nacional sobre as causas da violência e as Dom Quixote hoje: utopia e política
maneiras de superá-la; põe em evidência a necessidade de apro- Redação
fundar a solidariedade social no Brasil, através de políticas públicas  INFÂNCIA MISSIONÁRIA-------------------------------24
para promover o respeito à dignidade e aos direitos fundamentais Criança: protagonista de um mundo novo
de cada pessoa humana e para assegurar justiça e paz para todos; Manuel Aparecido Monteiro (Néo)
por outro lado, põe em evidência a importância de desarmar as  CONEXÃO JOVEM--------------------------------------25
mãos e os espíritos, sem sucumbir a intimidações, num paciente A força da juventude
esforço para promover uma verdadeira cultura de paz”. Redação, com Agência Viração
Irmã Dorothy foi uma missionária corajosa que testemunhou o  ENTREVISTA-----------------------------------------------26
Evangelho de Jesus Cristo, apesar dos riscos conhecidos. Em tempos Uma escola de organização horizontal
Laura Giannecchini, Lisandra Maioli e Susana Sarmiento
em que a dimensão profética da Igreja anda ofuscada e tende a se
esvaziar, a sua vida doada não foi em vão. O seu exemplo serve de  AMAZÔNIA-----------------------------------------------28
estímulo para todos os que se dedicam aos pobres, aos pequenos, aos Puxirum de Artes e Saberes Indígenas
Maria Emerenciana Raia
excluídos. “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados
filhos de Deus” (Mt 5, 9).   Volta ao Brasil---------------------------------------30
Notícias do Brasil
Cimi / CIR / Missões

Missões - Março 2005 3


Mural do Leitor
Ano XXXII - no 02 Março 2005 Escola indígena

Diretor: Jaime Carlos Patias As notícias da revista Missões são de 8 de dezembro de 2004 a 6 de janeiro
ótimas, pois não excluem informes da so- de 2005.
Editor: Maria Emerenciana Raia ciedade. Sou indígena do povo Wapichana, Ao chegar ao destino nos deparamos
do Estado de Roraima, da terra indígena com uma realidade bem diferente. Fica-
Equipe de Redação: Joaquim F. Manoá-Pium. Temos uma escola indígena mos hospedados na casa de famílias da
Gonçalves, Cristina Ribeiro Silva e Rosa localizada na área Raposa Serra do Sol, comunidade. Muitas dessas famílias eram
Clara Franzoi desde 1997, que já tem obtido avanços grandes, como a que fiquei, composta de
nas áreas política, social e econômica, 10 pessoas, num lugar seco onde o sol e o
Colaboradores: Alfredo J. Gonçalves, conscientizando as comunidades indíge- sofrimento compõem a vida das crianças,
Vitor Hugo Gerhard, Lírio Girardi, Luiz nas. A escola foi alvo de destruição em jovens e adultos. Nestes dias convivendo
Balsan, Salvador Medina, Michelangelo 2004, porém, mantém em andamento os com os jovens foi possível notar que o de-
Piovano, Júlio César, João Batista, trabalhos com os alunos, professores, di- sejo de 90% deles é de se casar. Não têm
Roseane Araujo retores, tuxauas e comunidades indígenas certeza de nada na vida, a única garantia
voltados à terra, auto-sustentação, forma- ao se levantar pela manhã é o sol e a chuva
Agências: Adital, Adista, CIMI, CNBB, ção de lideranças e acompanhamento de que sempre ameaça cair, mas os 30 graus
Dom Hélder, IPS, MISNA, Pulsar, Va- comunidades com projeto alternativo de centígrados de temperatura não deixam.
ticano forma orgânica. Até o momento, 15 jovens Há falta de estímulo na juventude.
se formaram e ajudam na organização
Diagramação e Arte: Cleber P. Pires conhecida como Conselho Indígena de

Arquivo
Roraima e nas comunidades indígenas.
Jornalista responsável: Três jovens já estão na faculdade fazendo
Maria Emerenciana Raia (MTB 17532) curso de Administração e Gerenciamento
Ambiental.
Administração: Eugênio Butti A luta dos jovens juntamente com as
comunidades, lideranças e aliados favo-
Sociedade responsável: receu a formação dessa escola que hoje
Instituto Missões Consolata é um projeto demonstrativo, servindo de
(CNPJ 60.915.477/0001-29) exemplo ao governo estadual, que não dá
apoio pela postura antiindígena. Escrevo
Impressão: Editora Parma a vocês, pois sou um dos alunos formados
(11) 6462.4020 pela escola Raposa Serra do Sol. O nosso
estudo é valioso e sempre acreditamos
Colaboração anual: R$ 35,00 que um outro mundo é possível. Contamos A água tem uma tonalidade amarelada
AG: 545-2 CC: 38163-2 - BRADESCO com o apoio de Missões para divulgar e todos a utilizam para suas necessidades,
Soc. Missionários de N.S. Consoladora informes de nossa escola para amigos inclusive para beber. Muitas famílias cavam
(a publicação anual de Missões é de 10 números)
não-indígenas e indígenas que queiram poços na tentativa de encontrar água. A
conhecer e contribuir com esse projeto juventude do local é responsável pelas
Missões é produzida pelos
diferenciado e com significado sagrado. tarefas pesadas. Uma juventude que mal
Missionários da Consolata
Desde já agradeço a oportunidade. Contato sabe unir as letras para ler e muitos não
Fone: (11) 6256.7599
pelos telefones (95) 592 12 43/224 57 61 ou sabem nem escrever o próprio nome.
e-mail: mariowapichana@hotmail.com Não há luz em Bom Sucesso, povoado
Missionários da Consolata
de Pedra Vermelha, nem árvore de Na-
Rua Josimo de Alencar Macedo, 413
Mário Wapichana tal ou presépio nas casas. Não existem
Cx.P. 207 - 69301-970 Boa Vista/RR
Via e-mail alimentos natalinos e o Papai Noel não
Fone: (95) 224.4109
sabe da existência desse local, pois,
Membro da PREMLA (Federação de
Diário de um missionário não há presentes. Mas, o que realmente
Imprensa Missionária Latino-Americana)
existe é a união entre todos na celebração
Ser missionário é se entregar, se com- natalina e no cotidiano.
prometer e, sobretudo, viver a Palavra de
Redação Deus. E foi para viver esta entrega e esse Draiton José Vieira é seminarista cursando
Rua Dom Domingos de Silos, 110 compromisso que seguiram em busca da Filosofia em Curitiba, PR.
02526-030 - São Paulo Missão os seminaristas da Consolata.
Fone/Fax: (11) 6256.8820 Alguns partiram do Seminário Filosófico Correção (Edição Jan/Fev 2005 - 01)
Site: www.revistamissoes.org.br de Curitiba, Paraná, e outros do Seminário Por problemas técnicos ocorridos durante o
processo de impressão, o Sumário (página
E-mail: redacao@revistamissoes.org.br Teológico de São Paulo, capital, para a 3), saiu sem os respectivos sinais gráficos
cidade de Monte Santo, interior da Bahia, (acentos e letras).

4 Março 2005 - Missões


aUTONOMIA palestina

OPINIÃO
de Musa Amer Odeh

A
meta do povo palestino é ter paz, em seu território porque quando o Estado de os palestinos podem construir um Estado, mas
estabilidade e liberdade. Essa Israel foi criado, teve o aval da resolução da para isso, é necessário ter territórios contí­nuos,
foi a meta do presidente Arafat, ONU. Pela mesma resolução, foi criado o Es- criar condições e elas não são nada boas
a mesma de Abu Mazen. Para o tado da Palestina. Israel existe e não existe a porque são vítimas de terrorismo de Estado.
povo palestino, Abu Mazen tem Palestina. Por quê? A Palestina é o último país Infelizmente, a agressão de Israel vem rece-
o mesmo programa de governo. sob ocupação na história recente. Assim, os bendo total apoio dos americanos. O que os
Ambos foram fundadores do Movimento pela palestinos precisam ter os seus direitos como palestinos precisam agora? Que a comunidade
Libertação da Palestina. Além do mais, eles povo, como nação. Todo o povo palestino está internacional faça uma pressão sobre Israel
pertencem ao mesmo partido político. Abu Mazen sofrendo uma humilhação diante de Israel, é para que implemente as resoluções da ONU,
está procurando fazer o melhor para trazer a preciso dizer para a mídia que Sharon está uma espécie de boicote, a exemplo do que
paz e liberdade ao seu povo. O problema não produzindo bombas suicidas, alimentando foi feito na África do Sul, contra o regime de
está no lado dos palestinos. Infelizmente, está extremistas do lado palestino. Para os pales- apartheid. Não é uma guerra contra Israel que
no lado do governo israelense, que não está tinos, não há interesse em guerras, em matar se pede, mas sim, uma pressão política, para
comprometido com a paz, está cego pelo poder ou morrer. Estão interessados em paz. isolá-los, até que implementem as resoluções.
militar e não está pronto para reconhecer os Arafat não era o problema, nunca foi o pro- Entre as causas mundiais, a palestina é uma
direitos dos palestinos. E até agora ele não blema. Ninguém poderá fazer o que Arafat fez das únicas que ganha apoio, tanto da direita,
reconheceu que a causa desta terrível situação pelo povo palestino. Israel fala de paz, mas não quanto da esquerda, porque é uma causa da
no Oriente Médio é a ocupação dos territórios, trabalha pela paz. Construiu o Muro, no coração humanidade. 
porque se não há ocupação, não há violência, do território palestino, dividindo as famílias,
não tem resistência. Na história mundial, todo confiscando 58% da área palestina, transfor- Musa Amer Odeh é embaixador da Palestina no Brasil.
o povo sob ocupação resiste. É só lembrar os mando o terri-
europeus na Segunda Guerra Mundial, que re- tório em ilhas

Jaime C. Patias
sistiram à ocupação nazista. E o povo palestino separadas. Is-
tem o direito de resistir à ocupação israelense rael afirma que

de Leila Khaled

N
ão usamos armas na Palestina, Implora-
mas pedras. Crianças e mulheres mos por paz
usam pedras contra a ocupa- por sernos as
ção israelense. Porém, quando vítimas, mas
tanques invadem campos de que tipo de paz
refugiados e agentes matam seus queremos? A
familiares não é possível ficar parado. Não liberdade e to-
aceitamos que nossas casas sejam demolidas. das as mudan-
Há uma resolução da ONU que reconhece o ças importan-
direito de usar armas para se defender. Onde tes ocorridas
há ocupação, há resistência. no mundo só
Assim, quando Mazen proíbe o uso de foram alcança-
Casa Palestina, em uma das tendas do FSM 2005.
armas, tem que dar garantias de que estaremos das por meio
em segurança. O criminoso de guerra é Ariel de revoluções. Devemos e podemos nos guém. O Islã possui suas leis democráticas.
Sharon. Não diga a nossas crianças que elas defender, pois o sionismo é uma forma de Eu respondo com uma pergunta quando me
não podem se defender. Não culpem as vítimas facismo. E todos os que quiserem nos apoiar questionam se islamismo e democracia são
da violência pela violência. Ainda acredito na devem fazê-los com seus próprios meios. incompatíveis: somos mais de um bilhão.
ONU como um retrato de todas as nações. Mas Movimentos pacíficos podem fazer muito. Seremos todos terroristas e antidemocráticos?
ela não age contra boicotes, como feito pelos Trabalhamos em linhas paralelas e acredito Mazen tentou abrir negociações, mas Israel
EUA contra Cuba, Iraque e Líbia. Logo, é hora que possamos chegar a nossos objetivos. Os se negou a desocupar a Cisjordânia. Eles
de as pessoas pressionarem seus governos a EUA não estão trazendo democracia, estão querem que aceitemos suas decisões, o que
mudarem a realidade das conferências da ONU. trazendo tanques e bombas. Os invasores nunca acontecerá. 
Acreditamos que haja governos que estejam nunca trazem desenvolvimento, só miséria
tomando o lado das vítimas, hoje em dia. e bombas. Não queremos catequizar nin- Leila Khaled é membro do Conselho Nacional da Palestina.

Missões - Março 2005 5


Pastor testemunha mártir
Há 25 anos, no dia 24 de março de 1980, Dom Oscar Arnulfo Romero era assassinado, no
momento da consagração eucarística, em El Salvador.
ma capitalista de produção,
de Paulo Suess

Divulgação
infiltrando a comunidade

"Q
religiosa com idéias que
ue este corpo imolado e este sangue sacrificado são menos cristãs que co-
pelos homens nos alimentem, para que, como munistas”. Mesmo depois
Cristo, também saibamos dar nosso corpo e da queda do comunismo, o
nosso sangue no sofrimento e na dor, não por Império sempre encontrará
nós mesmos, mas para trazer justiça e paz para seus inimigos porque a sua
o nosso povo”. Poucos segundos depois de ter fome de poder e sua ânsia
pronunciado essas palavras, na capela do Hospital da Divina de consumo sofisticado são
Providência de San Salvador, em sua homilia, no dia 24 de insaciáveis. Em El Salva-
março de 1980, soou o disparo mortal. Ao preparar pão e vinho dor não se tratava de uma
para a celebração eucarística, Dom Romero caiu sobre o altar conspiração dos mártires
e expirou sua vida no chão. Anoitecer em El Salvador. Eram 18 contra o Estado, mas dos
horas e 25 minutos. No enterro, presença solidária dos pobres seus algozes contra o povo.
e de bispos amigos do mundo inteiro, menos de El Salvador. A chamada guerra civil da
Dos seis bispos de um país onde todos são vizinhos por causa década de 80, que devastou
do seu tamanho de um município (21.042 km ²), na época com a terra de Cuscatlán, assim
uma população de seis milhões, só Monsenhor Rivera y Damas antigamente chamada pe-
estava presente. E os outros que o tinham denunciado em Roma los índios pipil, deixando
exigindo a sua transferência, onde estavam? mais de 70 mil mortos, foi
Como em muitos outros países do mundo inteiro não se uma guerra das elites e dos militares que se apropriaram do
tratava de uma desunião orgânica de uma Igreja local ou Confe- Estado contra o povo pobre. Segundo indicadores da ONU,
rência Episcopal, mas de uma discórdia introduzida pela política de 2002, ainda 60% da população não tem acesso a serviços
de nomeações episcopais. O alvo básicos de saúde e quase a metade vive
dessas nomeações eram, sobretudo abaixo da linha de pobreza.
na América Latina e no Caribe, po- Em suas homilias dominicais trans-
sições do Vaticano II e sua posterior Lutaste por uma terra para viver, sonhaste mitidas pela rádio, Romero defendeu os
interpretação em Medellín (1968) vinho para todos e pão consagrado como tua pobres, denunciou assassinatos, desmas-
e Puebla (1979) através de uma carou mentirosos, rompeu com as forças
pastoral libertadora com seu suporte vida, repartida, multiplicada, fruto de suor e militares que tramavam a sua morte como
teológico nas diferentes ramificações
da Teologia da Libertação. A opção
graça. Na divina energia tudo o que vale é articularam, nove anos mais tarde, a morte
dos seis jesuítas e das duas mulheres
pelos pobres, pelo povo do campo dado, gratuidade, eucaristia. a serviço da Universidade Católica Sal-
sem terra, pelos migrantes para as vadorenha. Romero foi nomeado Bispo
grandes cidades onde se tornaram da Arquidiocese de San Salvador em 3
sem-teto, pelos povos indígenas despojados de suas terras e de fevereiro de 1977. Pelo parlamento inglês, foi indicado como
pelos afro-americanos, delineava o novo rosto de uma Igreja candidato ao Prêmio Nobel da Paz de 1979. “Perdeu” o prêmio de
Povo de Deus, como o Concílio preconizava (Lumen gentium, Estocolmo para Teresa de Calcutá, como perdeu a canonização
9-17). Um setor significativo da Igreja latino-americana começou para Escrivá de Balaguer, o fundador da Opus Dei. Depois de
a acreditar no Deus dos pobres e em Deus nos pobres. Essa fé três anos de vida pública, em São Salvador, Oscar Romero foi
tocava numa ferida histórica. sacrificado, como o divino mestre.
Os primeiros opositores à opção pelos pobres e ao espírito Hoje, o espanhol Fernando Sáenz Lacalle, amigo da Opus
de Medellín, eram os representantes do poder hegemônico nas Dei e general-de-brigada do exército salvadorenho, é arcebispo
Américas. Já o Relatório Rockefeller, de 1968/69, apontava para de San Salvador. Mandou exumar o corpo de Romero de sua
o perigo de pôr as idéias de Medellín na prática. O Documento de tumba e o escondeu na cripta da catedral sem acesso público.
Santa Fé, elaborado em maio de 1980 por assessores de Ronald Mas, os guardas do sepulcro não impediram a ressurreição de
Reagan, referia-se explicitamente à Teologia da Libertação: “La- Romero, porque ele vive no coração do povo. 
mentavelmente, as forças marxistas-leninistas utilizaram a Igreja
como uma arma política contra a propriedade privada e o siste- Paulo Suess é presidente da Associação Internacional dos Missiólogos e assessor do Cimi.

6 Março 2005 - Missões


pró-vocações
toda opção séria
exige um preço
Vive-se uma vez apenas. Toda atenção é sem rumo, sem objetivo, sem perspectivas, muitas vezes até
brincando distraidamente com a vida, sem dar-se conta das

pouca, para não desperdiçar as oportunidades possibilidades, das oportunidades que por eles passam. Conse-
qüência: serão pessoas que nunca chegarão a algo de concreto,

que nos são dadas ao longo da existência. a algo de mais comprometedor. E esta é a razão do vazio que
sentem no coração e que procuram preencher com “coisas” que
bem longe estão de serem construtivas... Mas também, sejamos
realistas! Há um bom número de jovens em nossas comunidades
de Rosa Clara Franzoi
que olham a vida de maneira diferente. Eles têm muita vontade
de viver. São positivos e sonham com um mundo melhor. São

"D
jovens que até contestam a nossa sociedade injusta e consu-
ois amigos passeiam à beira-mar. O assunto deve ser mista, que cria continuamente “necessidades desnecessárias”;
interessante, pois a conversa é alegre e animada. De uma sociedade que marginaliza a grande maioria que passa
repente, um deles percebe algo semi-enterrado na por “necessidades necessárias”. São jovens que chegam a
areia. Instintivamente curva-se para apanhar. Nada se rebelar contra tanta coisa errada ao seu redor. Jovens que
de especial, um saquinho de pedrinhas, segundo não admitem relacionamentos superficiais e levianos, voltados
ele, iguais a tantas outras. A conversa continua apenas para o prazer individual, egoísta e momentâneo, que
inflamada e cheia de risos. De vez em quando, distraidamente, mata toda a possibilidade de um verdadeiro amor, uma amizade
o jovem interrompe a fala e atira ao mar, uma após outra, as profunda e sincera. Com razão, uma conduta assim, só deve ser
pedrinhas que encontrara. E elas desaparecem, levadas pelas elogiada. No dizer da lenda, estes jovens têm as “pedrinhas” em
ondas. Terminado o papo, cada um continua o seu caminho. O suas mãos... Mas, o que acontece é que pouquíssimos avan-
jovem lembra-se então das pedrinhas, çam para o desafio. Aquelas pedrinhas (oportunidades) vão se
das quais apenas uma resta em perdendo pelo caminho; não são assumidas prá valer, não são
sua mão. Ao observá-la com valorizadas, não se investe nelas o suficiente. Conseqüência:
mais atenção, leva um grande continua-se na mesmice de sempre...
Arquivo

susto: é preciosa”.
O preço da opção
Depois, não A estes jovens que se dizem cristãos, que já fizeram uma
adianta chorar... boa parte do caminho eu faço uma pergunta bem direta: o que
Esta lenda nos sugere falta para se decidirem por algo mais desafiador, comprome-
muitas aplicações no campo tedor, uma opção por Jesus Cristo, por uma sociedade, um
vocacional. O mundo de hoje mundo mais igualitário, colocando em ação toda a energia
oferece às pessoas inúmeras que está aprisionada em seus corações? É difícil? Claro que
possibilidades: umas muito boas, é! Nenhuma escolha séria, radical e consciente é fácil. Ela
outras mais ou menos, outras exige um preço a ser pago. Mas, garanto que o retorno com-
até negativas e que prejudi- pensa. Vale a pena! O texto bíblico 1Cor. 9,24-27 pode servir
cam. Quando olhamos o para uma séria reflexão sobre estas questões. É o corajoso
mundo juvenil, vemos apóstolo Paulo que o diz. 
muitos adolescentes
e jovens caminhando Rosa Clara Franzoi é irmã missionária e animadora vocacional.

Centro Missionário “José Allamano” - Pe. Joaquim Gonçalves


Encontro Missionário para Jovens Rua Itá, 381 - Pedra Branca
Tema: "Vocação Missionária Além-fronteiras"


02636-030 - São Paulo - SP
Data: 02 e 03 de abril de 2005 Tel. (11) 6232-2383 - E-mail: secretariamissao@imconsolata.org.br

Irmãs Missionárias da Consolata - Ir. Dinalva Moratelli Missionários da Consolata - Pe. César Avellaneda
Av. Parada Pinto, 3002 - Mandaqui Rua da Igreja, 70-A - CXP 3253
02611-011 - São Paulo - SP 69072-970 - Manaus - AM
Tel. (11) 6231-0500 - E-mail: rebra@uol.com.br Tel. (92) 624-3044 - E-mail: imcmanaus@manausnet.com.br

Missões - Março 2005 7


1.071 milhões em 2002 a 1.086 milhões em 2003. No
que se refere à distribuição de católicos nas diferentes
áreas geográficas, o Anuário afirma que na América
se encontram 49,8% dos católicos do mundo inteiro,
enquanto na Europa 25,8%, na África, 13,2%, na
Ásia, 10,4% e Oceania, 0,8%. Quanto ao número
de sacerdotes, atualmente são 405.450 (dos quais
268.041 são diocesanos e 137.409, religiosos). Com
relação à porcentagem de seminaristas por continente,
a América conta com o maior número, 37.191, seguida
Coréia do Sul da Ásia, com 27.931, Europa com 24.387, África com
Seul lança missão na América 21.909 e Oceania com 955.
VOLTA AO MUNDO

A Arquidiocese de Seul criou oficialmente uma Brasil


nova comissão: a Missão Católica de Seul, que tem Encontro Americano dos Diretores
o objetivo de promover a evangelização na América. Nacionais das POM
Com a Obra das Missões Exteriores Coreanas (insti-
tuída pela Conferência Episcopal em 1975) e com as De 1° a 5 de março, na sede nacional das Pon-
Irmãs Coreanas para as Missões Exteriores (instituída tifícias Obras Missionárias (POM), em Brasília, DF,
pela diocese de Pusan em 1986), a nova Missão vai será realizado o Encontro Americano dos Diretores
envolver no serviço de evangelização sacerdotes, re- Nacionais das POM, com participantes de todo o
ligiosos e leigos. A novidade é também o foco dirigido continente americano e Caribe. O encontro terá como
especificamente à América. Como primeiro passo, tema de estudo três questões que interessam de perto
prevê enviar três missionários para a Arquidiocese de a evangelização na atualidade: Missão, Globalização
Panamá. Esses missionários vão aprender a língua e Migrações. O diretor nacional das Pontifícias Obras
local e tentarão conhecer a cultura e os hábitos do Missionárias do Brasil e representante dos Diretores
lugar, para depois começar o trabalho. das POM da América Latina e Caribe, Pe. Daniel Lagni,
destaca que também participarão do evento, como
Colômbia convidados, os membros do Conselho Missionário
78ª Assembléia Plenária da Nacional (Comina), o secretário-geral da CNBB, o
Conferência Episcopal presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a
Ação Missionária e Cooperação Intereclesial da CNBB,
A mensagem da 78ª Assembléia Plenária da os demais bispos membros da mesma Comissão, e
Conferência Episcopal Colombiana, divulgada em 4 alguns missiólogos.
de fevereiro, releva a desilusão e a preocupação dos
bispos diante da ‘conjura contra a vida humana’ e da Uganda
violência que castiga há anos o povo colombiano. Os Anseio de paz
bispos reafirmam, antes de tudo, que a vida humana
deve ser respeitada desde o início da fecundação até “Estamos sem confiança, parece que não existe
o seu fim natural. Portanto, lançam um apelo aos legis- vontade de fazer a paz, mas de continuar através da
ladores, a fim de que com bom senso e consciência, via militar”, afirmou um missionário de Gulu, no norte
se empenhem em promover desenhos de lei que não de Uganda, onde prosseguem entre muitas dificul-
atentem à vida, contemplando o aborto, a eutanásia dades as negociações para pôr fim à guerrilha do
e a clonagem terapêutica com células embrionárias. Exército de Resistência do Senhor (LRA), tristemente
Também explicam que continuarão a denunciar ‘os conhecido pelo seqüestro de crianças, recrutadas à
crimes atrozes, a violência, venha de onde vier, que força. “As pessoas apreciam e respeitam o trabalho
atinge as populações humildes, os deslocamentos de Betty Bigombe, que está conduzindo a mediação
forçados, os seqüestros e todas as violações de com a liderança da guerrilha. Mas o seu trabalho é
direitos humanos fundamentais’. dificultado por elementos extremistas dos militares,
que preferem a linha dura”, explica o missionário. Para
Vaticano favorecer as negociações, o governo estabeleceu o
Anuário Pontifício 2005 cessar-fogo em uma pequena área. A esperança, no
entanto, vem do Sudão, onde a guerrilha ugandense
Foi apresentado no dia 31 de janeiro o Anuário tem as suas bases. Espera-se que o recente acordo
Pontifício 2005. Entre as novidades da nova edição de paz possa trazer bons frutos também em Uganda.
destacam-se: em 2004, o papa erigiu dez novas sedes Na expectativa da paz, a maior parte dos habitantes
episcopais e um vicariato apostólico; foram constituídas é obrigada a viver em campos de refugiados. 
seis sedes metropolitanas e nomeados 171 bispos.
O número de fiéis batizados cresceu, passando de Fontes: Fides, POM, Vaticano
8 Março 2005 - Missões
INTENÇÃO MISSIONÁRIA
Para que as Igrejas Particulares

Arquivo
preparem cristãos santos e fervorosos,
capacitados para enfrentar os desafios
da nova evangelização.
de Vitor Hugo Gerhard

U
ma das mais importantes características da Igreja,
após a realização do Concílio Ecumênico Vaticano
II, certamente foi a preparação dos leigos e leigas, nominais que migram para outras denominações religiosas,
através dos mais variados cursos de formação teoló- num ir-e-vir permanente, na busca de experiências religiosas
gica e pastoral, para o exercício dos muitos serviços novas, de tipo emocional e, em muitos casos, sem maiores
e ministérios não ordenados, para a Igreja e para responsabilidades.
a sociedade. Podemos afirmar, com relativa certeza que, nos Estou convencido que, mais do que nunca, a humanidade
dias de hoje, cada uma das Igrejas Particulares (Dioceses) espera dos agentes religiosos o testemunho, por palavras e
promovem tais cursos, com carga horária e duração variada, obras, de que é possível viver uma vida de santidade em meio
às vezes até equivalentes aos cursos oficiais de teologia. São aos enormes desafios dos tempos de hoje. Nunca como nos dias
milhares os homens e mulheres que, por opção de fé, partici- atuais, houve tanta sede de Deus e tanta fome da experiência
pam desta formação e se engajam nas tantas tarefas que lhes mística. Prova disso são os numerosos movimentos pentecostais
são oferecidas em suas comunidades, paróquias, movimentos de inspiração cristã que surgem a cada passo e que arrebanham
apostólicos, pastorais e serviços eclesiais. um número enorme de seguidores. Mesmo a busca de outras
Um estudo da sociologia das religiões afirma que 1% da matrizes religiosas, de tipo oriental, atestam essa tendência.
população católica de uma Paróquia urbana são os agentes Portanto, formar bem os leigos e leigas de nossas comunida-
qualificados que, em maior ou menor grau, dedicam algum des, além de ser uma exigência evangélica, é uma necessidade
tempo da semana para a realização de tarefas pastorais. Isso até de sobrevivência, não das estruturas, mas da Igreja viva. A
quer dizer que, numa Paróquia de 20.000 habitantes, 200 são os evangelização no presente e no futuro passa necessariamente
seus agentes de pastoral. Diz o estudo que outros 10% são os pela formação permanentes de todos quantos desejam ser sal
freqüentadores regulares do culto semanal (2.000), outros 20% e luz no mundo. 
são os freqüentadores irregulares (4.000) e que os demais 69%
são os batizados que, gradativamente, vão perdendo o contato Vitor Hugo Gerhard é sacerdote e coordenador de pastoral da
com a instituição paroquial. Estes são, em tese, os católicos Diocese de Novo Hamburgo, RS.

Documento final do 3º Encontro Continental de Leigos Missionários (Ecolmi)

D
e 26 a 30 de janeiro realizou-se o a formação, acompanhamento e envio de e portuguesa, valorizando o que já existe,
3º Encontro Continental de Leigos Leigos Missionários Ad Gentes. Observou- respeitando as realidades particulares e
Missionários, na cidade de Pana- se também a necessidade de um processo as situações dos leigos missionários; c)
má (Panamá), com a finalidade de formação mais próximo e acessível a encaminhar um pedido ao Celam e às
de refletir na formação permanente dos todos os leigos. (...) É o momento de pedir POM continentais, para que oficializem
Missionários Leigos e buscar estraté- o reconhecimento oficial da Coordenadoria a Coordenadoria Continental dos Leigos
gias para fomentar a Missão Ad Gentes. Continental dos Leigos Missionários por Missionários com sua nova organização;
Participaram delegados das dioceses parte do Celam e das POM. Surgiram as d) realizar encontros e formar as redes de
do Panamá, coordenações nacionais de seguintes propostas: a) criar uma rede missionários nos âmbitos nacional, regional
grupos e movimentos leigos, associações de comunicação entre missionários pela e continental; e) solicitar ao Comitê Central
de fiéis leigos, institutos missionários, as internet, entre outros meios, e um diretório do CAM a participação de um represen-
POM e grupos ligados a Congregações com a finalidade de partilhar programas tante da Equipe Coordenadora do Ecolmi
missionárias. de formação dos leigos missionários Ad para a preparação e realização do CAM
Foram discutidas as dificuldades e a Gentes em âmbito nacional, regional e 3; f) promover estratégias permanentes
solidez dos Leigos Missionários, como se continental; b) estimular, com o apoio do para o acompanhamento, formação e o
dá a organização, coordenação e formação Celam (Seção Missão Ad Gentes) a criação envio de leigos missionários Ad Gentes,
missionária, onde atuam e de que maneira e aproveitamento de cursos de formação possibilitando o envio de pelo menos 50
o fazem (...) Carecem de estratégias para missionária à distância em língua espanhola missionários leigos ao CAM 3. 

Missões - Março 2005 9


A alegria na festa da v
espiritualidade

A festa da vida não está isenta da dor


causada por cruzes, sofrimento e morte. A
dor, provinda de muitas causas, atravessa
e fere a vida, mas não consegue matá-la
porque o Senhor nos oferece a plenitude da
alegria na Ressurreição.

de Salvador Medina

E
m janeiro, logo depois das festas natalinas, percorri
as livrarias da grande cidade de São Paulo buscando
dicas, orientações ou conteúdos sobre a alegria e, para
minha surpresa, achei bem pouca coisa. Voltando um
pouco desiludido para a “cidade da alegria”, Salvador da
Bahia, fui envolvido na “maior festa de rua do mundo”,
segundo o Guiness Book – livro dos recordes: o velho carnaval,
com seus 120 anos de história, que este ano calculou ter recebido
1,1 milhão de visitantes ou turistas, capazes de gerar 220 mil
empregos temporários e faturar US$ 180 milhões.
E é assim no Brasil todo e em muitos outros lugares do
mundo. Enquanto eu buscava a alegria nas livrarias, a festa
saía dos templos e dos shoppings, tomava conta dos meios de
comunicação e invadia os lares, os bares, as praças e as ruas.
O ambiente externo, vestido de festa, congrega as multidões nos
centros urbanos e as convida para entrar na folia desse novo
mercado montado pelo velho carnaval.
Embora a festa, sem se importar muito se é religiosa ou
profana, seja um componente fundamental na vida das pessoas
e uma das mais elevadas e espirituais criações culturais, capaz
de “re-ligar” os “diferentes humanos” entre si, com o universo mentos, pensamentos e comportamentos de autêntica alegria e
criado e a divindade ou divindades, ela não é sinônimo de alegria. gratidão: eu sou original e especial, sou importante, tenho valor
Existem tanto festas alegres, quanto festas tristes, dependendo e dignidade! Eu gosto de mim, me respeito e me faço respeitar!
muito dos tempos e da geografia. Posso viver e conviver com outros “diferentes” fazendo da vida
Mas a festa não é o nosso objetivo desta vez. Pretendemos uma festa ou celebrando a festa da vida.
continuar em busca da verdadeira alegria e responder a uma Tudo isso me faz rir e cantar, pular e dançar, orar e cele-
pergunta fundamental: onde está a alegria na festa da vida? brar, vibrar de alegria e dizer-bem (bendizer) ao meu Artista e
Reconhecendo que são muitos e diferentes os atalhos para Criador. Tudo isso me faz humilde e seguro, sem complexos de
aproximarmo-nos de uma resposta, convido vocês para trilharmos inferioridade ou superioridade, me torna militante consciente
um caminho humano, religioso e cristão. e responsável da convivência social sem discriminação nem
exclusão, participante na missão do Reino da Justiça, Paz e
“Alegra-te, cheia de graça!” integração com a criação.
Este convite à alegria, vindo do alto e dirigido a uma mulher, “Cheio de graça” posso experimentar as pequenas e sim-
Maria de Nazaré (Lc 1,28), ecoa em todas as pessoas. Saber-se, ples alegrias do dia-a-dia, participar de maneira extraordinária
reconhecer-se e ser reconhecida como criatura viva, obra de arte na festa ordinária da vida, sentindo o prazer e a alegria de
de um criador divino, “cheia de graça”, originalidade, dignidade viver. Posso, muito bem, fazer da vida uma festa onde “há
e formosura, é fonte de identidade e auto-estima que gera senti- mais alegria no dar que no receber”.

10 Março 2005 - Missões


a memória e alimentar a esperança permanente, buscar

Fotos Jaimce C. Patias


vida
constantemente sua vontade e se converter a ela, entregar-
se confiante nas suas mãos e seguir suas pegadas com
alegria e perseverança.
Foi isso que gritou, ensinou e celebrou o profeta da
consolação, da alegria e da esperança, Isaías (cfr. Is 41,
16; 42, 10s; 44, 23; 48, 20; 49, 13; 51, 11), para o povo
que se achava sozinho e olvidado do seu Deus e Senhor
durante o longo e triste exílio: “escutai o que digo, vós que
procurais a justiça, vós que buscais o Senhor, olhai para a
rocha de onde fostes tirados, reparai o talho de onde fos-
tes cortados. Observai Abraão, vosso pai, e também Sara
que vos deu à luz! Ele estava só, quando o chamei, mas
quando o abençoei, eu o multipliquei. Sim, o Senhor ficou
com pena de Sião, teve dó de tanta ruína. Transformará
esse deserto em paraíso, fará desse ermo um jardim divino.
Será aí o lugar da alegria e da festa, lugar de comemorar
e cantar” (Is 51, 1-3).
A alegria prometida e esperada, ainda que no duro
exílio, se torna celebração festiva e jubilosa da libertação e
da reconstrução: “agora voltam os que o Senhor resgatou
e chegam a Sião cantando hinos. Vêm carregando uma
alegria sem fim, festa e alegria são a sua bagagem, o medo
e a tristeza ficaram para trás. Eu, eu mesmo sou o vosso
consolador” (Is 51, 11).
Poderíamos trazer outras experiências bíblicas de pes­
soas, comunidades, povos ou multidões, onde a alegria
explode em festa jubilosa para celebrar e agradecer a
presença e companhia do Senhor, mas não temos espaço
neste breve texto. Aliás, você poderia fazer esse exercício de
pesquisa, alimentando assim a sua espiritualidade ou a do seu
grupo ou comunidade.

“Uma espada
traspassará tua
alma”
Mantendo como re-
ferencial a pessoa dessa
mulher, “cheia de graça”,
que aceitou o Senhor na
sua vida, reconheceu,
testemunhou e cantou
as maravilhas operadas
nela pelo poder de seu
braço (Lc 1, 47-56), con-
templamos e refletimos
sobre uma característica
inconfundível e paradoxal
da alegria cristã: poder
conviver com o sofrimen-
to, porque se baseia to-
talmente no amor: “e a ti,
uma espada traspassara
tua alma” (Lc 2, 35).
A festa da Páscoa
Celebração eucarística no Centro de Animação Missionária José Allamano, São Paulo. não está isenta das dores
causadas por cruzes, so-
“Alegra-te(...), o Senhor está contigo!” frimento e morte. Elas, provindo de muitas causas, atravessam
Não sendo bom que o ser humano esteja só (Gen 2,18), e ferem a vida, mas não conseguem matá-la porque o Senhor
ensimesmado na solidão do próprio ser e largado ao próprio da vida - encarnado, morto e ressuscitado - nos ofereceu “a
destino, o mensageiro do humano anuncia para a mesma moça plenitude da alegria da vitória do Crucificado, do seu Coração
de Nazaré (Lc 1,28) a presença do divino: “o Senhor está con- traspassado, do seu Corpo Glorificado” (Paulo VI, Exortação
tigo!”, justificando o convite à alegria. Apostólica: Alegria Cristã. 
Reconhecer a presença de um Senhor na vida da gente e
aceitar sua companhia na caminhada de cada dia, exige reavivar Salvador Medina é sacerdote missionário e pároco da Paróquia São Brás, Salvador, BA.

Missões - Março 2005 11


Fórum Social
cidadania

das migrações

Juliana Bruce
de Alfredo J. Gonçalves

O
Fórum Social Mundial concentra cientistas, estudio-
sos, personalidades, políticos, religiosos, escritores
e lideranças dos mais diversos matizes do chamado
pensamento alternativo. Centenas de entidades,
organizações e movimentos se fazem presentes.
No decorrer dos trabalhos, multiplicam-se as confe-
rências, seminários, oficinas, debates, e manifestações culturais
de todo tipo. O Fórum é, antes de tudo, um grande encontro:
encontro de pessoas, etnias, culturas, costumes, línguas, idéias,
Dom Demétrio Valentini durante Fórum Social das Migrações.
credos, opções... Mas é também uma via para um horizonte co-
mum: o horizonte da solidariedade, da justiça e da paz entre os
povos de todo o planeta. Como nos anos anteriores, a temática Antecedendo o V FSM, foi realizado de 23 a
central do V FSM girou em torno da certeza de que outro mundo
é possível, o que sinaliza a soma de esforços para mudar os 25 de janeiro, também na cidade de Porto
rumos de uma civilização marcada pela devastação dos recursos
naturais e pela exploração dos recursos humanos. Alegre, o Fórum Social das Migrações, com o
Caráter plural tema “Travessias na Desordem Global”.
Expressões como “prática da cidadania”, “laboratório de
idéias”, “exercício da democracia”, entre outras, refletem bem Social constitui uma espécie de caixa de ressonância das forças
o caráter aberto e plural do Fórum. Na verdade, é um amplo vivas e ativas em todo o mundo. Ali, atores sociais isolados,
espaço de discussão em três grandes níveis: em primeiro fragmentados e desconhecidos entre si podem articular-se e
lugar, um amplo diagnóstico dos principais problemas sociais, ganhar visibilidade política. É ao mesmo tempo um ponto de
econômicos, políticos e culturais que hoje afligem a população chegada e um ponto de partida. Por um lado, convergem para o
mundial, procurando desvendar suas causas, conseqüências e Fórum uma infinidade de lutas e organizações, por outro, partem
implicações. Depois, frente a esse “quadro clínico”, um empenho dali novas articulações que conferem novo vigor à organização
de identificação dos desafios mais urgentes a serem enfrentados global. Laços solidários se fortalecem, costuram-se redes de
pelas organizações e movimentos sociais no mundo inteiro. Por apoio, num verdadeiro exercício da cidadania. Mas uma cida-
fim, o entrelaçamento de objetivos, atividades e parcerias, no dania que rompe as fronteiras geográficas e burocráticas – uma
sentido de encontrar pistas de ação conjuntas, com vistas às cidadania universal.
transformações socioeconômicas e político-culturais. O Fórum
Os migrantes
Jaime C. Patias

A esse respeito, o Fórum Social das Migrações, realizado


de 23 a 25 de janeiro, também na cidade de Porto Alegre, com
o tema “Travessias na Desordem Global”, deixou bem claro a
importância dessa nova concepção de cidadania, onde cada ser
humano tem sua dignidade preservada independentemente de
onde tenha nascido e de onde esteja habitando. O migrante é
uma espécie de porta-voz da cidadania universal. O próprio ato
de migrar, se por um lado denuncia uma situação de assimetria
e injustiça entre continentes, povos e nações, por outro anuncia
a necessidade de um novo tempo. Ele é simultaneamente vítima
e protagonista de um amanhã recriado. 

Alfredo J. Gonçalves é sacerdote carlista, assessor da Comissão para o Serviço da Caridade,


Justiça e Paz – CNBB.
Marcha de abertura do V FSM.

12 Março 2005 - Missões


A sabedoria

Testemunho
COLÔMBIA:
Superfície...............1.141.748 Km²
População..............42.300.000 hab.
Católicos.................95,2 %
Capital....................Bogotá

oculta nos pobres


de Ruth Maria de Nazaret
Arcelia Robayo Ruiz, Irmã Ruth
Maria de Nazaret, pertence à

N
asci em 18 de julho de 1943 em Restrepo – Meta,
Colômbia, uma localidade com profunda devoção a Congregação das Filhas da
Nossa Senhora e onde se honrava Maria com a reza
diária do Rosário em família. Desde muito pequena, Sabedoria, fundada por São
senti o desejo de entregar-me ao serviço do Senhor,
a fim de colaborar na extensão do Reino de Deus. Luís Maria Grignion de Montfor
Esse desejo que se apagou por algum tempo, reacendeu nova-
mente aos 18 anos. Foi assim que em julho de 1961 ingressei e Maria Luisa Trichet, aos 2 de
como postulante na Congregação das Irmãs Filhas da Sabedoria.
Realizei meus estudos secundários no Colégio Nossa Senhora fevereiro de 1703 em Poitiers,
da Sabedoria e posteriormente ingressei na Universidade Santo
Tomás, onde me formei em Psicologia Clínica. França. É psicóloga, residente em
Busca da sabedoria nos pobres Bogotá, Colômbia.
Nossa Congregação é uma comunidade de mulheres consa-
gradas a Jesus Sabedoria, o verbo encarnado. A exemplo dos
fundadores, queremos expressar com nossa vida a busca amorosa Luisa Trichet, procuramos viver em profundidade o sentido de
da Sabedoria divina na humanidade ferida. Queremos viver a sua missão no mundo de hoje. Nosso impulso provém do amor
loucura do Evangelho no coração do mundo, através dos nossos ardente que Montfort e Maria Luisa cultivaram pela Sabedoria,
compromissos apostólicos e gestos de misericórdia. Atualmente oculta nos pobres. A marcha da aventura continua!
somos mais de 2500 Irmãs que procuram dar prosseguimento
à aventura espiritual de São Luís Maria Grignion de Montfort: Em rede pelo mundo
revelar o amor da Sabedoria à humanidade sofredora. Contem- Atualmente a Congregação, com seu caráter internacional,
plando a intuição evangélica de Montfort, tal como ele viveu e forma uma rede de seguidoras através dos cinco continentes.
transmitiu, através da co-fundadora, a Bem-aventurada Maria As Filhas da Sabedoria trabalham não só na Europa e América,
como também na Ásia, na Oceania e África.
Através de nossa consagração, Jesus Sabe-
Arquivo Pessoal

doria continua a obra redentora de Deus. Ele


quer realizar uma transformação em nossas
vidas e na vida dos pobres entre os quais
estamos inseridas. Assim, prolongamos o
compromisso de Montfort e Maria Luisa em
favor dos empobrecidos.Trabalhamos para
mudar as estruturas injustas, geradoras de
tantas formas de pobreza em toda a extensão
do mundo contemporâneo.
Ao longo de minha vida religiosa me sinto
muito feliz e realizada, apesar das dificuldades
inerentes a toda vida humana. Encontro força,
alegria e dinamismo na oração, na vivência
da Eucaristia e no apoio e compreensão de
minhas Superioras e Irmãs de Comunidade. A
aproximação, alegria, acolhida e escuta são
valores muito importantes que me ajudam no
desempenho da minha missão. 

Ruth Maria de Nazaret é irmã das Filhas da Sabedoria.


Ir. Ruth Maria em seu ambiente de trabalho, Bogotá, Colômbia.

Missões - Março 2005 13


Vida de solidariedade
Testemunho

e partilha
“Eu sou o caminho, a verdade TANZÂNIA:
Superfície...............945.087 Km²
e a vida. Eu vim para que População..............32.100.000 hab.
Católicos.................25,4 %
tenham vida e a tenham em Capital....................Dar-es-Salam

abundância” (Jo 14,6;10,10).


de José Roberto Garcia

O
primeiro fim de toda vocação cristã é o de “ser missio-
nário”. Proclamar que Jesus Cristo é o caminho que
conduz à verdade, à vida plena! Dizemos que “quem
chama é Deus” e disso não podemos ter dúvida! Mas
Deus sempre chama e convida a segui-lo, através
de pessoas ou eventos, instrumentos que Ele usa
para que o seu plano se realize em cada um de nós. Por isso
mesmo, os lugares privilegiados para Deus convidar as pessoas
a “deixar tudo” e segui-lo são a família e a comunidade cristã.
Assim aconteceu com os Apóstolos (Mc 1,16-20).
E assim aconteceu comigo também! A minha família e a missionário e religioso. Realmente foi uma festa maravilhosa,
comunidade onde cresci foram as bases que sustentaram a juntamente com o povo das comunidades de Nova Aurora e
minha vocação sacerdotal, religiosa e missionária. Lembro Palmitópolis, no Paraná. Naquele dia fui enviado como missio-
que, naquele tempo, eu cultivava uma certa amizade com os nário para a Tanzânia, leste da África, onde estive trabalhando
missionários da Consolata que trabalhavam na Paróquia e no de 1996 até o presente.
seminário de Cafelândia, Paraná. E um certo dia decidi entrar no
seminário depois de um convite feito por um irmão da Consolata A missão e seus desafios!
aos jovens da comunidade. Depois de passar um filme-slide A missão, sem dúvida, é muito bonita, mas também desa-
sobre a África, ele nos questionou: “...então, quem quer ser um fiadora! O missionário deve estar sempre consciente de que ele
padre missionário e ajudar os africanos lá na África?” E foi ali está ali não por si mesmo, mas para cumprir a missão daquele
que tudo começou para mim! que o enviou: Jesus! (Mt 28,16s). Talvez no mundo de hoje, onde
a ciência e a tecnologia querem dar a última resposta a todos os
Tanzânia problemas e anseios humanos, o trabalho missionário seja um
Depois de anos de estudos e preparação (Filosofia em Curitiba, dos mais difíceis de ser assumido na sociedade. A rejeição a tal
Noviciado na Colômbia e Teologia em Londres), chegou o dia mensagem e a oposição aos proclamadores é uma realidade que
tão esperado. No dia 2 de setembro de 1995, fui ordenado padre já o próprio Jesus advertia aos seguidores (Mt 10,17-33).
Fotos: Arquivo Pessoal

Viver com fé e coragem!


A minha experiência na Tanzânia com os pobres e humildes
me ajudou a crescer na fé. A missão acontece no compartilhar
os ideais e a vida do dia-a-dia com o povo. O Reino de Deus é
fruto do trabalho em comunhão, participação e solidariedade. As
esperanças do povo e a luta contínua para uma melhor qualidade
de vida para todos (escolas, hospitais, moradia, estradas) vêm
justamente da fé. A co-responsabilidade do trabalho na construção
da Igreja local, vem fortalecer a união entre pastores e leigos
para uma melhor colaboração na construção da comunidade
cristã, onde os sinais do Reino de Jesus acontecem! 

José Roberto Garcia é sacerdote missionário em Heliópolis, periferia de São Paulo.


Comunidade de Ikonda, Tanzânia.

14 Março 2005 - Missões


Jaime C. Patias
Formação
Missionária

A partir desta edição, o


conteúdo da rubrica For-
mação Missionária passa
a ser publicado nas quatro páginas
centrais, substituindo o que chamá-
vamos de Encarte. Acreditamos que
desta forma “Missões“ cumpre com o
seu principal objetivo: a formação e
a animação missionária. Os assuntos
desenvolvidos anteriormente nesse
espaço, normalmente destaque de
capa, continuarão sendo publicados
nas páginas 20 e 21.

A Missão
Wilfer Xavier, leigo
missionário da Venezuela
no CAM2 - COMLA7.

dos leigos
Quem é o leigo hoje?
Qual o seu lugar na
Igreja e no mundo?

de Luiz Balsan e Lírio Girardi

S
ou leigo no assunto! Esta é a expressão que seguidamente zia com que os cristãos se sentissem praticamente indefesos
usamos quando queremos dizer que não entendemos diante de um mundo fortemente hostil e ameaçador. Algumas
de um determinado conteúdo. O leigo, neste caso, se breves palavras de um historiador do primeiro século depois
contrapõe ao entendido, ao especialista. Hoje em dia, de Cristo nos dá uma idéia desta situação: “à execução deles
usamos muito a palavra leigo para nos referir à grande – dos cristãos – foi acrescentada a zombaria, cobrindo-os com
maioria dos cristãos. Que é ele? Qual o seu lugar na peles de animais para que morressem mordidos por cães, ou
Igreja e no mundo? pendurando-os em cruzes a fim de que, à noite, servissem
como tochas vivas. Nero – Imperador de Roma – oferecera
A vitalidade inicial seus jardins para este espetáculo” (Tácito, Annales, livro XV,
No início da Igreja, os discípulos do Senhor encontraram 44). Esta situação tão adversa fazia com que os cristãos
muitas dificuldades para se afirmarem diante da sociedade. O vivessem de modo muito intenso o sentido comunitário do
martírio do diácono Estevão, descrito no capítulo 7 dos Atos cristianismo. Além da fé inabalável no Senhor Ressuscitado
dos Apóstolos, representa apenas o início de uma perseguição “que deu a vida por nós”, restava-lhes apenas o apoio da
que se estenderia amplamente pelo Império Romano. Isto fa- comunidade cristã.

Missões - Março 2005 15


Divulgação
A perseguição (At 8, 1-4)
Saulo era um daqueles que aprovavam a morte de Estevão.
Naquele dia, desencadeou-se uma grande perseguição contra a
igreja de Jerusalém. E todos, fora os apóstolos, se espalharam
pelas regiões da Judéia e da Samaria. Algumas pessoas pie-
dosas sepultaram Estevão e fizeram um grande luto por causa
dele. Saulo, porém, devastava a Igreja: entrava nas casas e
arrastava para fora homens e mulheres, para colocá-los na
prisão. E aqueles que se dispersaram iam de um lugar para
outro, anunciando a Palavra.

Autocompreensão
Este clima influencia no modo como a comunidade nascente
se compreende a si mesma. Dentro dela havia já distintas funções
e ministérios. O próprio apóstolo Paulo fala que, nas comunidades
cristãs, havia apóstolos, epíscopos, presbíteros, profetas e douto-
res, entre outros serviços. Porém, mais do que preocupar-se em
afirmar as distinções internas de funções e ministérios, a Igreja
lutava pela sobrevivência, diante de um mundo fortemente hostil
e perseguidor. Existia uma grande contraposição entre Igreja e
mundo. No interior dela, era forte o sentido de comunhão. Antes de
se preocupar com as distinções internas, a Igreja se com­preendia
como comunidade de irmãos que professavam a mesma fé no
Senhor Ressuscitado.
Cada um, independentemente da função ou ministério que
exercia, sentia-se igualmente responsável e partícipe da missão
da Igreja. Entre os leigos havia grandes filósofos e teólogos. Basta
recordar alguns nomes como Justino, Tertuliano, Orígenes (de-
pois ordenado sacerdote) e outros. Eusébio de Cesaréia, em sua
História Eclesiástica, além do clero, fala de catequistas, mártires,
confessores da fé, ascetas... Mesmo que os presbíteros tivessem
uma função de organização e coordenação, todos se sentiam
Igreja e todos se sentiam co-responsáveis por sua missão. É esta
concepção clara que está à base da primeira grande expansão
missionária que se deu a partir do ano 70 d.C., quando, em Jeru-
salém, deflagrou-se uma tal perseguição dos cristãos que muitos
tiveram que fugir e esconder-se entre os povos vizinhos. Estes
cristãos, na sua maioria leigos, levavam consigo uma profunda
convicção de fé e ardor missionário. Onde foram, tornaram-se
anunciadores e testemunhas e o resultado disto foi que ao seu
redor nasceram novas comunidades cristãs. Este foi um tempo
de grande dinamismo e de uma participação incisiva dos leigos
nos caminhos da evangelização.

Mudança de rumo
No século IV, a Igreja assiste a grandes mudanças na
atitude do Império Romano frente aos fiéis. No ano de 313,
Constantino, através do Edito de Milão, decreta a liberdade
religiosa no Império: cada um poderia professar a sua religião
sem ser perseguido ou discriminado. Acaba-se assim o tempo
de sofrimento dos cristãos.
Alguns anos mais tarde – ano­380 –, o cristianismo é adotado
como a religião do Império e, onze anos depois são abolidas todas
as outras práticas religiosas. Os cristãos se encontram diante
de uma mudança de 180 graus. Não só não é mais perigoso
ser cristão, mas, pelo contrário, é conveniente. Sendo cômodo,
uma multidão de gente pede para ser batizada, sem, porém,
uma preparação adequada e sem um processo de conversão
para acolher a novidade de vida do Evangelho. Vivem a vida de
antes, mas são cristãos porque foram batizados.

16 Março 2005 - Missões


Claudio Morneau
Encenação da Via-Sacra em Monte Santo, BA.

Tentativa de recuperação para poder viver o ideal de vida deixado por Cristo. Na solidão,
Os cristãos mais conscientes se dão conta do risco que corre buscam a intimidade com Deus através da dedicação total a Ele
o cristianismo de simplesmente diluir-se na sociedade, perden- e da oração. Porque viviam sozinhos, passaram a ser chamados
do assim sua carga profética, sua vocação de ser sal e luz do de monges, palavra que vem do grego monos e que quer dizer
mundo. Como conseqüência, muitos tomam atitudes radicais um só, sozinho. Com o passar do tempo, os monges passam
como a de retirar-se do convívio do mundo, indo para o deserto a ser considerados aqueles que realmente realizam o ideal
do cristianismo, o modelo de
vida cristã. Cria-se, então,
Primeiro relato da comunidade (At 2,42-47) uma nova contraposição. O
binômio Igreja-mundo, de
Eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, no partir
certa forma fica para trás,
do pão e nas orações. Em todos eles havia temor, por causa dos numerosos prodígios e sinais que deixando lugar a uma nova
os apóstolos realizavam. Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas dialética: monges-leigos. Os
as coisas; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a primeiros, aos quais se asso-
necessidade de cada um. Diariamente, todos juntos freqüentavam o Templo e nas casas partiam ciava também o clero, eram
o pão, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e eram es- considerados os espirituais,
timados por todo o povo. E a cada dia o Senhor acrescentava à comunidade outras pessoas que aqueles que realizam o ide-
iam aceitando a salvação. al evangélico, ou em outras
palavras, os cristãos de ver-
dade. Os leigos passam a
A comunidade é o Corpo de Cristo (1Cor 12,27-31) ser chamados de carnais,
Ora, vocês são o corpo de Cristo e são membros dele, cada um no seu lugar. Aqueles que Deus aqueles que se ocupam das
estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro coisas do mundo, e que podem
lugar, mestres... A seguir vêm os dons dos milagres, das curas, da assistência, da direção e o dom alcançar a própria salvação
apenas com muito esforço,
de falar em línguas. Por acaso são todos apóstolos? Todos profetas? Todos mestres? Todos realizam
não mais do que isto. Deixa-
milagres? Têm todos o dom de curar? Todos falam línguas? Todos as interpretam? Aspirem aos dons
se de acreditar no ideal de
mais altos. Aliás, vou indicar para vocês um caminho que ultrapassa a todos.
santidade para os que vivem
no meio do mundo.

Missões - Março 2005 17


Alguns outros fatores contri-
buem para criar uma distância cada
vez maior entre monges e clero, Monaquismo
de um lado, e leigos do outro: no No início do século IV, no momento em que a Igreja se reconcilia com o mundo (Edito
século V, surge o “hábito eclesiás- de Milão) conquistando a liberdade, aparece um Movimento de contestação que renuncia ao
tico” que diferencia os primeiros mundo e leva muita gente a viver em cavernas, montanhas e lugares desertos.
no modo de vestir; a liturgia que Na medida em que alguns santos imprimem uma clara direção ao Movimento, torna-se
deveria ser o grande momento de uma das mais válidas forças da Igreja. Muitas vezes, porém, se desvia e tende ao sectarismo.
unidade acaba distanciando ainda Duas grandes figuras, Santo Antão e São Pacônio, garantirão seu sucesso e mostrarão o modelo
mais uns dos outros, pois os leigos à todas as Igrejas, com dois tipos principais: - o solitário (chamado anacoreta ou eremita) e
não compreendem o latim – língua
o cenobita (que vive na cela, mas na comunhão de um grupo organizado, orientado para o
na qual era celebrada – e ficam
amor ao próximo). Aprovados quase sempre pelo clero local, inserem-se na disciplina eclesial
cada vez mais passivos; a cultura
que era conservada quase que e encontram numerosíssimos discípulos de valor.
unicamente nos mosteiros torna-se
um privilégio do clero e dos monges No Oriente
– os leigos passam a ser chamados A Ásia Menor e Constantinopla, principalmente pela adesão de São Basílio Magno, são
de idiotói, os que não tem cultura; a palco de uma evolução profundamente evangélica e eclesial do Monaquismo, voltado para o
falta de uma espiritualidade própria serviço aos pobres, o trabalho disciplinado e a adoção normal do ministério sacerdotal e até
para os leigos fazia com que os mesmo do episcopado. Naturalmente, não faltam extremistas, difíceis de controlar.
que cultivavam um desejo sincero
O Egito, do fim do século IV, brilha pela graça dos santos e de uma propaganda literária
de viver de forma profunda sua
bem feita, expressando a sabedoria dos antigos, transmitida de boca em boca (apotegmas),
vida cristã se inspirassem na vida
e vívida. Na Palestina (Jerusalém, Belém, Gaza, depois Monte Sinai), também houve um flo-
dos monges para tentar trilhar um
caminho de santidade. Passando a rescimento significativo do Monaquismo (João Clímaco e outros) atraindo inclusive discípulos
imitar os monges, evidentemente, de outros países (Armênia, Geórgia, Pérsia e Arábia), que, regressando, em seguida, às suas
sem perceber, o leigo se distancia origens, levarão tradições espirituais, litúrgicas e culturais.
cada vez mais daquilo que lhe é
próprio, acreditando que, só na No Ocidente
medida em que tomasse distância Uma das características do Monaquismo ocidental, além da influência cultural do Oriente,
do mundo, poderia ser um cristão é seu caráter eclesiástico, seus laços com as basílicas e o culto. Os primeiros contatos com o
autêntico, no pleno sentido da pa- Monaquismo egípcio se darão com o exílio de Atanásio e de Eusébio de Vercelli e Hilário, na
lavra. É fácil perceber como este Ásia Menor; depois com a escolha Oriental de São Jerônimo e Rufino. A Gália meridional do
conjunto de fatores foi criando uma
século V é um centro muito vivo e irradiador do Monaquismo, produzindo um bom número
visão cada vez mais preconceituosa
de Regras para a vida monástica. No século VI, a primazia cabe à Itália Centro Sul, com a
e discriminante do leigo que, na
regra do Mestre, depois com a Regra de São Bento. Este prioriza a liturgia, a organização
verdade, passou a ser considerado
um cristão de segunda classe. da Comunidade dos Monges, onde a pessoa do Abade dirige a economia e a espiritualidade.
A regra de São Bento torna-se modelo para todos as novas fundações, também na França,
Um caminho de volta na Inglaterra e na Alemanha.
Voltar, normalmente, não é coisa Estas fundações monásticas (Abadias) tiveram uma importância de primeira ordem na
boa mas, quando se volta às fontes, Igreja e na sociedade, tornando-se centros culturais e de espiritualide em toda a Europa.
pode-se entender melhor as coisas

e, então, reelaborar a própria forma de pensar e orga-


Marco Purin

nizar a vida. Os primeiros sinais para a recuperação


da dignidade da vocação leiga nós podemos encontrar
no longínquo século XII, com o surgimento das univer-
sidades. Não se pode negar que os mosteiros tiveram
uma importância única do ponto de vista cultural, na
história da humanidade, pois conservaram as grandes
obras culturais e se tornaram grandes centros de cultura.
Com o surgimento das universidades, porém, este saber
cresce ainda mais e alcança uma maior popularização
do ensino. Dois fatores são importantes para o longo
percurso que levará à recuperação da dignidade e
importância da vocação laical: os leigos passam a ter
acesso à cultura; as universidades favorecem o retorno
às fontes da vida cristã. Estudando com profundidade as
origens, abrem-se caminhos novos (este tema continua
na próxima edição). 

Luiz Balsan é missionário, professor de Espiritualidade e doutor em Teologia.


Leigos missionários em comunidades Ribeirinhas - Itacoatiara, AM. Lírio Girardi é missionário e pároco da Paróquia Santa Margarida, Curitiba, PR.

18 Março 2005 - Missões


história da missão
Uma década
na Costa do Marfim
de Francisco Lerma Martínez Na missão em San Pedro, as preocupações
com as construções e o frenesi das grandes

D
esde 1995 os missionários da Consolata estão pre- atividades ficaram em segundo lugar, dando
sentes na Costa de Marfim, país africano situado
no golfo da Guiné, costa atlântica do continente. É prioridade à partilha diária da sorte dos
a primeira presença missionária da Congregação
na África Ocidental e a segunda entre os países de marginalizados, caminhando com eles.
expressão francófona. A decisão de começar um
campo de evangelização nesta área da África se deve à von-

Da Casa Madre
tade do Instituto de abrir uma missão com estilo e expressão
evangelizadoras renovadas, diferente dos métodos tradicionais
conhecidos.

A opção
Depois de um longo processo de estudo e discernimento
que considerou outros países (Camarões e República Centro
Africana), o projeto se concretizou na escolha da Diocese de
San Pedro, una área muito pobre ao sul da Costa do Marfim,
onde a população vive em situação de extrema pobreza e
mais de 50% dos seus habitantes são imigrantes e refugiados
políticos dos países limítrofes (Libéria, Gana e Burkina Fasso).
Apesar dos 100 anos de evangelização celebrados em 1995 e
dos primeiros contatos com o cristianismo no século XVII, esta
área ficou muito tempo à margem da ação missionária. Existia
uma rede de pequenas comunidades assistidas por catequistas,
que um missionário itinerante visitava esporadicamente. De uma Comunidade dos missionários da Consolata.
população de 778.989 habitantes, os cristãos não chegam ao sérios problemas sociais, com milhares de pessoas desempre-
10%, os muçulmanos são mais de 30%, os protestantes 5%. O gadas, que sobrevivem no dia-a-dia às custas de recursos muito
resto dos habitantes segue a religião tradicional africana. precários. Elas vivem à margem de tudo e formam um desafio
gritante à evangelização. Por isso se inserem nas prioridades
Entre os marginalizados dos missionários.
A primeira comunidade se estabeleceu entre os favelados Nos anos seguintes, atendendo aos apelos da Igreja local,
do bairro de Bardot, onde vivem mais de 40 mil pessoas em o Instituto abriu mais quatro comunidades: em 1997, a Missão
condições subhumanas e no abandono. Os missionários opta- de Sago, a 120 quilômetros da cidade de San Pedro; em 2000,
ram não só pelos pobres, mas por serem próximos do próximo, a paróquia de Notre Dame de la Mer, em Grand-Béreby; em
vivendo e caminhando de mãos dadas no seu cotidiano. Nesta 2001, a missão de Dianra, na Diocese de Odienné, ao norte do
nova missão, as preocupações com as construções e o frenesi país e em 2002, a missão de Marandela, entre os muçulmanos,
das grandes atividades ficaram em segundo lugar, dando prio- também ao norte do país, com a finalidade de dar alguns passos
ridade à partilha diária da sorte dos marginalizados, fazendo significativos no diálogo inter-religioso.
caminho com eles. Atualmente trabalham no país 14 missionários da Conso-
lata, sendo 13 padres e um irmão. Formam uma comunidade
Pobreza urbana, nosso Ad Gentes hoje multicultural e intercultural, pois são originários do Quênia, do
Uma das características da nossa missão Ad Gentes é a Congo Kinsasha, da Colômbia, da Itália e da Espanha. 
pobreza urbana. Em Bardot, subúrbio da cidade de San Pedro,
o êxodo do campo e a imigração dos países limítrofes causaram Francisco Lerma Martínez é sacerdote missionário e secretário-geral para a Missão.

Missões - Março 2005 19


Destaque do mês

O dinamism
do Fórum Social Mundial
A V edição do Fórum Social Mundial
(FSM) realizada de 26 a 31 de janeiro, em
Porto Alegre, reafirmou que outro mundo
possível depende de nós.

Fotos e texto de Jaime Carlos Patias, com informações do FSM

J
á na marcha de abertura, que na tarde do dia 26 de
janeiro percorreu as principais avenidas da capital
gaúcha, mais de duzentas mil pessoas reuniam vozes
do mundo inteiro, independente do idioma, sotaque,
cor, idade, classe social ou credo, demonstrando terem
aceitado o desafio de construir um mundo mais justo,
plural e solidário. Num colorido extraordinário de bandeiras, os
militantes de direitos humanos, os defensores do meio ambiente,
de uma comunicação contra-hegemônica, da inclusão digital,
da diversidade; os ativistas pela paz e desmilitarização, das
lutas sociais, da economia solidária, democracia internacional,
da ética e espiritualidade caminhavam juntos. Como expressão
da diversidade planetária, a multidão se encontrou no Anfiteatro
Pôr-do-Sol, às margens do lago Guaíba para dançar ao som
de grupos musicais dos cinco continentes.

Como nasceu o FSM


Centrado na pessoa humana e no social, o FSM nasceu
em 2001 com o objetivo de contrapor os ideais do Fórum Eco-
nômico de Davos, Suíça que desde 1970 reúne cerca de 2 mil
Anfiteatro Pôr-do-Sol na abertura do V FSM.
participantes da elite econômica mundial, defensora da política
neoliberal. Oded Grajew e Chico Whitaker, progenitores do FSM contestação para ações mais concretas. “Nós somos muito bons
escolheram a mesma data para que os participantes pudessem de diagnóstico, mas não tanto na prática. Já sabemos qual o
optar por um Fórum ou outro e para que a humanidade acre- problema e onde queremos chegar, mas não sabemos como. É
ditasse que “um outro mundo é possível”. As diferenças entre preciso uma visão mais estratégica”, afirma Grajew. O Fórum é
os dois Fóruns são visíveis na organização e temas debatidos. uma aposta de que através de um processo democrático, pacífico
Davos é um empreendimento, tem uma diretoria, o FSM é um e aberto pode-se mudar a cabeça das pessoas e desembocar
espaço onde os participantes conversam. Nos últimos anos, em ações políticas.
porém, Davos foi obrigado a debater temas sociais como o
combate à pobreza. Segundo Oded Grajew as discussões de Descentralização e regionalização do FSM
Porto Alegre forçaram a mudança da agenda: “se você olhar no Este ano, ao invés das edições anteriores, não ocorreram
site de Davos, parece que é o site do FSM, só falam em pobreza atividades organizadas pelo Comitê Organizador. Por esse mesmo
e miséria, isso é uma mudança significativa”. motivo, durante a caminhada, não houve discursos de autoridades.
Na sua V edição, o FSM, por sua vez, tentou passar da A voz de anônimos e das estrelas tinha o mesmo valor. E isso

20 Março 2005 - Missões


mo
respostas para os grandes problemas da humanidade. “Alguma
coisa que torne visível nos meios de comunicação social a pre-
sença do FSM, que de fato defina o Fórum como uma presença
política, social que se oponha às barbaridades do mundo”. Para
Oded Grajew, o FSM, hoje, é um fato, mas que corre sérios
riscos de ser cooptado pelo poder. Ele explicou que, uma vez
que ganha visibilidade, o FSM chama a atenção das autoridades
nacionais e internacionais e, como passou a ser constantemente
elogiado, corre o perigo de afrouxar sua crítica à realidade atual.
A tão aspirada “transformação pode virar mera manutenção do
Jovens participam do espaço ecológico. establishment, com outra roupagem”.
O sociólogo Boaventura de Souza Santos acrescentou

Números do Fórum que outro risco que o FSM corre é de não representar tanto a
diversidade como se propõe. Olhando para a platéia, composta
majoritariamente por pessoas religiosas, com ensino superior
Participantes: 155 mil pessoas (180 mil segundo algumas completo, de acordo com uma pesquisa feita pelo Fórum, ele
organizações), das quais 35 mil instalaram-se no Acampamento questionou onde estava a diversidade mundial e brasileira pela
Intercontinental da Juventude. qual o Fórum tanto se propunha a lutar.
Organizações: 6.588, de 135 países.
Profissionais da comunicação: 6.823
O próximo passo
As tendências são continuar no processo de mundialização,
Voluntários: 2.800
expandindo a experiência para o resto do mundo, pelo fortaleci-
Trabalhadores da Economia Popular e Solidária: 2.500 mento da metodologia, favorecendo o debate, as articulações e
Espaços Temáticos: 11 as realizações. Já existem vários fóruns regionais e atividades da
Atividades: 2.500, dentre elas 130 shows, 115 projeções de sociedade civil que nasceram nos FSM. Desde a primeira edição
filmes e vídeos e 96 exposições de artes. houve avanços significativos. Hoje, “o pensamento único” já não
Propostas divulgadas pelos movimentos: 352 (Um grupo impera sozinho. Mudou também a dinâmica da sociedade civil.
de 19 intelectuais presentes divulgou um documento que cha- As organizações que debatem temas comuns já não conversam
mou de “Manifesto de Porto Alegre” com doze propostas para só entre si, mas trabalham de forma articulada. Além disso, foi
outro mundo possível). reforçada a dinâmica internacional dos movimentos. A estrutura
Milhões de pessoas em todo o mundo acompanharam o do Conselho Internacional do FSM, baseada em redes, leva a
uma interligação entre temas nacionais e internacionais. É a
Fórum das mais variadas formas.
primeira grande aliança entre essas entidades num processo
mundial.
foi um aprendizado da IV edição do evento, que aconteceu em O FSM 2005 foi encerrado na manhã do dia 31, à beira do
2004, na Índia. Ao longo dos cinco dias, dentro do Território do lago Guaíba, com a leitura de um balanço dos seis dias de expe-
Fórum, numa extensão de quatro quilômetros divididos em onze riências compartilhadas e de participação plural e democrática,
Espaços Temáticos, foram realizadas mais de 2.500 atividades seguida da apresentação de grupos musicais. De pés descalços
autogestionadas, ou seja, organizadas pelas próprias entidades e mãos dadas, todos os presentes renderam homenagem aos
que participaram do FSM. Esse formato facilitou uma discussão
horizontal, plural e democrática de uma multiplicidade de temas.
Atividades que permitiram o encontro de muitas organizações
e pessoas, tecendo redes, planejando ações, forjando novos
encontros. Eis porque o Fórum não começa nem termina neste
espaço. Ele é o momento de convergência de movimentos que
lutam, se encontram e seguem trabalhando.
O Fórum avançou na discussão acerca da Agenda 21 para
salvar o planeta e lançou uma Campanha Global de ação contra a
pobreza e a fome. O Território do Fórum se propôs ser expressão
de mudanças de atitudes, como o respeito ao espaço público e
ações solidárias. A bioconstrução mostrou que uma casa pode
nascer do simples ordenamento racional do que a natureza
oferece. A economia solidária, justa nos preços e ética no con-
sumo, esteve presente. Práticas desafiadoras, como o uso do
software livre, a rede de voluntários da tradução e novas formas
de comunicação compartilhada foram incorporadas ao dia-a-dia.
Isso exigiu aprendizado, persistência, trabalho. Contudo, sob o
sol escaldante de 40 graus e o calor das tendas improvisadas,
o comércio da água vendida a R$ 1,50 por garrafinha de 500ml Discussão sobre métodos não-violentos.
destoava do espírito do Fórum. espíritos dos ancestrais das nações indígenas das Américas e
enviaram bons fluidos para a África, continente que sediará o
Um Fórum propositivo FSM em 2007. Em 2006 serão realizados fóruns locais, regionais
Este Fórum encarou o desafio de ser mais propositivo, de e nacionais em diversas partes do mundo. 
avançar em agendas comuns e sugerir ações. O escritor portu-
guês José Saramago defendeu a idéia de que o Fórum encontre Jaime Carlos Patias é sacerdote missionário e diretor da revista Missões.

Missões - Março 2005 21


dom quixote hoje
atualidade

utopia e política

Ramonet, Zaragoza, Saramago e Galeano falaram no V FSM sobre


a utopia de ser quixote hoje.
da Redação

U
ma das conferências mais aguardadas no V FSM Milhões de pessoas de todo mundo atuam de forma intensa e,
foi a que reuniu José Saramago, escritor português consequentemente, tem se modificado o conceito de utopia”,
e Prêmio Nobel de Literatura, Eduardo Galeano, afirmou Sávio. A seguir, trechos da colocação de cada um:
jornalista e escritor uruguaio, Ignácio Ramonet,
editor do Le Monde Diplomatique e Federico Mayor Federico Mayor Zaragoza
Zaragoza, ex-diretor da Unesco e atual presidente Há uma confusão entre os termos sabedoria e conhecimen-
da Fundação Cultura e Paz Vistoria Malvar. O tema era “Quixote to. As duas palavras são necessárias para o entendimento da
hoje: utopia e política”. Os palestrantes fizeram a relação entre utopia, principalmente imaginação. Esta imaginação muda o
Dom Quixote de la Mancha, personagem de Cervantes conhecido estado das coisas. Os realistas não transformam a realidade
em todo mundo, que virou sinônimo de loucura, credulidade ou porque a aceitam, porque promovem a indiferença no lugar da
ridículo e a utopia que perpassa todos os sentimentos do FSM paixão, no lugar da compaixão. É necessário o calor do amor
sob o lema de “Um outro mundo é possível”. para fazer mudanças. A política é a arte de propiciar o possí-
Com exceção de Saramago, que se mostrou cético ao defender vel amanhã, do que é impossível hoje. Contando com a força
que as mudanças advêm da “necessidade e não da utopia”, foi criadora e calorosa de todo o mundo que existe, é possível ter
esse o mote dos outros painelistas, que ainda tinham ao lado na resistência de propostas que unem mãos, vozes, e começam a
mesa Luís Dulci, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência dar sentido a cada palavra.A utopia termina quando se guarda
da República e Roberto Sávio, membro do Comitê Internacional silêncio.A democracia consiste em que nós tomemos conta,
do Fórum Social Mundial e secretário-geral da organização Media sejamos vigias. E se alguém disser que não lograremos êxito,
Watch Global, este último como moderador. não daremos ouvidos, faremos como Dom Quixote, que disse
O ponto de partida foi a definição e a opinião de cada re- a Sancho Pança, ao encontrar os decapitadores: sem esforço
presentante sobre a utopia. “Estamos aqui no Fórum para nos e ânimo será impossível. Nós, como cidadãos temos que ficar
dedicar a um momento de reflexão, um compromisso político. em estado de alerta, pois temos inimigos visíveis e invisíveis,

22 Março 2005 - Missões


e o Fórum Social Mundial é uma resistência pacífica e com na miséria, a palavra utopia não significa rigorosamente nada.
propostas. Quixote não era utopista, mas um pragmático no melhor sentido
da palavra. A palavra é desgraçada porque se pode fazer o que
Ignácio Ramonet quiser com ela. Uma vez um político disse que a política é a arte
O Fórum é um projeto louco e conseguimos realizá-lo. Isso do impossível. Recentemente, eu disse que a política é a arte
é uma utopia concreta. É uma assembléia de gente que quer de não dizer a verdade, é um discurso que a falseia, a maquia
transformar o mundo com o mesmo ideal. Não se trata de férias e a manipula. O discurso sobre a utopia me desagrada porque
sociais. Estamos reconstruindo uma Torre de Babel. Faço uma é um discurso sobre o que não existe. É com o trabalho que
comparação sobre o custo de vida de uma vaca européia e se faz hoje que poderemos mudar o mundo amanhã. Tudo se
o de um ser humano, que muitas vezes ganha menos de um discute, menos a democracia, como se fosse única, uma santa
dólar por dia. Vivemos num mundo de inversão, já que temos no altar da qual não se espera mais milagres. O que transforma
cerca de 1,5 bilhão de pessoas que vivem sem água potável, o mundo é a necessidade e não a utopia.
2,5 bilhões sem eletricidade e apenas 5 de cada 100 pessoas O discurso manipula e sempre esconde algo. É a arte de
têm acesso à internet. Aqui em Porto Alegre, no marco do camuflar a verdade. Nossas democracias estão amputadas e
Fórum Social Mundial, há muitos quixotes e quixotas e não seqüestradas. O nosso poder como cidadão, hoje, na esfera
são loucos, são utopistas. Quixote não era exatamente um política, consiste em trocar um governo que não se gosta por
fanático por uma sociedade ideal, o que o incomodava eram outro que talvez se venha a gostar.
as injustiças, as desigualdades deste mundo. O que queria Os organismos internacionais, entre eles a ONU (Organi-
era mudar as coisas. Não tinha um projeto político para isso zação das Nações Unidas), a OMC (Organização Mundial do
e não queria obrigar ninguém, à semelhança dos quixotes do Comércio) o Bird (Banco Mundial) e o FMI (Fundo Monetário
FSM. Aqui é a assembléia dos povos do planeta. É uma Babel Internacional) não são democráticos. Como se pode continuar
organizada, harmoniosa, com o objetivo de mudar o mundo. a falar em democracia se esses que governam o mundo não
Devemos atacar as injustiças sociais e não os moinhos de são eleitos democraticamente pelo povo? Onde está então a
vento. Para sair do desastre da globalização liberal, bastaria democracia? Se fôssemos, em cada momento, cumprindo aquilo
tomar cinco medidas urgentes: instalar uma taxa planetária de que chamamos de nossas utopias, se a realização delas fosse
solidariedade contra a fome e a miséria; suprimir os paraísos possível, num prazo curto, e isso seria o bom, não as chamaría-
fiscais, eliminar a dívida externa dos países do
Sul, promover a moratória sobre a água potável

Jaime C. Patias
para que todos tenham acesso e criar imposto de
solidariedade sobre as maiores fortunas do mundo.
Ser um Quixote é ser um louco? Não é louco ser
um Quixote que acredita que conseguimos mudar
o mundo. Vamos mudar!

Eduardo Galeano
O paradoxo do mundo é o paradoxo de Dom
Quixote de la Mancha, que resolveu ter uma aven-
tura de liberdade, que estava preso em sua casa
em Sevilha, assim como estão presos por décadas
os países latino-americanos. Quixote é aquele que
mesmo parecendo que está condenado a derro-
tas, sonha em sair triunfante, e sai, pelo menos,
moralmente triunfante. Na Venezuela, conheci, na
região de Maracaibo, um pintor de altíssimo talen-
to, se chamava Vargas, era carpinteiro e quase
analfabeto. Seus quadros tinham as cores de um
milhão de arco-íris, com flores, plantas e pássaros.
O público celebrava a obra de Vargas como um Auditório Araújo Viana durante conferência sobre utopia.
canto de araruna tropical, como um hino à natureza
latino-americana. Contudo, a região que vivia era árida e cinza, mos de utopias, chamaríamos simplesmente trabalho, objetivo,
até o arco-íris era em preto e branco, e era nesse lugar que caminho, determinação, meios, vontade.
criava suas obras prodigiosas. E eu dizia aos meus amigos da Não sei o que é a natureza humana. Esse conceito já variou
Venezuela que Vargas era um pintor realista, porque pintava o muito desde o homem das cavernas. Eu tenho clara uma coisa:
que queria dessa vida. Porque é da barriga dos utopistas que cada um de nós, seja quem for, leva uma besta dentro de si.
nasce outro mundo possível. A natureza não é só humana. Os conflitos se sucedem porque
não somos capazes de reconhecer o outro. O outro é como eu
José Saramago e tem o direito de dizer “Eu”. O homem vê o mundo com seus
Vou dar uma notícia má e outra pior ainda. A primeira é que cinco sentidos. Se tivéssemos 10 sentidos, o mundo seria de
não sou utópico, e a segunda é que considero a idéia do conceito outra forma bem diferente. Cito uma frase de Ghandi: “Não há
de utopia como algo inútil. Tudo o que foi dito antes, poderia ser caminho. O caminho é a paz. O caminho se faz andando”. En-
dito sem a introdução da palavra utopia. Há uma condição que contrei-me recentemente, na Itália, com Umberto Eco e ele me
é indissociável do pensamento utópico, o modo do ser humano confidenciou: “tenho medo do futuro do meu neto”. Se todos aqui
de olhar a vida, e não só no sentido material, mas na dimen- neste Fórum formos determinados, eu não terei medo do futuro
são espiritual, na dimensão ética, na dimensão plural, que é a de meu neto e de meu filho. Não há tempo de enlouquecermos
reinvenção do desafio. Para as bilhões de pessoas que vivem outra vez como Quixote. 

Missões - Março 2005 23


Criança Protagonista
de um mundo novo
Infância Ninguém melhor do que as crianças para
Missionária
desenhar os traços de um outro mundo possível,
independente da idade, da raça ou da cultura.

de Manuel Aparecido Monteiro (Néo) “não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal pelo bem” (Rom
12,21). Agora, já em plena Campanha da Fraternidade, temos

A
a oportunidade de vivenciar a partilha ecumênica e promover a
criança missionária, através da Obra da Santa Infância cultura da paz. Estamos envolvidos neste compromisso. Ele é
e da Igreja, aprende com Jesus a ser boa discípula muito especial porque se trata de uma caminhada em conjunto
e a viver com Ele, o enviado do Pai. Por conta disso, com outras igrejas cristãs.
as crianças da Infância Missionária (IM) buscam ir ao
encontro dos que mais sofrem ou os mais necessita- Fórum Social Mundial
dos. Desde sua fundação, ocorrida há 162 anos, a IM Entre os principais temas discutidos no FSM em Porto Alegre,
tem sido uma grande motivadora e promotora da evangelização alguns têm muito a ver com a condição das crianças do mundo
no mundo. O carisma da Obra da Santa Infância favorece uma inteiro: combate à fome, superação das desigualdades sociais
peculiar sensibilidade e disponibilidade missionária
que leva as crianças a servir com alegria aqui e

Jaime C. Patias
além-fronteiras. Uma criança missionária jamais é
indiferente perante uma situação de dor. Isso pode
ser confirmado de muitas maneiras. Na pequena
história que aqui contamos, essa vontade de cola-
borar fica muito evidente.

Fato da vida
Justina voltou da casa da vizinha que tinha per-
dido uma filhinha de 8 anos. “Por que você foi lá?’’,
perguntou o pai. “Para consolar a mãe”, respondeu
ela com toda a ternura e a certeza da boa ação.
“Como você pode consolar uma pobre mãe, sendo
ainda tão pequena?” “Eu a abracei fortemente e
chorei com ela”, respondeu. E lembrou-se daquela
frase do Evangelho que diz: “Felizes os que choram,
porque serão consolados!” (Mt 5,4).
Justina é um dos tantos exemplos de crianças
generosas que, na hora certa e para a pessoa Crianças marcaram presença no V FSM.
certa, sabem levar a consolação e a paz. O perfil
de Justina se parece com o de milhares de crianças da IM, e fim das guerras. Entre os milhares de participantes havia
espalhadas pelos cinco continentes: sempre com disposição também crianças com seu espaço próprio. Oxalá, os adultos
para servir, a fim de melhorar a vida e o mundo das pessoas não esqueçam as crianças nos próximos Fóruns e organizem
mais necessitadas. espaços a partir dos quais possam ser proclamados seus apelos
de paz para fazê-los chegar ao mundo inteiro. Ninguém melhor
Eucaristia e paz do que as crianças para desenhar os traços de um mundo novo,
Que bom ser de Cristo, que bom ser Igreja! Não nos faltam independente da idade, da raça ou da cultura.
meios e muitas oportunidades para realizarmos experiências Aqui fica o apelo para todas as crianças da IM. Prepare-
significativas úteis para a nossa vida e para a vida dos demais. mo-nos desde já para participar dos Fóruns Sociais Regionais
Em outubro do ano passado, o Papa João Paulo II convocou que serão organizados no próximo ano. Antenas ligadas! Esta
toda a Igreja para viver um Ano Eucarístico que se estenderá página dará informações sobre isso. Das crianças do mundo...
até outubro deste ano. sempre amigas! 
E começamos o ano de 2005 celebrando o 38º Dia Mundial da
Paz. Fomos convocados a celebrá-lo à luz da expressão paulina Manuel Aparecido Monteiro (Neo) é sacerdote missionário e animador vocacional.

24 Março 2005 - Missões


conexão jovem
A força
Preocupados com os rumos da sociedade
globalizada e em busca de um outro mundo
possível, cerca de 35.000 jovens participaram
da juventude
da V edição do Fórum Social Mundial.

Jaime C. Patias
da Redação, com informações da Agência Viração

O
s jovens corresponderam a praticamente um quinto
dos participantes do FSM 2005. O Acampamento da
Juventude credenciou 28.937 participantes e recebeu
mais de 35 mil acampados nos seis dias do evento.
Vieram pessoas de 39 países, sendo em maior número
os brasileiros – 25.490, seguido pelos argentinos – 681
e canadenses – 619. Entre os brasileiros, a maior cota foi a do
Rio Grande do Sul, com 9.012 participantes. Em seguida vieram
os Estados de São Paulo – 6.924, Rio de Janeiro – 2.621, Minas
Gerais – 1.625, seguidos pelos Estados do Paraná, Santa Catarina
e Distrito Federal. Entre os dias 26 e 31 de janeiro, mais de 500
atividades foram realizadas no Acampamento. Para abrigar a Atividade no Acampamento da Juventude.
“cidade colorida”, o Comitê Organizador do Acampamento (COA)
começou a trabalhar desde abril do ano passado, com um grupo Expectativas dos jovens
formado inicialmente por 16 pessoas remuneradas pelo Fórum. A estudante Lurdes Rocío, de 17 anos, veio do Paraguai para
Durante o evento, cerca de 400 colaboradores trabalharam para participar do FSM. Ela é membro do Coletivo de Mulheres 25 de
que a engrenagem funcionasse. As atividades foram sugeridas Novembro, que faz parte do Movimento Anistia Internacional. O
pelos participantes, não pelo COA. As propostas, assim como coletivo luta por liberdade para as mulheres e ajuda as paraguaias
as pré-inscrições, foram enviadas através da internet, para o em necessidade. “O que eu gosto no Fórum é desse objetivo
site do acampamento (www.acapamentofsm.org). comum que une todas as pessoas do mundo, sem discriminação.
Ocupando uma faixa de terra às margens do Rio Guaíba, O objetivo é buscar o bem e a paz na Terra”, afirmou.
o local foi autogestionado pelos acampados, que buscaram “Só bolsa não adianta, é preciso uma mudança!”. Uma das
minimizar o impacto ambiental de sua permanência no local, vozes que formavam o grito de guerra do Movimento dos Estudantes
separando resíduos e economizando água. Não foi vendida sem Universidade (MSU) na marcha de abertura do FSM era do
soja no acampamento, pois o COA acredita que a maioria é paranaense Cristiano Miano, 26 anos, que participou pela terceira
geneticamente modificada. Com relação aos alimentos, foram vez do evento, trazendo à tona a discussão da falta de acesso
boicotados produtos das empresas Ambev e Vonpar, represen- à universidade no Brasil. Segundo Cristiano, que é estudante
tantes nacionais dos refrigerantes Coca-Cola e Pepsi. Houve de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL),
estandes de alimentação e quatro cozinhas geridas por grupos 90% da população adulta brasileira está fora da universidade.
ligados à economia solidária e aos movimentos sociais, que Mas, para o MSU, o problema não é só esse. “Por eu ter passado
venderam refeições. Com relação à segurança, uma empresa foi num vestibular e estar dentro de uma universidade pública e de
contratada para fazer esse trabalho. Mas, como todas as ações qualidade, eu não posso dizer que tenho uma universidade. O que
do acampamento, essa atribuição também foi compartilhada entre ela reproduz como mão-de-obra? Qual é a lógica?”, questionou.
os acampados, que foram avisados para trancar as barracas e Para ele, tanto as universidade públicas quanto as privadas estão
não se ausentar deixando nelas objetos de valor. reproduzindo a lógica de venda de mão-de-obra de capital. 

Missões - Março 2005 25


Marcello Casal Jr/ABr
entrevista

Francisco Whitaker, da Comissão


Brasileira de Justiça e Paz da CNBB,
e membro do Comitê Organizador do
FSM, lançou o livro “O Desafio do
Fórum Social Mundial – um Modo
de Ver” durante a V edição do
evento, em janeiro.

Uma escola
de organização ho
de Laura Giannecchini, Lisandra Maioli e Susana Sarmiento é limitado. Em compensação, colocar os sindicatos nesse
espaço é entrar num tipo de classificação que não leva a
muita coisa. Se o “terceiro setor” é tudo aquilo que não é go-

E
vernamental, entra esse tipo de organização, mas depende
m entrevista, Francisco Whitaker falou sobre o papel da maneira que a gente trabalha...O importante é que o FSM
da sociedade civil no mundo atual, sobre sua relação tenta superar essas diferenças e barreiras. A única exclusão
com o poder público e sua contribuição para o desen- que a gente faz da chamada sociedade civil são os partidos.
volvimento local. Também explicou porquê os partidos Teoricamente, eles fazem parte, mas possuem uma dinâmica
políticos não devem estar presentes no FSM. diferente. Os partidos existem para assumir o poder político,
assumir o governo. Então, eles estão mais na dinâmica de luta
Para o senhor, qual é a importância da participação da so- pelo poder político, enquanto a sociedade civil trabalha para
ciedade civil no mundo atual? as coisas acontecerem.
A “participação”, de forma geral, é essencial para você ser
um cidadão pleno. Não basta que você tenha consciência de Nas últimas décadas, as organizações e movimentos da
seus direitos e lute por eles, mas, principalmente, é preciso sociedade civil cresceram muito. Mas algumas pessoas
lutar pelos direitos dos outros. Isso é cidadania plena. Quando avaliam que, nos últimos dois anos, em função da chegada
você luta pelos direitos dos outros, você começa a existir como da esquerda ao poder, esse processo recuou um pouco.
sociedade civil, que não é governo nem partido. A sociedade Como o senhor vê isso?
civil é aquela parte dos cidadãos que se organizam. O que Cada vez que representantes mais próximos da sociedade
a gente chama de sociedade civil se estrutura de diferentes civil, das ONGs e movimentos sociais, assumem alguma fatia
maneiras, seja nas organizações não-governamentais (ONGs), do poder, a tendência é que eles absorvam os militantes das
nos movimentos sociais, que reivindicam causas específicas ou organizações para ocupar funções de governo. Então, diminui
nos sindicatos. o número daqueles que ficam somente nas organizações da
sociedade civil e aumenta o daqueles que passam a ser go-
Então o senhor não considera os movimentos sociais como verno. Isso gera ressentimento, porque muitas lideranças dos
parte do terceiro setor... movimentos sociais, das ONGs, automaticamente, deixam de
Não, eu posso considerar! É bobagem tentar classificar liderar suas organizações e seus movimentos. Mas, uma vez
muito as coisas. Chamar apenas as ONGs de “terceiro setor” terminado o mandato, elas têm de voltar aos movimentos e

26 Março 2005 - Missões


vão, de novo, engrossar as fileiras daquela turma. Esse é um da autoridade para as coisas acontecerem. Por exemplo, não é
processo cíclico, que passa por todos os níveis. por meio de leis e decretos que o governo resolve problemas da
parte ecológica. As pessoas têm que compreender a importância
O senhor acha que esse crescimento da participação da so- da preservação da natureza para as futuras gerações e para elas
ciedade civil é reflexo também do Fórum Social Mundial? mesmas. E isso, só uma atitude pessoal resolve.
Não. O Fórum Social Mundial foi uma etapa, um passo, mas
ele faz parte desse processo. Sem dúvida alguma, ele reforçou Agora, me parece que a gente ainda tem uma estrutura
o processo. O Fórum Social Mundial, caracterizado por ser um hierarquizada muito forte na cultura brasileira, quiçá no
espaço - não um movimento, uma instância, não uma organiza­ mundo...
ção -, juntou as diferentes áreas da sociedade civil, do terceiro A civilização ocidental é muito piramidal. Na Ásia, por exem-
setor. Ele “re-entusiasmou” as pessoas num nível mundial. É plo, o budismo é muito mais horizontal. Nas velhas culturas
inacreditável a diversidade de situações e pessoas, que a gente tradicionais, indianas, nas filosofias antigas, desde as culturas
vê no FSM. O Fórum entrou nisso com alguns critérios, com africanas, existe uma horizontalidade e co-responsabilidade
algumas regras, que são fundamentais para a vida da socie- muito maior... Enquanto que nós, é o velho problema de que o
dade civil. Então, a sociedade civil tem uma maneira de atuar capitalismo exacerbou, de que o capitalismo introduz a busca
politicamente diferente da dos partidos. Ela não se organiza pelo poder, do poder financeiro que implica em pisar na cabeça,
tiranicamente. Ela tem que se organizar, necessariamente, de no pescoço dos outros para subir, um competir permanente. Uma
forma horizontal. E o Fórum é uma grande escola e uma grande das grandes regras para o capitalismo ser “bem-sucedido”, é
experiência de organização horizontal. todo mundo ter espírito competitivo. É diferente do espírito em-
presarial. É “espírito competitivo”. E esse “espírito competitivo”
Seria possível traçar um paralelo entre o Fórum e a forma tem que ser substituído pelo “espírito de cooperação”, porque
de organização em rede? essa é a mudança.
Sim! O Fórum é uma experiência de organização em rede; é
um momento de intensificação das relações de uma rede! Num Mas como fazer isso?
certo sentido, o Fórum é um momento em que essas redes todas Acho que as pessoas, em geral, têm consciência de que a
se encontram. Não as redes, obviamente, mas os principais cooperação resolve mais problemas do que a competição. O
problema é que as grandes
oportunidades são poucas.

Corrado Dalmonega
orizontal
A comunicação coloca na
cabeça das pessoas, per-
manentemente, a luta pelo
poder, a luta por prestígio, por
dinheiro, por comodidade. As
pessoas entram na corrida
competitiva. E o sistema é
todo montado na competição.
A gente vê isso mesmo nas
Olimpíadas, que dizem ser
“o entendimento dos povos”,
mas eu considero um espírito
competitivo terrível. A história
da Fórmula 1, os Campeo-
natos de Futebol... É tudo
montado “nos melhores”.

Cooperando talvez você es-


teja entre os melhores...
É, mas não precisa, né?
A cooperação não visa isso.
Pelo contrário, acho que o
grande cooperador é o últi-
Anfiteatro Pôr-do-Sol, um dos pontos de encontro do V FSM. mo. É aquele cara que fica
mais anônimo e não pega
animadores dessas redes, para não dizer os dirigentes, porque nada para si. Ele está normalmente a serviço de todos. Isso é
redes não têm dirigentes. As pessoas que prestam serviços para um tipo novo de poder, um poder conjunto, não concentrado.
as redes fluem e geram informação, num processo decisório de- Eu chamo isso de “poder-serviço”, não um “poder-dominação”.
mocrático. Essas pessoas se encontram no Fórum. Com o novo O “poder-dominação” existe para “dominar” e precisa crescer
passo em 2006, nós vamos descentralizar e fazer uma porção cada vez mais, porque ele está sempre sendo questionado por
de Fóruns, ao longo do ano. A idéia é multiplicar os lugares do outros que querem dominar no lugar dele. Então, você aumenta
mundo em que essa experiência acontece. a dependência das pessoas de seu poder e exerce seu poder,
inclusive, até com dureza. “Poder-serviço” não está interessado
A atuação da sociedade civil pode contribuir, por exemplo, nisso, mas que todos ganhem “autonomia”. Com isso, você é
para o desenvolvimento local sustentável? poderoso com os outros. Somos todos juntos poderosos. 
Claro. Na verdade, o desenvolvimento local sustentável depende
muito da atitude das pessoas. O local não pode ficar dependendo Entrevista publicada no Portal Sertor3 - Notícias do Terceiro Setor.

Missões - Março 2005 27


Puxirum de Artes
amazônia

de Maria Emerenciana Raia

O
Puxirum, que significa mutirão, espaço dos povos
indígenas no FSM, reuniu diversas etnias de vários
países latino-americanos e da América Central.
No final do encontro, foi redigida a Declaração do
Puxirum, que publicamos a seguir:
“Nós reunidos no Puxirum de Artes e Saberes
Indígenas, convocados pela COICA - Coordenadoria das Or-
ganizações Indígenas da Cuenca Amazônica - e Coordenação
Andina entre 26 e 31 de janeiro de 2005, participamos do V
Fórum Social Mundial, outro mundo é possível. Nós somos o
outro mundo, principalmente porque conservamos os valores e

Nós indígenas somos


outro mundo
Liderança indígena no Puxirum.
A coordenação do Puxirum ficou a cargo da indígena Rona
dos Santos, pertencente à COICA. Ela foi categórica ao afirmar
que “nós, os indígenas, somos outro mundo e é isso que viemos Na V edição do FSM, os povos indígenas
reforçar com nossa presença no V FSM”.
do continente americano puderam
Quais as expectativas dos povos indígenas da América
com o Puxirum? organizar-se, pela primeira vez, em
Poder conversar entre nós e com os outros atores sociais,
sobre os problemas que enfrentamos como povos indígenas um espaço próprio, com atividades,
nos diversos estados nacionais. E apresentar outras alternativas
para o que chamam “um outro mundo é possível” já que, na discussões, palestras e exposições.
nossa visão, nós somos esse outro mundo. Entendemos que nós
estamos em nossas terras desde antes da formação dos estados sabedoria de um mundo diferente no qual temos uma relação
e nações. Constituímos vários povos com idiomas distintos, com recíproca de equilíbrio com nossa mãe terra. Depois de analisar
visão de mundo e espiritualidade próprias e acreditamos que os temas que nos afetam como as invasões de nossos territórios,
nossa presença tem como objetivo trazer para o FSM quem o saque de nossos recursos naturais renováveis e não renová-
somos e conhecer esse mundo dos não-indígenas e também veis, o patenteamento de nossos saberes e conhecimentos, o
a sociedade em geral. não cumprimento da legislação e de outras disposições legais
nacionais e internacionais, o impedimento da circulação em
Como os grupos indígenas chegaram a essa primeira nossos territórios nas fronteiras entre estados nacionais, o
participação do FSM com um programa próprio? genocídio, a contaminação humana e ambiental, a inexistência
Falamos tanto com o Comitê Internacional, como com o de uma política de estado para nós, assim como as ameaças
Comitê Brasileiro sobre a presença indígena no FSM 2005 e constantes a nossa integridade física, cultural, política, espiritual,
assim conseguimos um pequeno espaço com infra-estrutura para econômica e a cosmovisão, declaramos:
participar e tivemos apoio indígena e não-indígena, principalmente Afirmamos nossos valores e princípios humanos e espirituais
das organizações como a COICA, COIAB- Coordenadoria das Orga- como povos em nossa diversidade e em nossos territórios e,
nizações Indígenas da Amazônia Brasileira -, Coordenação Andina portanto, assumimos o compromisso de consolidar nossa unidade
e outras que agrupam povos indígenas da América. Integraram nos níveis locais, regionais e internacionais. Os governos devem
o Puxirum indígenas da Guatemala, México, Colômbia, Bolívia, devolver, reconhecer e garantir a segurança jurídica, política e
Equador, Peru, Venezuela, Uruguai, Argentina, Chile e Brasil. física de nosso território. Ao mesmo tempo afirmamos nossa
disposição para sua defesa e integridade no controle, manejo e
Rádio Mundo Real administração dos recursos existentes segundo nossos sistemas
organizativos, políticos, jurídicos e culturais. Nossos direitos

28 Março 2005 - Missões


s e Saberes Indígenas
constitucionais devem ser implementados e a convenção

Voz única dos povos indígenas 169 da OIT – Organização Internacional do Trabalho -,
ratificada pelo estados nacionais. O que temos visto é a
omissão, retrocesso e o não cumprimento dos governos,
Missões entrevistou com exclusividade no V FSM, a advogada do Conselho o caso do presidente Lula no Brasil, principalmente em
Indígena de Roraima, Joênia Batista de Carvalho, da etnia Wapichana. relação à regulamentação de nossas terras, como a
Raposa Serra do Sol, em Roraima; deter o genocídio
Como você vê a participação dos povos indígenas no FSM? e a perseguição que sofrem os povos indígenas como,
Os povos indígenas cada vez mais vêm buscando mostrar para as autori- por exemplo, na Colômbia. Isso demonstra a ausência
dades e sociedade em geral que têm direitos que não estão sendo respeitados. de políticas indigenistas positivas e o não cumprimento
Apesar do Brasil ter a cara da diversidade cultural, ela é pouco valorizada. de nossos direitos.
Como fazemos parte desta sociedade, queremos mostrar que nós existi- Os estados devem retirar imediatamente os inva-
mos, que temos sores dos nossos territórios (transna-
cionais, igrejas, ONGs, madeireiros,

Fotos: Corrado Dalmonego


direitos e que
eles devem ser empresas extratoras de minérios,
cumpridos, que petroleiras, fazendeiros, colonos etc.)
há uma obriga- e responsabilizamos o estado pelas
ção e uma dívi- conseqüências que aconteçam ao não
da histórica para se cumprir com essa demanda.
com os povos Os estados devem dispor não
indígenas. Que- menos de 10% de seu orçamen-
remos continuar to nacional diretamente para nós,
a ter vida nas através de nossas organizações re-
terras indíge- presentativas.
nas, com um Os estados devem nos indeni-
meio ambiente zar por todos os danos e prejuízos
de qualidade e causados direta ou indiretamente ao
estamos aqui longo do processo de invasão.
para juntar com Os estados devem garantir o livre
outros povos e acesso de nossos produtos a todos
ter uma voz úni- os mercados dos países.
ca neste Fórum Os estados têm que reconhecer
para fortalecer nossos sistemas jurídicos próprios e
e visibilizar os garantir a aplicação das leis nacionais
direitos dos indígenas. concebidas para a proteção e exercício de nossos direi-
tos. Os estados devem colocar em liberdade imediata
Como você vê a questão da homologação da Raposa Serra do Sol? todos os irmãos e irmãs presos por defender nossos
A homologação está parada porque os políticos que têm interesses direitos e reprovamos as falsas justificativas incrimi-
particulares na Raposa Serra do Sol conseguiram suspender a portaria que natórias ao acusá-los de terrorismo, especialmente
a demarcou, que é a portaria 820, deixando o governo sem resposta. Lula no caso do Chile”.
tinha tudo para homologar a área mas não o fez. Teve todo o ano de 2003
para fazer isso, depois houve várias suspensões da liminar que impedia, Território do Puxirum de Artes e Saberes Indígenas,
mesmo assim não fez. Só resta clamar que os direitos constitucionais sejam 30 de Janeiro de 2005.
cumpridos e que o STF onde se encontra o processo da homologação,
possa deixar claro de uma vez por todas que não é possível retroceder Reivindicação do povo Charrua ressurgente;
à questão da demarcação da Raposa Serra do Sol. O Judiciário vai re- O clamor dos Guarani-Kaiowá e Terena
solver uma questão que é de competência do Executivo. A área indígena do Mato Grosso do Sul;
Raposa Serra do Sol é hoje um caso emblemático no Brasil. Eu diria que Moção de apoio à demarcação da
a homologação se tornou uma questão internacional. E nós viemos ao V terra indí­gena Borboleta;
FSM para ver a Raposa Serra do Sol nesse cenário, onde há uma união Propostas do povo Xokleng;
da sociedade civil de todos os cantos do mundo e eu acho que a questão Reivindicações dos estudantes universitários indígenas.
da homologação não poderia deixar de estar presente.
Maria Emerenciana Raia é jornalista, editora da revista Missões.

Missões - Março 2005 29


Porto Alegre Brasília
Congresso Nacional da Pastoral Afro Semana dos Povos Indígenas
A Semana dos Povos Indígenas, realizada anual-

Jaime C. Patias
mente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
durante o mês de abril, tem como tema este ano “Paz,
Solidariedade e Reciprocidade nas Relações”, em
sintonia com a Campanha da Fraternidade da CNBB.
A questão proposta convida toda sociedade brasileira
a uma reflexão sobre a realidade atual e a necessida-
de de repensar os estilos de vida, cultivando valores
como a solidariedade e reciprocidade nas relações
entre pessoas, famílias, comunidades e povos. No
material de divulgação da Semana, o Cimi afirma que
a paz “só se efetiva a partir do respeito aos outros,
à diversidade étnica e à promoção à vida”. O tema
Movimento negro marca presença no V FSM. será discutido pelo movimento indígena, movimentos
sociais, estudantes, estudiosos e apoiadores da causa
A capital do Estado do Rio Grande do Sul foi sede indígena em geral por meio de encontros, palestras
VOLTA AO BRASIL

do IV Congresso Nacional das Entidades Negras e debates realizados em diversos lugares do país,
Católicas – CONENC, que se realizou no Salão Pa- principalmente entre os dias 17 e 23 de abril, pelo
roquial da Igreja Santo Antônio do Partenon, de 21 a Cimi. Além destas atividades a entidade indigenista
23 de janeiro, e teve como tema: “Negros, Negras e produz também cartazes e material didático, que
Inclusão Social” e o lema “Em Cristo, Promovendo a servem como referência na discussão e aprofunda-
Inclusão”. O evento reuniu cerca de 500 participantes mento das questões levantadas. Este material pode
entre delegados das Arquidioceses e Dioceses de ser encontrado nos regionais da entidade ou pelo site
todo o Brasil, convidados e autoridades religiosas do Cimi (www.cimi.org.br).
e políticas entre eles a Ministra Matilde Ribeiro, da
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Roraima
Igualdade Racial da Presidência da República e o Povos Indígenas em Assembléia
Senador Paulo Paim, do Rio Grande do Sul.
Na abertura do Congresso o Senador Paim, lançou

Paula Brenha
oficialmente a convocação para a Marcha Zumbi + 10,
que acontece em Novembro e declarou “Queremos
um Brasil no qual os afro-brasileiros passem a ter as
mesmas oportunidades que são oferecidas aos não
negros. Sairemos daqui cada vez mais dispostos a
chamar à razão aqueles que ainda estão envoltos pelo
preconceito e pelo racismo.” Paim, afirmou também
que uma das principais bandeiras da Marcha é a
imediata aprovação do Estatuto da Igualdade Racial,
documento que sintetiza todo o esforço na luta pela
cidadania negra.
O CONENC ao mesmo tempo em que refletiu
sobre a realidade do negro na Igreja e na sociedade,
Marinaldo Justino Trajano e Jairo Pereira da Silva.
apresentou em forma de oficinas, proposições e com-
promissos para a realização de novas estratégias de A 34ª Assembléia Geral dos Povos Indígenas
ação em cada entidade católica. O Congresso procurou reuniu 186 tuxauas (caciques) na aldeira Maturuca,
também o fortalecimento da Pastoral Afro-brasileira Raposa Serra do Sol, entre os dias 12 e 15 de feverei-
em todos os níveis de atuação, além de conferências ro. O evento contou com a presença de conselheiros
que buscaram superar as dificuldades decorrentes regionais, agentes de saúde, professores, lideranças
da pobreza e da miséria, do preconceito e da discri- do Movimento de Mulheres Indígenas e convidados
minação étnico-racial e a definição de alternativas de índios e não-índios de outros estados, num total de
valorização das comunidades negras, considerando a 1.030 participantes. Com o tema “Macunaíma: vivo
pluralidade das culturas, o respeito às diferentes etnias, até o último índio”, a Assembléia resgatou a impor-
à igualdade de gênero e à diversidade de religiões. O tância do herói mítico para todos os povos da região e
IV CONENC foi presidido por Dom Gílio Felício, Bispo expressou o desejo das lideranças coordenadas pelo
de Bagé e referencial da Pastoral Afro-brasileira na Conselho Indígena de Roraima - CIR, de lutarem pela
CNBB e o padre Jurandyr Azevedo Araújo, sdb, As- garantia de direitos amparados pela lei brasileira. O
sessor da Pastoral Afro-brasileira e coordenado pela tuxaua Marinaldo Justino Trajano foi eleito coordenador
Professora Vera Triumpho dos Apn’s de Rio Grande do Conselho Indígena de Roraima e Jairo Pereira da
do Sul. O V CONENC será realizado em Salvador, Silva, vice-coordenador. Lavina Salomão foi eleita
Bahia, no ano de 2007. Secretária do Movimento de Mulheres. 
Informações:
http://www.cnbb.org.br/setores/pafro.php Fontes: Cimi, CIR, Missões
30 Março 2005 - Missões
34ª Assembléia dos povos indígenas de Roraima
12 a 15 de fevereiro de 2005
“Macunaíma: vivo até o último índio!”

Paula Brenha
Documento Final (parcial)
TERRITÓRIO, DIVERSIDADE CULTURAL
E DIREITOS HUMANOS

É extremamente grave a protelação do processo de reco-


nhecimento oficial da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol.
Protelar a homologação da demarcação é, portanto, negar o
reconhecimento dos direitos históricos dos povos que vivem
na área, simboliza a situação vivida hoje por todos os povos
indígenas no Brasil, destituídos de seus direitos históricos.

Exigimos:
01. Homologação imediata da TI Raposa Serra do Sol conforme
demarcada pela Portaria n°820/98-MJ, com as providências
necessárias para que sejam reintegradas às comunidades Participantes da 34ª Assembléia - Maturuca, RR.
indígenas as ocupações ilegais; 07. Providências para retirada imediata de todos os invasores, em
02. Que se jam agilizados os re-estudos nas terras indígenas especial dos que já receberam indenização, em grande parte
Anta, Jabuti, Canauanim, Malacacheta, Ponta da Serra, localizados na Região do Amajari, Taiano e Serra da Lua;
Serra da Moça, Truaru, Manoá-Pium, Aningal e Sucuba; 08. Retirada dos garimpeiros, fazendeiros, madeireiros, pesca-
03. Identificação da TI Arapuá, região do Taiano; dores na Terra Yanomami, TI Araçá;
04. Retirada dos invasores José Ribeiro da Silva da TI Pium e 09. Reforço na Procuradoria Jurídica da Funai em Roraima;
Benjamin da TI Boqueirão, pela prioridade destacada na 10. Responsabilizar os meios de comunicação que propagam
região do Taiano; a discriminação e o racismo contra os povos indígenas;
05. Que seja investigada e tomada providência a interferência de 11. Retirada dos pontos comerciais que disseminam a bebida
um americano, que está provocando a divisão do povo Wai alcoólica nas vilas Mutum, Água Fria, Uiramutã, Socó, na
Wai e na comunidade Jatupuzinho/TI Trombetas-Mapuera; região das Serras, Vila Pereira, na região do Surumu, Três
06. Paralisação do loteamento com os fins de urbanização da Corações, TI Araçá, na região do Amajari. 
área do Morro do Quiabo, na TI São Marcos, que vem afe-
tando o rio Miang, na região do Surumu; (Extraído do Documento Final. Mais informações sobre a Assembléia na edição de abril).


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02 a 09 assinaturas R$ 25,00 cada assinatura Nos meses de Jan/Fev e Jul/Ago a edição é
10 ou mais assinaturas R$ 20,00 cada assinatura bimensal.

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Luciney Martins

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