A16 QUINTA-FEIRA, 15 DE OUTUBRO DE 2009
O ESTADO DE S.PAULO
VIDA&
AQUECIMENTO GLOBAL
Força-tarefa estuda
meta ambiental de Dilma
Ministérios tentam alinhar expectativa de crescimento econômico com
redução de emissão de CO2; governador de São Paulo critica a ministra
Lígia Formenti
Vannildo Mendes
João Domingos
BRASÍLIA
Após o pedido da ministra da
Casa Civil, Dilma Rousseff, pa-
ra que as metas ambientais
apresentadas pelo Ministério
do Meio Ambiente (MMA) fos-
sem revistas com o objetivo de
ampliar a previsão de cresci-
mento do País, os ministérios
começaram ontem um esforço
concentrado de adequação da
proposta.OInstitutodePesqui-
sas Econômicas Aplicadas
(Ipea) foi contratado com a mis-
são de adaptar o estudo inicial –
que previa crescimento de 4%
do País e redução de 40% nas
emissões de gás carbônico em
2020 – ao cenário da ministra,
que aponta crescimento anual
da economia de 5% a 6%.
Ontem, o governador de São
Paulo, José Serra (PSDB), dis-
se que crescimento econômico
não é “incompatível” com a pre-
servação do meio ambiente.
“Não é incompatível com um
crescimento mais rápido. Os ju-
ros siderais e o câmbio megava-
lorizadosãomuito piores parao
crescimento do que qualquer
medida de defesa do ambien-
te”, criticou o governador, pro-
vável candidato do PSDB à Pre-
sidência da República em 2010.
Em viagem pelo Rio São
Francisco, Dilma reafirmou
que não vê razões para calcular
o crescimento do Brasil em tor-
no de 4% nos próximos 20 anos,
como fizera o Ministério do
Meio Ambiente. “Dá para fazer
cenários com o crescimento de
5%, 6%”, disse a ministra. O ce-
nário de crescimento real de 4%
havia sido apresentado pelo mi-
nistro do Meio Ambiente, Car-
los Minc, durante reunião com
Dilma e o presidente Luiz Iná-
cioLulada Silva,anteontem,pa-
ra tratar da proposta que o Bra-
sil levará em dezembro para a
conferência sobre o clima.
Mincsugeriuumprojetopre-
vendo redução de 80% no des-
matamento da Amazônia até
2020 e congelamento nas emis-
Capitalpaulista instala novo
comitê demudanças climáticas
Tomou posse ontem o Comitê
Municipal de Mudança do Cli-
ma e Ecoeconomia de São Pau-
lo, responsável por organizar e
fiscalizar a implantação das
medidas previstas na Lei Muni-
cipal de Mudança do Clima na
capital paulista. Aprovada em
junho, a lei reúne diretrizes e
ações para reduzir em 30% a
emissão de gases-estufa até
2012. A referência é o ano de
2005, quando foram emitidas
15.738.241 toneladas de gás car-
bônico na cidade.
Segundo a Prefeitura, o tra-
balho do grupo será garantir a
redução de 10% dos gases, por-
que 20% das emissões teriam
Crescimento emite 200 milhões de t a mais
Com taxa de 6%, CO2 extra equivaleria a 50% do desmatamento anual
Afra Balazina
Se nada for feito para frear as
emissõesnacionais degases-es-
tufa e o crescimento do País for
de 6% ao ano, o Brasil deve ter
uma emissão anual em 2020 de
pelo menos 3 gigatoneladas de
Estados querem mais recursos
Os governadores dos nove Es-
●● ●
tados da Amazônia Legal e seis
ministros ou representantes de
ministérios envolvidos no debate
sobre as mudanças climáticas,
como o do Meio Ambiente, Car-
los Minc, e o de Ciência e Tecnolo-
gia, Sérgio Rezende, encontram-
se amanhã no Fórum de Macapá,
coordenado pelo governador do
Amapá, Waldez Goes (PDT).
A tendência, segundo Waldez,
será a de incluir na pauta, como
prioridade, as áreas de florestas
como mercado de carbono. “Te-
mos de pensar num Fundo Am-
biental que deverá ser de pelo
menos 2% do PIB mundial (cerca
de US$ 1,24 trilhão) até 2020”,
sões de CO2, um dos principais
causadores do efeito estufa, em
relaçãoa2005.MasMincesbar-
rou no “desenvolvimentismo”
da ministra, que quer taxa de
6%. No novo panorama, as me-
tas de redução do desmate po-
dem ficar inalteradas, mas as
propostasparadiminuira emis-
são de CO2 têm de ser recalcula-
das para patamares menores.
O ministro da Justiça, Tarso
Genro, até manifestou, publica-
mente,mas semressonância no
Os maiores
emissores
Países industrializados
e emergentes estão 5,8 bi (t/ano)
na liderança A geração de energia por
queima de carvão é a
principal causa, mas o modo
de vida dos americanos
colabora substancialmente
População em
milhões de
habitantes
(em 2005)
sido cortadas com a instalação
de usinas de biogás nos ater-
ros Bandeirantes e São João.
Anteontem, na Assembleia
Legislativa de São Paulo foi
aprovada a Política Estadual
de Mudanças Climáticas. O pro-
jeto prevê redução de 20% das
emissões de CO2 até 2020 em
relação a 2005. O governador
José Serra (PSDB-SP) come-
morou a aprovação e chamou
de “ultrapassada” a visão de
que desenvolvimento significa
necessariamente menos cuida-
do com a preservação. “É uma
lei importante e útil de ser leva-
da em conta no momento.” ●
FELIPE GRANDIN e SILVIA AMORIM
CO2. No cenário apresentado
anteontem pelo Ministério do
Meio Ambiente (MMA) ao pre-
sidente Luiz Inácio Lula da Sil-
va, que considera um cresci-
mento de 4% ao ano, as emis-
sões seriam de 2,8 gigatonela-
das de CO2 em 2020.
disse. “Se isso não for feito ago-
ra, a situação chegará a tal ponto
que 30% do PIB mundial não re-
solverão mais o problema.”
Para o governador, foi um er-
ro o Protocolo de Kyoto não ter
incluído as florestas no crédito de
carbono. Ele lembrou que 98%
das florestas do Amapá estão
preservadas. “Nós queremos re-
ceber recursos pela floresta em
pé. O tratado de Kyoto prevê be-
nefícios para áreas degradadas,
mas para a preservação não exis-
te pagamento”, afirmou. Os go-
vernadores amazônicos defen-
dem o REDD, mecanismo que
prevê o comércio de créditos de
carbono. ● J.D.
governo, apoio às metas de
Minc. “São razoáveis. Eu acho
que esse é o destino da humani-
dade. Um desenvolvimento
com sustentabilidade.”
Apesar do apoio, o MMA já
trabalha com outro panorama.
“Havíamos feito um estudo
com panorama que achávamos
razoável, que era de 4%. Mas,
diante do pedido de Dilma, uma
série de alterações terá de ser
feita”, contou a secretária de
Mudanças Climáticas do
EUA*
302,741
Brasil*** O País é um dos
maiores emissores
1,48 bi do mundo,
especialmente pelo
(t/ano) desmatamento e
queima da
floresta
amazônica
Impactos no Brasil do aumento da temperatura
A temperatura brasileira já subiu 0,75ºC no século 20
O que já aconteceu
CENTRO-OESTE
Chuvas mais
intensas
SUL
Primeira ocorrência de furacão,
o Catarina, em 2004
Portanto, elevar de 4% para
6% o crescimento, na avaliação
preliminar do MMA significa-
ria um aumento do lançamento
do principal gás de efeito estufa
em ao menos 200 milhões de to-
neladas – o equivalente a cerca
de metade do desmatamento
Consórcio usou sala sem Alfabetização fortalece
permissão, diz ministro cérebro de adultos
Provas foram roubadas de local Pesquisadores usaram
utilizado de última hora pelas ex-guerrilheiros colombianos para
empresas responsáveis q PÁG.A18 desenvolver estudo q PÁG.A19
O efeito estufa
Processo natural, que permite à Terra manter uma temperatura
adequada ao desenvolvimento da vida
Como era Com a ação do homem
Uma parte da radiação do ERA Com o excesso de gases
OSF
Sol refletida pela Terra é AT na atmosfera, mais
TR ERA
retida na atmosfera ES OS
F radiação solar
OP
TR fica presa e leva ao
aquecimento
ENERGIA SOLAR ENERGIA SOLAR
Parte da
Parte da
radiação volta
radiação volta ao espaço
ao espaço
MMA, Suzana Khan. Técnicos
terão de correr. A ideia é que,
até o dia 20, o plano esteja com
todos os detalhes acertados.
O empenho em cumprir essa
Termômetro
meta vai além da contratação Aumento de temperatura em CONSEQÜÊNCIAS
(SEM AÇÕES DE
de trabalho externo. Hoje será relação a 1980-99
ADAPTAÇÃO)
realizada a terceira reunião so-
breotema nestasemana.E,des-
ta vez, em terreno da ministra: Até 2 bilhões de
a Casa Civil. Com a nova proje- +4ºC pessoas sofrerão com
escassez de água
ção de crescimento, há dois ca-
minhos. O mais provável é o de
reduzir as metas de queda do +3,8ºC Mais de 40% das
espécies terão
ritmo de emissão de CO2 até
desaparecido
2020. A alternativa restante se-
ria aumentar os esforços – o Um quinto da
que incluiria mais recursos e população mundial será
mais áreas abrangidas – para +3,5ºC vulnerável a enchentes
manter a meta de congelar as
emissões nos níveis de 2005. Haverá perdas na
No plano inicial foram estu- +3,2ºC agricultura em latitudes
dadas medidas nas áreas de altas e baixas
energia, indústria, desmata-
mento e resíduos. Duas áreas 30% das áreas
consideradas de alto potencial alagadas costeiras
demelindrepolítico–agricultu- +3ºC terão sumido
30 milhões a
ra e transportes – estavam into- 120 milhões de pessoas
cadas. Mas, como agora há o a mais sofrerão fome
aval de Dilma, o Ipea recebeu
recomendações do MMA de in- 20% a 30% das
cluir medidas nessas áreas. Até espécies estarão sob
anteontem, a ala desenvolvi- risco de extinção
mentistadogoverno considera-
va razoável reduzir a emissão +2,5ºC Os recifes de corais
estarão mortos em
de carbono entre 20% e 30% até praticamente todo o
2020. Pelos cálculos do MMA, mundo
esse porcentual poderia chegar
a 40%. ● COLABOROU SILVIA AMORIM
China* +2ºC Milhões de pessoas
Rússia**
6,2 bi
estarão expostas a
2,29 bi inundações nas costas
União (t/ano)
(t/ano)
Européia**
143,170
3,88 bi (t/ano)
1.312,253
Japão**
489,686
1,26 bi 127,449
Índia*** (t/ano)
1,23 bi
(t/ano)
186,075
*Dados referentes a 2006, de
acordo com levantamento da
1.130,618 Agência Holandesa de
Avaliação Ambiental
**Dados de 2005
***Dados de 1994
O que pode acontecer
A linha costeira já retrocedeu
ENTRE ENTRE A Ilha de Marajó pode perder de
COSTA 1915 E 1985 E
1950 1995 28% a 36% da área para o mar
ILHA DE
MARAJÓ
80 m 25 m
NORDESTE
Recifes de corais podem morrer
RECIFE
e o clima pode passar de semi-
Teve 35% a mais de noites quentes e árido para árido
SUDESTE
10% a menos de noites frias
Praias em São Vicente, Santos e Guarujá Menos chuvas no
correm risco de perder boa parte da faixa Pantanal; espécies Alterações de migrações de aves
SUL
de areia de peixes, jacarés e
tuiuiús ficarão
COSTA COSTA
ameaçados Uma elevação do mar de 50 cm
ATUAL ORIGINAL
provocaria a inundação de 30% das
áreas com matas nativas da Ilha dos
Marinheiros, na planície costeira do RS
INFOGRÁFICO/AE
tos da desertificação, do nível
do mar, do número de enchen-
tesedaseveridadedetempesta-
a projeção de 2,8 gigatoneladas
de CO2. Mas a ministra Dilma
Rousseff solicitou que fossem
des. Mas, enquanto países in- feitosnovosestudos,comproje-
dustrializadosdevemter metas ções de crescimento do País de
obrigatórias de redução global 5% e 6% ao ano. Se com o cená-
de emissão, espera-se de países rio de 4% de crescimento as
atual da Amazônia por ano. em desenvolvimento, como o emissões voltariam a ficar per-
Areduçãodasemissõesévis- Brasil, que continuem crescen- to do patamar de 1994, com 6%
ta como necessária mundial- do, mas que reduzam a taxa de devem ficar no nível atual.
mente,pois asmudanças climá- aumento de emissões. O MMA optou por utilizar
ticas já afetam diversos países e Na proposta do MMA, o des- em seus cenários a média de 4%
ilhas e podem gerar efeitos trá- matamento deveria ser reduzi- de crescimento ao ano porque o
gicos para as pessoas nos próxi- do em 80% até 2020 e as emis- Plano Decenal de Energia tam-
mosanos.Sãoprevistosaumen- sões, diminuídas em 40% sobre bém utiliza esse valor. ●