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GLOSSÁRIO DO CURSO

Por Prof. Ismail Xavier

Glossário de termos usados na descrição


de operações técnicas e algumas opções
de estilo na realização cinematográfica.

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1. Etapas da Segmentação de um filme: tomando a composição
de um filme, costuma-se chamar de sequência cada uma de
suas partes formada por um conjunto de cenas que formam
uma unidade identificável por uma função dentro do conjunto.

O número de sequências é variável conforme a estrutura geral


de um filme, certos aspectos ligados à sua narrativa e sua dra-
maturgia. Em termos bem gerais, observando uma narrativa,
podemos dividi-la em três grandes segmentos:

Abertura, Desenvolvimento e Desenlace.

Desses três segmentos básicos, o segundo é quase sempre o


mais longo, pois aí ocorrem os desdobramentos de relações,
projetos e tensões vividos pelas personagens principais apre-
sentadas na abertura. Estas relações, e o que nelas se tenciona
ao longo da trama, vão sendo trabalhadas até que se configure
o seu ponto limiar que demanda uma resolução, o que define
a passagem para o desenlace, momento em que se consolida
a opção do filme pelo tipo de resposta, ou de não resposta, que
dar às interrogações do espectador.

Esta divisão tripartite é mais bem ajustada quando estamos


diante de um filme de estilo clássico, mas compõe uma refe-
rência que ajuda na análise, mesmo quando no caminho en-
contremos razões para descartar este esquema, o que já é um
dado relevante no encaminhamento de nossa caracterização
da forma do filme e, em consequência, seu tema e ponto de
vista.

2. Sequência: Em geral, a divisão em sequências e a prática de


nomeá-las assumem como referência unidades maiores do que
a cena e menores do que os três segmentos apresentados acima,
notadamente quando comparadas com Desenvolvimento.
Este se divide em unidades menores – as sequências - que
trazem aspectos que permitem a sua observação como uma
unidade na composição da trama. Na prática, elas são bastante
operacionais como unidades de referência que englobam várias
cenas de algum modo conectadas. Na linguagem corrente,
quando falamos de um filme, usamos o termo sequência de
forma bem flexível, uma maneira de citar passagens de um

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filme que ultrapassam os limites da cena. Esta, por seu lado,
tem uma definição bem mais precisa.

3. Cena: todo segmento de um filme que apresenta unidade de


espaço e continuidade de tempo. Este termo o cinema em-
prestou do teatro, onde ele é usado exatamente como a unida-
de menor dentro da progressão de uma peça dramática.

Observação: a cena pode se apresentar em todo o seu trans-


correr de uma só vez ou em partes, situação na qual é interrom-
pida para depois ser retomada; neste caso, quando voltarmos a
ela está suposto que se passou aí um hiato de tempo enquanto
estávamos acompanhando uma outra cena do filme. E há si-
tuações em que uma cena serve de referência como ponto de
partida de um recuo no tempo para apresentar algo do passa-
do; depois deste recuo, pode-se voltar a ela ou não.

4. Decupagem: é a operação de dividir uma cena em planos, com-


pletando a segmentação do filme em suas partes; primeiro foi
a divisão em sequências, depois a divisão destas em cenas, e
na decupagem definem-se os planos. Com a divisão das cenas
em planos, temos a definição das unidades que compõem um
filme de começo a fim. Quando pensamos nas providências
necessárias para que se inicie a etapa de filmagem, esta divi-
são do filme inteiro em planos é um momento importante da
produção de um filme quando, antes da etapa de filmagem, é
elaborado o roteiro.

5. Roteiro: peça escrita que define como serão compostas as ce-


nas que fazem parte da narrativa dramática, definindo os pla-
nos que vão definir a composição das cenas. No momento em
que a escrita dos roteiros atingiu sua versão mais detalhada no
sistema industrial de produção dos grandes estúdios, ou seja,
no período entre os anos 1930 e os anos 1960, os roteiros eram
entendidos como um documento fundamental. Em primeiro
lugar, para a previsão rigorosa das operações técnicas a serem
realizadas em cada cena e em cada plano, sempre indicadas
em conexão com o teor da cena, ou seja, a ação dos atores e
os diálogos, a cenografia, o tipo de iluminação, a trilha sonora

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e outros detalhes; tudo para efeito de orientação aos diretores
e, em seguida, aos montadores do filme. Neste sistema de pro-
dução, os diretores via de regra não escolhiam o argumento do
filme; ou seja, a estória a ser dramatizada, a definição de suas
personagens, a descrição sucinta de aspectos temáticos envol-
vidos no drama ou comédia. As sequências eram numeradas e
em cada uma delas, as cenas eram numeradas, e finalmente,
dentro de cada cena, os planos eram numerados. Este tipo de
roteiro, no auge no chamado studio system das grandes pro-
dutoras, era também peça fundamental para a confecção do
orçamento da produção. Uma vez tudo planejado em detalhe,
era possível tal cálculo de custos que orientava uma política
orçamentária das empresas. Conforme o país, o momento da
história do cinema e o tipo de sistema produtivo dentro do qual
o filme estava inserido, o roteiro assumia uma forma diferente
e, num caso de produção chamada “independente”, de filmes
de mais baixo orçamento na esfera do “cinema de autor”, eram
muito variadas as formas do roteiro. Hoje, mesmo nos filmes
feitos no sistema de estúdio de grandes produtoras, o roteiro
também tem variado de formato, sendo bem mais informal,
não chegando à especificação “plano a plano”. Chega em cer-
tos casos a algo similar ao dos filmes independentes que são
muito informais e não especificam tudo, deixando para a fil-
magem as escolhas que vão definir a forma do filme. Este é um
modo do diretor ganhar um maior coeficiente de autoria, uma
situação presente hoje na indústria, conforme o tipo de produ-
ção e o gênero de filme.

6. Plano: corresponde a cada tomada de cena e é o segmento de


um filme entre dois cortes; um que dá início ao plano e o sepa-
ra do plano anterior, outro que o encerra, dando lugar para o
plano seguinte. Uma cena quase sempre se compõe de vários
planos que dão conta da interação entre as personagens e da
definição do espaço em que eles estão. Este caso mais comum
de decupagem não exclui a ocorrência do chamado plano-se-
quência.

7. Plano-sequência: quando há um plano bastante longo que


está no lugar de uma possível sucessão de planos e dá conta,
sem nenhum corte, de uma ação de personagens que se

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movimentam no espaço ou que, sem se movimentar, têm uma
longa conversa toda filmada em um único plano. O plano-
sequência adquiriu este nome, mas com frequência ele em
verdade corresponde a uma cena – não uma sequência - que
no estilo clássico seria filmada em vários planos. Isto liga o
plano-sequência ao chamado cinema moderno de autor que
emergiu no final dos anos 1950: notadamente a Nouvelle Vague
francesa e os Cinemas Novos - o brasileiro, o latino-americano,
o de alguns países da Europa, o africano e o asiático.

8. Nomenclatura dos planos: define as posições da câmera em


relação à cena que ela está registrando, especialmente a sua
distância face aos atores e atrizes. A imagem captada depende
não só da distância em relação à cena, mas também do tipo de
lente que está sendo usada na tomada de cena, pois confor-
me a lente haverá a produção de um efeito de maior ou menor
distância frente ao que está em foco. Em resumo, a nomencla-
tura tem como critério a dimensão do campo abarcado pela
imagem e os efeitos específicos gerados pelo tipo de lente que
está sendo usada. Há uma certa imprecisão nesta nomencla-
tura que oferece indicações aproximativas, e o seu uso durante
a filmagem está associado aos acertos e entendimentos entre
diretor(a) do filme, diretor(a) de fotografia e outro(a)s auxiliares
para a escolha da exata posição da câmera e da lente a ser usa-
da em cada tomada de cena.

8.1. Plano geral: a câmera focaliza um espaço amplo que pode


ser um cenário natural ou um espaço urbano visto de uma cer-
ta distância; estes são casos de planos feitos ao ar livre. Quan-
do se trata de espaços interiores, o plano geral oferece uma vi-
são de todo o cenário da ação, criando a referência para que o
espectador situe no conjunto os outros planos mais fechados
que vão acompanhar a ação. Conforme a composição geral da
cena, este plano que abarca um espaço mais amplo pode ser
dito grande plano geral, em situações nas quais ele põe em
foco amplas paisagens naturais ou urbanas.

8.2. Plano médio ou de conjunto: em relação ao plano geral,


este traz uma imagem mais próxima do conjunto de figuras
humanas e parcela de um cenário no qual está ocorrendo a
ação. Na decupagem de uma cena, esta nomenclatura é uma

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forma de assinalar a diferença entre o plano mais geral e este
outro que pode ocorrer logo antes ou depois, focalizando um
grupo de pessoas de corpo inteiro, estas podendo estar inseri-
das naquele espaço antes mostrado em plano geral.

8.3. Plano americano: a câmera focaliza uma ou mais pesso-


as da cintura para cima, ou dos joelhos para cima, cortando a
parte inferior do corpo. Tem este nome porque, bem no início
do século XX, quando filmes produzidos nos Estados Unidos, ao
serem vistos na Europa, traziam a novidade de não mostrar a
parte inferior do corpo, enquanto os filmes europeus ainda não
cortavam os pés ou a perna de pessoas postas em foco.

8.4. Primeiro plano: a câmera, bem próxima da figura huma-


na, apresenta apenas o seu rosto ou outro detalhe do corpo;
vale também este nome para o plano bem próximo de objetos,
capaz de ressaltá-los. Há uma variante nesta aproximação ao
que está em foco que leva ao primeiríssimo plano, este que
isola uma parte rosto, olhos ou boca, ou um detalhe pouco visí-
vel de um objeto qualquer.

8.5. Câmera alta/câmera baixa: caso em que a câmera está


num plano mais alto ou mais baixo do que o cenário ou pessoa
que está em foco.

8.6. Profundidade de campo: numa determinada tomada


de cena, conforme o tipo de lente colocada na câmera, haverá
uma variação no tipo de imagem e efeito conseguido. O uso
de uma lente chamada “teleobjetiva” permite que se filme
uma pessoa ou objeto que está a grande distância da câmera
conseguindo a captação de detalhes. Por exemplo, o rosto de
uma atriz filmado num primeiro plano, apesar da distância que
a separa da câmera, ou outro detalhe que interesse ressaltar
mesmo mantendo a câmera distante e colocando-se tal deta-
lhe em foco (ou seja, sendo visto com nitidez). Esta operação
de colocar em foco algo distante usando a tele-objetiva tem
de ser bem precisa, pois esta lente possui pouca profundida-
de de campo, ou seja, ela perde a nitidez com um pequeno
afastamento ou aproximação do objeto ou pessoa que ela
está filmando. Ou seja, ela permite colocar em foco somente o
que está numa faixa muita estreita de distâncias em relação à
câmera. Já o uso de uma lente chamada “grande angular” tem

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efeito contrário, pois permite captar uma imagem bem focada
de um conjunto de objetos e/ou pessoas que estão a distâncias
bem diferentes face à câmera. Por exemplo, personagens que
se aproximam ou se afastam da câmera, permanecem em foco
por um intervalo significativo de sua caminhada. Ou seja, neste
caso temos maior profundidade de campo: o que se aproxima
ou se afasta da câmera permanece em foco durante parte mais
significativa de seu movimento. O campo visível com nitidez
aumenta, podendo-se mostrar toda uma ampla sala em que
determinada cena vai se desenvolvendo num único plano, sem
cortes, sendo a profundidade de campo um recurso impor-
tante quando o cineasta quer fazer uma longa cena que abarca
um amplo espaço captado por uma câmera que capta toda
a movimentação numa única tomada. Esta tomada a que se
dá o nome de plano-sequência, conforme visto neste glossá-
rio. Cabe concluir este item do glossário com uma referência ao
papel importante do cineasta Orson Welles no uso da profundi-
dade de campo em seus filmes realizados nos anos 1940-1950, a
começar por Cidadão Kane (1941). Ele foi um destacado mestre
no uso original da tomada de cena bem longa (esta chamada
de plano-sequência).

9. Movimentos de câmera: O plano pode ser fixo ou em movi-


mento, conforme o comportamento da câmera em relação ao
espaço que ela focaliza.

9.1 Panorâmica (pan, no jargão das equipes de cinema): é o


movimento de câmera no qual ela gira em torno de um eixo,
e sua base permanece fixa na mesma posição. A pan pode ser
horizontal, quando o eixo em torno do qual ela gira é vertical;
e pode ser vertical, quando gira em torno de um eixo horizontal.
Entre um e outro caso, ela pode ter distintas inclinações confor-
me a posição de sua base.

9.2. Travelling: é o movimento no qual a câmera se translada,


seja em linha reta ou compondo uma curva, sua base estando
acoplada ao “dolly”, uma plataforma móvel sobre trilhos. A dis-
posição dos trilhos define a direção do movimento. O travelling
é dito frontal quando a câmera avança ou recua para acompa-
nhar o movimento de uma personagem. Ele é lateral se o movi-
mento da câmera é paralelo à movimentação das personagens

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ou quando temos uma paisagem ou espaço urbano que se ob-
serva, por exemplo, da janela lateral de um veículo.

9.3. Combinação de movimentos: o movimento de câmera


muitas vezes resulta da combinação da pan com o travelling,
havendo uma enorme variedade de opções conforme a de-
manda da cena e a decisão do diretor do filme.

9.4. Câmera-na-mão: com a base da câmera apoiada no seu


ombro, o fotógrafo controla a sua direção com as mãos, deci-
dindo o que pôr em foco e como - de que distância e com que
ângulo. Ganha liberdade de movimentos, mas assumindo que
a estabilidade da imagem depende de sua habilidade diante
de eventuais irregularidades do solo ou de sua base de apoio.

Observação: a câmera-na-mão pode acontecer em filmes que


optam pelo estilo clássico, em geral associada a uma situação
cênica em que se quer ressaltar o efeito de instabilidade, rup-
tura de momento, um golpe rápido ou outro motivo forte que
justifique este efeito que, em outras situações, é indesejável
porque quebra “a impressão de realidade” que devemos ter
diante da ficção para tornar mais intenso nosso mergulho nela.
No caso do cinema moderno, a câmera-na-mão se fez de ime-
diato um traço de estilo em filmes da Nouvelle Vague francesa
e do Cinema Novo no Brasil (passagem dos 1950 para os anos
1960). Aqui, é outro o critério que conduz as decisões, sendo
desejável assumir a presença da câmera, e seu jogo, como um
sinal de que há outro critério a composição que favorece um
efeito mais nítido de interação entre câmera e atores, o que se
torna mais evidente para o espectador.

10. Princípio de transparência no estilo clássico: neste caso, so-


mos convidados a viver com intensidade os efeitos do trabalho
da câmera e, ao mesmo tempo, “naturalizar” a sua presença.
Tudo deve se passar como se o mundo ficcional estivesse sen-
do observado através de uma janela privilegiada cuja transpa-
rência a torna capaz de nos oferecer a melhor visão dos acon-
tecimentos e com a tonalidade desejada. Em outras palavras,
mergulhamos no mundo que desfila na tela de modo a nos
envolver com intensidade nos efeitos produzidos, deixando va-
ler a emoção e nossas projeções no imaginário e minimizando

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nossa atenção aos aparatos que os produzem. Este é o cha-
mado Princípio de Transparência do cinema clássico, às vezes
também referido de forma mais simples como “efeito janela”.
Em outros estilos presentes na história do cinema, notadamen-
te no cinema moderno, há lugar para emoção e mergulho no
mundo ficcional, mas há um deslocamento nas regras do jogo
em direção uma melhor consciência dos aparatos de produção.

11. Cinema de autor: forma de produção em que a figura do dire-


tor tem maior controle dos vários momentos da realização do
filme, desde o argumento e roteiro – que na maioria das vezes
são de autoria do próprio diretor ou em parceria com alguém
que, além da competência, seja figura que compartilhe seus
pontos de vista – até a direção da filmagem. Nesta fase, o dire-
tor-autor tem liberdade para fazer as alterações que julgar ne-
cessárias a partir dos problemas encontrados ou de uma nova
visão de seu projeto gerada pelas experiências partilhadas com
todos os que estão envolvidos na produção. Neste momento,
muitas coisas do projeto de origem podem ser alteradas, se
julgadas mais afinadas com sua concepção do projeto em an-
damento; as etapas seguintes também ficam sob seu controle
– montagem e outros aspectos criativos de finalização do filme
nos quais cada técnico responsável trabalha em total sintonia
com este diretor-autor. O fundamental neste modo de produ-
ção é a supremacia do diretor-autor em todas as fases, o que
supõe um diálogo positivo e criativo com todos os aspectos da
realização, sendo ideal que haja sintonia entre ele, o diretor de
fotografia, o responsável pelo som, o montador e os atores e
atrizes engajados no filme.

12. Trilha sonora: esta é constituída de três bandas: a da música,


a dos diálogos e a dos ruídos. As distintas formas de obter o
material que compõe a trilha sonora de um filme. Os diálogos
podem ser gravados em som direto – quando o som é grava-
do no mesmo momento da filmagem com equipamentos que
garantem o sincronismo entre gravador e câmera, imagem e
som – ou podem ser dublados em estúdio. Para a trilha de ruí-
dos, também há estas duas opções. A trilha musical é gravada
em separado. Estas três bandas são ajustadas em sua relação
com as imagens no momento da montagem do filme.

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13. Montagem: operação fundamental que estabelece com pre-
cisão a forma final de um filme. É o momento de várias esco-
lhas e ajustes a partir de todo material visual filmado, compos-
to pela banda de imagem, pela trilha musical e pela banda
de som, isto é, e de todo o material de som gravado. O ob-
jetivo é compor a sucessão dos planos na ordem que terão
na cópia final, o que implica na escolha da melhor dentre as
repetições havidas na filmagem e no ajuste de cada plano em
sua duração: conforme a natureza do conteúdo de cada plano
e sua relação com o plano anterior e o posterior, são necessá-
rios os ajustes de tempo, seja em função do ritmo desejado,
seja em função da continuidade de ação de uma cena ou de
outras relações ligadas à forma que se deseja imprimir na pro-
gressão da narrativa. Em conexão com o trabalho feito com as
imagens, há o conjunto de escolhas e ajustes a serem feitos
no exame do material sonoro gravado. E há toda uma série
de decisões sobre qual a melhor alternativa no tratamento da
trilha sonora a cada momento da montagem, notadamente
quando se tratar de compor a relação entre imagem e som
nos vários momentos do filme. Para cada variável da opera-
ção de montagem, é preciso seguir um critério que advém
de opções de estilo na forma de estabelecer as mais variadas
relações dentro do que o material filmado e o som gravado
permitem. O corte, portanto, determina a passagem de um
plano ao outro. No momento da filmagem, ele é o ponto de
interrupção da tomada que está sendo captada pela câmera,
notadamente quando o diretor diz “corta!” e o equipamento
para de gravar. Na montagem, esta operação é a interrupção
do plano para a entrada do seguinte feita com base nessa se-
leção (de melhores tomadas e de melhores trechos) na ilha de
edição - ou na moviola, no caso dos filmes, exemplo dos três
estudados neste curso, gravados e editados em película.

13.1 Montagem de uma cena no cinema clássico. Aqui, trata-


-se de encadear os planos, obedecendo rigorosamente as re-
gras de continuidade nas ações, na composição do espaço da
cena e no fluir do tempo dos gestos, falas e direção de olhares
das personagens. As alterações na posição da câmera na pas-
sagem de um plano para outro são realizadas com estes cuida-
dos. Há outras opções que dependem de uma escolha que é
do autor ou da autora do filme em diálogo com seu montador
ou montadora.

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13.2 Montagem de uma cena no cinema moderno. Há opções
que se afirmaram a partir do cinema moderno, quando não
se opta pela continuidade, mas sim por uma descontinuidade
assumida como estilo. Um caso é o da chamada “falsa conti-
nuidade” (faux-raccord, em francês; jump cut, em inglês), que
corresponde a uma descontinuidade causada pelo corte em
que há um pequeno salto no fluir da ação de uma personagem,
algo rápido e que se insere no clima da cena ou na tonalidade
dada pela forma de interpretação do ator ou atriz – forma que
pode ou não se associar a uma coreografia - de modo a criar
um efeito que se combina com outros aspectos da ação em
pauta na tela. O jump-cut é um traço de estilo associado ao
cinema moderno, quando ele se notabilizou nos filmes de ci-
neastas como Jean-Luc -Godard no início dos anos 1960, e tam-
bém no Cinema Novo brasileiro a partir de 1962. Um aspecto do
jump cut é sua evocação do estilo próprio ao documentário e
à reportagem, quando o operador da câmera assume decisões
rápidas para registrar ao vivo os acontecimentos. A partir dos
anos 1960 notabilizou-se como uma figura de estilo legítima
no cinema de ficção quase sempre acoplada à câmera na mão.

13.3. Montagem com elipse de tempo ao longo de uma ação:


neste caso, há um salto no tempo dentro do mesmo curso de
ação, quando uma personagem se move de um ponto a outro
da cidade, ou de uma rua, ou mesmo num espaço fechado, e o
corte abrevia o seu movimento apenas mostrando determina-
dos momentos deste deslocamento que fica bem claro para o
espectador. Garante-se o efeito de continuidade natural desta
ação.

13.4. Montagem com elipse de tempo ligando planos que


focalizam o mesmo espaço: de formas variadas, elipses são
frequentes na passagem de uma cena para outra que traz um
curso de ação distinto. O tempo de duração do filme é bem
menor do que o da narrativa que nos traz um segmento da
vida de personagens numa determinada geografia e época.
São raríssimas as exceções. As elipses numa narração são in-
dispensáveis não apenas em função deste aspecto rudimentar,
mas porque são um aspecto central na composição do ritmo,
da tonalidade dramática e da própria natureza das situações
representadas na tela. No caso de haver um salto no tempo
dentro do mesmo espaço, em alguns casos há o uso da fusão

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para encadear os dois planos que vão definir a elipse de tempo.

13.5. Fusão: efeito gerado pela superposição de duas imagens


do mesmo ambiente; aquela que pertence ao plano anterior
vai se apagando lentamente enquanto a imagem do plano
seguinte vai surgindo na mesma velocidade, o que torna este
salto mais suave. Fica sugerida uma elipse mais facilmente
assimilada de imediato pelo espectador. Claro que o mesmo
procedimento pode aocorrer na passagem de um espaço para
outro, envolvendo ou não outras personagens, situação na qual
a fusão pode anunciar saltos de variada magnitude no tempo
e na distância.

13.6. Montagem com elipse de tempo ligando planos que fo-


calizam espaços distintos: este tipo de elipse é a mais comum
e não há estranheza neste corte que nos leva para outro espaço
e outro tempo, podendo este salto ser de minutos, horas, dias,
meses ou anos. Este salto no tempo é, nesstes casos, assimilado
sem problemas. É um dado da rotina do espectador: ele não
perde o senso de uma continuidade da narrativa que elidiu as
ações deste intervalo de tempo que não era importante ence-
nar. Igualmente não há perda de continuidade quando a elipse
ou porque é estratégia do filme para adiar a revelação do que
houve para depois, num momento propício, só aí revelando
uma verdade que foi omitida porque isto fazia parte do efeito
desejado. Todos estamos acostumados com esta rotina no caso
do jogo de suspense e revelação final.

13.7. Escurecimento: trata-se de uma outra forma de indicar


uma elipse de tempo na passagem de uma cena para outra.
Neste caso, o último plano da sequência presente na tela se es-
curece gradualmente até termos a tela preta por alguns ins-
tantes e, em seguida, aparece o primeiro plano da sequência
seguinte situada algum tempo depois - aqui o salto no tempo
pode ser tão longo quanto a progressão da narrativa definir.

13.8. Montagem paralela: aqui temos um corte que liga duas


ações que são simultâneas e se passam em ambientes distin-
tos envolvendo personagens distintas. Esta simultaneidade é
afirmada pela repetição dos planos de um e de outro ambien-
te, de forma alternada. Este vai e vem produz o efeito de que as
ações estão ocorrendo ao mesmo tempo em espaços distintos.

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13.9. Montagem alternada: esta é semelhante à paralela no vai
e vem que alterna os planos, mas tem um dado particular que
é o fato de as duas ações que se alternam na tela terem uma
conexão forte e caminham para uma convergência que pode
ocorrer ou ser evitada, como no caso clássico de perseguições
em que o suspense é gerado pela alternância entre as imagens
do perseguidor e do perseguido. Outro exemplo: alguém es-
pera uma pessoa com quem marcou um encontro importan-
te num café; a montagem alterna planos da figura que espera
aflita com os planos do atrasado que se dirige ao café, até que
se dê o encontro ou até que o sujeito que espera desista e se
retire contrariado.

13.10. Flashback: aqui a montagem promove um recuo no


tempo e nos leva ao passado em relação ao momento em que
se está no plano de partida. Esta ida ao passado é o procedi-
mento a que se dá o nome de flashback. Ele pode ser intro-
duzido de várias formas. Às vezes vem sem aviso, mas algo na
cena indica que se trata de um tempo passado em relação à
cena que estávamos acompanhando; às vezes, é motivado por
uma recordação de uma das personagens que está em cena;
às vezes, por um anúncio escrito numa tela escura com letreiro
informativo. Tudo depende do contexto do filme e da situação
encenada logo antes deste salto ao passado. O flashback é oca-
sião de outro tipo de montagem alternada quando há o vai e
vem entre o tempo presente e o passado, por exemplo quando
alguém narra um fato passado numa conversa e temos a alter-
nância entre as imagens do passado e o espaço da conversa
onde vemos o que fala, os que ouvem e suas reações, atestando
o nítido efeito dramático desta narração.

13.11. Campo/contra-campo: forma de alternar planos opostos


que apresentam um diálogo entre duas personagens: ora ve-
mos A do ponto de vista de B, ora vemos B do ponto de vista
de A. Este efeito de que os dois interlocutores estão cada qual
olhando diretamente para o outro é produzido pela obediência
a uma regra: ao saltar de uma posição para a outra, a câmera
não deve interceptar o eixo que une os olhares das persona-
gens; caso contrário, não será produzido o efeito de que estão
se olhando.

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Posições corretas: A B

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13.12. Outro uso frequente do campo/contra-campo se dá


quando uma personagem olha numa direção para fora do
campo visível e, neste momento, um corte introduz um pla-
no que exibe na tela o que ele está vendo. Enfim, temos um
plano produzido do seu ponto de vista espacial. Este plano
é resultante do uso da câmera subjetiva. Esta identificação
do ponto de vista da câmera com o da personagem não se
estende automaticamente para outros aspectos associados à
noção de “ponto de vista”. Podemos partilhar com uma perso-
nagem o seu ponto de vista ótico sem partilhar o seu ponto de
vista no plano dos valores e das ideias. Observo este aspecto
da questão porque são frequentes os casos em que a posi-
ção da câmera produz a identidade de ponto de vista ótico
com a personagem num momento em que o efeito desejado
é caracterizar um aspecto negativo desta personagem que se
expressa no seu olhar.

13.13. Relação entre imagem e som: na montagem, os diálo-


gos devem estar em rigoroso sincronismo de imagem e som,
o mesmo devendo acontecer com cenas nas quais temos al-
guém que fala para uma plateia, com os ruídos gerados por
ações e objetos de cena, havendo também o som ambiente e
a massa sonora das ruas em momentos de ação nos exteriores,
incluída a eventual presença de sons musicais em que a fonte
pertence ao espaço da cena. No caso da trilha sonora escolhida
como “música de fundo”, temos uma presença sobreposta à
imagem, pois esta música não tem origem no espaço da cena
em que se movem as personagens. Ela cumpre a sua função
prevista pelos realizadores do filme como um usual compo-
nente que intervém em momentos específicos e, na monta-
gem, tem sua própria faixa de modulação entre o silêncio e as
formas distintas de estar presente conforme a tonalidade de-
sejada para cada segmento. Do mesmo modo, a chamada voz
over tem sua forma própria de modular sua presença.

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13.14. Voz over e voz off: são duas formas de presença da voz
humana que cumprem funções distintas. A voz off correspon-
de a uma fala de personagem presente na cena e que, neste
momento, se encontra fora do campo visível. Isto acontece, por
exemplo, num diálogo em que a câmera põe em foco a per-
sonagem que está ouvindo alguém que está com a palavra e,
estando na cena, ocupa uma porção do espaço fora do nosso
campo de visão, o chamado espaço off. Esta montagem é mui-
to frequente em cenas em que duas ou mais pessoas conver-
sam ou em que alguém fala para uma plateia, pois nem sempre
a atenção da câmera se volta para quem está com a palavra. A
voz over ocorre quando, num flashback, ouvimos a voz da per-
sonagem que está recordando uma situação e a comentando
enquanto na tela desfilam imagens dos fatos relacionados com
sua recordação. Ou também quando uma personagem em
cena permanece em silêncio, mas ouvimos os seus pensamen-
tos na trilha sonora. O caso mais interessante e rico de voz over
em sua forma e significação se dá quando esta voz é o canal de
expressão de um protagonista que narra a sua própria história
ao longo do filme. Temos aí um amplo leque de opções para
que isto se conduza de forma criativa neste jogo de voz narra-
dora e cenas visíveis, com distintas modulações e funções. Esta
forma é de uso frequente em filmes que adaptam romances,
notadamente quando, no livro, a palavra da personagem atua
como voz narradora. Pode também ocorrer o caso no qual a
voz narradora do romance, como também do filme, não seja a
da personagem, mas de um narrador onisciente e ausente das
cenas de começo a fim.

Observação: é comum haver o uso da expressão voz off no


caso em que, neste glossário, uso voz over. O objetivo desta dis-
tinção é deixar clara a diferença entre esses dois tipos de pre-
sença da voz, cada qual dotado de estatuto e função próprios,
notadamente no plano dramático e na estrutura geral de uma
narrativa no cinema.

13.15. Montagem vertical: este é o termo usado para identificar


esta relação entre imagem e voz over. Forma de caracterizar
a variada relação entre o desenrolar das cenas e esta voz que
se sobrepõe a elas, seja porque expressa um pensamento de
personagem que, estando em cena, guarda para si (e para o es-
pectador) suas emoções e opiniões, seja porque é um ato típico

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a um narrador cuja voz se faz presente com total controle da
relação entre som e imagem ao longo do filme.

14. Estilo: na história das diversas linguagens artísticas, não há


uma definição única de estilo e também para o cinema este é
um conceito que pode variar. Mas, para este curso, podemos
definir como estilo o conjunto de técnicas - ou ainda de esco-
lhas técnicas - aplicadas por um cineasta ou equipe de cinema
para a narrativa de uma obra cinematográfica. Essas técnicas
podem ser identificadas e classificadas em relação a diferentes
aspectos da feitura de um filme: encenação, iluminação, repre-
sentação, cenário, enquadramentos, foco, movimentos de câ-
mera, formas de montagem, uso do som, entre outros. Esses
aspectos podem ser determinados por diversas circunstâncias:
conforme o contexto histórico e cultural, de produção, de tec-
nologia disponível, de exibição ou de intenção autoral. Esse sis-
tema formal, portanto, pode se referir desde às características
de um autor (o estilo de Glauber Rocha, por exemplo) até às ca-
racterísticas estéticas de um grupo ou movimento (o Cinema
Novo, a Nouvelle Vague), de um gênero (o faroeste, o musical)
ou ainda mais geral, como a distinção entre os estilos clássico e
moderno. Pode marcar e ser marcado por uma época ou cultu-
ra distinta ou ser atemporal e universal.

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