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06 – O Café Popular no tempo do Norberto Abelha – sentados, no

centro, Nita Rã e Alfredo Martins. De pé, Luís Navarro (Tio Luís). –


Fotografia datada de 3 de Julho de 1950, provavelmente tirada por
Miguel Figueira mas pertencendo ao espólio de Alfredo Martins.

07 – Grupo de Amigos na sala de dentro. Da esquerda para


a direita e de pé: Baltazar Botas (Lamancha), Dimas Sítima,
Feliciano da Agostinha e Claudino Xarope. Sentados e da
esquerda para a direita: Feliciano Tenrinho, Luís Serpa, Figueira
(deitado sobre a mesa e, na altura, empregado da casa) e José
Beijinho. Circa 1960. Fotografia cedida pela D. Emília Serpa.

08 – Uma tarde de domingo à porta do Café da Praça. À


esquerda, António Pedro Figueira, barbeiro ainda hoje em
actividade. À direita o seu amigo de longos anos, António Póvoa
(Tói Alfaiate). Repare-se no pequeno rádio a pilhas, companhia
domingueira obrigatória dos amantes do futebol. Fotografia de
finais dos anos sessenta, cedida por António Pedro.

09 – Feliciano Mouchinho e Victor Tim-Tim. Fotografia de 1975,


cedida por Feliciano Mouchinho.

apoios:
01 – Estacionado frente ao Café Central, o táxi de Custódio Vieira.
Da esquerda para a direita: Joaquim Dias, Eglantino António
Lima, Alfredo Martins e Hodler José Garcia. Café que se prezasse
tinha sempre o seu engraxador privativo; à esquerda e encostada
à parede é possível observar-se a caixa de engraxador do José
Luís Amante, que então exercia aqui esse mester. Em segundo
plano uma jovem acarreta água, provavelmente da Fonte da Cruz.
Fotografia tirada por Miguel Figueira, circa 1947.

02 – O Figueiras, empregado do Central por volta de 1961 ou


1962 – Fotografia cedida por Margarida Lisboa.

Há longos anos que colecciono fotografias antigas de Viana do Alentejo. 03 – O Café Central ao tempo do Horácio Aleluia. No balcão o
Pedaços de papel quase sempre amarelecidos pela acção inexorável do deus empregado José Francisco Botas – o “Zé Botas” – aqui com
Cronos, fixam as memórias de homens e tempos já por muitos esquecidos, 26 anos. Fotografia datada de 10 de Abril de 1955, espólio de
Alfredo Martins.
salvaguardando-as da fúria iconoclasta daqueles que julgam ser possível
reescrever, a seu bel-prazer, a História.

Antigo é este projecto de uma pequena exposição fotográfica no Café


Central. Ideia, de resto, imediatamente perfilhada pelo Feliciano Mouchinho,
amigo e actual proprietário da casa. 04 - Interior do Café da Praça, provavelmente ainda no tempo
em que foi explorado por Francisco Valadas. São possíveis de
identificar, sentados e da esquerda para a direita, Eglantino
Gostaria de expressar aqui o meu reconhecimento a todas as pessoas que António Lima, Miguel Figueira e Francisco Rosa Polido. Circa
tiveram a paciência de me aturar aquando das pesquisas que me permitiram 1947, espólio de Miguel Figueira.
escrevinhar o pequeno texto que se segue. Enunciar todos os nomes seria
tarefa assaz difícil. Gostaria, no entanto, de deixar uma palavra de especial
agradecimento ao meu amigo e padrinho Zé Botas, à D. Alice Navarro, ao Sr.
António Pedro Figueira e ao António Beijinho, pelas preciosas informações,
histórias e memórias que comigo têm partilhado. Ao meu pai, o Zico, também 05 – À montra do Central. Atente-se no pormenor do letreiro
superior, desenhado por letras constituídas por grãos de café.
ele ligado, durante muitos anos, ao Café Central, dedico este singelo evento. À esquerda, o Zé Botas, empregado da casa. Á direita o José
Maria, de Grândola, empregado na drogaria que então existia
junto da Farmácia Nova. Tanto esses dois estabelecimentos
Francisco Baião como o Café Central eram, nesse tempo, explorados por Horácio
Aleluia. No centro o menino António Beijinho. Circa 1948.
Fotografia cedida por António Beijinho.
mais tarde, no FM do Rádio Clube seu legítimo. O Café era o mundo Situado na Rua Cândido
Português), fornecia ambiente musical dos homens, para as mulheres ficava dos Reis, antiga Rua da Assunção,
e notícias à “selecta” clientela da casa. reservada a casa e a igreja. Beber numas casas mais tarde ocupadas
um café servia de pretexto para pela oficina de latoaria de Joaquim
O Café Central foi, numa momentos de convívio, para a troca Fonseca, o Café Bijou era ainda “casa
determinada fase da sua vida, uma de umas larachas, para ler o jornal. de pasto”, designação que então se
espécie de “loja de ocasião”, um local Oposicionista do regime salazarista, dava aos actuais restaurantes. Uns
onde se vendia um pouco de tudo o meu pai assinava os diários anos mais tarde surgiu o Café Popular,
ou quase tudo: lâminas e cremes
para a barba, rolos para as máquinas
“República”, de Lisboa e “Democracia
do Sul”, de Évora, jornais “do contra”
Um café em Viana ali na esquina da Rua das Lojas com
a Brito Camacho, também conhecido
fotográficas (também se alugavam que, apesar de tudo, durante trinta nos últimos tempos como o “Café do
“kodaques” ao dia), latas de conserva anos puderam ser lidos nas mesas do Filipe”. Este estabelecimento abriu as
de peixe e de frutas, espingardas Central. Ainda hoje, quando aqui entro, O Café Central não foi o suas portas no dia 19 de Novembro
de pressão-de-ar, selos de correio e “vejo” o velho Agostinho “Petroleiro” primeiro estabelecimento do género de 1932, tendo sido seu primeiro
fiscais, botijas de gás e, à socapa, sentado numa mesa do fundo, no local a surgir em Viana do Alentejo. Esse proprietário Teófilo Branco. Mais
preservativos, guardados numa caixa onde agora se abre a porta para a palmarés poderá pertencer ao Café tarde, na década de 50, pertenceria
à direita da portinhola de acesso ao cozinha, todo embrenhado na leitura Bijou, de Tomás Bettencourt, mais a Norberto Abelha, sendo então
interior do balcão. No Natal, para “subversiva” do saudoso “República”. conhecido pela alcunha do “Caga e conhecido como tal, o “café do
deslumbramento da criançada que Autodidacta e culto, comentava Tosse”, que assim se anunciava, em Norberto”.
costumava brincar na Praça, a montra depois com alguns interlocutores de 1929, no jornal Transtagano”:
enchia-se de brinquedos e livros. confiança, entre eles o meu pai ou o O Café Central encontra-se
Dr. Garrido, as parcas notícias que o instalado na antiga casa nobre dos
Apesar do café da Praça ser censório lápis azul da “velha senhora” Calados, imóvel que olha a Leste a
popularmente considerado “o café dos tinha deixado passar. Praça da Vila ou da República e, a
ricos”, o grosso dos seus clientes era Norte, o troço final da Rua da Graça,
composto pelo funcionalismo público agora Rua Prof. Dr. Manuel Prates. Esta
local, alguns lavradores e, sobretudo, casa teria sido mandada construir pelo
caixeiros e lojistas do numeroso Dr. André Pires Calado, natural de Vila
pequeno comércio que então animava Alva e “Juiz de Fora” de Viana entre
o centro da vila. os anos de 1696 e 1700. Recorde-
se que nesse mesmo tempo se
Variadas eram as razões ultimavam as obras de construção dos
para se frequentar o Café. Local de vizinhos Paços do Concelho, a actual
encontros e de socialização esteve, Biblioteca Municipal, edifício esse que
durante décadas, reservado ao público veio a definir a moderna aparência
masculino. Mulheres e crianças da nossa Praça e que se deu por
podiam entrar, mas apenas para concluído em 1701. No entanto o
utilizarem o posto público de telefone aspecto actual da Casa dos Calados
que ali funcionava e ainda funciona. __________________________ deveu-se a obras mais tardias, do
Senhora sentada em mesa só muito, final do século XVIII, uma vez que a
muito ocasionalmente, invariavelmente Francisco Baião | Viana do Alentejo, sua arquitectura denuncia o gosto
de fora e sempre acompanhada pelo Setembro de 2009 que prevalecia na época de transição
entre os reinados de D. José I e de D. centro da Vila. Este filho tinha já sido generalização no Alentejo foi muito Núcleo do Sporting, transformando-o
Maria I. O casarão manteve, contudo, proprietário de uma cervejaria – que lenta e tardia, provavelmente porque o em café. Foi naturalmente seguido,
uma porta de cunhais em pedra então se designava pelo francesismo consumo de vinho estava fortemente nessa mudança, por grande parte
mármore, quinhentista, provavelmente de “brasserie” – na Rua Sousa Pinto, entranhado nos hábitos alimentares da clientela do Central, que assim
aproveitada de construção anterior actual Rua Conselheiro José Fernando transtaganos. se viu deserto de fregueses. Um ou
ali existente. Esta porta, com o actual de Sousa, mesmo ao lado do portão dois anos mais tarde será o meu avô
número 8 de polícia, foi durante mais da antiga loja do Sr. Capelo. João Navarro, o primeiro paterno, o velho Vila Alva, a comprar
de dois séculos a entrada principal do proprietário, não explorou o café da o seu trespasse por vinte contos. A
edifício. Tanto quanto me foi possível Praça (designação pela qual também gestão passou a ser assegurada pelo
apurar, a abertura ao público do é vulgarmente conhecido o Central) meu pai, o Zico – como sempre foi
Descendentes desse Juiz de Café Central terá ocorrido no final durante muito tempo. Em Dezembro de conhecido em Viana. O Hélio Fialho
Fora seriam seguramente o padre da década de trinta, talvez durante 1944 trespassou o negócio a Francisco e o Feliciano Tapisso foram os seus
Calado e as suas irmãs, senhores os primeiros anos da Segunda Ferreira Valadas, interessante últimos empregados, tendo sido a
de posses avultadas e últimos Grande Guerra (1939 ou 1940). O personagem que marcou as vivências este último que, em 1979, o meu pai
proprietários do prédio enquanto nessa balcão situava-se em frente da porta da Vila durante as décadas centrais trespassou o Café Central.
família. Eram donos, entre outros da esquerda, alto e em madeira, do século passado. Mas também este
bens rústicos e urbanos, do chamado construído de maneira a impedir o “não se fez velho” atrás do balcão do Na perspectiva de quem
“Curral das Caladas”, vasto espaço serviço directo ao cliente – o que Central trespassando-o, penso que entrava, o alto balcão em madeira,
de quintal e casas arruinadas onde era típico das tabernas; nos cafés, três anos mais tarde, a Horácio Aleluia, em forma de “éle” de lados quase
hoje se ergue o Cine Teatro Vianense. supostamente “mais finos”, pretendia- farmacêutico estabelecido na Farmácia iguais, ocupava quase toda a parte
Falecido o irmão, durante anos viveram se então que os clientes apenas Nova. esquerda do estabelecimento. Sobre
essas senhoras nesta casa; no rés-do- fossem atendidos na mesa. ele reinavam a Pavone, máquina
chão, nas divisões hoje ocupadas pelo O Zé Botas, hoje com oitenta italiana de café expresso e a máquina
café, instalava-se o seu escritório, no A Vila não possuía ainda anos de idade, foi um dos primeiros registadora, inovações já introduzidas
qual o seu feitor recebia empregados, energia eléctrica (só veio a ser empregados do Café Central. Em pelo meu pai nos inícios dos anos
criados, clientes e fornecedores. instalada em 1957), pelo que o café 1938, com nove anos, começou a sessenta. A máquina de batidos era
Na pequena divisão onde hoje se era confeccionado numa máquina trabalhar no Café Popular, ainda no outra das novidades, agora possível
encontra a Ourivesaria funcionou, a de balão, aquecido a gás e com tempo do seu primeiro proprietário. Em pela tardia instalação de energia
partir de data incerta e até 1957, a capacidade para servir um máximo data que não consegue precisar, talvez eléctrica em Viana do Alentejo. Em
Conservatória do Registo Civil de Viana de quatro bicas de cada vez. À 1945, mudou-se para o café da Praça, cima do balcão estavam ainda os
do Alentejo. mesa ia um açucareiro, o cliente onde foi sucessivamente empregado frascos com os rebuçados, as latas
servia-se à vontade, os pacotes do Francisco Valadas e do Horácio das bolachas Riviera, da Fabrica
Aquando do desaparecimento de açúcar só muito mais tarde, na Aleluia. Em 1956 tentou comprar o Triunfo de Setúbal e o dispositivo
da última das Calado, em 1936, foi o década de sessenta, se vulgarizaram. trespasse do estabelecimento a este vermelho de furos da Regina: por
prédio vendido pelos herdeiros a José Sinal de modernidade, o Café último, em sociedade com o Joaquim vinte e cinco tostões saía sempre um
Navarro, boticário que então explorava Central estava equipado com um Dias (filho do Sr. Miguel Dias e irmão chocolate, para o felizardo que tirasse
a Farmácia da Misericórdia, actual frigorífico, um Electrolux com motor a da D. Maria d’Aires Dias) mas os o último furo estava reservada uma
Farmácia Viana. Pai de numerosa petróleo. O café era frequentemente cinquenta contos de réis pedidos caixa de bombons. Numa pequena
família, foi para o filho mais velho, acompanhado com um brandy, com pelo patrão acabaram por inviabilizar prateleira de madeira, logo por debaixo
João, que decidiu transformar o antigo um bagaço, por vezes com um vinho o negócio. Acabou então por adquirir da enorme viga que suporta o tecto,
escritório agrícola em café, baptizado do Porto. O consumo da cerveja não um espaço atabernado, na antiga Rua um rádio a válvulas, em permanência
de Central porque situado em pleno estava ainda muito vulgarizado, a sua do Poço Novo, onde hoje se situa o sintonizado na Emissora Nacional (e,

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