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SUMÁRIO

• Apresentação
• Introdução
• Parte I – Base Conceitual
 O consumo e os circuitos econômicos
 As relações de consumo
• Parte II – Contextualização
 Ambiente mundial e brasileiro: crescimento econômico e concentração de renda
 Brasil atual: a relação entre renda e rendimentos
 Brasil atual: fatores macroeconômicos
• Parte III – Renda e Consumo em Juçaral
 A comunidade: Juçaral e a cidade do Cabo de Santo Agostinho
 A pesquisa
• Resultados
• Conclusões
• Referências Bibliográficas
• Apêndice

1
APRESENTAÇÃO

Este artigo pretende analisar o perfil de consumo das famílias de Juçaral, uma
comunidade pobre e urbana. Juçaral é um distrito do município do Cabo de Santo Agostinho,
localizado na região metropolitana do Recife. Apesar de não se tratar de um estudo
longitudinal, com o perfil de consumo mapeado será possível identificar em que medida o
comportamento de consumo mudou em função da elevação da renda, comparando os dados
obtidos com médias históricas nacionais e pesquisa qualitativa.
Numa introdução apresentamos a tendência mundial a combinar avanço da globalização
com aumento das desigualdades sociais para chamar a atenção sobre o fato de o Brasil ter
experimentado o rumo oposto. Em seguida, expomos as bases conceituais adotadas, com
destaque para as idéias defendidas pelo geógrafo Milton Santos.
Procuramos, então, fazer um esforço para contextualizar as mudanças recentes
observadas no Brasil para, numa última parte, relatar e analisar o caso de uma comunidade
urbana no nordeste brasileiro. Os resultados de pesquisa feita nessa comunidade servem para
fundamentar as conclusões apresentadas nesse artigo, atinentes, sobretudo às mudanças no
perfil do consumo das camadas populares associadas ao processo de elevação dos níveis de
rendimento das famílias.

INTRODUÇÃO

Segundo o relatório do FMI – World Economic Outlook: Globalization and Inequality,


publicado em outubro de 2007, o crescimento econômico obtido pelos países em
desenvolvimento nas últimas duas décadas, veio acompanhado da elevação da desigualdade na
distribuição de renda (IMF, 2007a:139). Este processo se repete em quase todas as macro-
regiões definidas pelo FMI (a exceção da Africa sub-saariana e dos países do Commonwealth),
mas existem algumas exceções dentro destes grupos, dentre elas o Brasil. De 1990 até 2004 o
índice de Gini1 do Brasil passou de 60,68 para 56,99. Apesar dos bons resultados, o Brasil
ainda é um dos países mais desiguais do mundo, estando entre um dos dez piores índices de
Gini da base de dados do Banco Mundial2 (World Bank, 2007). Um aspecto que vale ressaltar é
que a diminuição da concentração de renda faz com que os avanços econômicos sejam
percebidos de maneira distinta pelas diferentes camadas da população: enquanto os 20% mais
ricos têm a percepção de viver em um país em recessão, os 20% mais pobres vivem uma
situação de franco crescimento econômico. Isso se deve ao fato de que a renda dos 20% mais
pobres se elevou à média de aproximadamente 5% ao ano entre 2001 e 2004 enquanto a renda
dos 20% mais ricos decresceu em aproximadamente 2% ao ano no mesmo período (Barros et
al, 2006:31-33). Este fenômeno vai ter um impacto fundamental no consumo das famílias, um
dos foco centrais do presente estudo.
Sob a ótica do consumo das famílias mais pobres, é natural imaginar que na medida em
que exista melhoria na distribuição de renda, haja também maior acesso ao consumo de

1
Dito de uma maneira bastante simplificada, o índice de Gini é obtido à partir de uma curva de Lorenz, de forma
que quanto mais próximo de zero for o resultado melhor a distribuição de renda. Para maiores detalhes sobre a
obtenção do índice veja (Barros et al, 2006: 30)
2
É importante frisar que esta base não contém todos os países do mundo. Estão presentes os países em
desenvolvimento, o que para nossa análise é suficiente, sobretudo se considerarmos que os países desenvolvidos
possuem também os menores índices de Gini, de forma que mesmo que exista um erro na afirmação de que o
Brasil esta entre os 10 piores índices de Gini do mundo, certamente este erro não será muito grande.

2
produtos modernos, sobretudo com a queda dos juros e aumento do acesso ao crédito
observado nos últimos anos. Dito de outra forma, as famílias mais pobres têm experimentado
um acesso cada vez maior ao chamado circuito superior3 da economia (Santos, 2004).

PARTE I – BASE CONCEITUAL

O CONSUMO E OS CIRCUITOS ECONÔMICOS4

Na década de 70, Milton Santos desenvolveu a teoria do circuito superior e circuito


inferior da economia no sentido de preencher uma lacuna conceitual existente na época. As
teorias de então que tratavam da urbanização e dos processos de troca no espaço urbano não
conseguiam dar conta de processos ocorridos nos países do terceiro mundo. Isso porque,
segundo o próprio Milton Santos, aqueles que tentaram teorizar sobre estes processos no
terceiro mundo, o fizeram de maneira superficial, pois tentaram basear suas teorias em
comparações com os países ocidentais já em fase adiantada de urbanização (Santos, 2004:16).
Tomemos uma definição simplificada do que seriam estes dois circuitos do próprio
Milton Santos (ver quadro I):
“O circuito superior é resultado direto da modernização tecnológica e seus elementos
mais representativos são os monopólios. A maior parte de suas relações ocorre fora da cidade
e da área que a circunda porque este circuito tem um quadro de referências nacional ou
internacional. O circuito inferior consiste de atividades em pequena escala e diz especialmente
respeito à população pobre. Contrariamente ao circuito superior, o inferior é bem
sedimentado e goza de relações privilegiadas com sua região. Cada circuito forma um sistema,
isto é, um subsistema do sistema urbano.” (Santos, 2007:126).
A motivação para tal definição veio da observação da enorme disparidade de renda em
países subdesenvolvidos e a dificuldade de inclusão dos cidadãos como consumidores dos
setores formais e modernos da economia.
O país mudou muito em três décadas. Só para se ter uma idéia, em 2006, 97,7% da
população dispunha de energia elétrica, 91,4% possuía televisão e 88% possuía geladeira
(IBGE, 2007a:191-192). Os dados do censo de 1970 do IBGE, nos mostra uma realidade bem
diferente. Somente 44% da população possuía energia elétrica, 24% possuía geladeira e 21%
tinha televisão, isso sem contar que não existia internet nem inclusão digital. Hoje 22,1% dos
domicílios possuem computador e 16,9% têm acesso à internet. A TV e a internet têm papel
fundamental na difusão de informações e da comunicação, sobretudo quando elas são utilizadas
como ferramenta de vendas. Grande parte do faturamento das TVs abertas vem das

3
Milton Santos define o conceito de circuito superior e inferior em seu livro “O Espaço Dividido” de 1979, como
uma alternativa às teorias que vinham sendo desenvolvidas na época e que não conseguiam responder a alguns
aspectos específicos dos países subdesenvolvidos por serem estas teorias pensadas e analisadas em contextos
muito diferentes daqueles encontrados nestes países. Desde então o mundo sofreu transformações tais que
demandam uma releitura destes conceitos a luz destas mudanças, mas a essência do conceito permanece, o que
se altera são a sua abrangência e a maneira como se manifesta e pode ser observado.
4
Milton Santos afirmou em seu livro, “O espaço dividido” que “É, com efeito, difícil e arriscado interpretar
realidades novas, em processo de mudança rápida, baseando-se totalmente em autores que já se tornaram
clássicos” (Santos, 2004:30). Quase 30 anos depois do lançamento da primeira edição do livro citado, ele já é um
clássico. Apesar do que foi dito por ele, sua teoria continua atual. A base conceitual continua sendo válida, vale a
pena, no entanto, fazer uma releitura com relação aos aspectos da realidade, visto que o Brasil do fim da década
de 1970 era muito diferente do Brasil do final dos da década de 2000.

3
propagandas e do merchandising de produtos em seus programas. Se somarmos a isso o fato de
que cada vez mais o conceito de cidadania se mescla com o de acesso ao consumo, temos que,
o poder de influenciar o consumo através da comunicação é enorme. O efeito prático disso no
contexto atual é que existe um estreitamento entre os dois circuitos e de fato o acesso ao
consumo moderno se expande cada vez mais.
Quadro I

Fonte: (Santos, 2007:127).


Em função das mudanças pelas quais o país passou nas últimas décadas, a releitura do
conceito dos dois circuitos da economia feita por Ricardo Mendes Antas Jr. se mostra mais
adequada:
“A diferença fundamental entre o circuito inferior e o circuito superior está baseada
nas diferenças de tecnologia e organização. O circuito superior apresenta altos índices de
capital intensivo, forte organização burocrática, alianças de capitais nacionais e
internacionais, pouco emprego de força de trabalho em relação à produção, assalariamento,
estoques com controles sofisticados e alocados mundialmente, capacidade de manutenção de
preços fixos e geralmente altos, intensa publicidade, alianças com o Estado, voltado para a
exportação, entre outras características. Já o circuito inferior apresenta trabalho intensivo,
organização simples ou mesmo primitiva, trabalho informal, preços variáveis conforme a
conjuntura econômica, pouca ou nenhuma publicidade, custos fixos desprezíveis, estoques
pequenos, artigos ilegais ou contrabando (para o caso do comércio), relação direta com a
clientela, entre outras.” (Antas Jr., 2007:94).

4
Em sua teoria, Milton Santos acaba por se contrapor e fazer uma releitura da teoria dos
lugares centrais, pois segundo ele, esta teoria não considera todos os movimentos relativos à
ocupação do espaço e suas relações de consumo e produção. Em outras palavras ele insere os
circuitos inferior e superior no cerne da A teoria dos lugares centrais e os circuitos superior e inferior
questão (figura 1).
É importante notar que nas
metrópoles (A) e cidades
intermediárias (B), o circuito inferior
aumenta em importância na medida em
que se afasta do centro, já nas cidades
locais (C), o circuito inferior assume
papel central. Na realidade existe uma
gradação entre as cidades e seus
circuitos: quanto maior a cidade, maior
sua zona de influência, mais central é o
circuito superior e mais periférico é o
circuito inferior, quanto menor a
cidade, mais o comportamento inverso
é verificado.
O que nos interessa deste
esquema é saber se houve variação
desta gradação no tempo e de que
forma a melhor distribuição de renda
interferiu neste processo, no sentido de
analisar se houve maior acesso aos
produtos do circuito superior nas
comunidades menores e de baixa
renda, lembrando sempre que o foco
central deste trabalho é analisar o perfil
de consumo das famílias. Figura 1 – Hexágono de Christaller modificado pela existência dos
circuitos superior e inferior – Fonte (Santos, 2004:358)
AS RELAÇÕES DE CONSUMO

Quando se estuda economia, normalmente as análises estão muito ligadas aos aspectos
macroeconômicos e da produção e suas conseqüências, o consumo surgindo como um dado de
suporte aos demais aspectos. Por sua vez, os estudos acabam se concentrando naquilo que
ocorre no circuito superior da economia. A compreensão daquilo que se consome envolve
aspectos que vão muito além do trânsito de capitais. Entender o perfil de consumo de uma
determinada população nos ajuda a compreender melhor os aspectos relacionados com a sua
história, cultura e ocupação do espaço.
Ao longo do tempo a informação assumiu um papel bastante importante nas relações de
consumo, como já afirmara Milton Santos: “Pela primeira vez na historia dos países
subdesenvolvidos, duas variáveis elaboradas no centro do sistema encontram uma difusão
generalizada nos países periféricos. Trata-se da informação e do consumo – a primeira
estando a serviço do segundo -, cuja generalização constitui um fator fundamental de
transformação da economia, da sociedade e da organização do espaço. No que concerne ao
espaço, as repercussões desse novo período histórico são múltiplas e profundas para os países
subdesenvolvidos. A difusão da informação e a difusão das novas formas de consumo
constituem dois dados maiores da explicação geográfica. Por intermédio das suas diferentes
repercussões, elas são ao mesmo tempo geradoras de forças de concentração e de forças de
5
dispersão, cuja atuação define as formas de organização do espaço.” (Santos, 2004:35). O que
se tem visto é que a televisão por ser o segundo eletrodoméstico mais vendido no país
(perdendo apenas para o fogão) (IBGE, 2007a:186), é também o principal meio de difusão de
informação e de propaganda.
O marketing surge neste contexto e dá a tônica das informações que são transmitidas
sobretudo pela televisão. A partir da década de 40 foram desenvolvidos estudos visando
compreender os motivos que levavam os consumidores a adquirir determinado produto ou não.
“Verifica-se que, com a descoberta de novos mecanismos de estímulo no processo de consumo
(aspectos psicológicos, sociais e culturais) pelos especialistas de marketing, a racionalidade
das ações de marketing (produzir um bem ou serviço de acordo com as necessidades práticas
dos indivíduos) foi incorporada a novas dinâmicas de sedução e persuasão.” (Silva,
2007:154). Para se ter uma idéia da importância do marketing para a televisão, tem-se que em
1962 a TV captava 24% dos investimentos publicitários, passando a 33% em 1965, 52% em
1976 e mais de 60% nos anos 1980, o que na época representava USD 1,8 bi. Em 2005 os
investimentos publicitários foram da ordem de R$ 34,4 bi sendo 48% destinado à televisão, ou
seja, R$ 16,5 bi (ou algo em torno de USD 9,1 bi) (Antas Jr., 2007:98). Ainda neste sentido o
marketing faz com que a mercadoria não valha pelo seu valor de uso, mas pelos símbolos
culturais que ela representa. “A manipulação do elemento cultural torna-se a vértebra, o eixo
principal, ou seja, o fio condutor de todo o processo de gestão mercadológica” (Silva,
2007:155). O marketing, ao mesmo tempo em que adapta os signos de um determinado produto
para se adaptar a uma determinada cultura, também a modifica, pois este é o princípio do
consumo de massa.
Todo este movimento não ocorre por acaso, o alcance da televisão no Brasil passou de
68,88% em 1991 para 86,02% em 2000 (PNUD, 2003) e, finalmente para 91,4% em 20065
(IBGE, 2007a:186). A cisão da economia em dois circuitos ocorre no mesmo momento em que
a difusão das informações toma maiores proporções, pois, a partir da sedução promovida pelo
marketing, o consumidor irá sempre buscar saciar suas necessidades dentro do possível. No
entanto, o crescimento da renda não acompanhou a diversificação da demanda, tornando o
circuito inferior o único caminho possível para atender as expectativas criadas (Antas Jr.,
2007:95-96).
Dois outros conceitos dão suporte às afirmações acima: Consumerismo e consumidor
mais-que-perfeito.
“O termo consumerism, ou consumerismo, refere-se ao processo de aceleração do
consumo vivido pelo capitalismo contemporâneo. No período da economia ancorada na
produção, potencializou-se a poupança para investimentos na produtividade. No presente, a
tônica passou a ser instigar o consumo para a sustentação desse sistema de produção em
grande escala.” (Silva, 2007:153). A conseqüência de tal comportamento é o fato de o
indivíduo sempre buscar elevar o seu padrão de consumo, visto que isso é associado ao status
social.
O consumo de determinados produtos acaba desencadeando o consumo de outros como
se existisse um enquadramento do consumidor, aumentando seu próprio consumo. Por
exemplo, para se ter a televisão é necessário antes ter energia elétrica e o consumo desta
energia abre outras possibilidades, como rádio, DVD, computador, etc. Tendo o computador,
talvez se queria ter acesso à internet, o que vai forçar o consumidor a ter uma linha telefônica e
assim sucessivamente. Desta forma, sempre existirá algo razoavelmente inovador para instigar
o consumo, uma coisa sempre levando à outra (Antas Jr., 2007:96).

5
Em percentual de domicílios.

6
O conceito de consumidor mais-que-perfeito, também cunhado por Milton Santos, é
decorrente desta busca pelo consumo no sentido de inseri-lo como cidadão, visto que o
indivíduo deixa de ser cidadão e consumidor e passa a ser cidadão-consumidor, ou seja, um
determinado indivíduo é mais cidadão na medida em que ele ascende na escala social e por isso
também consome mais. Como o marketing sempre cria novas necessidades, nunca existirá uma
satisfação plena, levando a um processo de alimentação continua (Antas Jr., 2007:99).
A questão que surge aqui é de saber se o acesso ao circuito superior também foi
facilitado às populações de baixa renda. Se a informação, no sentido em que promove o
marketing dos produtos e seus significados, instiga o consumidor a consumir cada vez mais,
visto que este é o seu comportamento natural de inserção social, será que ele opta naturalmente
também por efetuar suas transações no circuito inferior, pela proximidade e facilidade, ou este
consumidor, em tendo a possibilidade e o acesso, não faria a opção natural pelo circuito
superior da economia? Existem indícios de que não é somente o consumo que torna o
consumidor mais cidadão, mas a maneira como ele consome. Por exemplo, as Casas Bahia
foram o maior anunciante do Brasil no ano de 2005, com uma verba total de R$ 2,4 bi, sendo
que o segundo colocado neste ranking é a Unilever com investimentos da ordem de R$ 491,8
milhões (Antas Jr., 2007:96). O público alvo das Casas Bahia são justamente os consumidores
de baixa renda e, obviamente as Casas Bahia fazem parte do circuito superior da economia.
Este movimento pode ser sentido mesmo onde não existem as Casas Bahia, pois lojas similares
ocupam este espaço com a mesma estratégia. O consultor Renato Meirelles do DataPopular
vem disseminando a idéia de que existe um consumidor popular que movimenta R$ 500 bi por
ano e que as empresas só não conseguem obter maiores fatias deste mercado pois elas têm
muita dificuldade de dialogar com este público (Meirelles, 2008). Isto nada mais é do que uma
tentativa de trazer este consumidor que, de uma maneira ou de outra, já consome, para o
circuito superior da economia, desde que ele se reconheça nos esforços de marketing e não se
sinta marginalizado. Some-se a tudo isso as transferências governamentais e o acesso mais fácil
e barato ao crédito e tem-se uma diminuição na distância que separa os dois circuitos da
economia. Se a informação cria esta cisão, ela também tem o poder de diminuir esta distância,
sobretudo com as condições macroeconômicas brasileiras atuais.

PARTE II - CONTEXTUALIZAÇÃO

AMBIENTE MUNDIAL E BRASILEIRO: CRESCIMENTO ECONÔMICO E


CONCENTRAÇÃO DE RENDA

O mundo vem experimentando uma fase de crescimento contínuo ao longo dos últimos
anos. Entre 1995 e 2006 a média de crescimento mundial foi superior a 4% ao ano (IMF,
2007b), o que em termos absolutos é excelente e tem permitido uma maior integração e
amadurecimento das economias nacionais. Esta boa notícia entretanto, vem acompanhada de
uma outra nada positiva: esta geração de riqueza não está distribuindo renda, ou pior, está
havendo uma tendência à concentração de renda na grande maioria dos países, conforme
mostra o gráfico 1.
É importante notar que a América Latina e Caribe são a única região apontada que
apresenta índice de Gini acima de 50, sendo que a maior parte da população mundial está
situada em uma faixa onde o índice de Gini não é superior a 40. Isso demonstra que, se ao
mesmo tempo existe um grande caminho a percorrer, existe também uma grande oportunidade
de melhoria. Neste contexto, apesar de o Brasil representar uma exceção em termos de
tendência, o índice de Gini apurado para o ano de 2004 foi de 56,99 (World Bank, 2007)
(gráfico 2), ou seja, ainda temos um índice superior à média da própria América Latina e
Caribe.
7
Em seu relatório anual (World Economic Outlook) o FMI aponta como causa principal
da concentração de renda o progresso tecnológico (IMF, 2007a:159) em virtude de as
populações mais pobres terem menor
acesso à educação e menor condição
de se inserir no mercado de trabalho,
visto que a renda advém
prioritariamente do trabalho, para a
maior parte da população.
Neste estudo o FMI
estabeleceu diversos indicadores,
dentre eles um relativo à
globalização. Em uma primeira
leitura, poderia se esperar que a
globalização fosse um dos aspectos
fundamentais no processo de
concentração de renda, mas isso não
se verificou. O FMI analisa o
Gráfico 1 – Média regional do índice de Gini – Fonte (IMF, 2007a:140)
indicador globalização em 3
aspectos: exportação, liberação de tarifas e investimento estrangeiro direto (investimento
produtivo). No caso específico da América Latina e Caribe, o impacto da globalização no
índice de Gini foi nulo, pois a
exportação e a liberação de
tarifas promovem a melhoria do
índice de Gini na mesma
proporção em que a entrada de
capitais externos de investimento
direto promove a concentração
de renda (IMF, 2007a:154),
anulando qualquer impacto.
No Brasil o que se tem
observado é que o índice de Gini
vem recuando sistematicamente
desde o início dos anos 90
Gráfico 2 –Índice de Gini, países selecionados – Fonte (IMF, 2007a:140) (gráfico 3) e apresentou uma
importante aceleração entre os
anos de 2001 e 2004. Os 3 principais fatores que influenciaram a variação do índice de Gini
neste período foram (Barros et al, 2006:18-22):

1. As transferências governamentais (bolsa família, benefícios de prestação continuada –


BPC e aposentadorias e pensões públicas) - responsáveis por ⅓ desta queda;
2. Distribuição dos rendimentos do trabalho (sobretudo em dois aspectos: queda da
desigualdade educacional e queda das diferenças de remuneração) com contribuição
também de ⅓ da queda
3. Maior integração espacial entre os mercados de trabalho de municípios de uma mesma
UF (Unidade da Federação), responsável por 20% da queda (no mesmo período, no
entanto, não se verificou aumento da integração espacial entre diferentes UFs, o que
seguramente teria tido um impacto significante se tivesse ocorrido).
Os 14% restantes se dividem entre diversos fatores de menor peso6.
6
Para maiores detalhes ver (Barros et al, 2006:73).

8
É importante notar que, como o impacto das novas tecnologias tem estreita relação com
nível de escolaridade e diferenciação na remuneração do trabalho, o Brasil acaba anulando os
potenciais efeitos negativos do progresso tecnológico com a melhoria da educação e a
homogeneização dos rendimentos do trabalho.

Gráfico 3 – Evolução do índice de Gini no Brasil – Fonte (Barros et al, 2006:31)

BRASIL ATUAL: A RELAÇÃO ENTRE RENDA E RENDIMENTOS

A renda do indivíduo está diretamente relacionada com sua capacidade de trabalho e sua
remuneração, de forma que existe um estreito relacionamento entre renda e produção. Já os
rendimentos, englobam a renda, além de todo e qualquer tipo de transferência ou ganhos não
oriundos do trabalho. Nesse sentido quando falamos em distribuição de renda, estamos na
verdade nos referindo aos rendimentos das famílias.
O que a melhoria na distribuição de renda tem nos mostrado é que o rendimento das
famílias mais pobres tem sido muito impactado pelas transferências públicas. Para se ter uma
idéia, o valor do bolsa família para um grupo familiar composto por um casal e três crianças
onde somente um dos adultos trabalhe e ganhe salário mínimo é de R$ 45,00 (MDS, 2007), ou
seja, o rendimento desta família que era de aproximadamente R$ 345,00 (valor líquido) passou
a ser de R$ 390,00, um aumento da ordem de 13%. Se tomarmos um caso ainda mais extremo e
acrescentamos um parente inválido nesta mesma família, neste caso o benefício passaria para
R$ 95,007, elevando os rendimentos a R$ 440,00, ou um ganho de 27%. O impacto desta
injeção de recursos não é nada desprezível. Entre 2001 e 2004, 5 milhões de brasileiros
deixaram a zona de extrema pobreza (Barros et al, 2006:17), apesar de estes resultados serem
fruto não só das transferências públicas, mas de todos os fatores já abordados, é razoável pensar
que para a faixa da população que se encontra na extrema pobreza o impacto das transferências
é muito mais significante do que o impacto dos demais fatores.
Para se ter uma idéia do volume de transferência efetuado pelo Estado, temos que o
Bolsa família distribuiu aproximadamente R$ 10 bilhões para 11,2 milhões de famílias (36,7
milhões de pessoas) no ano de 2007, segundo dados do MDS (Ministério do Desenvolvimento

7
A diferença no valor dos benefícios esta relacionada com a renda per capita apurada. O benefício variável é
igual a R$ 15,00 por criança na família (limitado ao número de 3) e desde que a renda per capta não ultrapasse
os R$ 120,00. Nos casos mais extremos, onde a renda per capta não atinja os R$ 60,00, o beneficiário faz juz
também ao benefício básico, de R$ 50,00.

9
Social) (MDS, 2008), e o BPC nas categorias idosos e PDC (pessoas com deficiência) somado
a outros programas de assistência social atendeu a 15 milhões de pessoas com um aporte de R$
12,5 bilhões no ano de 2007 (MDS, 2008), isso significa um aporte da ordem de R$ 2 bilhões
por mês. Desde meados da década de 90 o governo vem aumentando constantemente os
volumes destas transferências. Em 1996, o FNAS (Fundo Nacional de Assistência Social) foi
da ordem de R$ 1,09 bi (0,07% do PIB), passando a R$ 2,16 bi (0,14% do PIB) em 1997 e
chegando a R$ 10,58 bi (0,55% do PIB) em 20068 (IPEA, 2007a:107-108). O Bolsa família,
por sua vez, aportou recursos da ordem de R$ 5,92 bi em 2004 e R$ 6,60 bi em 2005 (IPEA,
2007a:110). Outra transferência de ordem de grandeza ainda superior são as transferências
previdenciárias. Entre 1995 e 2006 eles saltaram de R$ 80 bi para R$ 190 bi9 (IPEA, 2007b).
Este aporte de recursos, além de beneficiar diretamente as famílias participantes,
beneficia também os municípios onde elas vivem (mesmo que indiretamente), pois a tendência
é de que os municípios mais pobres tenham uma maior concentração de famílias pobres,
fazendo com que os recursos sejam utilizados no comércio local, dinamizando a economia.
Na medida em que o Estado injeta uma soma de recursos considerável na economia
através das transferências públicas, ocorre um processo de descolamento entre a produção, os
rendimentos e, por conseguinte, o consumo. Este último é o objeto principal deste estudo.
O resultado disso é que a percepção a respeito do crescimento da economia difere
segundo as classes sociais. No período compreendido entre 2001 e 2004, se tomarmos os 20%,
mais pobres, o crescimento experimentado por eles é de aproximadamente 5% aa (gráfico 4),
enquanto o crescimento percebido pelos 20% mais ricos é de -2% aa. Se tomarmos valores
mais extremos ainda, temos que para os 10% mais pobres o crescimento médio foi de 7,2% aa e
para os 10% mais ricos foi de -2,4% aa (Barros et al, 2006:31-33).

Gráfico 4 – Distribuição dos países do mundo segundo sua taxa de crescimento – Fonte (Barros et al, 2006:33)

Outro fator que contribui para a melhoria da renda per capita das famílias é o fato de o
número de adultos por unidade familiar estar aumentando. Uma vez que estes adultos têm mais
condições de trabalhar e de gerar renda, existe uma tendência de melhoria da renda total do

8
O FNAS não engloba o bolsa-família, porém o BPC está aí incluído. Como não é possível ter uma série histórica
do bolsa-família anterior a 2003, este indicador nos serve de base.
9
A preços de Julho de 2006.

10
domicílio (Barros et al, 2006:48). Este fator vai ter um impacto muito importante no
comportamento de consumo, pois ele promove “ganhos de escala”, na medida em que permite
o compartilhamento de diversos recursos (moradia, energia, móveis, etc.), fazendo com que o
excedente possa ser usado para outras finalidades que podem ser desde a satisfação de
necessidades básicas até a inserção em um padrão de consumo superior.

BRASIL ATUAL: FATORES MACROECONÔMICOS

A massa financeira gerada pelas transferências, associada à estabilidade econômica, a


queda dos juros, aumento na oferta de crédito (e o conseqüente alongamento nos prazos),
apesar de não ter nenhuma correlação com a elevação dos rendimentos das famílias, vai ter
impacto direto no comportamento de consumo, fazendo com que, cada vez mais, as famílias
consigam elevar o padrão de consumo e se inserir verdadeiramente na economia de mercado. O
volume de crédito destinado a pessoa física passou de 5% do PIB em dezembro de 2002, ou R$
87,1 bi para 11,5% do PIB em setembro de 2007, com um montante de R$ 295,4 bi. A taxa de
juros de mercado que chegou próxima de 60% aa no início de 2003, declinou para
aproximadamente 35% em setembro de 200710 (Mantega, 2007:32-33). Existem hoje, taxas de
juros para financiamento de veículos inferiores à própria taxa SELIC11 e parcelamento em até
84 meses12.

dez-07

Gráfico 5 – Cotação do dólar entre 2001 e 2007 – Fonte: Banco Central

O câmbio também exerce influência na relação de consumo. Via de regra, os produtos


com grande aporte de tecnologia são compostos por um grande número de componentes
importados e desta forma sofre grande influência do câmbio. Já as commodities, mesmo
aquelas que são produzidas em território nacional, têm seus preços balizados por bolsas
internacionais, sofrendo a mesma influência. Desta forma, a apreciação do Real fez com que
muitos produtos ficassem mais baratos e acessíveis ao consumo da maioria das famílias. Entre

10
Não estamos falando aqui de taxa Selic, mas da taxa média aplicada pelo mercado financeiro e apurada pelo
Ministério da Fazenda.
11
A taxa SELIC em 07/12/2007 era de 11,25% aa.
12
Estas informações são de conhecimento público e estão estampadas em diversas propagandas.

11
2001 e 2007, o dólar apresentou grandes oscilações em relação ao Real, mas desde meados de
2004 essa apreciação tem sido constante e consistente (gráfico 5). No final de 2002, o dólar
chegou a quase R$ 3,80, atingindo uma marca inferior a R$ 1,80 no final de 2007. Isso
significa uma queda de mais de 50% do custo em dólar13.
Ilustrando o efeito prático disso, com a elevação da renda, as famílias puderam usar o
excedente para compra de produtos mais sofisticados àqueles que estavam habituadas. Um
produto importado que custasse cerca de R$ 1.000,00 em 2002, poderia estar custando cerca de
R$ 500,00 em 2007 e não é difícil encontrar financiamentos em 12 parcelas de R$ 50,0014.
Considerando nosso passado recente, isso seria impensável, seja pela falta de excedente, seja
pela alta inflação, ou ainda pelos juros exorbitantes.

PARTE III – RENDA E CONSUMO EM JUÇARAL

A COMUNIDADE: JUÇARAL E A CIDADE DO CABO DE SANTO AGOSTINHO

Para tentar
compreender melhor a
realidade de uma
comunidade de baixa
renda, foi efetuada uma
pesquisa na comunidade
de Juçaral, distrito da
cidade do Cabo de Santo
Agostinho, região
metropolitana de Recife.
O distrito de
Jussaral15 foi criado em
07 de dezembro de 1892 Figura 3 – Foto de Juçaral (vista a partir do morro da pimenta)
pela lei municipal no 3
(IBGE, 2007b:1). O município do Cabo de Santo Agostinho é composto por outros dois
distritos: Ponte dos Carvalhos e Santo Agostinho. As discrepâncias de renda e condição social
são enormes, pois o município de 448 Km², se estende desde o litoral até o interior tendo boa
parte de seu território localizado na zona rural. Como é próprio da formação do Brasil, tem-se o
litoral com belas praias e atividade econômica desenvolvida e o interior pobre e uma economia
substancialmente agrícola, muito calcada na cana-de-açucar. O município do Cabo de Santo
Agostinho abriga o principal distrito industrial do Estado de Pernambuco e grande parte da
atividade econômica se deve ao porto de Suape e ao turismo de sol-e-mar desenvolvido em
praias como Gaibu ou Suape, além do patrimônio histórico encontrado ao longo de todo o
litoral (CODEPE/FIDEM, 2007:2). Este cenário lhe confere uma estrutura social bastante
desigual, como nos mostra a evolução do índice de Gini do município que saltou de 51 em
13
Como o objetivo deste trabalho esta relacionado com o consumo interno, não entraremos em detalhes em
relação ao impacto que a apreciação do Real gerou para os exportadores.
14
Mesmo que os juros embutidos nas parcelas sejam proibitivos, o acesso ao crédito nunca foi tão grande e o
seu custo tão barato. Talvez pela falta de educação financeira, talvez porque o brasileiro esteja habituado a
pensar em termos de valor de prestação e não de custo total, essa abordagem tem obtido bastante êxito.
15
As duas grafias “Jussaral” e “Juçaral” são encontradas e denominam igualmente o mesmo distrito, no entanto,
a segunda grafia é mais comum.

12
1991 para 57 em 2000, mesmo período em que se verificou um grande crescimento da renda
per capita e redução da proporção de pobres (tabela I). Neste período as atividades do porto de
Suape praticamente triplicaram, passando de 1,35 milhões de toneladas em 1991 para 3,95
milhões de toneladas em 2000 (SUAPE,
2007). Em função destes números é Localização do Cabo de Santo Agostinho
razoável concluir que as atividades
econômicas correlatas também evoluíram
na mesma escala. Apesar de não termos
números para o mesmo período, a
pesquisa do IBGE sobre o PIB dos
municípios nos mostra que de 1999 a
2005 o PIB do Cabo de Santo Agostinho
variou de R$ 1,36 Bi (IBGE, 2005:79)
para R$ 2,85 Bi (IBGE, 2007c:79). A
evolução econômica do município
associada ao índice de Gini nos mostra
que ela ocorreu de maneira desigual.
É bastante difícil conseguir
informações específicas de Juçaral e
muitas das informações do município do
Cabo de Santo Agostinho talvez não
reflitam a realidade da comunidade em Figura 2 – Localização do Cabo de Santo Agostinho
função das grandes diferenças existentes
entre as diferentes áreas do município, entretanto alguns dados podem ser úteis no sentido de
situar o leitor sobre a realidade de que estamos tratando.
Segundo o censo de 2000, o município do Cabo de Santo Agostinho possui 153 mil
habitantes, sendo que 88% vivem na zona urbana e 12% na zona rural, destes, 7207 (4,7% do
município) vivem em Juçaral sendo que na zona rural vivem 4937 (68,5% da comunidade e
3,2% do município) e na zona urbana 2270 (31,5% da comunidade e 1,5% do município)
(CODEPE/FIDEM, 2007:2). Somente este último grupo será objeto deste estudo. Por estes
números já é possível perceber que a ocupação do espaço se dá de maneira diferente entre a
comunidade e a média do município.
A zona urbana de Juçaral conta com 509 domicílios, perfazendo uma média de 4,6
habitantes por domicílio. Em termos de renda, 55% da população do município ganha menos de
2 salários mínimos e a renda per capita é de R$ 132,01 (tabela 1).
TABELA I

Pela evolução apresentada existe uma melhora dos indicadores sociais, mas em virtude
do perfil da comunidade e do próprio índice de Gini, seus índices não devem ser melhores do
que aqueles apresentados para o município.
A PESQUISA

Esta pesquisa seguiu os mesmos moldes da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de
Domicílios) do IBGE. Os questionários utilizados para apurar os resultados da PNAD são os da
13
POF (Pesquisa de orçamento familiar). Estas pesquisas estão entre as mais complexas do IBGE
e naturalmente, elas vão muito além do escopo proposto neste projeto, no entanto, o material
utilizado é muito rico. Neste sentido os formulários empregados na pesquisa foram versões
simplificadas da POF, com alguns elementos qualitativos, mas sem alterar a estrutura e a
essência da POF.
Na PNAD a coleta de dados é feita por um pesquisador que acompanha a família, ou
mais precisamente, os membros de um determinado domicílio por um período de uma
semana16. Nossa proposta foi de realizar a pesquisa e ter os questionários preenchidos em um
final de semana, sendo que muitos dos dados obtidos na PNAD por observação, foram obtidos
aqui por auto-declaração. Também não foram pesquisadas profundamente todas as dimensões
apresentadas na PNAD, mas sim aquelas despesas da POF relacionadas com os grupos de
produtos da PMC (Pesquisa Mensal do Comércio - IBGE) que apresentaram crescimento de
vendas acima da média brasileira.
Do ponto de vista estatístico, não se teve a pretensão de fazer uma validação que
permitisse inferir o comportamento de outras comunidades, nem mesmo de toda comunidade
de Juçaral. Os resultados obtidos são válidos para a amostra coletada e sua importância está
justamente em levantar hipóteses que poderão ou não ser verificadas por estudos mais
aprofundados.

A PMC

A referência tomada para definir o que pesquisar na comunidade foi a PMC (Pesquisa
Mensal do Comércio). O IBGE apresenta os resultados da PMC mensalmente em todas as
unidades da federação.
O último relatório disponível até o momento é o de setembro de 2007 e o que nos
interessa é o resultado acumulado dos últimos 12 meses, evitando oscilações bruscas ou
sazonais. Como o objetivo do trabalho é identificar mudança de comportamento de consumo,
nos interessa analisar o consumo sob o aspecto dos grupos de produtos cujas vendas tiveram
maior crescimento positivo para o comércio. A partir desta observação pretende-se identificar a
possível migração de recursos de um grupo de produtos para outro, assim como identificar
possíveis mudanças na forma como se consome, ou seja, analisar se realmente existe uma
migração do circuito inferior para o circuito superior.
A PMC passou por alguns ajustes de metodologia ao longo do tempo e uma destas
mudanças foi a ampliação do conceito de “comércio varejista”. O conceito utilizado até 2003
incluía os 8 primeiros itens da tabela II, enquanto que o conceito de “comércio varejista
ampliado”, utilizado a partir de 2004, incluiu os itens “Veículos e motos, partes e peças” e
“Material de construção” (incluindo o comércio atacadista). Para nossa análise vamos utilizar o
segundo conceito, que se apresenta mais amplo.
Das dimensões pesquisadas pela PMC, destacamos então os cinco itens que
apresentaram crescimento acima da média17 em volume de vendas entre outubro de 2006 e
setembro de 2007 (tabela 2):

16
A PNAD considera para efeitos práticos que os conceitos de domicílio e de família se aproximam muito, a
ponto de poder analisá-los indistintamente. Mesmo considerando que existe um erro nesta premissa, este erro,
na prática, pode ser desprezado.
17
Apesar de utilizarmos o conceito de “Comércio Varejista Ampliado”, a média utilizada foi a de “comércio
varejista”.

14
• Móveis e eletrodomésticos;
• Equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação;
• Outros artigos de uso pessoal e doméstico;
• Veículos e motos, partes e peças;
• Material de construção.
TABELA 1
TABELA II
BRASIL - VOLUME DE VENDAS DO COMÉRCIO VAREJISTA E COMÉRCIO VAREJISTA AMPLIADO
SEGUNDO GRUPOS DE ATIVIDADES PMC - 2007
INDICADOR MÊS/MÊS (*) INDICADOR MENSAL ACUMULADO
Taxa de Variação Taxa de Variação Taxa de Variação
ATIVIDADES
JUL AGO SET JUL AGO SET NO ANO 12 MESES

COMÉRCIO VAREJISTA (**) 0,6 1,1 1,4 9,3 10,3 8,5 9,6 8,9
1 - Combustíveis e lubrificantes -0,7 1,5 -0,4 4,7 4,1 4,0 5,0 2,5

2 - Hiper, supermercados, prods.


alimentícios, bebidas e fumo 0,7 -0,9 3,0 4,9 6,2 6,2 6,6 6,8

2.1 - Super e hipermercados 1,1 -0,8 3,3 5,1 6,5 6,4 7,1 7,3

3 - Tecidos, vest. e calçados -3,6 4,2 -2,1 10,4 13,0 6,9 10,1 7,6

4 - Móveis e eletrodomésticos -1,1 5,0 0,1 18,2 17,2 12,7 16,3 15,0

5 - Artigos farmaceuticos, med.,


ortop. e de perfumaria - - - 9,9 11,1 9,4 8,1 6,8

6 - Equip. e mat. para escritório


informatica e comunicação - - - 34,0 35,3 30,4 25,9 24,3

7 - Livros, jornais, rev. e papelaria - - - 9,7 11,9 4,8 7,1 5,1

8 - Outros arts. de uso


pessoal e doméstico - - - 24,2 24,4 20,0 23,4 22,1

COMÉRCIO VAREJISTA AMPLIADO (***) - - - 13,4 15,2 11,9 13,6 12,2

9 - Veículos e motos, partes e peças 1,2 4,6 -1,1 22,8 26,0 19,8 22,9 20,2

10- Material de Construção - - - 8,7 10,3 9,1 9,6 9,1


Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Serviços e Comércio.
(*) Séries com ajuste sazonal
(**) O indicador do comércio varejista é composto pelos resultados das atividades numeradas de 1 a 8.
(***) O indicador do comércio varejista ampliado é composto pelos resultados das atividades numeradas de 1 a 10

No tocante a “Outros artigos de uso pessoal e doméstico” foi necessário recorrer à


CNAE (Classificação Nacional das Atividades Econômicas) versão 1.0, conforme metodologia
da PMC (IBGE, 2007d:4) para saber exatamente o que estava englobado neste item18, desta
forma obtivemos 19 sub-grupos (conforme tabela III).
Deste grupo serão selecionados ou reagrupados, aqueles que são aparentemente mais
relevantes em função da comunidade estudada sendo os demais itens foram endereçados
indiretamente ou agrupados em uma classificação “outros” no questionário, desta forma
reduzimos os itens para os seguintes19,:

• Lojas de departamentos, magazines ou variedades;


• Comércio varejista de artigos de "souvenires", bijuterias e artesanatos;

18
A PMC faz referência aos códigos 5215 e 5249 encontrados na versão 1.0 da CNAE. Estes itens nos remetem a
uma lista de 19 subgrupos e 157 atividades distintas. Neste trabalho o enfoque será nos 19 subgrupos,
selecionando aqueles que forem mais adequados. Mais detalhes: http://www.ibge.gov.br/concla/default.php
19
Esta seleção é arbitrária e toma como base o conhecimento tácito do autor a respeito da comunidade, em
função disso alguns dados e informações não serão capturados na pesquisa.

15
• Comércio varejista de bicicletas e triciclos; suas peças e acessórios
• Comércio varejista de peças e acessórios para eletrodomésticos e aparelhos
eletrônicos - exceto peças e acessórios para informática

TABELA III
Subgrupos da CNAE relacionados com “Outros artigos de uso pessoal e doméstico”
5215 Comércio varejista nao especializado, sem predominancia de produtos alimenticios
5215-9/01 Lojas de departamentos ou magazines
5215-9/02 Lojas de variedades, exceto lojas de departamentos ou magazines
5215-9/03 Lojas duty free de aeroportos internacionais
5249 Comércio varejista de outros produtos nao especificados anteriormente
5249-3/01 Comércio varejista de artigos de otica
5249-3/02 Comércio varejista de artigos de relojoaria e joalheria
5249-3/03 Comércio varejista de artigos de "souveniers", bijuterias e artesanatos
5249-3/04 Comércio varejista de bicicletas e triciclos; suas peças e acessorios
5249-3/05 Comércio varejista de artigos esportivos
5249-3/06 Comércio varejista de brinquedos e artigos recreativos
5249-3/07 Comércio varejista de plantas e flores naturais e artificiais e frutos ornamentais
5249-3/08 Comércio varejista de artigos de caca, pesca e "camping"
5249-3/09 Comércio varejista de armas e muniçoes
5249-3/10 Comércio varejista de objetos de arte
5249-3/11 Comércio varejista de artigos para animais, raçao e animais vivos para criaçao doméstica
Comércio varejista de peças e acessorios para eletrodomésticos e aparelhos eletronicos - exceto peças e acessorios
5249-3/12 para informatica
5249-3/13 Comércio varejista de fogos de artificio e artigos pirotécnicos
5249-3/14 Comércio varejista de embarcaçoes e outros veiculos recreativos; suas peças e acessorios
5249-3/15 Comércio varejista de produtos saneantes - domissanitarios
5249-3/99 Comércio varejista de outros produtos nao especificados anteriormente

Somando estes itens aos quatro já mencionados – “Móveis e eletrodomésticos”,


“Equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação”, “Veículos e motos,
partes e peças” e “Material de construção, teremos oito temas básicos para a pesquisa. É
importante salientar que a PMC tem foco nas vendas do comércio e que estes itens precisam ser
traduzidos nos termos da POF, pois, como já foi mencionado, os questionários20 desta pesquisa
foram uma versão simplificada da POF.

A PMC e a POF

Uma vez definido o conjunto de fatores relevantes da PMC, faz-se necessário identificar
os grupos de despesas utilizados na POF. Para esta pesquisa foi utilizada a POF 2002-2003
como base.
Para alinhar todos estes fatores foram enumeradas todas as macro-despesas descritas na
POF, tentando identificar quais delas são relevantes em função da análise prévia da PMC,
conforme tabela IV. Destas 47 macro-despesas identificamos 28 que estão relacionadas com a
PMC. Para torná-las mais compreensíveis, elas foram agrupadas em 7 grandes grupos,
conforme tabela V.

20
Estes formulários não serão objeto de discussão mais profunda no texto deste trabalho, pois isso implicaria em
um outro formato de texto que não fosse um artigo.

16
A POF é composta de duas partes: uma relativa às despesas e outra relativa ao
rendimento. A pesquisa realizada seguiu esta mesma estrutura. Desta forma, foi necessário que
todas as dimensões existentes na POF fossem endereçadas nesta pesquisa, para que houvesse
uma relação entre os rendimentos e as despesas, ou seja, para que não existissem rendimentos
sem destinação, nem despesas que não tenham o seu rendimento correspondente. Assim a
classificação apresentada na tabela V não é um limitador da pesquisa, mas uma forma de
organizar melhor os temas considerados mais relevantes. Alguns temas da tabela V foram
aprofundados e as perguntas do questionário foram estruturadas de forma a responder a esta
necessidade.

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TABELA IV

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Relação entre as macro-despesas da POF e aspectos relevantes da

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REFERÊNCIA TÍTULO
POF 2 - 07 Despesas do domicílio principal com serviços públicos ou similares
POF 2 - 08 Despesas com manutenção e pequenos reparos com habitação, jazigo e jardinagem XX XX

POF 2 - 09 Despesas com consertos e manutenção de móveis, aparelhos, máquinas e utensílios de uso doméstico XX XX
POF 2 - 10 Despesas do domicílio principal com habitação
POF 2 - 11 Despesas com construção, reforma de habitação e jazigo XX
POF 2 - 12 Despesas do domicílio principal com outros serviços de utilidade pública e habitação
POF 2 - 13 Despesas com aluguel de aparelhos e utilidades de uso doméstico XX XX
POF 2 - 15 Despesas com aquisição de aparelhos e máquinas de uso doméstico XX XX XX XX
Despesas com aquisação de instrumentos e acessórios musicais e fotográficos, artigos para
POF 2 - 16 acampamento, máquinas de escritório e utilidades de uso doméstico XX XX
POF 2 - 17 Despesas com aquisição de móveis XX XX
POF 2 - 18 Despesas com aquisição de artigos de decoração e forração XX XX
POF 2 - 19 Despesas com serviços domésticos
POF 3 Despesas com alimentos e bebidas
POF 3 Despesas com artigos de higiene pessoal e limpeza doméstica
POF 3 Despesas com combustíveis de uso doméstico (exceto gás e lenha) XX
POF 3 Despesas com comidas e artigos para animais
POF 3 Despesas com outras pequenas compras (vela, pilha, lâmpada, etc.) XX XX
POF 4 - 22 Despesas com comunicações XX
POF 4 - 23 Despesas com transportes XX
POF 4 - 24 Despesas com alimentação fora de casa
POF 4 - 25 Despesas com fumo XX
POF 4 - 26 Despesas com jogos e apostas
POF 4 - 27 Despesas com leitura XX XX
POF 4 - 28 Despesas com diversão, esportes e uso de celulares XX XX
POF 4 - 29 Despesas com produtos farmacêuticos
POF 4 - 30 Despesas com artigos de toucador XX XX
POF 4 - 31 Despesas com serviços pessoais
POF 4 - 32 Despesas com artigos de papelaria, livros não-didáticos e assinatura de periódicos XX XX
POF 4 - 33 Despesas com brinquedos e material de recreação XX XX XX
POF 4 - 34 Despesas com roupas de homem XX
POF 4 - 35 Despesas com roupas de mulher XX
POF 4 - 36 Despesas com roupas de criança XX
POF 4 - 37 Despesas com artigos de armarinho, tecidos e roupas de banho, cama e mesa XX
POF 4 - 38 Despesas com bolsas, calçados e cintos XX
POF 4 - 39 Despesas com utensílios avulsos e artigos de banheiro, copa e cozinha XX
POF 4 - 40 Outras despesas
POF 4 - 41 Despesas com viagens
POF 4 - 42 Despesas com serviços de assistência à saúde
POF 4 - 43 Despesas com acessórios e manutenção de veículos XX
POF 4 - 44 Despesas com seviços bancários, de cartório e profissionais
POF 4 - 45 Despesas com cermônias familiares e práticas religiosas
POF 4 - 46 Despesas com jóias, relógios, aparelhos e acessórios de telefonia celular XX XX XX XX
POF 4 - 47 Despesas com outros imóveis
POF 4 - 48 Despesas com contibuições, transferências e encargos financeiros
POF 4 - 49 Despesas com educação
POF 4 - 50 Despesas com documentação, seguro e outros gastos com veículos XX
POF 4 - 51 Despesas com aquisição de veículos XX

17
TABELA V

RELAÇÃO DOS TEMAS PRINCIPAIS – OBJETOS DA PESQUISA


DESPESAS COM AQUISIÇÃO E MANUTENÇÃO DE MÓVEIS, ELETRODOMÉSTICOS E ARTIGOS PARA O LAR DESPESAS COM TRANSPORTES E MANUTENÇÃO E AQUISIÇÃO DE VEICULOS
Despesas com consertos e manutenção de móveis, aparelhos, máquinas e utensílios de uso doméstico Despesas com combustíveis de uso doméstico (exceto gás e lenha)
Despesas com aluguel de aparelhos e utilidades de uso doméstico Despesas com transportes
Despesas com aquisição de aparelhos e máquinas de uso doméstico Despesas com acessórios e manutenção de veículos
Despesas com aquisição de móveis Despesas com documentação, seguro e outros gastos com veículos
Despesas com aquisição de artigos de decoração e forração Despesas com aquisição de veículos
Despesas com utensílios avulsos e artigos de banheiro, copa e cozinha
DESPESAS COM COSMÉTICOS, FUMO E PEQUENAS COMPRAS
DESPESAS COM TECIDOS, VESTUÁRIO, ACESSÓRIOS, CAMA, MESA E BANHO Despesas com outras pequenas compras (vela, pilha, lâmpada, etc.)
Despesas com roupas de homem Despesas com fumo
Despesas com roupas de mulher Despesas com artigos de toucador
Despesas com roupas de criança
Despesas com artigos de armarinho, tecidos e roupas de banho, cama e mesa DESPESAS COM A MANUTENÇÃO DE IMÓVEIS
Despesas com bolsas, calçados e cintos Despesas com manutenção e pequenos reparos com habitação, jazigo e jardinagem
Despesas com construção, reforma de habitação e jazigo
DESPESAS COM ESPORTE, LAZER E CULTURA
Despesas com leitura DESPESAS COM COMUNICAÇÕES E AQUISIÇÃO OU MANUTENÇÃO DE JOIAS, RELÓGIOS E CELULARES
Despesas com diversão, esportes e uso de celulares Despesas com comunicações
Despesas com artigos de papelaria, livros não-didáticos e assinatura de periódicos Despesas com jóias, relógios, aparelhos e acessórios de telefonia celular
Despesas com brinquedos e material de recreação
Despesas com aquisação de instrumentos e acessórios musicais e fotográficos, artigos para acampamento, máquinas
de escritório e utilidades de uso doméstico

A amostra

A amostra utilizada foi bastante reduzida em função dos recursos disponíveis para a
pesquisa. O objetivo foi o de conseguir 30 entrevistas. Ao final do processo o número
conseguido foi de 36. No intuito de minimizar possíveis erros devido a entrevistas realizadas
em domicílios de situação muito similar, adotou-se como critério a seleção de domicílios
geograficamente dispersos, partindo da premissa de que famílias que moram próximas têm
situação socioeconômica similar. Assim, a expectativa foi de ter uma amostragem mais
representativa da situação do distrito, selecionando uma casa por rua, partindo do centro para a
periferia (figura 4).

FIGURA 4 – Mapa de Juçaral e entrevistas realizadas.


18
RESULTADOS

Os resultados serão apresentados em quatro grandes itens:

• Caracterização do domicílio;
• Características socioeconômicas;
• Renda;
• Consumo.

Os resultados referentes à caracterização do domicílio e características socioeconômicas


são aqueles em que se obteve melhor qualidade dos dados, por serem calcados em perguntas
mais concretas. Já os resultados de renda e consumo apresentam diversas incertezas devido a
dois fatores preponderantes: as respostas eram por auto-declaração e os entrevistadores tinham
pouca experiência neste processo.
No sentido de melhorar a qualidade da amostra, os resultados foram analisados sob duas
óticas: a da amostra completa e reduzida. Isso foi feito, sobretudo para reduzir as discrepâncias
entre os resultados de renda e consumo. A amostra reduzida foi obtida utilizando somente os
questionários onde a diferença entre o total da renda e o total consumido fossem superiores a
25%. O inconveniente desta abordagem foi a redução de 36 questionários para apenas 15. No
entanto a qualidade e a precisão de resposta destes 15 questionários tornam o resultado mais
confiável, para algumas análises. Só para se ter uma idéia, a diferença entre o total dos
rendimentos e o total das despesas no ano, no caso da amostra completa foi de 17% enquanto
na amostra reduzida esta diferença foi de apenas 0,6%. Se o grupo pesquisado incluísse
indivíduos da classe média, poderia se imaginar que este “excedente” de 17% estaria sendo
aplicado em alguma forma de poupança, porém não houve nenhuma resposta ao questionário
indicando que se fizesse poupança na comunidade. Além disso, com o nível de renda
apresentado dificilmente seria cabível imaginar que houvesse condições para se poupar. Para a
caracterização do domicílio e características socioeconômicas foi utilizada a amostra completa,
para os demais as duas foram utilizadas de acordo com a necessidade.

Caracterização do domicílio

Foram feitas entrevistas em 36 domicílios, representando uma população de 147


pessoas, com uma média de 4,1 moradores por domicílio.
Por se tratar de uma comunidade pobre, é importante ressaltar a abrangência de alguns
serviços públicos. No caso de abastecimento de água, 86% da população possui fornecimento
legalizado da COMPESA, 78% da CELPE e 80% da população é atendida pela coleta de lixo
(na porta de casa ou em uma rua próxima). O problema maior surge quando a questão é
escoamento sanitário. Grande parte da população pesquisada que mora próxima ao rio que corta
a cidade efetua seu escoamento por esta via. Aqueles que estão mais distantes afirmam ter fossa
em casa. Desta forma 44% da população efetua seu escoamento sanitário no rio, enquanto 50%
afirma ter fossa. Somente um respondente afirmou ter esgoto. Com relação à pavimentação,
44% dos domicílios possuía pavimentação na rua onde estava localizado. É importante salientar
que a distribuição geográfica da pesquisa seguiu o critério de distribuir os questionários do
centro para a periferia, de forma que o número de domicílios (considerando toda a zona urbana)
sem pavimentação na rua é certamente maior que o apresentado.
Apesar de não ter sido quantificado, pois não era foco da pesquisa, muitas pessoas
afirmaram estar satisfeitas com o serviço do posto de saúde, pois o fornecimento de
medicamentos possibilitou o uso da renda para outras finalidades.

19
Analisando-se a estrutura dos domicílios foi possível observar que muitos deles ainda
são de taipa (28%) e alguns em madeira (6%), porém a maioria é de alvenaria (67%).
Curiosamente o piso de cimento predomina em 78% dos domicílios, mostrando que algmas
construções de taipa possuem piso de cimento. Somente 14% possuem piso de terra. Em 91%
dos casos o uso do imóvel é exclusivamente residencial, sendo que os outros 9% fazem as
vezes de comercio e residência. A grande maioria da população possui imóvel próprio e
quitado (78%), existindo, no entanto, uma situação curiosa: o imóvel construído é próprio e
quitado, mas o terreno é alugado. A hipótese mais provável é que o terreno seja fruto de
ocupação e o aluguel sirva para não se configurar uso capião. A média de cômodos nas casas é
de 5,4, sendo 2,4 servindo como dormitório e 1,1 como banheiro. 74% dos banheiros são
privativos internos e o restante é privativo externo à casa. Todos os domicílios possuem
banheiro e nenhum tem uso coletivo.

Características socioeconômicas

No que concerne às características TABELA VI


socioeconômicas vale ressaltar a condição da Características socioeconômicas por gênero
mulher na sociedade. Pela tabela 6 pode se
SEXO FEMININO SEXO MASCULINO
perceber que as mulheres são mais escolarizadas Número total 77 70
e, no entanto, são as que mais sofrem com o Média de idade 29,8 29,9
desemprego. É importante notar que 20% das Instrução
1. Analfabeto 21 20
mulheres possuem o 2º grau completo ou mais, 2. Sabe ler e escrever 3 2
enquanto apenas 6% dos homens apresentam 3. 1o grau incompleto 23 28
esta condição. Na outra ponta 39% das mulheres 4. 1o grau completo 2 2
5. 2o grau incompleto 7 7
se declaram “do lar” ou desempregada, enquanto 6. 2o grau completo 13 4
apenas 14% dos homens se declararam nesta 7. Curso técnico 0 0
situação. Some-se a isso o fato de apenas 13% 8. Curso superior incompleto 1 0
9. Curso superior completo 1 0
das mulheres se declararem chefe de família Situação Ocupacional
enquanto 39% dos homens se declararem nesta 1. Empregado com carteira 0 14
condição, sendo que para esta pesquisa o critério 2. Empregado sem carteira 6 5
3.Funcionário público 0 1
para se determinar quem era o chefe de família 4. Empregado temporário 3 5
estava baseado na renda: aquele que ganhasse 5. Trabalhador voluntário 0 0
mais era considerado o chefe de família. Este 6. Empregador 0 0
7. Autônomo 4 5
tipo de anacronismo tem origem na própria 8. Aposentado/Pensionista 7 5
estrutura econômica da sociedade onde, apesar 9. Aprendiz ou estagiário 0 0
de se tratar de zona urbana, a economia é 10. Bico 3 5
11. Do Lar 14 0
predominantemente rural. Em 53% dos casos o 12. Estudante (não trabalha) 22 16
chefe de família se declarou como trabalhador 13. Desempregado 16 10
rural e 19% se declararam como aposentados. O 14. Outros 1 2
Posição na família
espaço de trabalho para estas mulheres é 1. Chefe 10 27
diminuto e uma das poucas opções existentes é 2. Cônjuge 23 5
buscar trabalho em Vitória de Santo Antão21. 3. Filho 34 29
4. Parente 8 9
Um aspecto de extrema relevância 5. Agregado 2 0
é o fato de em 100% dos domicílios onde havia 6. Outros 0 0

21
Apesar de Juçaral ser um distrito do Cabo de Santo Agostinho, a dinâmica da comunidade está muito mais
ligada a Vitória de Santo Antão em virtude da proximidade. Pelas respostas obtidas, os moradores se deslocam
para a cidade do Cabo somente quando necessitam de serviços públicos especializados e que tenham relação
com o fato de pertencer ao município.

20
criança (até 15 anos), elas estavam matriculadas na escola. Na amostra pesquisada 24% dos
indivíduos têm entre 0 e 15 anos. Pela pirâmide etária da amostra (gráfico 6) pode se observar
uma predominância de mulheres jovens (até 30 anos). As mulheres representam 52% da
população enquanto que os homens representam 48%.

Gráfico 6 – Pirâmide etária da amostra pesquisada

Renda

Os dados referentes à renda apresentam maior incerteza do que os anteriores, seja em


virtude da dificuldade de mensuração, seja pela não declaração de alguns respondentes. Outro
fator complicador nesta medição é a existência de alguns programas sociais locais, como a
distribuição de cestas básicas que não possuem uma freqüência pré-determinada e por esta
TABELA VII
razão não se consegue medir em valor,
Rendimentos segundo a origem mas que certamente tem impacto no
poder de compra das famílias. Além
Soma dos rendimentos R$ 93 765,60 100%
Rendimentos provenientes do trabalho e
disso, muitas famílias recebem ajuda de
da atividade empresarial R$ 74 974,00 80% familiares e amigos, o que não se
Bolsa Família R$ 4 365,60 5% conseguiu mensurar na pesquisa.
Previdência R$ 13 680,00 15% O rendimento médio anual
Outras transferências públicas R$ 696,00 1% apresentado na análise da amostra
Bolsas de estudo R$ - 0% reduzida22 foi de R$ 6.251, ou uma
Pensão, mesada ou doação R$ - 0%
Aluguel R$ - 0%
média mensal de R$ 521, perfazendo
Venda de bens (anual) R$ - 0% uma23 renda média per capita de R$
Herança (anual) R$ - 0% 150 . Este resultado é 14% superior ao
Auxílio doença (anual) R$ - 0% apresentado na tabela I (R$ 132,01 para
Poupança e outros investimentos R$ - 0% o ano de 2000). A mediana da renda foi
Outros R$ 50,00 0% de R$ 5.372, o que resulta em uma
media mensal de R$ 448 e uma renda per capita de R$ 129.
Basicamente os rendimentos são provenientes da força de trabalho, sendo responsável
por 80% do total, seguido pela previdência com 15% e o Bolsa Família com 5% (tabela VII).
As transferências públicas acabam sendo responsáveis por 20% de toda a massa de
rendimentos, o que pode ter contribuído para a elevação da renda per capita apurada. Tomando
a amostra completa 47% das famílias recebem o Bolsa Família, enquanto 25% são beneficiários
da previdência. Isso nos mostra que o alcance do Bolsa Família é maior, no entanto o impacto
financeiro das aposentadorias nas rendas das família é substancialmente mais elevado.

22
Os dados apresentados são predominantemente da amostra reduzida, salvo quando explicitado ao contrário.
23
Na amostra reduzida a média de moradores por domicílio passou de 4,1 para 3,5.

21
A maior renda apurada foi de R$ 12.350 no ano de 2007 e a menor foi de R$ 2.106 no
mesmo período. Este último caso merece destaque, pois significa ter de sobreviver com R$ 175
por mês em uma casa com 2 pessoas. Isso implica em viver com R$ 2,90 por dia. Em tempos
em que o dólar já foi mais caro, esta família seria classificada como miserável (viver com
menos de USD 1 por dia).
No âmbito da pesquisa qualitativa, as pessoas se mostraram bastante pessimistas quanto
às oportunidades de trabalho e elevação da renda. Elas acreditam que houve uma melhora nos
níveis salariais, mas que essa melhora ocorreu na mesma proporção do aumento de preços ou
até em proporções menores, corroendo os possíveis ganhos que elas poderiam obter.

O consumo

Assim como na análise da renda, utilizou-se a base reduzida, pelas razões já descritas.
O consumo médio apresentado foi de R$ 6.214 ao ano ou R$ 518 mensais, muito
próximos aos valores da renda. O consumo das famílias pesquisadas está muito centrado no
supermercado, considerando alimentos e produtos de higiene e limpeza. O supermercado
responde por 60% do consumo, seguido por despesas com transporte e manutenção de veículos
com 8% (tabela VIII). Em outras palavras, os gastos com supermercado são 7,5 vezes
superiores aos gastos do item subseqüente. Isso significa que a análise sobre os outros itens se
dá em termos de nuanças e pequenas diferenças.
O peso total dos itens selecionados para análise (tabela V) é de 28,4% do consumo total.
Do total apresentado para despesas com transporte, manutenção e aquisição de veículos, R$
1.439 está relacionado com transporte alternativo basicamente. A grande mobilidade das
pessoas é em relação ao município de Vitória de Santo Antão e não existe transporte formal
entre Juçaral e a cidade. Todo transporte é feito por caminhonetes que cobram R$ 4,00 a ida e a
volta. A grande maioria das pessoas declarou ir com muito pouca freqüência à cidade,
aproximadamente uma vez por semana. O restante dos gastos está relacionado com a
manutenção e aquisição de veículos. Como a amostra é muito pequena e os gastos relacionados
a posse de veículos são mais elevados, fica difícil afirmar se este comportamento de gasto se
verifica. A título de exemplo, na amostra completa houve um respondente que declarou ter
comprado uma caminhonete de R$ 27.000, o que distorceu completamente os resultados. O que
se tem da amostra completa é que 86% afirmaram nunca ter possuído nenhum tipo de
automóvel, enquanto 12% afirmaram ter adquirido um automóvel ou moto pela 1ª vez nos
últimos 10 anos (mesmo que não possua mais). Mais surpreendente é o fato de 78% nunca ter
tido uma bicicleta e 17% afirmarem ter adquirido uma bicicleta pela 1ª vez nos últimos 10
anos.
Em despesas com aquisição e manutenção de móveis, eletrodomésticos e artigos para o
lar surge o fenômeno do DVD, onde 36% afirmam ter aparelho de DVD o que implica ter TV
também. A TV é o eletrodoméstico mais comum entre as famílias de Juçaral. Apenas 8%
afirmam nunca ter adquirido uma TV. Este número sobe para 19% quando o eletrodoméstico é
o fogão e para 25% quando é a geladeira. Dentre os que adquiriram TV, 61% afirmam tê-lo
feito pela 1ª vez nos últimos 10 anos. Essa é uma das poucas pistas sobre a inserção no circuito
superior da economia encontradas na pesquisa, pois se trata de produtos de maior tecnologia
empregada. Como a pesquisa levantou dados sobre o ano de 2007, foi difícil mensurar o
impacto do acesso ao crédito neste processo de compras nos últimos 10 anos, no entanto, pelo
comportamento de consumo em relação ao crédito em 2007, pode-se supor que o crédito é o
grande agente desta mudança.
Em despesas com a manutenção de imóveis, os gastos foram centrados em materiais de
construção e acabamento. A maioria das pessoas não soube distinguir os gastos em materiais de
construção, louças de cozinha e banheiro e acabamento, enquadrando tudo em material de
22
construção. Pelas declarações dos respondentes, o gasto com materiais de construção esteve
relacionado com a melhoria das condições do domicílio e não com ampliação como poderia se
supor. Isto pôde ser observado pelo elevado número de casa de alvenaria. Muito
provavelmente, este fenômeno pode ser verificado pela redução do número de moradores por
domicílio, reduzindo a necessidade de ampliações e utilizando o recurso para a melhoria das
condições, como por exemplo, no número de casas com piso de cimento e banheiro privativo
interno.
Os gastos com tecidos, vestuário, acessórios, cama, mesa e banho e despesas com
TABELA VIII
Categorias de consumo
TOTAL consumido R$ 93 209,60 100%
Consumo médio por domicílio R$ 6 213,97
Consumo médio per capita R$ 1 792,49
Despesas com supermercado (alimentação, produtos de limpeza, higiene pessoal,
etc.) R$ 55 540,00 59,6%
Despesas com transporte, manutenção e aquisição de veículos R$ 7 460,00 8,0%
Despesas com aquisição e manutenção de móveis, eletrodomésticos e artigos para
o lar R$ 5 463,00 5,9%
Despesas com habitação (aluguel e contas mensais) R$ 4 916,00 5,3%
Despesas com a manutenção de imóveis R$ 4 332,00 4,6%
Despesas com saúde (remédios, plano de saúde, etc.) R$ 4 172,00 4,5%
Despesas com tecidos, vestuário, acessórios, cama, mesa e banho R$ 2 945,00 3,2%
Despesas com cosméticos, fumo e pequenas compras R$ 2 241,00 2,4%
Despesas com comunicação e aquisição ou manutenção de jóias, relógios e
celulares R$ 2 217,60 2,4%
Despesas com esporte, lazer e cultura R$ 1 852,00 2,0%
Despesas com alimentação fora de casa R$ 1 755,00 1,9%
Despesas com educação (mensalidades e taxas, livros, materiais, etc.) R$ 316,00 0,3%
cosméticos, fumo e pequenas compras são efetuados naquilo que as famílias julgam ser o
mínimo necessário. Muitos destes produtos são obtidos por doação. Estas informações foram
difíceis de ser obtidas, de forma que é difícil se ter alguma precisão para se fazer qualquer
análise.
Com relação às despesas com comunicação e aquisição ou manutenção de jóias,
relógios e celulares, a grande maioria dos gastos está relacionada com aquisição e manutenção
de celulares e uso de telefone público. Somente 2 respondentes (6%) possuíam telefone fixo e
não houve nenhuma declaração de gastos para a aquisição ou manutenção de jóias e relógios.
Surpreendentemente, 67% da amostra não possui celular. Uma das expectativas anteriores à
pesquisa era a de que mais pessoas posuíssem celulares, sobretudo porque o celular tem um
caráter mais pessoal do que o telefone fixo, mas isso não se verificou. A razão mais provável
desta baixa adesão ao celular é a baixa qualidade de serviço, pois diversos moradores
reclamaram da falta de sinal para o celular.
Juçaral quase não apresenta opções de lazer e como as pessoas se deslocam pouco, os
gastos com esporte, lazer e cultura são ínfimos. Pouquíssimas pessoas responderam possuir
algum tipo de lazer. Somente 17% responderam ter algum gasto relacionado com esporte ou
lazer.
Apesar de não figurar entre os itens para análise, 2 indicadores de gastos merecem
destaque: os gastos com educação e saúde. É importante notar que ambos são bastante baixos e
pela declaração dos moradores, isso não se configura em negligência ou escassez de recursos,
mas se deve ao fato de o poder público fornecer os medicamentos e a maior parte dos gastos
com educação, seja qual for a esfera do Estado. A presença de oferta de serviços públicos acaba
por ter um impacto significativo no comportamento de consumo das pessoas, liberando
recursos para serem gastos em outras coisas.

23
Do ponto de vista qualitativo a população afirma ter percebido alguma melhora no seu
poder de compra ao longo dos últimos 10 anos. Em 67% dos casos a percepção foi de que
melhorou, sendo que em 17% dos pesquisados afirma ter melhorado muito o seu poder de
compra nos últimos 10 anos.

CONCLUSÕES

O Brasil vem experimentando melhoras sucessivas nos indicadores de distribuição de


renda, o que é uma excelente notícia, no entanto existe ainda um longo caminho a trilhar para
que esta melhora seja efetivamente apropriada pela população e se reverta em resultados
perenes.
A análise do comportamento de consumo já não é algo trivial pela falta de bibliografia a
respeito (esta foi uma das grandes dificuldades deste artigo). Quando se procura fazer este
estudo com enfoque econômico sobre as estratégias de sobrevivência em comunidades de baixa
renda pela análise do consumo, esta costura fica ainda mais difícil. Este talvez seja um dos
aspectos abordados por Milton Santos no qual houve grandes alterações em três décadas: A
dificuldade que as teorias da época tinham de endereçar as questões dos países
subdesenvolvidos persiste na medida em que muito pouco se tem de estudos referentes ao perfil
de consumo de populações de baixa renda. É possível que com a percepção da massa financeira
que esta camada da sociedade representa isto comece a mudar.
O caso de Juçaral nos ajuda a compreender melhor os aspectos da realidade.
Observando o rendimento médio da população pode se perceber que ele está acima dos limites
mínimos estabelecidos pelo Bolsa Família, no entanto a população ainda é muito pobre. Na
verdade eles se encontram no limiar daquilo que o governo define como pobreza extrema.
Desta forma, os critérios criados pelo governo para programas de transferência de renda criam
uma linha imaginária onde, em teoria, não se poderia estar pior. Neste sentido Juçaral poderia
representar o quadro de uma sociedade típica deste limite mínimo. Se o governo continuar
aumentando o aporte de recursos e elevando esta linha imaginária, certamente Juçaral será
muito beneficiada. No entanto o governo não pode (e não deve) elevar este limite
indefinidamente. O que esta realidade nos mostra é que se faz necessária a criação de condições
econômicas para que estas populações possam viver do seu trabalho, sem a necessidade de
migrar para outras regiões. É importante notar o estrangulamento da pirâmide etária entre 30 e
40 anos, quando as pessoas estão no auge de sua capacidade produtiva, provavelmente devido à
migração para outros centros produtivos. Este processo se exacerba na medida em que se
analisa a questão da mulher neste tipo de comunidade. Se fosse levado a cabo um trabalho sério
de inserção destas mulheres na atividade produtiva, o resultado sobre a renda das famílias
poderia ser surpreendente, pois está se falando de uma força produtiva mais capacitada e mais
ociosa.
Em linha com os resultados do IPEA, a percepção da população é de melhora geral no
seu poder de compra, mesmo que eles se mostrem pessimistas em relação à renda. Pode parecer
paradoxal, sobretudo quando se percebe uma melhora na distribuição de renda, mas o
pessimismo não advém do fato de se achar que não houve evolução dos ganhos provenientes do
trabalho, mas de sua insuficiência frente aos gastos básicos e da situação de desemprego,
considerado ainda muito elevado.
Dentro da análise da televisão como ferramenta de marketing, pode se notar que a
população está cada vez mais exposta às tentações de consumo em função do percentual de
famílias que possuem TV (92%), acima da geladeira e do fogão, que em tese deveriam ser mais
difundidos por estarem relacionados com a necessidade básica de se alimentar, no entanto não é
isso que se verifica. Esta análise nos leva à questão principal: Existe um processo de maior
inserção no circuito superior da economia? O próprio consumo de televisores leva a afirmar

24
que sim, mas o que deixa mais evidente é o consumo de aparelhos de DVD, por se tratar de um
produto há pouco tempo no mercado e que se tornou mais acessível há menos tempo ainda.
Neste caso se percebe o desejo de consumo da novidade, de algo que possui mais tecnologia
embutida. Outro aspecto interessante para análise é o consumo de celulares, tanto de aparelho
como de serviço. O baixo consumo não está relacionado com a falta de condições, mas com a
baixa qualidade do serviço. Neste sentido o acesso acaba sendo vedado, mas diferentemente da
relação estabelecida por Milton Santos, a população tem condições econômicas de ter acesso ao
serviço, isso só não ocorre por falta de condições ou interesse das operadoras de telefonia.
Neste momento começa a se observar uma mescla entre o circuito superior e o circuito
inferior da economia. O mercado local continua sendo a origem mais comum das compras, mas
quando existe interesse em se fazer uma compra maior ou economizar mais, as pessoas de
dirigem a Vitória de Santo Antão. Em Juçaral não se conseguiu identificar uma loja de
eletrodomésticos que fosse. Nesse sentido o circuito inferior continua sendo central na vida da
população, mas o circuito superior é acessível, a barreira é meramente geográfica e pode ser
vencida com uma passagem de R$ 4,00, que aliás, é feita com transporte clandestino (circuito
inferior).
Em suma, o circuito inferior ainda é central na vida da população de Juçaral, tal qual
descrito por Milton Santos, mas o acesso ao circuito superior foi muito facilitado, seja pela
elevação da renda, seja pela redução dos preços e acesso ao crédito. O que ocorreu foi um
estreitamento destas diferenças, ou seja, está cada vez mais difícil reconhecer onde começa um
circuito e onde termina o outro e a população tem cada vez mais acesso.
Obviamente alguns produtos do circuito superior continuam inacessíveis à maioria da
população, como o automóvel ou a motocicleta. Ainda seriam necessárias muitas melhorias
para que este acesso fosse possível. Para uma análise mais profunda seria necessário ampliar a
pesquisa, aumentando a amostra para poder diluir um pouco das incertezas das respostas e do
peso de alguns respondentes. O fato de a pesquisa ser efetuada por auto-declaração está no
cerne destas incertezas, pois trás consigo muito de percepção daquele que responde, de forma
que seria muito desejável efetuar uma pesquisa longitudinal para aumentar a confiabilidade dos
dados, porém para aquilo que foi proposto, o processo foi suficiente para se fazer a análise aqui
apresentada.

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25
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<http://iresearch.worldbank.org/PovcalNet/jsp/index.jsp>. Acesso em: 03 dez. 2007.

24
Este endereço é a raiz dos relatórios gerados para cada região e estado. Os dados consolidados do Brasil foram
obtidos a partir destes relatórios. Para não tornar a lista desnecessariamente extensa, foi colocado somente o
link raiz.

26
ANEXO – QUESTIONÁRIO DE PESQUISA

27

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