Você está na página 1de 12

Linguagem Audiovisual

por Regis Alvim Junot

Observando a história do cinema, podemos ver como a conquista da linguagem cinematográfica, à qual o
vídeo está ligado, se confunde com a conquista da liberdade da câmera. Imóvel nos primeiros tempos, a
câmera se comportava como um espectador de teatro, sentado em sua poltrona, assistindo ao desenrolar
da ação de um mesmo ponto de vista e com um mesmo enquadramento. Foi só quando a câmera começou
a registrar a ação de mais de um ponto de vista, que o cinema deu os primeiros passos na conquista de sua
linguagem.

Utilizando efeitos de composição e iluminação, aproximando ou acompanhando a ação, um objeto, uma


personagem, deixando algo fora de quadro, revelando ou omitindo informações, a câmera vai construindo a
trama dos acontecimentos, encontrando significados onde antes só parecia existir o acaso. É nesse contexto
que sua utilização deixa de ter uma função puramente seletiva e se transforma em um importante recurso
de linguagem audiovisual.

Corte
O corte, fundamento da edição, é o que há de mais característico da linguagem audiovisual. É ele que nos
permite trabalhar as possibilidades da edição como rearticuladora da narrativa. A edição determina a
natureza de espaço diegético e o diferencia do espaço como o conhecemos no mundo real. O espaço e as
coisas que ele contém se apresentam a nós, no mundo real, como uma continuidade ilimitada. Isolamos
diferentes partes do espaço em um esforço de atenção, mas as partes adjacentes estão perfeitamente
presentes.

Nosso campo total de visão é, naturalmente, limitado e muda quando andamos de carro ou dobramos a
esquina, ou entramos em outra sala. Mas a mudança é continua, sua natureza é previsível tanto no que se
refere ao que aparece como ao que desaparece. Sabemos que espaço e objeto existem no mundo real,
existem mesmo antes de vê-los, e que continuam a existir quando os perdemos de vista.

Muitas vezes temos a tendência a registrar toda a cena em uma única tomada (plano-seqüência), ignorando
as possibilidades do corte como elemento narrativo. Na maior parte das vezes o registro contínuo de uma
cena pode se tornar cansativo e pouco eficiente, enquanto o corte da cena pode ser um recurso que nos dá
agilidade e economia.

1
Ponto de Vista
Podemos considerar o ponto de vista de três formas: 1) o ponto a partir do qual uma cena é observada; 2)
uma maneira própria de considerar alguma questão; 3) uma forma particular de expor algo. Em todas as
três formas podemos encontrar a mesma idéia. O ponto de vista é sempre a visão de alguém em relação a
alguma coisa. Daí sua importância. Quando escolhemos o ponto de vista a partir do qual vamos gravar o
plano, na verdade estamos definindo não só o que será visto pelo espectador, mas também a nossa
interpretação do que é mostrado. Para esclarecer melhor essa questão vejamos o que diz Rudolf Arnhein,
no seu livro “O Filme Como Arte”:

“Considere a realidade visível de um objeto definido como um cubo. Se este cubo for colocado sobre uma
mesa diante de mim, compreender corretamente a sua forma depende da sua posição. Se, por exemplo, ao
ver apenas os quatro lados de um quadrado, não podemos perceber que se trata de um cubo, vemos apenas
uma superfície quadrada. Os olhos humanos e a lente fotográfica atuam de uma posição particular, a partir
da qual só podem abranger apenas partes do campo visual que não são ocultadas por nenhum objeto
interposto. ”

”Na posição em que se encontra o cubo, cinco faces estão ocultas pela sexta e por isso
apenas esta é visível. Mas como esta face poderia também esconder qualquer coisa
completamente diferente - poderia ser, por exemplo, a base de uma pirâmide, ou um
dos lados de uma folha de papel. Estabelecemos assim um primeiro princípio
importante: se quero fotografar um cubo, não basta colocar no campo de visão da
câmera. Trata-se acima de tudo, da posição relativa ao objeto ou do ponto em que este
estiver colocado. A posição escolhida inicialmente não ajuda a compreender a forma do cubo. ”

“Uma posição em que se revelem três das faces do cubo bastará para mostrar,
sem possibilidades de engano, de que objeto se trata. O nosso campo visual está
cheio de objetos sólidos, mas os nossos olhos (assim como a câmera) vêem este
campo somente em um determinado momento. Os olhos podem perceber os raios
luminosos refletidos pelo objeto e projetados em seguida sobre uma superfície
plana, a nossa retina. ”

A escolha do ponto de vista não é apenas uma questão estética ou para dar uma boa visibilidade à cena. Às
vezes isso é o que menos importa. O melhor ponto de vista não se resume as melhores condições de
visibilidade, mas a escolha da melhor maneira de se representar algo do ponto de vista do interesse
dramático.

Decupagem
A maior parte dos filmes ou vídeos está dividida em partes que convencionamos chamar de seqüências.
Cada seqüência está dividida em cenas. Uma cena é um trecho de uma seqüência que mantém uma
unidade espaço-temporal. Uma cena é constituída por um ou mais planos. Chamamos de plano a cada
segmento contínuo de imagem compreendido entre dois cortes. O plano é a unidade básica de uma
gravação. O termo "plano" também pode se referir ao tipo de enquadramento utilizado. Cenas e planos
podem ser filmados ou gravados repetidas vezes, ou seja, podem ter várias tomadas (takes).

Plano-seqüência é a captação de imagens em uma seqüência contínua, onde as cenas são filmadas ou
gravadas através de um plano único sem cortes. Este plano único pode conter variações de
enquadramentos, ângulos e movimentos de câmera.

2
Chama-se decupagem o processo de divisão da cena em planos, o que implica na escolha do
enquadramento, do ponto de vista ou ângulo de gravação e da utilização ou não de movimentos de câmera.
Podemos perceber que a decupagem é eminentemente um processo de escolha e seleção em que
criatividade, experiência e estilo serão determinantes na qualidade da gravação.

Quando efetuamos a decupagem de uma cena estamos na verdade fragmentando-a, selecionando as partes
mais interessantes da ação e a melhor forma de gravá-la e isso pode ser feito de infinitas formas. Um estilo
de decupagem que se tornou muito conhecido é a decupagem clássica, que consiste em uma série de
procedimentos que tornam imperceptíveis a fragmentação da cena evitando que a atenção do espectador
seja perturbada pelos cortes sucessivos. Esse tipo de decupagem esconde a interferência do realizador
dando-nos a impressão de um registro fiel da realidade. Seu principal recurso são as regras de continuidade,
que veremos mais adiante.

Enquadramento
O enquadramento no vídeo é um retângulo fixo de proporções definidas (4 por 3 no padrão SDTV ou 16 por
9 no padrão HDTV). Assim, toda vez que apontamos a câmera para um determinado local e observamos
através do visor, vemos apenas uma parte do espaço delimitada por quatro bordas, como uma moldura. É
essa possibilidade de enquadrar apenas o que nos interessa que nos permite trabalhar cada imagem da
maneira mais conveniente à narrativa.

Para isso, podemos definir não só o que é visto, mas como é visto. A câmera pode se posicionar em
qualquer parte do espaço, nos dando sempre o ponto de vista que o diretor achou mais interessante. Além
disso, o enquadramento forma a base para a composição dos planos, servindo como referência para a
disposição e organização dos elementos dentro do quadro.

Escala dos Planos


A utilização mais frequente de determinados enquadramentos levou à classificação de alguns planos
visuais. Essa classificação diz respeito à porção do objeto, personagem ou cenário captados pela câmera.
Vale a pena lembrar que existem diversas possibilidades de divisão dos planos. O mais importante é que
fique estabelecida uma nomenclatura padronizada durante a realização de um trabalho, para que a equipe
possa se entender.

Plano Geral (PG) - Enquadra uma grande parte do cenário, não definindo
nenhum traço particular dos elementos dentro do quadro. É um plano mais
descritivo onde as personagens não têm grande importância individual. A
“personagem” principal é o próprio cenário.

Plano de Conjunto (PC) - Enquadra a área onde geralmente se desenvolvem


as ações, ou seja, os elementos cênicos já estão mais definidos. Pode-se
fazer um plano de conjunto da entrada de um prédio ou uma casa, uma
árvore ou um quarto, etc., onde os elementos humanos podem estar
presentes (de corpo inteiro) ou não.

3
Plano Americano (PA) - A partir daqui os planos serão sempre definidos em
função da presença humana e do espaço que este ocupa no quadro. O plano
americano corta a figura humana na altura dos joelhos. É um plano onde a
ação prevalece sobre o cenário. Pode servir para enquadrar mais de uma
pessoa. Muito usado nos duelos de filmes de faroeste.

Plano Médio (PM) - É o plano em que a pessoa aparece cortada da cintura


para cima. O cenário já não tem tanta importância tendo um valor apenas
indicativo. Muito usado para a gravação de diálogos. Nesse plano também
se pode enquadrar mais de uma pessoa.

Plano Próximo ou Primeiro Plano (PP) - Corta a pessoa na altura do tórax. O


cenário quase não aparece e a expressão facial começa a ter um peso
determinante.

Close - Corta a pessoa na altura dos ombros. Tem intensidade dramática e


psicológica, pois coloca a expressão humana como centro de interesse.

Super-Close ou Big-Close - Nesse plano o rosto ocupa todo o quadro,


cortando o queixo e a parte de cima da cabeça. Tem grande intensidade
dramática e psicológica, pois coloca a expressão humana como centro de
interesse.

Plano de Detalhe (PD) - O plano de detalhe não tem um limite definido


podendo enquadrar partes de uma pessoa (olhos, boca, mãos), um objeto
ou partes de um objeto. Muito usado como insert dentro de uma cena,
quando se quer chamar a atenção para um ponto específico.

4
Ângulos
Além da divisão em planos, a câmera também pode ser definida quanto a sua inclinação em relação ao que
está sendo captado. Essa inclinação pode ser tanto vertical quanto horizontal, dando origem a quatro
angulações.

Ângulo Plano - É o ângulo mais utilizado, onde a câmera é posicionada em


uma altura que corresponde ao ponto de vista dos nossos olhos e é apontada
horizontalmente para o objeto, personagem ou cenário. Não é necessário
descrever este ângulo na decupagem de um roteiro técnico.

Ângulo Alto ou Plongée - Enquadra a pessoa ou


objeto de cima para baixo provocando um
achatamento da imagem, o que leva a uma
sensação de diminuição e inferioridade. É muito
usada para dar a idéia de que alguém está
"olhando de cima" em posição de superioridade.

Ângulo Baixo ou Contra-Plongée - Enquadra a


pessoa ou objeto de baixo para cima, provocando
uma sensação de "aumento" da imagem. É muito
usada quando se quer dar a idéia de que alguém
está "olhando de baixo" em posição de
inferioridade.

Ângulo Diagonal ou Inclinado - O enquadramento diagonal gera um


desequilíbrio nas linhas de composição provocando uma tensão interna na
imagem. É muito usado para revelar estados de desequilíbrio ou como
recurso de estética e linguagem audiovisual.

5
Movimentos de Câmera
Como já vimos em relação ao enquadramento, a escolha do que é visto e de como é visto é um dos principais
recursos narrativos da linguagem audiovisual. Além da utilização de diferentes planos, a câmera também
dispõe do recurso de mover-se em relação à sua base e ao eixo da ação. É importante lembrar que os
movimentos, assim como os enquadramentos, devem ser usados seguindo uma lógica interna da narrativa.

Panorâmica (Pan) - A panorâmica é o movimento da câmera em tomo do seu próprio


eixo. Esse movimento geralmente é executado com a câmera no tripé ou no ombro
do cinegrafista. Pode ser horizontal ou vertical (Tilt). A panorâmica é usada
normalmente para descrever o espaço, acompanhar uma pessoa, um objeto ou para
estabelecer relações entre dois ou mais elementos da cena. Um tipo especial de Pan
é o Chicote, realizado através de um movimento muito rápido da câmera.

Travelling - É o deslocamento da câmera fora do seu eixo, da direita para a esquerda


ou vice-versa. O travelling também pode ser de aproximação (Travelling adiante ou
Dolly-In) ou afastamento (Travelling Ré ou Dolly-Out). Para se fazer um travelling o
ideal é que a base da câmera esteja bem apoiada sob um carrinho ou se utilize o
Steadycam para obter-se uma imagem mais estável e contínua. É possível fazer o
movimento com a câmera na mão e com um pouco de prática pode se chegar a
resultados bastante aceitáveis.

Travelling Vertical ou Movimento de Grua - É o movimento vertical da câmera fora do seu eixo, onde esta se
move de cima para baixo, de baixo para cima ou diagonalmente nestes dois sentidos. Geralmente realizado
através de uma grua (mini-guindaste) com a câmera fixada na sua extremidade.

Zoom - Mais que um movimento de câmera, o zoom é um efeito ótico característico de um tipo especial de
lente objetiva que permite a variação da distância focal. Através do zoom podemos aproximar (Zoom-In) ou
afastar (Zoom-Out) um objeto ou uma personagem sem alterar a posição da câmera. É um efeito de fácil
execução, mas seu uso exagerado pode se tornar cansativo para o espectador e comprometer a qualidade do
trabalho. Um tipo especial de Zoom é o Flash Zoom, realizado através de um movimento muito rápido da
lente.

6
Câmera Objetiva e Subjetiva
A câmera objetiva é o ponto de vista de um observador que não participa da cena. A câmera subjetiva é o
ponto de vista de um observador que participa da cena (por exemplo, a visão do assassino observando sua
vítima potencial).

Composição
É a organização dos elementos no quadro de forma a conseguir uma melhor eficiência na comunicação. Esse
arranjo é feito tanto pela colocação da câmera em relação à cena como pela interferência direta na
disposição dos elementos no quadro. Uma boa composição se baseia em alguns princípios perceptivos
comuns aos seres humanos. Quando nos colocamos frente a uma imagem, seja vídeo, cinema, fotografia ou
pintura, alguns parâmetros de leitura entram em ação interferindo em nossa percepção. Esse fenômeno foi
estudado por varias correntes ligadas à psicologia da recepção que mapearam, através de experiências, uma
série de tendências perceptivas.

Nem sempre a composição é feita de forma racional e controlada, entrando aqui a intuição e a sensibilidade
artística do diretor de fotografia. Os pintores e fotógrafos nos dão mostras de belas composições
conseguidas, muitas vezes, de forma inconsciente, mas nem por isso menos eficazes.

De qualquer forma, um bom "fazedor de imagens" tem que ter um senso de composição muito apurado e
mesmo as pessoas que já o tem, de forma intuitiva, podem aprimorá-lo, através da observação de alguns
princípios. Qualquer escolha ao nível do recorte que a câmera faz na cena interfere diretamente no
significado da imagem. Não são regras científicas, mas sim alguns parâmetros que facilitam nosso trabalho.

Uma boa composição pode ser muito simples, mas nada impede que tenhamos liberdade para criar imagens
mais elaboradas ou até "esquisitas", que nem por isso deixam de ter um impacto muito forte sobre o
espectador. Tudo depende do tipo de trabalho que estamos fazendo e do tempo disponível para a
elaboração dos quadros. Dependendo do grau de complexidade, uma boa composição pode levar muito
tempo para ser feita.

Moldura
A moldura é o que delimita o espaço da imagem, definindo seus limites e seu formato. A composição de uma
imagem se dá a partir do arranjo dos elementos do quadro entre si e em relação à moldura. Não falamos
aqui da moldura enquanto objeto, como geralmente vemos nas pinturas, mas como delineadora do espaço
perceptivo. A moldura do vídeo é definida pelos limites da tela formando uma superfície bidimensional com
proporções de 4 por 3 ou 16 por 9. Essa superfície é o nosso espaço de composição.

Como moldura de canto de tela podemos utilizar algumas partes do corpo humano (lado traseiro de cabeça,
pescoço e ombro), elementos da natureza (árvore grande) ou elementos arquitetônicos urbanos (pilastras e
lajes de edifícios, pontes e monumentos) entre outros. No entanto, estes elementos se caracterizam como
recursos estéticos, que não precisam estar definidos na decupagem de um roteiro técnico, mas sim no
Shootingboard, ficando a critério do diretor utilizá-los ou não.

7
Linhas
Em uma imagem, as linhas podem tanto ser reais (presentes no cenário) como imaginárias (formadas por
agrupamentos de objetos ou coisas). Elas interferem na forma como lemos a imagem, direcionando nosso
olhar ou introduzindo pausas nessa leitura.

As linhas em perspectiva dirigem nosso olhar para o fundo ou para um objeto se ele estiver no seu caminho.
Dependendo de sua direção, podem nos levar para fora do quadro, chamando atenção para o espaço fora da
tela.

As linhas verticais dão uma sensação de altura e formalidade ao mesmo tempo em que introduzem uma
pausa na leitura que tende a ser feita da esquerda para a direita e se detém em obstáculos verticais. As
linhas horizontais dão uma sensação de calma e repouso seguindo o fluxo do nosso olhar.

As linhas diagonais introduzem tensão no quadro tomando a composição mais excitante e dinâmica. As
linhas curvas estão associadas a beleza, elegância, movimento, ritmo visual, embora também possam ser
mais fracas. De uma forma geral, as linhas estão muito ligadas com o ritmo interno da imagem.

Regra dos Terços


A regra dos terços é uma antiga teoria sobre composição, que indica uma forma simples e eficaz de compor
uma imagem. A idéia é dividir o quadro em nove partes iguais através do traçado imaginário do cruzamento
de duas linhas horizontais com duas verticais. Dessa forma obtemos quatro pontos fortes de composição
formados pelo cruzamento dessas linhas. A regra diz que esses pontos são os mais indicados para a
colocação dos elementos da cena. Muitas imagens interessantes fogem a esse padrão, mas na hora de uma
gravação onde dispomos de pouco tempo para inovar na composição, esse procedimento pode ser muito
útil.

X √
Equilíbrio
Um ponto importante a ser lembrado é o peso do espaço vazio na frente de um elemento virado para este
espaço vazio. Se o rosto de uma pessoa está relativamente de perfil nossa tendência normal é dar um peso
maior ao espaço à sua frente. Dessa forma, se centralizarmos o rosto no quadro, a imagem ficará
desequilibrada, pois o peso do rosto será somado com o do espaço à frente, puxando o peso todo para um
lado. Esse fenômeno ocorre não só com pessoas, mas com objetos que dêem uma idéia de estarem virados
para algum lado. Para evitar isso devemos sempre deixar um espaço maior à frente do elemento e menor na
sua parte traseira.

X √ X √

8
Continuidade Direcional
É quase inevitável, na grande maioria dos trabalhos, que durante a gravação a cena seja fragmentada em
planos de acordo com a decupagem prevista no roteiro ou imaginada pelo diretor. Essa estruturação em
planos se dá tanto por questões de ritmo interno de uma seqüência como por questões narrativas. Por
exemplo, após mostrar um plano geral, suponha que haja a necessidade de chamar a atenção para algum
aspecto particular da cena através de um plano de detalhe. O que chamamos de continuidade é uma espécie
de concordância entre dois ou mais planos.

Salvo algumas exceções, os planos sucessivos de uma cena devem ser estruturados de forma que a transição
entre eles tenha certa fluidez, que permita ao expectador decodificar a "solução de continuidade" dos
encadeamentos da narrativa. É como na nossa língua escrita e falada, em que as palavras devem concordar
entre si. Na frase “Ontem vou à praia” de imediato ocorre um estranhamento. Há um erro de concordância
entre o advérbio "ontem" e o tempo do verbo "ir" no futuro. Algo parecido acontece quando dois planos
estão fora de continuidade.

Por exemplo: uma personagem está atravessando a sala do apartamento; a câmera está fixa, o ator
atravessa o quadro da esquerda para a direita em plano de conjunto; posteriormente, o diretor muda a
posição da câmera para o lado oposto da sala, para pegar a continuação do movimento de um outro ponto
de vista, em plano médio. O ator repete a ação atravessando novamente a sala, mas a câmera, que estava a
sua direita na tomada anterior, na tomada posterior está à sua esquerda.

Erro de continuidade direcional

Resultado: em um plano o ator atravessa a sala da esquerda para a direita. No outro ela parecerá estar
voltando, pois seu movimento será da direita para a esquerda. Nesse caso, dizemos que ouve um erro de
continuidade direcional. A prática, tanto da gravação como da edição, levou os profissionais a mapearem
algumas situações mais críticas e a definirem algumas orientações básicas para evitar problemas de
continuidade direcional. A maior parte delas tem que ser observada já no momento da gravação. Por isso,
um bom cinegrafista deve estar atento a essas orientações.

Continuidade direcional correta

A continuidade direcional é um princípio segundo o qual a direção de um movimento deve ser mantida por
todo o trajeto no espaço diegético. Assim, se uma pessoa ou outro elemento qualquer realizar um
deslocamento da esquerda para a direita, esse sentido deve ser mantido nos planos posteriores da ação. Isso
evita que o espectador fique desorientado e sem referências que lhe situem em relação à cena. Para
mantermos esse tipo de continuidade devemos seguir o princípio do "eixo da ação".

9
Eixo da Ação e Posicionamento da Câmera
Gravar os planos mantendo o eixo da ação implica em definirmos qual a trajetória do deslocamento daquilo
que se move e dividirmos o espaço em duas partes, uma a direita e outra a esquerda desse eixo. A seguir,
escolhemos o lado que nos convier e gravaremos todos os planos sempre do mesmo lado. Isso evita que a
continuidade direcional seja quebrada.

Regra dos 180 Graus


Toda vez que estivermos gravando um diálogo entre duas pessoas frente a frente, devemos traçar uma linha
imaginária entre elas. Essa linha divide o espaço em duas partes de 180 graus. A princípio, todas as tomadas
devem ser executadas apenas em um dos lados. Isso facilita a orientação espacial do espectador, pois
mantém sempre cada pessoa em um mesmo lado da tela.

10
Plano e Contra-Plano
Quando gravamos uma cena em que duas pessoas estão se relacionando, podemos enquadrar ambas,
sendo uma quase de frente e a outra quase de costas. Mas, pode ser difícil para o espectador se orientar
em relação à disposição das pessoas no espaço. Para minimizar esse problema, devemos mostrar um plano
geral, um plano de conjunto ou um plano médio, de vez em quando, mostrando as duas pessoas.

É necessário ter um cuidado especial com a troca de olhares entre as personagens. A troca de olhares pode
ser um aliado poderoso na orientação do expectador, desde que ela mantenha uma relação coerente com
a disposição das pessoas em cena.

Continuidade Espaço-Temporal
A continuidade temporal ocorre quando conseguimos manter uma relação coerente entre o tempo real e o
tempo diegético. A maior parte dos filmes trabalha com narrativas elípticas, ou seja, há saltos espaço-
temporais. Por exemplo, podemos mostrar uma seqüência externa da casa e realizar um corte direto para a
interna da casa, fazendo um salto no espaço e no tempo.

Externa da casa Interna da casa

11
No entanto, algumas seqüências internas mantêm uma linearidade temporal que deve ser respeitada na
passagem de um plano para outro. A descontinuidade nos movimentos é um dos principais fatores de
quebra da continuidade temporal. Por exemplo, numa seqüência dentro da casa, ao passar de um cômodo
para outro, não é conveniente usar elipses espaço-temporais.

Entrada Limpa e Saída Limpa


Nas tomadas de cena onde a câmera está imóvel, captando a imagem de um cenário vazio e o objeto entra
no quadro, temos uma Entrada Limpa. Nas cenas onde o objeto sai do quadro e a câmera permanece
imóvel captando o cenário vazio, temos uma Saída Limpa. Também podemos realizar Entrada Limpa e Saída
Limpa através de movimentos de câmera (Pan, Travelling, Zoom), onde o objeto permanece imóvel.

Mudança de Foco
Nas tomadas de cena onde vários objetos estão posicionados a diferentes distâncias da câmera, é possível
realizar uma mudança de foco de um objeto que está em 1o plano (mais perto) para outro em 2o plano
(mais longe) e vice-versa, através do movimento do anel de foco da câmera. Neste caso, também é
necessário utilizar a íris (diafragma) para ter domínio sobre a profundidade de campo focal.

Utilizando a íris mais aberta, a profundidade de campo diminui. Assim, podemos chamar a atenção do
expectador para objetos em foco (nítidos), deixando outros objetos fora de foco (embaçados). A partir daí,
podemos realizar a mudança de foco de um objeto para outro.

Campo focal menor facilita mudança de foco

Utilizando a íris mais fechada, a profundidade de campo aumenta. Assim, praticamente todos os objetos
ficam em foco, dificultando uma mudança de foco e deixando ao expectador a tarefa de escolher onde
concentrar sua atenção.

Campo focal maior dificulta mudança de foco

12

Você também pode gostar